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Proc. nº 514/93
1ª Secção
Rel.: Consª. Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. A. propôs, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, uma
acção emergente de contrato individual de trabalho contra B., em Liquidação,
pedindo que esta fosse condenada a reconhecer um crédito do autor, no montante
de 707.907$00, e que tal crédito fosse incluído no mapa a que se refere o artigo
8º, nº 2, do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, para ser graduado no lugar que
lhe competisse.
2. Por sentença de 26 de Janeiro de 1989, foi julgada
improcedente a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria
suscitada pela ré na contestação e improcedente a acção, absolvendo a ré do
pedido. Quanto a este, entendeu-se que estaria extinto o contrato de trabalho
por caducidade, por se julgar não inconstitucional a norma da alínea c) do nº 1
do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85.
3. Dessa sentença interpôs o autor recurso para o
Tribunal da Relação de Lisboa.
Por acórdão de 17 de Janeiro de 1990, foi negado
provimento ao recurso, embora se tenha decidido pela procedência da referida
excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria, absolvendo a ré da
instância.
4. Dessa decisão foi interposto pelo autor recurso para
o Supremo Tribunal de Justiça, invocando a formação de caso julgado formal
quanto à questão da competência.
Por acórdão de 27 de Fevereiro de 1991, foi revogada a
decisão impugnada, declarando-se a competência do tribunal em razão da matéria,
por respeito ao caso julgado formal, e ordenando-se a baixa do processo ao
Tribunal da Relação de Lisboa para apreciação da restante matéria do recurso
interposto para aquela instância.
5. Já no Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 9
de Outubro de 1991, foi confirmada a decisão recorrida da 1ª instância, quanto à
improcedência da acção, com base na seguinte fundamentação:
'(...) Como a Ré foi declarada extinta pelo Dec.-Lei 137/85, verifica-se a
caducidade do contrato com o Autor, o que não equivale a um despedimento
colectivo, porque essa caducidade resultou da inviabilidade económica da Ré.
(...) O art. 4º, nº 1, alínea c), do D.L. 137/85 não sofre de
qualquer inconstitucionalidade, havendo uma cessação do contrato de trabalho nos
termos do art. 8º, nº 1, alínea b), do Dec.-Lei nº 372-A/75.'
Pelo autor foi então arguida a nulidade desse acórdão
por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão e alegada omissão de
pronúncia quanto à questão suscitada, concretamente sobre o direito a
indemnização invocado pelo autor.
Esta reclamação foi indeferida, por se entender não
verificadas as nulidades arguidas, sustentando-se, quanto ao segundo ponto, o
seguinte:
'(...) o acórdão conclui pela caducidade do contrato de trabalho nos
termos do Dec. Lei 137/85 e justifica não reconhecer ao Autor direito à
indemnização por se não tratar de despedimento colectivo.
Em nosso entender, com razão, uma vez que o Dec. Lei 372-A/75, em
vigor à data dos factos a que os autos se reportam, não previa indemnização para
os trabalhadores no caso de caducidade dos contratos de trabalho, o mesmo
acontecendo com o Dec. Lei 137/85.'
6. Desse acórdão sob reclamação foi então interposto
pelo autor o presente recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos
artigos 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a fim de ser
apreciada a questão da constitucionalidade da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do
Decreto-Lei nº 137/85, norma que, segundo o autor, teria sido aplicada na
decisão recorrida, não obstante ter suscitado a sua inconstitucionalidade logo
na petição inicial.
Neste Tribunal, o recorrente apresentou alegações,
formulando as seguintes conclusões:
a) A extinção jurídica de empresa, por acto do governo, não
determinava, face à lei laboral geral vigente, a cessação dos contratos de
trabalho, designadamente por caducidade (e o encerramento definitivo de empresa
havia sido absorvido pela disciplina jurídica do despedimento colectivo);
b) Ao determinar a caducidade dos contratos de trabalho, mormente
sem indemnização, a al. c) do nº 1 do art. 4º do Dec.-Lei 137/85 violou o
direito à segurança no emprego - já que este não é compatível com a privação do
seu mero sucedâneo, que é o direito à indemnização - pelo que violou os arts.
53º e 18º, nº 3, da C.R.P.;
c) Ao reservar esse destino, nessas condições, para os contratos de
trabalho, enquanto os contratos de outra natureza foram mantidos ou rescindidos
com indemnização; e, ainda, ao determinar a imediata caducidade de alguns
contratos de trabalho e a caducidade diferida de outros da mesma natureza, a
mesma norma ofendeu o princípio da igualdade, violando o art. 13º da C.R.P.;
d) Tendo inovado, como inovou, em matéria de cessação de contrato de
trabalho, sem precedência de autorização legislativa, a mesma norma violou o
art. 168º, nº 1, al. b), da C.R.P.
Por sua vez, a recorrida produziu também alegações, aí
começando por suscitar uma questão prévia. Afirmou que a norma fundamentadora da
decisão recorrida não foi a da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº
137/85, mas sim a da alínea b) do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 372-A/75,
de 16 de Julho (Lei dos Despedimentos), na medida em que se invocaria o
Decreto-Lei nº 137/85 apenas para a verificação da extinção da ré, mas já não
para a aplicação do efeito de caducidade do contrato de trabalho. Tal
determinaria o não conhecimento do objecto do recurso.
Para a hipótese de não ser atendida a questão prévia,
formulou ainda a recorrida as seguintes conclusões:
1º - A extinção da B. ocorreu como consequência necessária e directa
da ruptura económica‑financeira da empresa;
2º - O Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, que determinou a
extinção da B. foi publicado no uso da competência do Governo e na execução de
imperativos constitucionais, de natureza prioritária decorrentes do artigo 81º,
al. c) da Constituição;
3º - Da extinção da B. resulta inevitavelmente a cessão dos
contratos de trabalho em que a empresa era parte;
4º - A Lei dos Despedimentos vigente à data da extinção da B. -
Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho - ao definir o conceito de despedimento,
os fundamentos que o justificam e a competência para a respectiva promoção,
rejeita decisivamente qualquer equivalência entre o encerramento da empresa e a
extinção da entidade empregadora como postulado de aplicação analógica do regime
dos despedimentos colectivos a esta segunda hipótese;
5º - Resultando de um evento que constitui um facto jurídico stricto
sensu exterior à entidade extinta independente da posição dos seus órgãos
sociais, a cessação dos contratos de trabalho em que a B. era parte só pode
reconduzir-se à caducidade, por aplicação do artigo 8º, nº 1 do citado
Decreto‑Lei nº 372-A/75 e dos princípios gerais de direito nele previstos;
6º - Uma vez que a caducidade dos contratos de trabalho decorre da
aplicação directa da Lei dos Despedimentos, o artigo 4º, nº 1, al. c) do
Decreto‑Lei nº 137/85, de 3 de Maio, não comporta qualquer carácter inovatório,
apenas concretizando o referido regime geral;
7º - Assim sendo, aquele preceito do artigo 4º, nº 1 al. c) do
Decreto-Lei nº 137/85 não viola qualquer disposição constitucional, pelo que
deve ser negado provimento ao presente recurso.
7. Ouvido sobre a questão prévia suscitada pela
recorrida, o recorrente pronunciou-se no sentido de ela ser desatendida, com o
argumento de que o texto da decisão recorrida não é susceptível de ser
interpretado como pretende a ré.
8. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
Fundamentação
9. Antes de mais, há que apreciar a questão prévia
invocada pela recorrida.
Como resulta dos excertos da decisão recorrida acima
transcritos, esta apoia-se nos seguintes fundamentos:
a) a ré foi declarada extinta pelo Decreto-Lei nº
137/85, verificando-se a caducidade do contrato com o autor;
b) a alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº
137/85 não é inconstitucional, havendo cessação do contrato de trabalho nos
termos do artigo 8º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 372-A/75.
Perante este enunciado, constata-se que a decisão
recorrida se apoiou no entendimento de que a alínea c) do nº 1 do artigo 4º do
Decreto‑Lei nº 137/85 é conforme à Constituição. Ora, esta norma prevê
expressamente o efeito de caducidade dos contratos de trabalho, não sendo nela
que se determina a extinção da ré, que é determinada pelo artigo 1º do diploma.
Assim, a referência à alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85 só
se justifica na medida em que se recorreu a ela (e não ao artigo 8º, nº 1,
alínea b), do Decreto-Lei nº 372-A/75) para considerar verificado o efeito de
caducidade dos contratos de trabalho. E, por isso, quando se aludiu à cessação
do contrato de trabalho nos termos do artigo 8º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei
nº 372-A/75, o que se teve em vista foi já reconduzir a hipótese de caducidade
criada pelo Decreto-Lei nº 137/85 à figura jurídica da caducidade prevista no
regime geral da cessação do contrato de trabalho, para daí extrair as
consequências deste decorrentes, designadamente a não existência de um direito
dos trabalhadores a indemnização.
Aliás, no acórdão que apreciou a arguição de nulidades
relativa à decisão recorrida não houve quaisquer dúvidas em considerar que esta
decisão havia concluído pela 'caducidade do contrato de trabalho nos termos do
Decreto-Lei nº 137/85'.
Não se vislumbra, pois, apoio textual na decisão
recorrida para a interpretação da ré segundo a qual a norma fundamentadora
daquela decisão não foi a da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº
137/85.
Ao invés, deve mesmo concluir-se, em face do exposto,
que a ratio decidendi foi, efectivamente, a aplicação daquela norma, que o
tribunal a quo considerou não ser inconstitucional.
Deste modo, não assiste razão à recorrida na questão
prévia suscitada, que, assim, não será atendida, devendo prosseguir-se com a
apreciação do objecto do recurso.
10. O presente recurso tem por objecto a questão da
constitucionalidade da norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do
Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio.
11. Através deste diploma foi determinada a extinção da
empresa pública B., com fundamento na degradação progressiva da sua situação
económico-financeira, entrando, a partir de então, em liquidação, para cujo
efeito manteria a personalidade jurídica, até à aprovação final das contas a
apresentar pela comissão liquidatária (artigo 1º).
De acordo com a alínea c) do nº 1 do artigo 4º do
diploma, a extinção da B. implicava:
'c) A extinção por caducidade imediata de todos os contratos de
trabalho em que seja parte a B., com excepção dos outorgados com pessoal de mar
embarcado, os quais se extinguirão imediatamente após o respectivo desembarque
no porto nacional de destino, sem prejuízo do direito aos salários e outras
remunerações em dívida à data da extinção do contrato de que se trate.'
Resulta deste preceito que, com a entrada em vigor do
Decreto-Lei nº 137/85, se extinguiram de imediato, por caducidade, os contratos
de trabalho dos trabalhadores daquela empresa pública, sem que estes tivessem
direito a qualquer indemnização.
Com efeito, o estatuto do pessoal das empresas públicas
regia-se pelo Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, que, através do seu artigo
30º, remetia para o regime do contrato individual de trabalho, pelo que era
aplicável à cessação dos contratos de trabalho o regime geral então vigente,
constante do Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho (Lei dos Despedimentos),
com as alterações sucessivamente introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 84/76, de
28 de Janeiro, e 841-C/76, de 7 de Dezembro, e pela Lei nº 48/77, de 11 de
Julho. E, segundo esse regime geral, a caducidade do contrato não conferia
direito a qualquer indemnização.
Porém, também esse regime geral não contemplava, entre
as hipóteses de cessação do contrato de trabalho por caducidade, a situação de
extinção de uma empresa, conforme resultava do teor do nº 1 do artigo 8º da Lei
dos Despedimentos, que dispunha do seguinte modo:
'O contrato de trabalho caduca nos casos previstos nos termos gerais de
direito, nomeadamente:
a) Expirando o prazo por que foi estabelecido;
b) Verificando-se impossibilidade superveniente, absoluta e
definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a empresa o receber;
c) Com a reforma do trabalhador.'
12. Apenas poderá haver dúvidas quanto à eventual
integração da situação de extinção de uma empresa na hipótese de
'impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o
seu trabalho ou de a empresa o receber'.
Contudo, essa impossibilidade tem de revestir natureza
factual, e não resultar de disposição legal. Além disso, nem sequer ocorreu, no
caso concreto, uma impossibilidade (ainda que de origem legal) absoluta e
definitiva de prestar e receber trabalho, na medida em que não cessaram de
imediato todos os contratos da empresa (cf. artigo 4º, nº 2, do Decreto-Lei nº
137/85) e que outros contratos de trabalho (neste caso, a prazo) continuaram a
poder ser celebrados pela comissão liquidatária da empresa [cf. artigo 2º, nº 4,
alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85].
Aliás, a evolução legislativa do regime de cessação do
contrato de trabalho também aponta para a não integração do encerramento
definitivo da empresa na alínea b) do nº 1 do artigo 8º da Lei dos Despedimentos
então em vigor: na versão originária desta Lei determinava-se, no nº 2 do artigo
29º, que 'o encerramento definitivo da empresa faz caducar os contratos de
trabalho', tendo essa norma sido revogada pelo Decreto-Lei nº 84/76, o qual
introduziu a figura do despedimento colectivo, passando a constituir fundamento
deste o 'encerramento definitivo da empresa' (cf. artigo 13º, nº 2, da Lei dos
Despedimentos). Com esta alteração, tornou‑se evidente que o encerramento
definitivo de uma empresa deixou de constituir causa de caducidade de contratos
de trabalho e passou a ser pressuposto da instauração de um processo de
despedimento colectivo.
Ao contrário da caducidade, a cessação do contrato de
trabalho por despedimento colectivo não opera automaticamente com a verificação
dos seus pressupostos materiais. Ela obedece a trâmites processuais próprios,
que contemplam a intervenção da comissão de trabalhadores, e confere direito a
indemnização.
Assim, quando o Decreto-Lei nº 137/85 estabelece que a
extinção da B. implica a extinção por caducidade dos contratos de trabalho em
que esta seja parte está, manifestamente, a alterar o regime geral sobre
cessação do contrato individual de trabalho. Ou seja, o Governo, ao editar a
norma da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto‑Lei nº 137/85, legislou, em
termos inovatórios, sobre uma causa de extinção do contrato individual de
trabalho, isto é, sobre matéria de 'direitos, liberdades e garantias' dos
trabalhadores.
Ora, o artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição
determina ser da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo
autorização ao Governo, legislar sobre matéria de 'direitos, liberdades e
garantias'.
Contudo, o Governo editou a norma da alínea c) do nº 1
do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85 sem estar munido da necessária autorização
legislativa, conforme se evidencia no enunciado do diploma, pelo que cabe
concluir que essa norma viola a alínea b) do nº 1 do artigo 168º da
Constituição.
13. Por outro lado, verifica-se ainda que a alínea c) do
nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85 constitui norma restritiva de
'direitos, liberdades e garantias' (concretamente, do direito à segurança no
emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição), pelo que deveria revestir
carácter geral e abstracto, por força do disposto no artigo 18º, nº 3, da
Constituição.
No entanto, a norma da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do
Decreto-Lei nº 137/85 tem um evidente carácter individual e concreto, na medida
em que estatui apenas para uma empresa específica, pelo que também foi violado o
artigo 18º, nº 3, conjugado com o artigo 53º, da Constituição.
14. Finalmente, coloca-se ainda a questão da eventual
violação do artigo 53º da Constituição, que consagra o direito à segurança no
emprego, enquanto declara que 'é garantida aos trabalhadores a segurança no
emprego'.
Sobre essa matéria foi suscitada a intervenção do
Tribunal Constitucional ainda em sede de fiscalização preventiva referente à
constitucionalidade das normas constantes do artigo 1º do projecto de
decreto-lei que veio a originar o Decreto-Lei nº 137/85 (tendo-se apreciado,
simultaneamente, o projecto do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, de
articulado idêntico, no qual se extinguiu a C.). Concluiu-se então que tal
matéria estava fora do âmbito do pedido, com a seguinte fundamentação:
'(...) Suscitou-se a questão de saber se, no caso, existe violação do artigo 53º
da Constituição, ou seja, do direito à segurança no emprego. Violação que se
traduziria no facto de a alínea c) do nº 1 do artigo 4º de cada um dos diplomas
aqui em apreciação prever a extinção, por caducidade imediata, de todos os
contratos de trabalho.
a) O simples enunciado da questão mostra que ela se coloca em face
do que se preceitua na mencionada alínea c) do nº 1 do artigo 4º, que o mesmo é
dizer fora do âmbito do pedido, pois que, como já se viu, este é restrito à
norma que consta de cada um dos artigos 1ºs.
b) Objectar-se-á, porém, que existe um nexo indissolúvel entre a
extinção da empresa, decretada no artigo 1º, e a extinção dos contratos de
trabalho, regulada na referida alínea c) do artigo 4º. E, assim -
prosseguir-se-á -, o sentido da norma constante do artigo 1º, ao cabo e ao
resto, só se compreenderá inteiramente quando integrada (completada) por
aqueloutra norma que consta da alínea c).
c) A objecção, contudo, não procede.
De facto, a questão de inconstitucionalidade que a alínea c) do nº 1
do artigo 4º, eventualmente, poderia suscitar respeita, não à extinção dos
contratos de trabalho, que vai implicada na extinção da empresa, sim e tão-só à
forma e às condições em que se processa a extinção de tais contratos.
Ora, nesta perspectiva já se vê que não existe qualquer nexo entre a
norma do artigo 1º e a da alínea c) do nº 1 do artigo 4º: esta última poderia,
em hipótese, ser inconstitucional, sem que daí decorresse a
inconstitucionalidade daquela. E mais: o artigo 1º não reclama a edição de
qualquer norma do tipo da do artigo 4º, nº 1, alínea c).
d) De tudo decorre, pois, que, como inicialmente começou por se
assinalar, ambos os preceitos - o artigo 1º e o artigo 4º, nº 1, alínea c) - se
apresentam com perfeita autonomia.' (Acórdão nº 26/85, Diário da República,
II, de 26 de Abril de 1985).
15. Porém, logo então, em declarações de voto anexas ao
referido acórdão, que sustentaram o alargamento do âmbito do pedido, se entendeu
ser inconstitucional a alínea c) do nº 1 do artigo 4º do diploma, por violação
do artigo 53º da Constituição, nos seguintes termos:
'(...) têm-se por inaceitáveis, no plano constitucional, as normas
que determinam a extinção por caducidade imediata de todos os contratos de
trabalho em que sejam partes a B. e a C.. Na verdade, a mera ressalva dos
salários e outras remunerações em dívida à data da extinção dos contratos
[artigo 4º, nº 1, alínea c), de ambos os diplomas] parece não contemplar o
direito a indemnização estatuída na lei geral (Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de
Julho).
Assim sendo, os actos de extinção das empresas, não implicando por
si só a caducidade dos contratos de trabalho, estão sujeitos ao cumprimento das
regras do despedimento colectivo; além do mais, porque os diplomas em
apreciação, apesar de revestirem a forma de decretos-leis, não dimanaram da
Assembleia da República, nem contaram com credencial parlamentar, e não se
revestem de carácter geral e abstracto.
De tudo isso decorre que a alínea c) do nº 1 do artigo 4º de ambos
os diplomas, em conexão obrigatória com o artigo 1º dos mesmos, padece do vício
de inconstitucionalidade, por violação do artigo 53º da Constituição que garante
o direito à segurança do emprego.' (declaração de voto do Conselheiro Monteiro
Diniz).
E:
'(...) a extinção dos contratos de trabalho por caducidade automática, geral e
sem indemnização é absolutamente incompatível com o direito à segurança no
emprego garantido no artigo 53º da Constituição. Mas, mesmo que uma tal solução
fosse admissível em tese geral, é inquestionável que ela só poderia ser
estabelecida por uma prévia alteração da 'Lei dos Despedimentos', de acordo com
as regras de forma, competência e processo estabelecidos na Constituição. Em
matéria de 'direitos, liberdades e garantias' - repita-se - uma lei concreta
(e/ou individual) não pode dispor contra uma lei geral. O Estado não poderia
violar a Lei dos Despedimentos mediante acto administrativo; também não pode
derrogá-la mediante diploma legislativo para um caso concreto.
Em conclusão, é de entender que a extinção das empresas com extinção
dos contratos de trabalho por caducidade não é conforme à garantia
constitucional do direito à segurança no emprego.' (declaração de voto do
Conselheiro Vital Moreira).
Com efeito, a garantia constitucional da estabilidade do
contrato de trabalho é notoriamente afectada pela extinção de contratos de
trabalho de forma imediata, automática e sem qualquer indemnização aos
trabalhadores, como ocorre no caso dos autos.
Aliás, é o próprio princípio de justiça implicado na
ideia de Estado de Direito que impõe que se indemnizem os trabalhadores quando
os seus contratos de trabalho se extingam por causa que não lhes é imputável,
como sucede no caso de extinção de uma empresa por decisão do legislador.
Cabe, assim, concluir que a norma da alínea c) do nº 1
do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, enquanto não prevê qualquer indemnização
aos trabalhadores que perderam os seus postos de trabalho devido à extinção da
B., constitui violação do direito à segurança no emprego, consagrado no artigo
53º da Constituição.
16. Refira-se, por último, que, em sede de fiscalização
concreta, o Tribunal Constitucional tem formulado jurisprudência uniforme no
sentido, acima propugnado, da inconstitucionalidade da alínea c) do nº 1 do
artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, por violação ao disposto nos artigos 18º, nº
3, 53º e 168º, nº 1, alínea b), da Constituição e com fundamentação que aqui se
acompanha [cf. os Acórdãos nºs 258/92 (Diário da República, II, de 19 de
Novembro de 1992), 353/94 (Diário da República, II, de 6 de Setembro de 1994),
354/94 (inédito), 355/94 (Diário da República, II, de 7 de Setembro de 1994),
356/94 (inédito), 357/94 (Diário da República, II, de 7 de Setembro de 1994), e
358/94 (inédito)]. E o mesmo se diga quanto à norma idêntica da alínea c) do nº
1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 138/85, relativo à extinção da C. [cf. os
Acórdãos nºs 81/92 (Diário da República, II, de 18 de Agosto de 1992), 380/94,
408/94 e 522/94 (inéditos)].
III
Decisão
17. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma constante da alínea
c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, enquanto determina que a
extinção da B., implica a extinção por caducidade dos contratos de trabalho em
que a empresa seja parte, por violação ao disposto nos artigos 18º, nº 3, 53º e
168º, nº 1, alínea b), da Constituição; e,
b) Em consequência, negar provimento ao recurso,
confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.
Lisboa, 4 de Abril de 1995
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Dinis
Luís Nunes de Almeida