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Procº nº 825/95. ACÓRDÃO Nº 418/96
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça e em que figuram, como recorrente, A e, como recorridos, o Ministério Público, B,S.A., C, Ldª, D, S.A., e E, Ldª, concordando-se, no essencial, com a exposição lavrada pelo relator, ora de fls. 3464 a 3476, que aqui se dá por integralmente reproduzida, à qual não responderam recorrente e recorridos, à excepção do Ministério Público, que à mesma deu a sua concordância, decide-se não se tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 7 de Março de 1996 Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa
EXPOSIÇÃO PRÉVIA Procº nº 825/95.
2ª Secção.
1. Por acórdão proferido em 14 de Abril de 1994 na 3ª Vara Criminal do Porto foi o arguido A condenado, para além do mais, na pena
única de 9 anos de prisão e 60 dias de multa à taxa diária de Esc. 500$00, correspondendo estes a 40 dias de prisão alternativa, por isso que foi considerado como autor material de dois crimes continuados de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelos artigos 228º, números 1 e 2, e 30º, do Código Penal, de um crime continuado de burla agravada, previsto e punível pelos artigos 313º, 314º, nº 1, alínea c), e 30º, também do Código Penal, e de um outro crime de burla agravada, cometido na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 313º, 314º, nº 1, alínea a), e 30º, ainda do dito corpo de leis.
Desse acórdão recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo na motivação que apresentou referido, inter alia, que a norma constante do artº 410º do Código de Processo Penal, a ser entendida em termos
'segundo os quais o tribunal superior só pode conhecer da insuficiência da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação ou do erro notório na apreciação da prova se e quando este resulte do texto da decisão recorrida', seria inconstitucional, pois que violaria 'o princípio do duplo grau de jurisdição, decorrente do art. 32-1 da Constituição'.
1.1. No Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 6 de Fevereiro de 1995, foi o processo declarado 'como de excepcional complexidade'.
1.2. Por acórdão desse Alto Tribunal de 30 de Março de
1995, foi alterada a decisão condenatória proferida em 1ª instância tão somente no tocante à condenação do arguido pelos dois crimes de falsificação de documentos - porquanto se entendeu que se tratava de um só crime continuado de falsificação, previsto e punível pelos artigos 228º, números 1 e 2, e 30º, do Código Penal - razão pela qual lhe foi imposta a pena única de 9 anos de prisão e 40 dias de multa à taxa diária de Esc. 500$00, a que correspondiam 26 dias de prisão alternativa.
1.3. Por requerimento, entrado na secretaria do S.T.J. em 10 de Maio de 1995 e subscrito pelo seu mandatário, o arguido, invocando o nº
5 do artº 113º do Código de Processo Penal, veio solicitar que lhe fosse notificado o aresto de 30 de Março daquele ano, pretensão que, por despacho do Conselheiro Relator, datado de 18 do indicado mês de Maio, foi indeferida com base na circunstância de a audiência ter sido oral, de o acórdão ter sido tornado público e nos princípios que decorrem dos artigos 423º, nº 5, 411º, nº
1, 372º, nº 5, e 113º, nº 5, todos do Código de Processo Penal.
1.4. Por intermédio de requerimento entrado na aludida secretaria em 17 de Maio de 1995 o arguido veio, relativamente ao acórdão prolatado em 30 de Março anterior, solicitar a sua aclaração, tendo, no dia seguinte, apresentado um outro requerimento por via do qual arguiu determinadas nulidades de que enfermaria essa mesma peça processual.
Nesse requerimento consubstanciador de arguição de nulidades o arguido, a dado passo, referiu que a interpretação da norma constante do nº 5 do artº 113º do Código de Processo Penal, a ser interpretada de molde a que 'a notificação da decisão final proferida pelo STJ não é de notificação obrigatória na pessoa do arguido notificando', torná-la-ia
'manifestamente inconstitucional porque violadora do artigo 32º da CRP'.
1.5. Através de um outro requerimento junto aos autos também em 18 de Maio de 1995, o arguido intentou interpôr recurso para o Tribunal Constitucional, com vista a ser apreciada a inconstitucionalidade da norma ínsita no nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal na interpretação de que, 'para se decretar ' o vício resultante da decisão recorrida' é apenas ao texto da decisão recorrida que o Supremo Tribunal de Justiça há-de atender'.
1.6. Após despacho de 19 de Maio de 1995 do Conselheiro Relator, no qual se propugnava pelo respectivo indeferimento, atenta a sua extemporaneidade, e se ordenava a ida dos autos à conferência, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 desses mês, indeferiu as solicitações deles constantes, já que entendeu que, à data da respectiva apresentação, estavam já ultrapassados os prazos para, respectivamente, se requerer a aclaração e arguir nulidades e recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão de 30 de Março anterior.
Na verdade, lê-se esse aresto:-
'.............................................
O arguido A veio, no dia 17 do corrente mês de Maio, requerer a aclaração do acordão final, de 1995.03.30, proferido no recurso que interpôs e tornado público nessa mesa data (fls. 3.380) e no dia 18 do corrente, arguir nulidades do mesmo (fls. 3402) e interpor recurso para o Tribunal Constitucional
(fls. 3407).
Requerera antes, sem êxito (ut despacho a fls. 3.338, indeferindo o seu pedido datado de 1995.05.10 - a audiência fora oral, nela interveio o seu defensor, o acordão foi lido e tornado público nessa data; considera-se-o notificado, como resulta dos princípios extraídos conjugadamente dos arts.
423-5, 411--1, 372-5 e 113-5 CPP), que o referido acordão final lhe fosse notificado.
Os pedidos são extemporâneos - ultrapassados, e já havia...muito tempo, o prazo de 5 dias (CPP-4 e CPP - 669 e 153), para pedir a aclaração e arguir nulidades (CPP-105,1) e de 8 dias para recorrer para o Tribunal Constitucional (art 75-1 da lei 28/92, 15/11).
Com estes requerimentos pretende o arguido alcançar dois efeitos - a reformulação do acordão através de ambiguidades e obscuridade o que é vedado nos termos do art. 380-1 b) CPP (nos termos que se apontam a fls. 3401, a havê-las - e não as há - a sua eliminação importaria modificação essencial); conseguir a anulação do acordão deste Supremo, além de anunciar, através da arguição de inconstitucionalidades, um recurso para o Tribunal Constitucional, alargando-se-o (o que é inadmissível).
O objectivo duma aclaração e de uma arguição de nulidades, já em si requeridas fora de prazo, não se compadece com qualquer dessas finalidades.
Indeferidos, por extemporâneos, qualquer dos 3 requerimentos.
.............................................'
1.7. Em 6 de Junho de 1995, o arguido juntou aos autos requerimento, por si subscrito, onde pedia:-
- que lhe fossem notificados o 'despacho que declarou o processo de excepcional complexidade', o acórdão do S.T.J. 'que julgou os três recursos interpostos', o 'despacho sobre cada um dos requerimentos apresentados ultimamente nesse Tribunal pelo mandatário do requerente';
- que lhe fossem 'remetidas cópias de todas as notificações realizadas ao seu mandatário com indicação da data em que tais notificações foram realizadas e do endereço para onde foram remetidas';
- que, daí 'para o futuro, todas as notificações a realizar no processo' fossem 'efectuadas directamente para o requerente'.
1.8. Em 12 de Junho de 1995 fez o arguido juntar aos autos um outro requerimento, subscrito pelo seu mandatário, com o seguinte teor:-
'............................................. A, arguido nos autos em epígrafe, tendo sido notificado do despacho proferido em
25-05-95, vem do mes- mo interpôr recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da C.R.P. e na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com os seguintes fundamentos: a) A decisão recorrida aplicou a norma constante do artigo 113º nº 5 do C.P.P. com o sentido de que o Acórdão final proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em processo criminal não é de notificação obrigatória na pessoa do arguido devendo tal norma, se interpretada com aquele sentido, ser consideradas inconsti- tucional, por violação do princípio das garantias de defesa em processo penal e do princípio do contraditório, contidos no artigo 32º, nº 1 e 5 da C.R.P.. b) Tal inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente na arguição de nulidades a fls. 3.402.
.............................................'
1.9. A propósito do requerimento, subscrito pelo arguido e junto aos autos em 6 de Junho de 1995, e do requerimento imediatamente acima transcrito, o Conselheiro Relator do S.T.J. exarou em 21 de Junho seguinte o seguinte despacho:-
'Fls. 3414 -
Como bem nota o Ex.mo Proc-Geral Adjunto, as decisões transitaram e o requerente não indica a concreta finalidade ou utilidade da certidão que pede.
Enquanto o não fizer, não poderá verificar-se se a sua pretensão pode merecer acolhimento.
Indeferido, pois.
* Fls. 3416 -
Oferece muita dúvida a admissibilidade de tal recurso pois que os requerimentos não foram apreciados face à sua extemporaneidade (ac. a fls. 3410)
Porém não se deve restringir a possibili- dade de recurso e face à dúvida que se coloca, admite-se o recurso para o T. Constitucional.
Efeito suspensivo.
.............................................'
1.10. Por requerimento entrado em 7 de Setembro de 1995, o arguido, após arguir a nulidade de falta de notificação do despacho do Conselheiro Relator do S.T.J. de 18 de Maio anterior e através do qual foi indeferida a pretensão de ser pessoalmente notificado do acórdão de 30 de Março, ainda daquele ano, veio dizer que '[s]e vem expressamente arguir a nulidade de falta de notificação ao arguido do despacho que declarou o processo de excepcional complexidade, requerendo que seja conhecida e declarada tal nulidade e, em consequência, se declare de nenhum efeito o despacho proferido'.
1.11. Porque um tal requerimento se afigurava ininteligível no ponto em que, referindo que não tinha sido notificado do despacho de 18 de Maio de 1995, solicitava que fosse declarado nulo um outro despacho, de 6 de Fevereiro de 1995, aliás notificado ao arguido na pessoa do seu advogado, despacho esse que declarou o processo como de excepcional complexidade, foi o arguido notificado para clarificar o pretendido.
Nenhuma resposta, contudo, foi dada nos autos pelo arguido.
Após o advogado deste ter renunciado ao mandato e ter sido constituído um novo mandatário, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 9 de Novembro de 1995, considerando ininteligível o requerimento apresentado em 7 de Setembro de 1995, que não foi esclarecido 'apesar da oportunidade dada ao arguido', decidiu 'não tomar conhecimento do mesmo'.
2. Em face do historial do presente processo acima efectuado, torna-se inquestionável que, no momento, apenas releva a pretensão do recorrente no sentido de o Tribunal Constitucional apreciar a questão da inconstitucionalidade da norma contida no nº 5 do artº 113º do vigente Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual se não impõe a notificação pessoal do arguido de acórdão lido em audiência oral perante o mandatário do mesmo arguido e tomado em via de recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça, norma essa que teria sido aplicada no aresto de 25 de Maio de 1995.
3. Porque o despacho admissor do recurso não vincula este Tribunal (cfr. artº 76º, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), afigurando-se ao ora relator que o presente recurso não deveria ter sido admitido (e daí a feitura da presente exposição ao abrigo do nº 1 do artº 78º-A daquela Lei), impõe-se então analisar se, in casu, se encontram reunidos todos os requisitos permissores da impugnação a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º, ainda daquele diploma.
3.1. Viu-se acima que o arguido, por intermédio de requerimento apresentado em 10 de Maio de 1995, requerera a notificação na sua própria pessoa do acórdão de 30 de Março do mesmo ano, que o condenara, além do mais, na pena única de 9 anos de prisão e 40 dias de multa à taxa diária de esc.
500$00, estes com a alternativa de 26 dias de prisão.
Um tal requerimento foi indeferido por despacho do Conselheiro Relator do S.T.J. datado de 18 de Maio de 1995.
Após tal despacho, teve o arguido, até à prolação do acórdão de 25 de Maio de 1995, agora pretendido recorrer, intervenção nos autos
(cfr. o requerimento apresentado em 17 de Maio de 1995 e os dois requerimentos apresentados em 18 seguinte), identicamente a tendo após tal prolação (cfr. a notificação efectuada ao seu mandatário em 30 daquele mês do acórdão em crise; o requerimento subscrito pessoalmente e junto aos autos em 6 de Junho de 1995; o requerimento, de 12 de Junho de 1995, por via do qual pretende interpôr recurso para o Tribunal Constitucional; a notificação do despacho de 21 de Junho de
1995, que indeferiu o solicitado no requerimento de 6 desse mês e que admitiu o recurso para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade; o requerimento junto em 10 de Julho de 1995 e no qual se solicitava a 'aclaração do conteúdo' daquele anterior despacho; a notificação do despacho de 14 de Julho de 1995, que indeferiu esse pedido de aclaração), só posteriormente vindo, pelo requerimento de 7 de Setembro de 1995, arguir a nulidade consistente na não notificação do despacho que indeferiu o pedido de notificação pessoal do arguido do acórdão de 30 de Março, arguição que, todavia, não foi acolhida pelo acórdão de 9 de Novembro de 1995.
3.2. Há-de, assim, convir-se que o despacho do Conselheiro Relator de 18 de Maio de 1995 (recorda-se: o despacho que indeferiu a notificação pessoal do arguido do acórdão impositor da condenação em pena privativa de liberdade e em pena de multa, baseado nos princípios decorrentes dos artigos 423º, nº 5, 411º, nº 1, 372º, nº 5, e 113º, nº 5, do Código de Processo Penal) é algo que se deverá considerar transitado em julgado
Ele não foi, de facto, objecto de impugnação adequada
-reclamação para conferência -; e, mesmo que o não tivesse sido por motivos conexionados com a sua não notificação, o que é certo é que a arguição da
«nulidade» consistente nessa não notificação foi algo que (e sem que aqui o Tribunal Constitucional, mercê dos seus poderes cognitivos possa interferir) o Supremo Tribunal de Justiça não acolheu.
Ora, esse trânsito sempre impediria que, no vertente processo, a notificação pessoal do arguido do acórdão de 30 de Março de 1995 pudesse vir a ser deferida.
3.3. Por outro lado, o acórdão pretendido impugnar não utilizou, como suporte decisório, a norma do artº 113º, nº 5, do Código de Processo Penal, o que resulta claro da transcrição supra efectuada.
Efectivamente, a razão de ser do decidido foi, única e exclusivamente, a da apresentação extemporânea dos requerimentos do arguido e por intermédio dos quais veio solicitar a aclaração, arguir nulidades e recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão de 30 de Março de 1995.
Pois bem:
Mesmo perante uma argumentação segundo a qual o acórdão ora intentado censurar, ao considerar como extemporaneamente apresentado o requerimento consubstanciador de arguição de nulidades do aresto de 30 de Março de 1995, teve por implícito que este não tinha de ser pessoalmente notificado ao arguido, e que, por essa razão, o prazo para a sua apresentação se contava desde a notificação efectuada ao mandatário daquele, o que, também implicitamente, levaria à adopção de um entendimento da norma do artº 133º, nº 5, do Código de Processo Penal com um sentido que o ora recorrente tinha por desconforme à Constituição, o que é certo é que essa argumentação seria insustentável, pois que, verdadeiramente, não foi isso que ocorreu.
A decisão sub specie tinha de acatar nestes autos o já decidido pelo despacho de 18 de Maio de 1995 que não foi objecto de impugnação e, justamente por isso, não deferiu a arguição de nulidades, porque a considerou apresentada for de prazo.
3.3. Do que se deixa dito resulta que não houve, no vertente caso, a aplicação, pela decisão sob censura, da norma cujo sentido constitucionalidade previamente foi questionado pelo recorrente, motivo pelo qual, não se verificando um dos pressupostos do recurso a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, se propugna por se não tomar conhecimento do recurso.
Cumpra-se a parte final do nº 1 do artº 78º-A dessa mesma Lei.
Lisboa, 10 de Janeiro de 1996. Bravo Serra