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Processo n.º 817/2011
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos termos do número 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), decidiu sumariamente o relator não conhecer da questão de inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 34/2004, com a redação introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, «quando interpretada no sentido de que abrange toda e qualquer ação da pessoa coletiva com fins lucrativos, mesmo aquelas que não tenham a ver com o agir societário ou com qualquer relação ou transação comercial», por inobservância do ónus de prévia suscitação, e não julgar inconstitucional a citada norma legal, no segmento em que nega a concessão de apoio judiciário a pessoas coletivas com fim lucrativo, por aplicação da doutrina do Acórdão n.º 216/2010 (decisão sumária n.º 652/2011).
A recorrente A., Lda. reclamou para a conferência da decisão sumária, invocando, em conclusão, que esta viola o artigo 6.º, n.º 1 (direito a um processo equitativo), e 14.º (proibição da discriminação) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e os artigos 8.º, 13.º e 20.º da CRP, pois que, na leitura jurisprudencial do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tais normas convencionais aplicam-se a pessoas singulares e coletivas, pelo que idêntico alcance interpretativo devem ter as normas constitucionais que consagram idênticos direitos e princípios, atento o primado da Convenção sobre o direito nacional e sua aplicabilidade direta.
A recorrida Centro Distrital da Segurança Social do Porto, notificada para o efeito, não apresentou resposta.
2. Cumpre apreciar e decidir.
A reclamante, no que respeita à decisão de não conhecimento, por inobservância do ónus de prévia suscitação, da questão de inconstitucionalidade referente à norma do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 34/2004, com a redação introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, «quando interpretada no sentido de que abrange toda e qualquer ação da pessoa coletiva com fins lucrativos, mesmo aquelas que não tenham a ver com o agir societário ou com qualquer relação ou transação comercial», que cointegrava o objeto do recurso, nada disse, pelo que é de concluir que dela não reclama, tendo, pois, a decisão sumária, nessa parte, transitado em julgado.
No que respeita à questão de inconstitucionalidade que mereceu sumária apreciação de mérito, por aplicação da doutrina do Acórdão do Plenário n.º 216/2010, nenhum argumento invoca a reclamante que abale o entendimento nele firmado.
As invocadas normas dos artigos 6.º e 14.º da Convenção Europeia consagram, respetivamente, o direito a um processo equitativo e o princípio da proibição de discriminação, nos seguintes termos:
«Artigo 6.º
(…)
Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.»
«Artigo 14.º
(…)
O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurada sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação».
Ora, contrariamente ao invocado pela reclamante, e como sublinhado no Acórdão n.º 548/2011, que apreciou reclamação idêntica à presente, igualmente deduzida pela ora reclamante contra juízo de não inconstitucionalidade sumariamente formulado também por remissão para o Acórdão n.º 216/10, «não se afigura que a modelação convencional dos correspondentes direitos e princípios fundamentais, em particular no que respeita ao direito de acesso ao direito e aos tribunais, lhes confira diferente ou mais exigente conteúdo axiológico do que o que resulta dos termos em que estão constitucionalmente consagrados».
É que, como sustentado no citado Acórdão n.º 548/11, «a afirmação de princípio de que toda a pessoa tem direito a um tribunal, independente e imparcial, “estabelecido pela lei”, constante do invocado artigo 6.º da CEDH, assenta e projeta o seu âmbito primordial de ação tutelar na dignidade da pessoa humana, sendo legítimo que a lei, na margem de conformação normativa que lhe é expressamente reconhecida pela Convenção, regule a essa luz os termos e pressupostos de que depende a concessão de proteção jurídica às pessoas coletivas.
Tem relevo, neste conspecto, reter algumas das considerações em que assentou o juízo de não inconstitucionalidade formulado pelo Acórdão n.º 216/2010, relativamente à norma do artigo 7º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, e que a seguir se transcrevem:
«(…) a verdade é que o artigo 20.º nºs. 1 e 2 da Constituição se inscreve no âmbito dos direitos fundamentais irradiantes do valor que é conferido à dignidade da pessoa humana. O acesso ao direito e à justiça é, aliás, um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o que levou o Conselho da Europa a aprovar a Resolução e a Recomendação (n.º (78)8 e n.º (93)1, respetivamente) no sentido de assegurar o acesso efetivo ao direito e à justiça das pessoas em situação de “grande pobreza”.
Ora, como é sabido, os direitos fundamentais são primordialmente direitos das pessoas singulares, não sendo legítimo equiparar, a estas, as pessoas coletivas, como titulares de tais direitos.” (…)
O direito de acesso aos tribunais como direito fundamental radica essencialmente na dignidade humana como princípio estruturante da República (artigo 1.º da Constituição), reconhecido no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e igualmente acolhido no artigo 6.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Não são comparáveis as situações concessão de apoio a pessoas singulares e coletivas, pelo que a promoção das condições positivas de acesso aos tribunais nos casos de insuficiência económica não tem o mesmo significado quanto a pessoas singulares e quanto a pessoas coletivas com fim lucrativo, que devem, por imposição legal, integrar na sua atividade económica ao custos com a litigância judiciária que desenvolvem, assim assegurando a proteção dos interesses patrimoniais da universalidade dos credores e do próprio interesse geral no desenvolvimento saudável da economia».
Por outro lado, da vasta jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem citada pelo reclamante, de que o Tribunal Constitucional estava ciente aquando da prolação em plenário do referido Acórdão n.º 216/2010, não resulta consagrado qualquer entendimento com atinência específica à questão de inconstitucionalidade nele resolvida que impusesse diferente conclusão decisória.
Assim, e tal como se concluiu no Acórdão n.º 548/11, «não resultando nem das normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem invocadas pela reclamante, nem da leitura jurisprudencial que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem delas tem feito, qualquer solução normativa que, em matéria de proteção jurídica das pessoas coletivas, imponha solução inversa àquela que, no seu conhecimento, foi consagrada no Acórdão n.º 216/2010», impõe-se, também nos presentes autos, e sem necessidade de mais considerações, o indeferimento da reclamação.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 8 de fevereiro de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.