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Procº nº 188/96. ACÓRDÃO Nº 590/96
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Por despacho de 7 de Julho de 1995, proferido pelo Juiz do 1º Juízo Cível do Tribunal de comarca de Setúbal nos autos de embargo deduzidos por A à execução que lhe foi movida pelo Hospital Ortopédico do Outão
(execução essa instaurada com vista a este estabeleceimento hospitalar ser pago do que dispendeu pelo tratamento dispensado a B de Almeida, que teria sido vítima de um acidente de trabalho ocorrido quando trabalhava para o embargante/executado), foi tal tribunal de comarca julgado incompetente em razão da matéria e declarado competente o Tribunal do Trabalho, também de Setúbal.
Para alcançar uma tal decisão, o citado Juiz, inter alia, entendeu padecer de inconstitucionalidade orgânica a norma constante do artº 10º do Decreto-Lei nº 194/92, de 8 de Setembro, quando interpretada no sentido de a expressão «tribunal de comarca» aí utilizada significar «tribunal de competência especializada cível», nos casos em que na mesma comarca existam tribunais de competência cível e de trabalho.
É desta decisão que vem, pelo Ministério Público, interposto o presente recurso.
2. Na alegação apresentada, na qual propugnou por se dever confirmar a decisão recorrida, o representante do Ministério Público aqui em funções formulou as seguintes conclusões:-
'1º
Por força do preceituado no artigo 64º, alíneas c), d) e n) da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro) e nos artigos
91º, alínea e), e 156º do Código de Processo de Trabalho, é o foro laboral o material- mente competente para o processamento das acções, quer declarativas, quer executivas, que visam efectivar os direitos de terceiros, emergentes da prestação de serviços clínicos e hospitalares em benefício de sinistrados em acidentes de trabalho.
2º
O artigo 10º do Decreto-Lei nº 194/92, de 8 de Setembro, ao estabelecer que incumbe aos tribunais de comarca o processamento das acções de execução por dívidas às instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde, resultantes de tratamentos de sinistrados em acidentes de trabalho, nos termos dos artigos 2º e 6º desse diploma, inova no que se refere à referida repartição de competências materiais entre tribunais do trabalho e tribunais de competência genérica, ampliando a destes em detrimento da outorgada
àqueles pelas leis de organização judiciária.
3º
A normas constante do referido artigo 10º, enquanto interpretada no sentido de que incumbe aos tribunais de competência genérica o processamento das execuções tendentes à cobrança coerciva das dívidas hospitalares decorrentes de tratamentos consequentes a lesões sofridas por sinistrados em acidentes de trabalho, é organicamente inconstitucional, por - constando de diploma editado no exercício da competência legislativa própria do Governo - violar o preceituado no artigo 168º, nº 1, alínea q), da Constituição da República Portuguesa'.
De seu lado, o recorrido rematou a alegação por si produzida concluindo:-
'a.) Da matéria constante na acção executiva objecto do presente recurso e sob a qual recaíu a douta decisão recorrida, será o tribunal de trabalho o materialmente competente para a julgar, nos termos do Artigo 64º, al. d.) e n.), da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei 38/87 de 23 de Dezembro) e artigos 91º, al. e.) e 156º do Código de Processo de Trabalho.
b.) O estipulado no Artigo 10º do Dec. Lei 194/92 de 08 de Setembro, ao conferir aos Tribunais de Comarca (de competência genérica) o processamento das acções executivas com vista à cobrança de dividas hospitalares por serviços clinicos prestados a sinistrados em acidentes de trabalho, è orgânicamente inconstitucional por violar o disposto no Artigo 168º, nº 1 al. q.) da Constituição da República Portuguesa, na medida em que o citado diploma foi editado no exercicio da competência legislativa própria do governo e sem autorização parlamentar'.
3. Uma vez que a matéria objecto dos presentes autos foi já decidida pela 2ª Secção deste Tribunal, consequentemente sendo ela do conhecimento dos seus Juízes, dispensaram-se os respectivos «vistos».
Cumpre, por isso, decidir.
II
1. Como se disse, este Tribunal, por intermédio da sua
2ª Secção, e sem que houvesse qualquer discordância, teve já ocasião de se pronunciar sobre a compatibilidade ou não compatibilidade com a Lei Fundamental da norma ínsita no artº 10º do Decreto-Lei nº 194/92, de 8 de Setembro, enquanto interpretada no sentido de que incumbe aos tribunais de competência genérica o processamento das execuções tendentes à cobrança coerciva das dívidas às instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde resultantes de tratamentos prestados a sinistrados em acidentes de trabalho.
Fê-lo através do seu Acórdão nº 381/96, tirado no processo nº 4/95, aresto por ora ainda inédito, cuja fotocópia se encontra junta aos vertentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
2. As razões que foram carreadas a esse Acórdão e que conduziram ao juízo de desconformidade constitucional da norma agora sub iudicio, na interpretação acima delineada, continuam a convencer os subscritores deste aresto que, por isso, para as mesmas remetem, havendo, consequentemente, de formular, também aqui, um juízo de inconstitucionalidade quanto a tal normativo, naquela interpretação.
III
Em face do exposto: a) Julga-se inconstitucional a norma constante do artº 10º do Decreto-Lei nº 194/92, de 8 de Setembro, quando interpretada no sentido de incumbe aos tribunais de competência genérica o processamento das execuções tendentes à cobrança coerciva das dívidas às instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde resultantes de tratamentos prestados a sinistrados em acidentes de trabalho e, b) b) Em consequência do precedente juízo, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 17 de Abril de 1996
Bravo Serra José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Luis Nunes de Almeida