Imprimir acórdão
ACÓRDÃO Nº 186/96
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. J... impugnou contenciosamente no Tribunal
Administrativo do Círculo de Lisboa um acto, praticado pelo GENERAL DIRECTOR DO
DEPARTAMENTO DE FINANÇAS DO EXÉRCITO, de indeferimento de um pedido de concessão
do direito de progressão para o 5º escalão do novo sistema retributivo, aprovado
pelo Decreto-Lei nº 57/90, de 14 de Fevereiro.
Não tendo obtido ganho de causa, recorreu da sentença
para o Supremo Tribunal Administrativo, invocando a inconstitucionalidade de
várias normas legais.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 2 de
Novembro de 1994, negou provimento ao recurso.
2. É deste acórdão, de 2 de Novembro de 1994, que vem o
presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei
do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da norma do
artigo 3º do Decreto-Lei nº 98/92, de 28 de Maio, 'na interpretação sufragada
pelo acórdão recorrido, no sentido de que revogou ou substituiu as normas
definidas para os escalões anteriormente desbloqueados, designadamente os
artigos 3º, nº 1, e 4º, nºs 2 e 3, do Decreto/Lei nº 307/91, de 17 de Agosto'.
Neste Tribunal, formulou as seguintes conclusões:
a) A interpretação aplicada pelo Acórdão recorrido, no sentido de que o artº 3º
do DL 98/92, de 28/5, revogou ou substituiu as normas de transição de regimes
retributivos - do anterior para o Novo Sistema Retributivo (NSR) dos militares
das Forças Armadas, aprovado pelo DL 57/90, de 14/2 - definidas para os
primeiros 4 escalões desbloqueados (seguintes ao de integração), designadamente
os artºs 3º nº 1 e 4º nºs 2 e 3 do DL 307/91, de 17/8, aplicando-se regras
totalmente distintas para iguais situações, é gravemente discriminatória e
violadora do princípio da igualdade, previsto nos artºs 13º e 266º nº 2 da CRP.
b) Para esta interpretação não há razões objectivas nem substrato material que
suportem e justifiquem o estabelecimento de distinções de regimes para situações
que antes são absolutamente iguais.
c) O Acórdão recorrido deveria, assim, deixar de aplicar tal interpretação
inconstitucional, pelo que violou o artº 207º da CRP.
d) Em consequência, deverá dar-se provimento a este recurso, com todas as
consequências legais, designadamente as previstas no artº 80º da Lei 28/82, de
15/11, julgando-se inconstitucional a referida interpretação e ordenando-se a
reforma do Acórdão recorrido em conformidade com o julgamento de
inconstitucionalidade.
A entidade recorrida concluiu como segue as suas
alegações:
a) A interpretação aplicada pelo Acórdão recorrido não tem, minimamente,
subjacente o alegado sentido de que o art. 3º do DL 98/92 revogou ou substituiu
normas de transição no NSR anteriores, designadamente os arts. 3º, 1 e 40º, 2 e
3 do DL 307/91, estando, antes, todas integradas num regime de transição e
desbloqueamento progressivo de escalões, como foi intenção do legislador.
b) As razões objectivas e de política económico‑financeira sobejamente
conhecidas justificam que, no princípio constitucional da igualdade, tenha sido
observada pelo legislador uma distinção ou diferenciação de tratamento para
situações de facto desiguais, atentas a sua natureza e especificidade, e os
efeitos em vista.
c) O Acórdão recorrido adoptou a única interpretação consonante com a intenção
do legislador, e que, pelos mesmos motivos, não ofende o princípio
constitucional da igualdade e não discriminação.
d) Donde, inexiste igualmente violação do art. 207º da CRP.
e) Em consequência, deverá ser negado provimento ao presente recurso, por não
existir violação de qualquer princípio constitucional, nem materialmente, nem na
respectiva interpretação, mantendo-se a plena validade do douto Acórdão
recorrido.
3. Dispensados os vistos, cumpre decidir. E decidir,
desde logo, se deve conhecer-se do recurso.
II. Fundamentos:
4. O recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei
do Tribunal Constitucional pressupõe, entre o mais, que, durante o processo, o
recorrente tenha suscitado a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica
e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado; ou - no caso de
apenas se questionar a legitimidade constitucional de certa interpretação de uma
norma, que a decisão de que se recorre a tenha aplicado com esse sentido que o
recorrente tem por inconstitucional.
No presente caso, o recorrente, nas alegações para o
Supremo Tribunal Administrativo, disse ser 'inconstitucional e violadora do
princípio da igualdade [...] a interpretação, constante da sentença, do artigo
3º do DL 98/92, no sentido de que terá revogado ou substituído as regras de
transição definidas para os escalões anteriormente desbloqueados, designadamente
os artigos 3º e 4º, nºs 2 e 3, do DL 307/91' [cf. conclusão e)].
Suscitou ele, pois, a inconstitucionalidade do artigo 3º
do Decreto-Lei nº 98/92, de 28 de Maio, na interpretação cuja legitimidade
constitucional questiona no recurso para este Tribunal.
Isso, porém, não basta para que se deva conhecer do
recurso. Nem sequer chega que o acórdão recorrido tenha aplicado tal artigo 3º
na decisão do caso. Necessário é - repete-se - que o tenha feito, adoptando a
interpretação que o recorrente indica como sendo inconstitucional e que, por
isso, pede que este Tribunal censure.
Ora, o que acontece é que o acórdão recorrido aplicou o
mencionado artigo 3º, mas não com a interpretação de que ele 'revogou ou
substituiu as normas definidas para os escalões anteriormente desbloqueados,
designadamente os artigos 3º, nº 1, e 4º, nºs 2 e 3, do Decreto-Lei nº 307/91,
de 17 de Agosto'. Aplicou-o, interpretando-o em conjugação com estes normativos
(os nºs 2 e 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 307/91 tratam de aspectos puramente
processuais) e com outros que, como eles, respeitam ao respectivo regime de
transição e desbloqueamento progressivo de escalões.
É isso o que claramente resulta da seguinte passagem do
referido acórdão:
O DL 57/90, que aprovou o NSR, na sequência da abolição de diuturnidades, faz
funcionar uma escala que, através de índices de referência, permite o cálculo
dos vencimentos.
O seu art. 20º estatui o modo de integração e transição na referida escala
indiciária, constante dos Anexos ao referido diploma.
Reza assim aquele preceito:
'1 - A integração na nova estrutura remuneratória processa-se de acordo com as
seguintes regras:
a) No mesmo posto;
b) Em escalão a que corresponda, na estrutura do posto, remuneração igual ou, se
não houver coincidência, no escalão imediatamente superior.
2 - A remuneração a considerar para efeitos da transição referida no nº 1 é a
que resulta do valor correspondente à remuneração base decorrente do Decreto-Lei
nº 97/89, de 29 de Março, actualizada a 12%, acrescida do montante do suplemento
a que se refere o artigo 2º do Decreto-Lei nº 190/88, de 28 de Maio, e das
remunerações acessórias a que eventualmente haja direito'.
Por força do disposto no normativo acabado de transcrever o recorrente foi
integrado no 3º escalão.
No artº 15º do mesmo diploma disciplina-se a progressão no posto (progressão
horizontal), que se traduz na mudança de escalão.
O seu nº 2 estatui:
'A mudança de escalão depende, observadas as disposições estatutárias e
regulamentares em vigor, da permanência no escalão imediatamente anterior:
a) Dois anos, no primeiro escalão;
b) Três anos, nos restantes.'
Tal progressão, nos termos do art. 16º, era automática e oficiosa.
Sucede, porém, que por força do disposto no art. 24º seguinte a referida
progressão nos escalões ficou condicionada até 31 de Dezembro de 1991,
prevendo-se no seu nº 2 a calendarização do respectivo desbloqueamento.
Assim:
'a) Em 1 de Julho de 1990 são desbloqueados os dois escalões seguintes ao
escalão de integração;
b) Em 1 de Janeiro de 1991 são desbloqueados mais dois escalões subsequentes;
c) Em 1 de Janeiro de 1992 são desbloqueados os restantes escalões'.
Ora, em obediência ao legislado, o DL 408/90, de 31‑12, veio determinar, no seu
artº 2º que:
'1 - Desde 1 de Julho de 1990 são desbloqueados os dois escalões seguintes ao
escalão em que cada militar tenha sido integrado.
2 - A progressão nos dois escalões desbloqueados obedece às seguintes regras:
a) Progride um escalão o militar que tenha entre cinco e nove anos de
permanência no posto;
b) Progride dois escalões o militar que tenha nove ou mais anos de permanência
no posto'.
Como o recorrente fora promovido ao posto de capitão a 10 de Agosto de 1984,
tinha em 1 de Julho de 1990, mais de 5 anos de permanência no mesmo, motivo pelo
qual lhe foi aplicado o disposto na alínea a), nº 2 do citado art. 2º, ou seja,
progrediu um escalão, ficando, por isso, posicionado no 4º.
Mais tarde, é publicado o DL 307/91, de 17-08, cujo artº 3º veio determinar mais
desbloqueamentos de escalões nos termos seguintes:
'1 - Ficam desbloqueados, desde 1 de Janeiro de 1991, os dois escalões
subsequentes aos já desbloqueados
pelo Decreto-Lei nº 408/90, de 31 de Dezembro, que, em conjugação com estes e
sempre com referência ao escalão de integração, deverão obedecer às seguintes
regras de progressão:
a) Progride um escalão o militar que possua 3 ou mais anos de permanência no
posto e menos de 8;
b) Progride dois escalões o militar que possua 8 ou mais anos de permanência no
posto e menos de 11'.
Esta disposição não se aplicou ao recorrente, que se manteve no 4º escalão,
porque este artº 3º tem de aplicar-se em conjugação com o DL 408/90, como
determina o seu nº 1 (corpo) o que tem como consequência que os militares que
tinham avançado um escalão por aplicação do artº 2º do DL 408/90 apenas podiam
beneficiar de nova progressão se tivessem mais de oito anos no posto quando teve
lugar a aplicação do DL 307/91 e o recorrente não tinha.
Posteriormente, o DL nº 98/92, de 28-05, veio dar execução à 3ª e última fase de
desbloqueamentos de escalões, dispondo no artº 3º do seguinte modo:
'1 - Ficam desbloqueados, a partir de 1 Janeiro de 1992, os escalões
subsequentes aos já desbloqueados pelos Decretos-Leis nºs 408/90, de 31 de
Dezembro, e 307/91, de 17 de Agosto.
2 - Sem prejuízo da posição já adquirida na estrutura indiciária do sistema
retributivo, definida pelo Decreto-Lei nº 57/90, de 14 de Fevereiro, os
militares referidos no artigo 22 do presente diploma (no activo e na reserva)
transitam para o escalão correspondente ao somatório de módulos de tempo de
permanência no posto na efectividade de serviço, de acordo com o disposto no nº
2 do artigo 15º do referido decreto-lei (ou seja, para o escalão correspondente
ao somatório de módulos de permanência no posto: 2 anos no 1º escalão e 3 anos
nos restantes).
3 - A transição referida no número anterior processa‑se em duas fases:
a) A primeira, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 1992, limitada à
progressão de um escalão;
b) a segunda, referida a 1 de Outubro de 1992, a que corresponde a evolução dos
restantes escalões.'
Como ao recorrente podia ser contado o tempo de permanência no 4º escalão desde
o início - artº 10º/2, a) do DL 307/91 - ou seja como prestado no 4º escalão da
nova escala, por aplicação do nº 2 do artº 3º, mantém-se no 4º escalão até
perfazer 3 anos sobre o último desbloqueamento de que beneficiou (artº 3º/4 do
DL 98/92). Na verdade a progressão por mudança de escalão depende da permanência
no escalão imediatamente anterior durante: dois anos no primeiro escalão e três
anos nos restantes.
O recorrente, integrado no terceiro escalão nunca podia beneficiar do tempo de
permanência de dois anos previsto exclusivamente para o primeiro.
O entendimento perfilhado pelo agravante, como se tem constantemente decidido,
em casos semelhantes, neste STA 'não tem o mínimo apoio, nem na letra nem no
espírito da lei, pois, escalão é a posição remuneratória criada no âmbito de
cada posto, como o define o nº 1 do art. 3º do DL 57/90, insusceptível de variar
consoante a permanência do posto do seu destinatário. Depois, considerar-se o 3º
escalão como sendo o 1º só por ter sido a primeira vez que foi reintegrado é
forçar o sentido das palavras, não se adequando ao disposto nº 2 do art. 15º
daquele diploma legal, nem sendo legítimo especular com as expressões 'escalão
1' e '1º escalão', pois ambos têm o mesmo significado, como se infere das
tabelas indiciárias em anexo ao DL 57/90.
Acresce que tal interpretação não deixa de ser contrário à própria natureza das
coisas, pois como refere a autoridade recorrida, o 3º escalão é o 3º escalão e
não outra coisa diferente, nunca podendo ser o escalão 1 ou o escalão.1º.
De resto, do disposto no artº 20º do DL 57/90 infere‑se a possibilidade de
integração no NSR ser feita em escalão superior ao 1º. Ora, na interpretação do
recorrente, a integração seria sempre no 1º escalão'.
A sentença recorrida não violou, pois, as disposições legais invocadas, nem tal
interpretação viola qualquer norma ou princípio constitucional, nomeadamente o
da igualdade, não se impondo, obviamente a recusa de aplicação de qualquer das
disposições legais.
Faltando o pressuposto da aplicação pelo acórdão
recorrido da norma que constitui objecto do recurso (no caso, da norma do artigo
3º do Decreto-Lei nº 98/92, na interpretação atrás indicada), não pode o
Tribunal dele conhecer.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do recurso e condenar o
recorrente nas custas, para o que se fixa a taxa de justiça em cinco unidades de
conta.
Lisboa, 5 de Abril de 1995
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Luis Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
José Manuel Cardoso da Costa