Imprimir acórdão
Proc. nº 182/93
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam em plenário no Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. O Provedor de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no artigo 281º, nº 2, da Constituição, a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma do artigo 14º, nº 4, do Decreto-Lei nº 34-A/89, de 31 de Janeiro.
2. Por seu lado, o Procurador-Geral da República requereu a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 6º, nº 5, e 14º, nº 4, do mesmo decreto-lei, e bem assim do artigo 3º do Decreto-Lei nº 146/90, de 8 de Maio (na parte em que remete para o artigo 14º, nº 4 do referido diploma), e do artigo 7º, nº 4, do Decreto-Lei nº 235/90, de 17 de Julho.
3. Além disso, e em requerimento separado, o Procurador-Geral da República pediu igualmente a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade do artigo 26º, nº 4, do Decreto-Lei nº 437/91, de 8 de Novembro.
4. Por despachos de 31 de Março de 1993, os processos correspondentes aos pedidos do Procurador-Geral da República foram incorporados no respeitante ao pedido do Provedor de Justiça. Notificado para se pronunciar sobre todos eles, o Primeiro-Ministro concluiu que não havia interesse jurídico relevante na apreciação dos pedidos relativos aos Decreto-Lei n.os 34-A/89 e 146/90, mas que, se assim não entendesse, o Tribunal Constitucional deveria atribuir eficácia ex nunc a uma eventual declaração de inconstitucionalidade. Quanto às normas do artigo 7º, nº 4, do Decreto-Lei nº
235/90, e do artigo 26º, nº 4, do Decreto-Lei nº 437/91, o Primeiro-Ministro limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
Cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
5. Com o Decreto-Lei nº 34-A/89, o Governo veio legislar sobre o regime e estrutura da carreira diplomática. Segundo tal diploma, o ingresso no serviço diplomático ficou dependente de concurso de provas públicas; os candidatos aí aprovados seriam nomeados, provisoriamente ou em comissão de serviço, adidos de embaixada por um período de dois anos; e, findo esse período, o Conselho do Ministério dos Negócios Estrangeiros deliberaria sobre a aptidão de cada adido, ponderando a classificação de serviço por eles obtida e quaisquer outros factores considerados relevantes. A este propósito, o artigo 6º do diploma dispunha o seguinte:
Artigo 6º - Processo de confirmação
1 - O Conselho do Ministério deliberará sobre a aptidão de cada adido de embaixada no prazo máximo de 30 dias depois de completados os dois anos da respectiva nomeação.
2 - A apreciação do Conselho do Ministério terá como base a classificação de serviço dos adidos de embaixada.
3 - Ponderados este factor e quaisquer outros julgados dignos de serem considerados, designadamente os resultados do concurso de ingresso, o Conselho do Ministério pronunciar-se-á sobre o reordenamento dos adidos e a sua confirmação, submetendo a respectiva proposta a homologação do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
4. Das actas do Conselho do Ministério constarão os fundamentos das decisões tomadas.
5. As actas são confidenciais, podendo ser presentes, em caso de recurso, ao interessado, na parte em que lhe diga directamente respeito.
6. [...]
7. [...]
Mais adiante, o diploma estabelecia regras de acesso e promoção às várias categorias do serviço diplomático. Até à categoria de conselheiro de embaixada, as promoções faziam--se com base em listas elaboradas mediante avaliação curricular dos funcionários, feita pelo Conselho do Ministério segundo os critérios estabelecidos no artigo 9º, nº 2, do diploma. E, quanto a estas deliberações, dispunha-se:
Artigo 14º - Das deliberações do Conselho do Ministério
1 - O Conselho do Ministério apresentará ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, para homologação, a lista de graduação elaborada nos termos do artigo 9º, acompanhada das actas respectivas.
2 - Das actas do Conselho do Ministério constarão os fundamentos das deliberações tomadas.
3 - Na classificação final adoptar-se-á a escala de 0 a 20 valores.
4 - As actas são confidenciais, podendo ser presentes, em caso de recurso, ao interessado, na parte que lhe diga directamente respeito.
6. Mais tarde, o Decreto-Lei nº 146/90 veio estabelecer que as promoções para as categorias de ministro plenipotenciário de 2ª e de 1ª classe, e de embaixador, se fizessem também com base em listas elaboradas mediante avaliação curricular dos funcionários. Aqui, porém, a avaliação caberia a um júri especialmente constituído para o efeito. Segundo o artigo 3º deste Decreto-Lei nº 146/90, o júri aplicaria designadamente as regras do artigo 14º do Decreto-Lei nº 34-A/89, exercendo as competências aí atribuídas ao Conselho do Ministério.
As questões de inconstitucionalidade suscitadas relativamente aos citados artigos 6º, nº 5, e 14º, nº 4, do Decreto-Lei nº 34-A/89, bem como relativamente ao artigo 3º do Decreto-Lei nº
146/90 (este, na parte em que remetia para aquele artigo 14º, nº 4), referem-se precisamente às normas que estabeleciam a confidencialidade destas actas.
7. Todavia, é preciso ter em conta que estas normas já não se encontram em vigor. Na verdade, o Decreto-Lei nº 79/92, de 6 de Maio, veio substituir a «legislação relativa aos mecanismos de funcionamento da carreira diplomática, bem como o conjunto de direitos e deveres dos funcionários do serviço diplomático» (assim se diz no preâmbulo do diploma)
- e no artigo 80º dispôs o seguinte:
Artigo 80º - Norma revogatória
Fica revogada, na parte respeitante aos funcionários do serviço diplomático, a legislação que contrarie o disposto no presente diploma, designadamente as disposições do Decreto-Lei nº 47.331, de 23 de Novembro de
1966, do Decreto-Lei nº 47.478, de 31 de Dezembro de 1966, e demais legislação complementar, bem como o Decreto-Lei nº 255/85, de 15 de Julho.
Embora não tivessem sido expressamente mencionados nesta norma revogatória, dúvida não há de que os artigos 6º, nº 5, e
14º, nº 4, do Decreto-Lei nº 34-A/89, bem como o artigo 3º do Decreto-Lei nº
146/90, foram implicitamente revogados, como aliás o nota o próprio Primeiro-Ministro. Na verdade, este Decreto-Lei nº 79/92 estabeleceu um regime incompatível com o previsto naqueles artigos; designadamente, os artigos 9º a
12º do Decreto-Lei nº 79/92 estabelecem novas regras relativamente ao ingresso na carreira diplomática, onde o anterior Conselho do Ministério é substituído por um Conselho Diplomático no que se refere à apreciação da aptidão dos adidos de embaixada; e, de todo o modo, também não há aí qualquer norma específica sobre a confidencialidade das actas deste Conselho Diplomático, quer quanto à apreciação da aptidão dos adidos, quer quanto à apreciação do mérito dos funcionários da carreira diplomática para fins de promoção às várias categorias aí estabelecidas.
Assim, tais normas devem ter-se por revogadas. Mas, estando revogadas, ficará prejudicado, quanto a elas, o interesse jurídico do conhecimento do objecto dos presentes autos?
8. É sabido que a fiscalização abstracta da constitucionalidade de uma norma não perde necessariamente a utilidade prática se essa norma entretanto tiver sido revogada. Pois, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral tem normalmente eficácia ex tunc, a norma declarada inconstitucional é eliminada da ordem jurídica a partir do próprio momento em que entrou em vigor, sendo inclusivamente repristinadas as normas que ela havia revogado (artigo 282º da Constituição) - mesmo que a norma inconstitucional já tenha sido, ela própria, revogada quando da declaração de inconstitucionalidade.
Sendo assim, os efeitos produzidos pela norma, no que se refere ao período da vigência desta, serão também em regra apagados da ordem jurídica, e daí que se mantenha o interesse numa declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
Mas, se é assim em regra, já não o seria no caso dos presentes autos.
Na verdade, a Constituição prevê que o Tribunal Constitucional, quando assim o exigirem a segurança pública, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, possa restringir os efeitos da inconstitucionalidade (artigo 282º, nº 4).
Ora, justamente no presente caso, e por razões de segurança jurídica, seria seguramente necessário restringir os efeitos, no caso de uma eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas referidas, para salvaguardar as situações jurídicas criadas e consolidadas durante o tempo em que essas normas estiveram em vigor.
E, face a tal restrição de efeitos, nenhuma utilidade prática teria aqui a referida declaração de inconstitucionalidade: neste caso, as normas seriam afinal plenamente eficazes, no que se refere ao período da vigência.
Com efeito, os recursos contenciosos ainda pendentes, que eventualmente tenham impugnado actos administrativos praticados ao abrigo dessas normas, sempre terão de ser decididos caso a caso, com recurso para o Tribunal Constitucional no que se refere à questão de inconstitucionalidade das mesmas normas, suscitada nos processos respectivos.
Portanto, quer os interessados estejam, quer não estejam, em tempo de suscitar a fiscalização concreta de constitucionalidade, de nada lhes aproveitará uma eventual declaração com força obrigatória geral.
Assim, o recurso à fiscalização abstracta apresenta-se como excessivo e desnecessário, no caso dos autos, sendo a via da fiscalização concreta da constitucionalidade suficiente para solucionar as questões suscitadas pela eventual inconstitucionalidade daquelas normas.
Torna-se, pois, inútil apreciar os pedidos do Provedor de Justiça e do Procurador-Geral da República, no que se refere às citadas normas dos Decretos-Lei nº 34-A/89 e nº 146/90.
10. Já o mesmo não se poderá dizer relativamente às normas do artigo 7º, nº 4, do Decreto-Lei nº 235/90, e do artigo 26º, nº 4, do Decreto-Lei nº 437/91, que se mantêm em vigor. Passemos, pois, ao seu exame.
Trata-se também de normas que restringem a publicidade das actas das decisões de júris em concursos relativos ao recrutamento e selecção de pessoal, mas desta vez no âmbito de serviços ligados ao Ministério da Saúde.
O Decreto-Lei nº 235/90 estabeleceu as regras a que deve obedecer o processo de recrutamento de pessoal da carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica; e o Decreto-Lei nº 437/91 aprovou o regime legal da carreira de enfermagem, incluindo o regulamento dos concursos de recrutamento e selecção do pessoal por ele abrangido (artigo 18º, nº 1, e seguintes). Em ambos os diplomas se estabeleceu que um júri seria responsável pelas operações do concurso e que as actas das respectivas deliberações seriam confidenciais; mas, também em ambos os casos, se admitiu que, em caso de recurso, os interessados teriam acesso parcial a essas actas.
Não são as normas que estabelecem em geral a confidencialidade dessas actas que estão aqui em causa, mas apenas as que condicionam o acesso dos interessados às mesmas, em caso de recurso.
E as condições desse acesso ficaram circunscritas precisamente nos mesmos termos, num e noutro diploma. Com efeito, quer no artigo 7º, nº 4, do Decreto-Lei nº 235/90, quer no artigo 26º, nº 4, do Decreto-Lei nº 437/91, estabeleceu-se o seguinte:
...
4 - Os interessados terão acesso, em caso de recurso, à parte das actas em que se definam os factores e critérios de apreciação aplicáveis a todos os candidatos e, bem assim, àquela em que são directamente apreciados.
É sobre estas normas, assim igualmente redigidas, que também incidem os pedidos de fiscalização de constitucionali-dade do Procurador-Geral da República.
11. Tal como é referido pelo requerente, o Tribunal Constitucional teve ocasião de apreciar uma norma idêntica - a norma do artigo 9º, nº 4, do Decreto-Lei 498/88 -, que restringia aos interessados o acesso, em caso de recurso, às actas dos júris dos concursos para recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da administração pública. E acontece que, depois de várias decisões em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade, tal norma veio a ser apreciada pelo plenário do Tribunal, em fiscalização abstracta, nos termos do artigo 281º, nº 3, da Constituição - Acordão nº 394/93, Diário da República, I Série - A, de 29 de Setembro de 1993.
A redacção da norma ali apreciada era exactamente igual - palavra por palavra - à da que ora nos ocupam. Por isso, valem aqui exactamente da mesma forma as considerações feitas naquele acórdão, e que passam a transcrever-se no essencial:
5. Importa, assim, averiguar se a norma em causa, na dimensão que vem questionada, viola ou não as normas conjugadas dos n.os 1 e 2 do artigo 268º da Constituição.
Neste preceito constitucional estabelecem-se os «direitos e garantias dos administrados», consagrando-se no nº 1 que «os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles foram tomadas».
O nº 2 do artigo 268º estabelece que «os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matéria relativa à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas».
Nos termos que decorrem dos acórdãos invocados no pedido, a norma do artigo 9º, nº 4, do Decreto-Lei nº 498/88 viola o princípio do direito à informação dos cidadãos, conjugado com o do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos inscritos nos n.os 1 e 2 do artigo 268º, na medida em que restringe o direito de acesso dos concorrentes de um concurso público a determinada parte das actas do respectivo júri.
E, tendo citado o Acórdão nº 156/92
(Diário da República, II Série, de 2 de Setembro de 1992) e o Acórdão nº 176/92
(Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1992) - nos quais aquela norma foi, em fiscalização concreta de constitucionalidade, confrontada com o direito dos administrados à informação e com o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos -, conclui que tal norma é inconstitucional, na medida em que restringe aos interessados o acesso, em caso de recurso, à parte das actas que definam os factores e critérios de apreciação aplicáveis a todos os candidatos e, bem assim, àquela em que são directamente apreciados.
O Acórdão viu aí violação dos n.os 1 e 2 do artigo 268º da Constituição, conjugadamente entendidos, isto é, considerando o direito à informação dos administrados e o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos como direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, com as limitações da parte final do nº 2
(limitações relativas à matéria de segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas); acrescenta, aliás, que essas restrições em regra não se verificam no caso de candidatos a concursos regulados pelo diploma em questão.
Na verdade, e conforme foi ponderado no já referido Acórdão nº 176/92, o direito à informação dos cidadãos sobre o andamento dos processos em que são directamente interessados é «um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, directamente aplicável sem mediação da lei, só restringível nos casos expressamente previstos na Constituição»; comporta restrições e limitações, mas apenas na medida do necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, com respeito pelos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade.
E, acrescentando que tal direito está estreitamente conexionado com o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o acórdão prossegue, sempre baseando-se no Acórdão nº 176/92:
Com efeito, consagrando o nº 2 do artigo 268º da Constituição o direito de acesso aos registos e arquivos como um direito fundamental de regime análogo ao dos direitos, liberdades e garantias, ele «contém um núcleo essencial efectivo ou operativo por si próprio e que pode ser oposto à Administração Pública por aquele cidadão, independentemente de expressa previsão ou regula-mentação legal», e que «é directamente infringido pela norma do nº 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro».
No que respeita às restrições, «o que se contesta é que [aquela norma] ... possa ser entendida como uma exigência do respeito pela intimidade da pessoa dos concorrentes».
Efectivamente, ainda que se possa conceber que nos processos de concurso público possam surgir elementos respeitantes à vida íntima e privada dos concorrentes - elementos estes que devem, obviamente, ser protegidos do conhecimento dos restantes concorrentes - , o certo é que, em regra, os elementos constantes dos curricula vitae dos candidatos não se integram no conceito de «esfera privada de cada pessoa», pelo que devem ser acedidos pelos candidatos a um concurso público (v.g., graus académicos, classifica-ções, trabalhos publicados, conferências, cursos, seminários e restantes elementos objectivados que possam ser tidos em conta na graduação).
12. Outra questão foi ainda abordada no citado Acórdão nº 394/93. Na verdade, o Código de Procedimento Administrativo
(Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro), veio entretanto conferir aos interessados «o direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados (...)», incluindo «os documentos nominativos relativos a terceiros, desde que excluídos os dados pessoais que não sejam públicos, nos termos legais» (artigo 62º). Poderia perguntar-se então se este novo enquadramento legal não revogou a norma em causa, ou se, pelo menos não exigirá uma diferente interpretação da mesma: pois ela poderia agora ser lida como permitindo o acesso dos interessados, «à parte das actas em que se definam os factores e critérios de apreciação aplicáveis a todos os candidatos e, bem assim, àquela em que são directamente apreciados», mas não necessariamente como proibindo o acesso à parte restante das actas.
No entanto, o acórdão referido afastou estas soluções:
Tendo presentes tais alternativas, entende o Tribunal Constitucional que não é possível concluir, sem margem de dúvidas, pela revogação do nº 4 do artigo 9º pelas indicadas normas do Código de Procedimento Administrativo. Ao que acresce que, mesmo que se pudesse entender que a norma se achava revogada, sempre haveria boas razões para considerar existir interesse no conhecimento do pedido, desde logo pela conveniência prática de impedir a sua aplicação pelas instâncias judiciais ou até administrativas.
No que toca à admissibilidade da aludida interpretação correctiva do preceito em apreciação, por força das indicadas normas do Código de Procedimento Administrativo, embora se admita que respeite a Constituição, não deixaria ela de suscitar algumas dificuldades, desde logo porque o direito de consultar o processo inexiste se ele contiver «documentos classificados» e, depois, porque o direito de consulta e o de obter certidões relativamente aos documentos nominativos relativos a terceiros estão excluídos relativamente aos «dados pessoais que não sejam públicos nos termos legais», pretendendo-se assim evitar a violação de direitos pessoais e de personalidade, mas cuja concretização levantará certamente não poucas dificuldades.
Todas estas considerações do Acórdão nº
394/93, como as dos anteriores Acórdãos n.os 156/92 e 176/92, se mantêm válidas e nada há aqui a acrescentar-lhes. Pelo que, no que se refere agora ao artigo
7º, nº 4, do Decreto-Lei nº 235/90 e ao artigo 26º, nº 4, do Decreto-Lei nº
437/91, idêntica será a decisão a proferir aqui: a inconstitucionalidade material das normas em causa, pelos motivos expostos.
13. E a idêntica conclusão se chega também sobre a necessidade de restringir os efeitos da inconstitucionalidade, ora declarada, das normas impugnadas.
Por razões de equidade e de segurança jurídica, impõe-se ressalvar os efeitos entretanto produzidos por tais normas, e bem assim os que elas venham a produzir até à publicação do presente acórdão no Diário da República, com excepção dos casos ainda susceptíveis de impugnação judicial ou que dela se encontrem pendentes em tal data, de harmonia com o preceituado no artigo 282º, nº 4, da Constituição.
Tal como no citado Acórdão no 394/93, também no presente caso a subsistência dos provimentos de lugares preenchidos nos termos do diploma legal em causa é um imperativo de equidade e de segurança jurídica, tornando-se necessário garantir a subsistência das situações e direitos adquiridos de boa fé - sem que isto implique qualquer tomada de posição sobre a questão de saber se o «caso resolvido» deverá ter relevância idêntica à do caso julgado judicial, para o efeito do disposto no artigo 282º, nº 3, da Constituição.
III - DECISÃO
Assim, e face ao exposto, decide-se:
a) Por falta de interesse jurídico relevante, não tomar conhecimento dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 6º, nº 5, e 14º, nº 4, do Decreto-Lei nº 34-A/89, de 31 de Janeiro, e da norma do artigo 3º do Decreto-Lei nº 146/90, de 8 de Maio (este na parte em que remete para o artigo 14º, nº 4, daquele Decreto-Lei nº 34-A/89).
b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do artigo 7º, nº 4, do Decreto-Lei nº
235/90, de 17 de Julho, e do artigo 26º, nº 4, do Decreto-Lei nº 437/91, de 8 de Novembro, na medida em que restringem o acesso dos interessados, em caso de recurso, à parte das actas em que se definam os factores de apreciação aplicáveis a todos os candidatos e, bem assim, àquela em que são directamente apreciados - por violação das normas conjugadas dos n.os 1 e 2 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa.
c) Ressalvar, por razões de equidade e de segurança jurídica, os efeitos entretanto produzidos pelas normas ora declaradas inconstitucionais, e bem assim os que elas venham a produzir até à publicação do presente acórdão no Diário da República, com excepção dos casos ainda susceptíveis de impugnação contenciosa ou que dela se encontrem pendentes em tal data, de harmonia com o preceituado no artigo 282º, nº 4, da Constituição. Lisboa, 28 de Março de 1996 Luis Nunes de Almeida Antero Alves Monteiro Dinis Fernando Alves Correia Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Bravo Serra Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida José Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa