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Processo n.º 590/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público (e outros, melhor identificados nos autos) foi interposto recurso abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, de acórdão proferido pela 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em 03 de maio de 2011 (fls. 756 a 764-verso) para que fosse apreciada a constitucionalidade das seguintes interpretações normativas:
“a interpretação que o Tribunal “a quo” atribuiu ao disposto no art. 75º ex vi art. 209° e 213° do CIRE, no sentido de entende que o recorrente na qualidade de sócio com uma quota de 49 % da sociedade insolvente, com residência no estrangeiro, não tem de ser notificado pessoalmente para estar presente numa assembleia de credores na qual se vai ser discutido o plano de insolvência apresentado pelo administrador da insolvência, que propõe a redução do capital da sociedade a zero com o subsequentemente aumento de capital a realizar por novas entradas, prevendo ainda que os sócios originários gozem do direito de preferência na subscrição desse novo capital”;
“inconstitucionalidade material a interpretação que o Tribunal “a quo” fixada ao disposto no art. 75° ex vi art. 209° e 213° do CIRE, segunda a qual o recorrente, na qualidade de sócio com uma quota de 49 % da sociedade insolvente, residente no estrangeiro, não tem de ser notificado pessoalmente para exercer o direito de preferência na subscrição de novo capital, na sequência do que foi deliberado numa assembleia de credores que aprovou a redução do capital da sociedade a zero e o subsequentemente aumento de capital a realizar por novas entradas, atribuindo aos sócios originários do direito de preferência na subscrição desse novo capital, tal como estabelecido no plano de insolvência, assembleia na qual o sócio não esteve presente.” (fls. 778)
2. Notificado para tal pela Relatora, o recorrente produziu alegações, das quais constam as seguintes conclusões:
“1ª
O recorrente era sócio da sociedade insolvente com uma participação social de 24.441,10 euros, que correspondia em percentagem a 49 % do capital social da sociedade insolvente, porém nunca teve intervenção na actividade industrial ou comercial nem no giro da empresa, que sempre esteve confiada única e exclusivamente ao sócio gerente B..
2ª
Tomou o Apelante ainda conhecimento de que na assembleia de credores de Setembro de 2009 foi votado e aprovado por maioria o plano de insolvência que previa a redução do capital social da insolvente a zero euros para cobrir prejuízos e o subsequente aumento desse capital por novas entradas em dinheiro para o valor de 25.000,00 euros. Mais foi aprovado que esse aumento de capital fosse subscrito por novas entradas em dinheiro a efectuar pelos sócios originários na proporção da sua quota, ou seja no caso do recorrente teria direito de subscrever no novo capital uma quota no valor de 12.250,00 euros. Cfr. fls. 174 dos autos.
3ª
Todavia, o impensável aconteceu, pois pese embora estar em causa o património e direito de propriedade do recorrente, este nunca foi notificado válida e regularmente na qualidade de sócio originário, da data em que se realizaria a assembleia de credores, nem nunca foi notificado do plano de insolvência, de modo a nela poder participar e intervir na decisão que visava directamente a perda da sua quota na sociedade e por conseguinte o seu património.
4ª
Acresce que realizada a assembleia de credores que aprovou o plano de insolvência que contemplava a redução do capital e o subsequente aumento do capital por novas entradas, nunca foi o recorrente notificado dessa decisão de modo a poder exercer o direito de subscrever uma quota nesse novo capital proporcionalmente à que até aí detinha.
5ª
Assim, o Apelante foi singela e liminarmente expropriado da sua quota no capital social da insolvente bem como privado do direito de subscrever preferencialmente capital social no novo capital deliberado, sem poder minimamente defender o seu direito de propriedade e acautelar legitimamente os seus interesse e direitos subjectivos.
6ª
O recorrente de imediato apresentou reclamação nos autos a fls..., invocando diversas nulidades processuais e requerendo que todo o processado fosse declarado nulo, porem tal não foi o entendimento do Tribunal Judicial de Valença, que veio a considerar, mas erradamente, a regularidade dos actos processuais praticados sustentando-se no art. 75° ex vi art. 209 e 213 do CIRE. Contra tal decisão assim proferida foi interposto tempestivo recurso de apelação, no âmbito do qual o recorrente invocou uma vez mais diversas nulidades processuais e bem assim assinalou que a interpretação que se vinha a extrair do disposto no art. 75° ex vi art. 209 e 213 do CIRE, enfermava de inconstitucionalidade material por violação do disposto no art. 2°, art. 18° n°2, art. 20º e art. 62° da Constituição da República Portuguesa, todavia a decisão prolatada pelo Tribunal “a quo” foi no sentido de não considerar existir qualquer nulidade processual ou qualquer inconstitucionalidade e consequentemente confirmar a decisão do Tribunal recorrido.
7ª
Do disposto no art. 75° aplicável ex vi art. 209 e 213 do CIRE, aplicáveis especialmente à relação jurídica falimentar não resulta expresso qual è forma de notificar os sócios da insolvente, enquanto titulares de uma porção de capital social, quando são destinatários directos das propostas contidas no plano de insolvência a discutir em assembleia de credores mormente a proposta de redução do capital a zero e o subsequente aumento de capital, proposta admissível nos termos do art. 198° do CIRE, salvo se esse sócio exercer em simultâneo funções de gerente ao administrador, pois neste caso, atenta essa qualidade, expressamente terá de ser notificado cor circular registada.
8ª
Pode acontecer que, além das questões relativas tutela e á satisfação dos créditos, outras questões sejam proposta no plano de insolvência apresentado pelo administrador de insolvência e decididas em assembleia de credores, como é o caso dos presentes autos, onde no plano de insolvência se propuseram medidas e providências que tinham como destinatários não os credores da insolvente, mas directamente a insolvente e os sócios da insolvente quanto à sua participação no capital social. Como efeito ao ter sido proposto pelo Sr., Administrador da insolvente no plano de insolvência a discutir em assembleia de credores a redução do capital e subsequente aumento de capital, proposta admissível nos termos do art. 198° do CIRE, estava verificada a situação em que sócios são directamente visados e passam a ter necessariamente participação activa na assembleia de credores, onde de outro modo não teriam. Por assim ser esta assembleia de credores corresponderia também para todos os efeitos a uma assembleia-geral de sócios enxertada na assembleia de credores, subordinada às regras previstas no art. 248° do CSC, aplicável com as necessárias adaptações, interpretação que, atentos os valores e interesses em causa, justifica a ausência de referência, porque desnecessária, aos sócios da sociedade efectuada na previsão normativa do art. 75° nº 3, aplicável ex vi art. 209 e 213 do CIRE.
9ª
Pese embora a norma do art. 75° nº 3 do CIRE não se referir expressamente aos sócios da insolvente, tal omissão deverá ser interpretada dentro do sistema jurídico, cfr. art. 9 do código civil, informado pelos princípios da segurança, certeza, confiança e efectiva tutela e protecção dos direitos privados, como uma opção deliberada e intencional do legislador.
10ª
Nos termos do art. 248° do CSC, enquanto norma específica no quadro da disciplina societária, está expressamente e de modo imperativo consignado que nenhum sócio pode ser privado do direito de participar numa assembleia-geral, sob pena de nulidade, imperativo que, segundo è nosso entendimento, tanto se aplica quer esteja em causa simples assembleia-geral de sócios convocada entre sócios, quer quanto essa assembleia ocorra enxertada na assembleia de credores no âmbito do processo de insolvência, por força do art. 198° do CIRE.
11ª
Conclui-se pois que os sócios da insolvente, em particular os sócios que não exercem cargos de gerência ou de administração, nunca poderiam ser tratados como se de um qualquer credor se tratasse, a notificar por via de anúncio ou edital, tanto mais porque tal solução geraria, como se referiu, um desequilíbrio e desproporção relativamente aos demais sócios que exercem esses cargos porque estes, porque os exercem, seriam notificados por circular registada como expressamente resulta do art. 75° n°3 do CIRE.
12ª
Não podemos ignorar que, no caso dos autos tendo a sociedade insolvente apenas dois sócios, dos quais apenas um era o gerente, tal interpretação constituía um injustificado desequilíbrio entre os interesses dos sócios, pois enquanto o sócio gerente, porque administra a insolvente era pessoalmente notificado para comparecer na dita assembleia e assim pode defender os seus direitos patrimoniais, o sócio não gerente por ser apenas sócio e não ser gerente não seria notificado e assim ficava impedido de defender o seu património e os seus direitos societários, situação manifestamente injusta e ilegal, que o legislador não preveniu nem pretendeu.
13ª
No caso dos autos estando em causa decidir uma proposta do plano de insolvência apresentado pela Administrador da insolvente no qual se propunha a redução do capital a zero e subsequente aumento de capital, ou seja, se propunha afectar o direito de propriedade privada, os sócios visados com tal medida teriam de ser pessoalmente notificados do acto processual, para nele poderem intervir e no âmbito do qual tal decisão poderia ser tomada.
14ª
Salvo melhor entendimento, não tendo estado presente na Assembleia de credores de 30 de Setembro de 2009 por falta de regular notificação e absoluto desconhecimento, verifica-se ainda falta de notificação válida e regular ao recorrente da decisão que a assembleia de credores adoptou relativamente ao plano de insolvência, especificamente na parte em que foi aprovado a redução do capital social a zero euros e o subsequente aumento no qual o recorrente tinha o direito de subscrever capital na proporção da sua quota, o que constitui manifesta violação da lei e consequentemente causa de nulidade de todo o processado subsequente, nos termos do art. art. 9º, nº 4 “á contrário”, 75° nº 3 e 209° do CIRE, e art. 198°, 201°, 202°, 228°, nº 2, 229°, 255°, 257°, 259°, do CPC, e art. 4 e ss. do regulamento nº 1393/2007, conjugado com o disposto no art. 248° e 266° do CSC.
15ª
Ao recorrente foi negado o direito à justa defesa dos seus direitos patrimoniais, tal como consagrado do art. 20º da CRP.
16ª
Não restam assim dúvidas de que, quando no âmbito de processo de insolvência, está em causa a proposta de redução da capital social da sociedade e subsequente aumento inserido em plano de insolvência, o que é uma possibilidade prevenida no art 198° do CIRE, não podem os sócios originários deixar de ser, pessoal e regularmente notificados para esse efeito, enviando-se-lhes cópia dessa proposta, para que possam intervir na assembleia e na decisão e exercer com plenitude o direito de proporcionalmente subscrever quota no novo capital, sob pena de violação do disposto no art. 9°, nº “á contrário”, 75° nº 3 e 209° do CIRE, e art. 198°, 201°, 202°, 228°, nº 2, 229°, 255°, 257°, 259°, do CPC, e art. 4 e ss. do regulamento nº 1393/2007, art. 248° e 266° do CSC.
17ª
Acresce que o entendimento vertido no douto acórdão recorrido, na interpretação que opera das normas ínsitas nos art. 75° ex vi art. 209, nº 1 e 213° do CIRE, no sentido de não ser necessária a notificação pessoal do recorrente na qualidade de sócio por meio de circular registada, para estar presente na assembleia que visa discutir e aprovar o plano de insolvência, quando está em causa a redução do capital social e o seu subsequente aumento a subscrever preferencialmente pelos primitivos sócios, faculdade que consubstancia um direito de cariz patrimonial, traduz uma interpretação manifestamente contrária aos principio da confiança, da proporcionalidade e da protecção à propriedade privada consagrados nos art. 2°, 18° nº 2, 20º e 62° da CRP, logo manifestamente inconstitucional.
18ª
Nesta vertente e com a interpretação que o tribunal “a quo” fez, os ditos preceitos legais contidos nos arts. 75° ex vi art. 209° e 213° do CIRE são materialmente inconstitucionais.
19ª
Os ditâmes contidos nos mesmos têm de ser apreciados à luz do princípio da ponderação de interesses subjacentes à ideia do Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2° da Constituição. Por isso, os normativos que, por sua natureza obvie de forma intolerável arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e de segurança que as pessoas, a comunidade e o Direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de Direito Democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica...” - in Ac. TC nº 303/90 (Acórdãos Vol. 17, págs.87-88).
20ª
Vale isto para dizer que a interpretação extraída pelo Tribunal “a quo” da conjugação do disposto no art. 75° ex vi art. 209° e do art. 213° do CIRE, no sentido de que o recorrente não tem de ser notificado pessoalmente para estar presente numa assembleia na qual se vai discutir precisamente o seu direito de propriedade relativamente a uma quota social, nem tem de ser notificado da deliberação que nessa assembleia foi tomada, padece de Inconstitucionalidade material por violação dos Princípios da Proporcionalidade, da Confiança da tutela efectiva e eficaz dos direitos fundamentais mormente Protecção à Propriedade Privada deste, consagrados no art. 2°, art. 18° nº 2, art. 20° e art. 62° nº 1 da Constituição.
21ª
Exmos. Srs. Conselheiros, numa palavra, nos presentes autos, atenta a interpretação extraída pelo Tribunal “a quo” dos preceitos normativos do art. 75° ex vi 209° e 213° do CIRE., não foi assegurado ao recorrente um processo equitativo, adequado e justo.
22ª
Padece de inconstitucionalidade material a interpretação que o Tribunal “a quo” atribuiu ao disposto no art. 75° ex vi art. 209° e 213° do CIRE, no sentido de entender que o recorrente, na qualidade de sócio titular de uma quota de 49 % da sociedade insolvente, com residência no estrangeiro, não tem de ser notificado pessoalmente para estar presente numa assembleia de credores na qual vai ser discutido o plano de insolvência apresentado pelo administrador da insolvência, que propõe a redução do capital da sociedade a zero com o subsequentemente aumento de capital a realizar por novas entradas, prevendo e propondo-se ainda que os sócios originários gozem do direito de preferência na subscrição desse novo capital.
23ª
Do mesmo modo padece de inconstitucionalidade material a interpretação que o Tribunal “a quo” extraiu do disposto no art. 75° ex vi art. 209° e 213° do CIRE, segundo a qual o recorrente, na qualidade de sócio titular de uma quota de 49 % da sociedade insolvente, residente no estrangeiro, não tem de ser notificado pessoalmente para exercer o direito de preferência na subscrição de novo capital, na sequência do que foi deliberado numa assembleia de credores que aprovou a redução do capital da sociedade a zero e o subsequentemente aumento de capital a realizar por novas entradas, atribuindo aos sócios originários do direito de preferência na subscrição desse novo capital, tal como estabelecido no plano de insolvência, assembleia na qual o sócio não esteve presente.
24ª
Por tudo isto o douto acórdão recorrido, salvo o devido e merecido respeito, não pode ser mantido na ordem jurídica, devendo ser as respectivas questões de Direito supra colocadas, quer as que dizem respeito à falta de notificação pessoal do recorrente para acto processual no qual o seu património é posto em causa, quer para poder exercer direitos, como o direito de preferência que possam resultar da decisão adoptada nessa assembleia, quer ainda a desconsideração da violação dos princípios e normas constitucionais que também aqui se invocam, serem apreciadas por este Alto Tribunal, decretando-se pelas razões e fundamento supra expostos a final a inconstitucionalidade material do disposto no art, 75° aplicável ex vi art. 209 e 213º do CIRE na interpretação de desses preceitos foi extraída pelo Tribunal “a quo” por manifesta ofensa ao disposto nos art. 2°, art. 18° nº 2, art. 20° e art. 62° nº 1 da Constituição e consequentemente revogar o douto acórdão recorrido substituindo-se por outro que declare a nulidade de todo o processado, com todas a demais consequências legais.” (fls. 816 a 823)
3. Por sua vez, o Ministério Público apresentou contra-alegações que se resumem no seguinte trecho:
“Pelo exposto, e em síntese, crê-se que as questões de constitucionalidade, suscitadas pelo ora recorrente, não reflectem a ratio decidendi do Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Guimarães, de 3 de Maio de 2011.
Mesmo, porém, que assim se não entenda, crê-se que apenas a incúria e desleixo do ora recorrente foram responsáveis pelo que lhe aconteceu, não tendo havido nenhuma violação de disposição constitucional nos presentes autos, designadamente “do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade, da confiança e ainda da protecção à propriedade privada consagrados no art. 2º, art. 18º, nº 2, art. 20º e art. 62º da Constituição da República Portuguesa” (fls. 873-874).
4. Atenta a invocação de fundamentos que obstariam ao conhecimento do objeto do recurso, a Relatora convidou o recorrente a pronunciar-se sobre aqueles, por despacho proferido em 06 de Março de 2012 (fls. 876).
No exercício de tal direito, o recorrente limitou-se a reiterar a sua posição, já anteriormente expressa nos autos, designadamente mediante remissão para excertos de anteriores peças processuais, tendo apenas concluído que:
“Por assim ser, salvo melhor entendimento, considera o recorrente que se encontram reunidos todos os pressupostos materiais e formais prevenidos nos art. 280º nº 2 al. d) e nº 4, e art. 70° nº 1 al. b), nº 2 , 75-A nº 2 al. da LTC, ou seja, o recorrente goza de legitimidade, está devidamente representado, a decisão recorrida não é passível de recurso ordinário, o recurso é tempestivo, o recorrente no seu requerimento de interposição de recurso indicou expressamente as normas que considera violadas bem como a peça processual onde o requerente suscitou a questão da inconstitucionalidade, bem como na douta decisão recorrida fez interpretação e aplicação dessas normas cuja inconstitucionalidade invoca, pelo que nada obsta a que se possa conhecer do objeto do mesmo, o que se requer” (fls. 882).
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Ambas as questões de inconstitucionalidade normativa pressupõem que o artigo 75º, aplicável “ex vi” artigos 209º e 213º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE), tenha sido interpretado de forma tal que um residente no estrangeiro não deva ser pessoalmente notificado, seja para estar presente na assembleia de credores onde vai ser discutido um plano de insolvência que o afeta diretamente, por implicar a redução do capital social a zero, seja para exercer o direito de preferência na subscrição de novo capital.
Significa isto que, para que o presente recurso pudesse ser conhecido por este Tribunal, seria forçoso que a decisão ora recorrida tivesse efetivamente aplicado tais interpretações normativas. Sucede, porém, que a decisão recorrida entendeu expressamente que:
“Está assente que o recorrente foi notificado pessoalmente da sentença que declarou a insolvência, bem como da data (14-08-2008, às 14H00) designada para a assembleia de credores, destinada a apreciar o relatório a que se reporta o art. 156º do CIRE, apresentado pelo administrador da insolvência, com a informação de que podia vir a ser aprovado plano de insolvência.
Também se provou que o recorrente participou nessa assembleia, tomando então conhecimento do despacho exarado na respectiva acta, mediante o qual a proposta de plano de insolvência foi liminarmente admitida e logo notificada aos presentes, para os efeitos previstos no art. 208º do CIRE.”
Essa proposta fora incorporada nos autos, a 23-07-2008, prevendo:
a) A redução do capital da sociedade a zero, para cobertura dos prejuízos;
b) Um aumento do capital de 25.000,00 €, a ser subscrito pelos dois na proporção das respetivas quotas” (fls.762-verso)
Daqui decorre que, pelo menos, a primeira interpretação normativa reputada de inconstitucional não foi efetivamente aplicada pela decisão recorrida, pelo que, por força do artigo 79º-C da LTC, não deve este Tribunal dela conhecer.
Quanto à segunda questão, pode igualmente afirmar-se que a decisão recorrida deu por certo que o recorrente teria sido pessoalmente notificado, na data em que compareceu à assembleia de credores do teor do plano de insolvência, que incluía a medida (alegadamente) restritiva do seu direito à propriedade privada, ou seja, a redução do capital social por si detido a zero e a emergência de um direito de preferência de quota em novo capital social. Desde modo, caberia ao recorrente ter empregue toda a sua diligência no sentido de acompanhar o processo de insolvência, designadamente, acompanhando a publicação do anúncio em «Diário da República» da deliberação de aprovação daquela medida, e a afixação de editais no tribunal e na porta da sede e dos estabelecimentos comerciais da empresa, conforme resulta dos artigos 75º, n.ºs 2 e 3, aplicáveis “ex vi” 209º, n.º 1, ambos do CIRE. Por conseguinte, a decisão recorrida não se limitou a afirmar a inexistência de um dever legal de notificação pessoal do recorrente, tendo demonstrado que o recorrente teve oportunidade efetiva de tomar conhecimento da mesma.
Assim sendo, poderia igualmente entender-se que a segunda interpretação normativa, tal como configurada pelo recorrente, também não corresponde integral e exatamente àquela que foi aplicada pela decisão recorrida, pelo que, nos termos do artigo 79º-C da LTC, não se deveria conhecer do objeto do recurso, também quanto a esta parte.
Mas, ainda que assim não fosse – o que não se aceita, mas por mera exaustão de fundamentação se pondera –, sempre se diria que a decisão recorrida contém um fundamento alternativo de decisão, que sempre prejudicaria o interesse processual da prolação de decisão favorável ao recorrente. Com efeito, a decisão recorrida considerou que a eventual preterição de dever legal de notificação pessoal nem sequer colocaria em causa o direito de propriedade privada do recorrente, na medida em que, findo o processo de insolvência, pela natureza própria das coisas aquele jamais recuperaria o capital investido na empresa insolvente:
“Em conformidade com o estatuído no nº 3 deste mesmo artigo, «a redução de capital a zero só é admissível se for de presumir que, em liquidação integral do património da sociedade, não subsistiria qualquer remanescente a distribuir pelos sócios»; ou seja, se o montante do capital for inferior ou igual às responsabilidades da sociedade. Ora, assim sendo, fica claro que não pode ter ocorrido a «expropriação» ilegítima de que fala o recorrente. Na verdade, a sociedade foi declarada em situação de insolvência, tendo o administrador, no seu parecer, consignado que, em caso de liquidação total, «os credores comuns» seriam «fortemente penalizados», não sendo «possível assegurar o pagamento de uma parte muito significativa dos seus créditos» (cfr. fls. 327), o que significa que nada sobraria para distribuir pelos sócios.
Mais, foi proposto que os pagamentos aos credores com garantias reais e aos trabalhadores fossem escalonados em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas. O pagamento ao Instituto da Segurança Social fosse feito em 150 prestações mensais, com redução dos juros vencidos a 20% do seu montante. Os pagamentos aos credores comuns (bancos e fornecedores) fossem feitos ao longo de oito anos, em prestações trimestrais, a partir de 2009. Quanto aos créditos subordinados foi proposto o seu perdão total.
Tudo isto permite concluir que a redução do capital a zero euros em nada prejudicou o recorrente.”
Em suma, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse a julgar inconstitucional a segunda interpretação normativa, sempre seria forçoso concluir que tal julgamento não seria apto a influenciar a decisão recorrida, já que a notificação pessoal para exercício de direito de preferência não assumiria quaisquer consequências jurídicas, por ausência de património, após o pagamento aos credores privilegiados, graduados em posição anterior à do recorrente. Também por isso se recusa conhecer do objeto do presente recurso.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 UC´s, nos termos do n.º 3 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 26 de abril de 2012. – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.