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Procurador-Geral Adjunto concluiu as
suas alegações como segue:
1º - Os acórdãos nºs 270/93, 271/92, 164/93, 410/93, 519/93 e 151/94, ao
julgarem inconstitucionais as normas - absolutamente idênticas - constantes do
artigo 8º, nº 1, dos Decretos-Leis nºs 137/85 e 138/85, de 3 de Maio, quando
interpretadas no sentido de que os tribunais comuns de que aí se fala são os
tribunais cíveis, quando estejam em causa créditos oriundos de relações
laborais, não decretaram a inconstitucionalidade 'in totum' de tais preceitos
legais, mas apenas de certa e determinada interpretação dos mesmos.
2º - Deverá, pois, a norma constante do artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº
137/85 ser interpretada e aplicada pela ordem dos tribunais judiciais em
conformidade com o sentido, constitucionalmente conforme à Constituição da
República Portuguesa, e implícito naquelas decisões, de que os tribunais comuns
aí referidos são os que se configuram como competentes, atenta a matéria da
causa e a repartição da competência entre os tribunais de competência
especializada existentes, face à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais - ou seja,
os tribunais do trabalho.
3º - Nestes termos, deverá ser julgado procedente o presente recurso,
determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo de
constitucionalidade da norma desaplicada, com o sentido atrás atribuído.
O recorrente A ... formulou as seguintes conclusões:
a) Face à al. q) do nº 1 do artº 168º da C.R.P. a competência dos tribunais é
matéria integrante da reserva relativa de competência da Assembleia da
República, sendo que o dec. lei 137/85 de 3 de Maio, foi emitido sem precedência
de autorização legislativa;
b) Logo, a expressão 'tribunal comum' inserta no nº 1 do seu artº 8º tem que
coincidir com quanto dispõe a lei ordinária, sob pena de ter que concluir-se
pela sua inconstitucionalidade orgânica;
c) A C.R.P. (artº 301º, 1) logo na sua versão originária, impôs a revisão da
orgânica judiciária, cuja sede única passou a ser a LOTJ/77;
d) Os anteriores tribunais comuns passaram a ser designados como judiciais e,
por força dessa revisão do sistema, entre eles se integraram os tribunais do
trabalho, com competência para as questões laborais de natureza cível;
e) O artº 8º 1 do dec.lei 137/85 pode e deve ser interpretado de molde a incluir
os tribunais do trabalho, quando estejam em causa créditos laborais, assim
ficando preservada a sua conformidade constitucional.
f) O douto acórdão recorrido desaplicou, pois, norma que é conforme à
Constituição da República, na sobredita interpretação.
Nestes termos e com o douto suprimento deve dar-se provimento ao presente
recurso, ordenando-se a alteração, em conformidade, do douto acórdão recorrido.
A recorrida concluiu como segue:
1 - O artigo 43º, nº 4 do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, por ser anterior
à Constituição, não pode ter violado a regra de competência do seu artigo 168º,
nº 1, al. q).
2 - Da aplicação desse preceito do Decreto-Lei nº 260/76 também não decorre
qualquer contradição com a Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro, uma vez que desta não
resulta intenção revogatória daquele preceito especial.
3 - A subsistência desta norma especial do Decreto-Lei nº 260/76 (a par das do
CPC que asseguram o princípio da plenitude da instância falimentar) em nada
afecta a unificação da organização judiciária, prosseguida pela Lei nº 82/77,
antes se mostra em maior conformidade com essa unificação.
4 - A subsistência deste mesmo preceito, interpretada nos termos do douto
Acórdão do STJ, não fere directa ou indirectamente qualquer norma ou princípio
da Constituição nem importa qualquer juízo quanto à conformidade ou
desconformidade constitucional do artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 137/85, de
3 de Maio, no sentido que o recorrente pretende atribuir‑lhe.
5 - Na verdade, com esse sentido - atribuição de competência aos tribunais de
trabalho - o artigo 8º, nº 1 do Decreto-Lei 137/85 cede face ao artigo 43º, nº
4, do Decreto-Lei 260/76, por ser esta norma especial, não revogada pela lei de
revisão do sistema judiciário.
Termos em que, com o douto suprimento deve negar-se provimento ao presente
recurso, com as legais consequências.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Questão prévia:
Poderia questionar-se que, no caso, se achassem
preenchidos os pressupostos do recurso.
Sem razão, porém - adianta-se já.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea a) do nº 1
do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para que este Tribunal deles
possa conhecer, necessário é que a decisão recorrida tenha recusado aplicação,
ainda que tão-só implicitamente, a uma norma jurídica, com fundamento na sua
inconstitucionalidade.
Pois, foi o que no caso sucedeu, como vai ver-se.
O Supremo Tribunal de Justiça - depois de recordar que
este Tribunal julgou inconstitucional (por violação do artigo 168º, nº 1, alínea
q), da Constituição, na versão de 1982) a norma do nº 1 do artigo 8º do
Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio - acrescentou:
Indirectamente, dado que existe uma similitude de situação jurídica, poder-se-ia
discutir sobre a constitucionalidade do nº 1 do artigo 8º do Decreto‑Lei nº
137/85. Ainda que se concluísse pela sua inconstitucionalidade, não o seria o nº
4 do artigo 43º do DL nº 260/76, que tem idêntica redacção, e seria o aplicável,
porque norma especial relativamente aos posteriores diplomas legislativos que
vieram alterar a organização judiciária, em termos genéricos, diplomas estes que
não contêm dispositivos que revelem a 'intenção inequívoca do legislador' de
revogar aquela lei especial. (Vide o artigo 7º, 3 do CC). Sendo certo que o DL
260/76 não tem natureza temporária.
Não se vê razão para alterar o entendimento dominante neste Supremo Tribunal de
Justiça sustentado de forma bem explícita e convincente no acórdão em fotocópia
de fls. 245 a 261, e é posição a seguir e que se adopta, agora e aqui, em
homenagem ao valor da uniformidade da jurisprudência, fonte da segurança
jurídica, celeridade processual e do prestígio dos tribunais.
Para concluir que, competentes para acção, são os
tribunais cíveis - e não os tribunais do trabalho -, o acórdão recorrido, pese,
embora, o facto de usar a fórmula 'ainda que se concluísse pela sua
inconstitucionalidade', teve, pois, o artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 137/85,
de 3 de Maio, todo ele, por inconstitucional. Ou seja: entendeu que tal
normativo era inconstitucional, mesmo na interpretação (possível) de que os
tribunais comuns a que ele se refere são os tribunais do trabalho, e não os
tribunais cíveis.
De facto, só julgando inconstitucional toda a norma
(portanto, também na interpretação que se deixa apontada como possível e que é
conforme à Constituição) tem sentido fazer apelo ao artigo 43º, nº 4, do
Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, pois, só desaplicando todo aquele artigo
8º, nº 1, haveria que lançar mão, recuperando-o, deste artigo 43º, nº 4.
E mais: só desse modo também se entende que, depois de
assinalar que os tribunais do trabalho carecem de competência para o julgamento
das acções do tipo da que está em causa nos autos; e que tal conclusão arranca
da interpretação da expressão 'tribunal comum', utilizada no mencionado artigo
8º, nº 1, como significando, e só podendo significar, tribunal cível; o aresto
em causa recorde que o Supremo Tribunal de Justiça continuou a sustentar que são
os tribunais cíveis os competentes para tal tipo de acções, fazendo, para tanto,
apelo ao referido artigo 43º, nº 4, com uma 'argumentação' toda ela 'centrada na
identidade terminológica entre os referidos artigos 8º, 1, e 43º, 4, do
Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril'. E isso, justamente, depois de o Tribunal
Constitucional ter julgado incompatível com a Constituição o mencionado artigo
8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 138/85, mas apenas quando interpretado no sentido de
que os tribunais comuns aí referenciados são os tribunais cíveis.
O acórdão recorrido, ainda que de forma implícita,
desaplicou, pois, com fundamento em inconstitucionalidade, o artigo 8º, nº 1, do
Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio: desaplicou-o - não apenas na parte
correspondente à do artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 138/85, que este Tribunal
já havia julgado inconstitucional (cf. acórdãos nsº 271/92,164/93, 410/93 e
519/93) e que, no acórdão nº 151/94 (já citado) veio, mesmo, a declarar
inconstitucional, com força obrigatória geral - como também no segmento
(correspondente ao do artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 138/85) que se salvou
dessa declaração de inconstitucionalidade (ou seja: na interpretação de que,
estando em causa créditos oriundos de relações laborais, os tribunais comuns aí
referidos, após a publicação da Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro, são os tribunais
do trabalho, e não, como até então, os tribunais cíveis).
5. A questão de constitucionalidade do artigo 8º, nº 1,
do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio:
Tal norma dispõe como segue:
Os credores cujos créditos não hajam sido reconhecidos pela comissão
liquidatária e incluídos no mapa referido no artigo anterior, ou que não hajam
sido graduados em conformidade com a lei podem recorrer ao tribunal comum para
fazer valer os seus direitos.
Entende este Tribunal - pelos fundamentos do acórdão nº
151/94 (Diário da República, I série-A, de 30 de Março de 1994) e daqueles que
lhe serviram de fundamento [acórdãos nºs 271/92 (Diário da República, II série,
de 23 de Novembro de 1992), 164/93 (Diário da República, II série, de 10 de
Abril de 1993), 410/93 (por publicar) e 519/93 (por publicar) ], para os quais
aqui se remete - que a norma do artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 137/85, de 3
de Maio, é inconstitucional, por violação da alínea q) do nº 1 do artigo 168º da
Constituição, na versão de 1982, mas apenas quando 'interpretada no sentido de
que os tribunais comuns a que se faz referência nessa norma são os tribunais
cíveis e estejam em causa créditos oriundos de relações laborais'. Tal norma já
não é, porém, inconstitucional, quando interpretada no sentido de que, estando
em causa créditos oriundos de relações laborais, os tribunais comuns aí
referidos são, a partir da publicação da Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro, os
tribunais do trabalho [cf., quanto ao artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 137/85,
o acórdão nº 270/93 (por publicar)].
Ora, quando uma norma legal seja susceptível de mais do
que uma interpretação - uma, compatível com a Constituição; outra, incompatível
com ela -, os tribunais devem preferir a interpretação que for conforme à
Constituição.
Por isso, no caso, o artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº
137/85, de 3 de Maio, deve ser interpretado - e aplicado - com o sentido que se
indicou por último, em virtude de, entre os dois que se apontaram, ser o único
compatível com a Constituição.
É esta a solução que o Tribunal recentemente adoptou no
seu acórdão nº 163/95, de 29 de Março de 1995, por publicar: aí, se mandou
proceder à reforma do acórdão que estava em recurso, aplicando o artigo 8º, nº
1, do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, com aquele sentido.
De facto, quando o juízo de constitucionalidade,
formulado pelo Tribunal Constitucional, sobre determinada norma, a que a decisão
recorrida tiver recusado aplicação, 'se fundar em determinada interpretação
dessa mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação, no processo em
causa' - dispõe o nº 3 do artigo 80º da Lei do Tribunal Constitucional. Ou seja:
o Tribunal Constitucional pode proferir sentenças interpretativas, determinando
aos outros tribunais, nos recursos que sobem até ele, que certa norma seja
interpretada - e aplicada - no julgamento do caso com o sentido que ele definir
como sendo conforme à Constituição.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
(a). Interpretar o artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, no
sentido de que, após a publicação da Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro, quando
estejam em causa créditos oriundos de relações laborais, os tribunais comuns aí
referidos são os tribunais do trabalho;
(b). Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão
recorrido, que deve ser reformado, aplicando no julgamento do recurso o referido
artigo 8º, nº 1, com a interpretação que se deixa indicada.
Lisboa, 5 de Abril de 1995
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Luis Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
José Manuel Cardoso da Costa