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Processo n.º 229/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A fls 421 foi proferida, nestes autos, a DECISÃO SUMÁRIA n.º 186/2012, do seguinte teor:
«[...] 1. Em 15 de setembro de 2011 foi emitido, na Relação de Évora, o seguinte acórdão:
I. Nestes autos de Promoção e Proteção do menor A., proferido o Acórdão de 26.05.2011 (fls. 307 a 312) veio a Recorrente B. solicitar a Reforma do mesmo, nos seguintes termos:
1 - Consideram V. Exas que os Srs Advogados, enquanto representantes dos seus mandantes atuam em nome e representação destes, pelo que não podem ser advogados e testemunhas no mesmo processo, para obstar a uma indesejável promiscuidade.
2 - Mas, mais adiante, V. Exas. admitem também que os Srs, Advogados arrolados como testemunhas não têm intervenção direta no incidente de suspeição como representantes dos menores e do progenitor.
3 - Tal facto é verdadeiro. O incidente de suspeição é um processo com regras especiais.
4 - Neste processo, está unicamente pendente uma causa entre uma parte e a Mma. Juiz.
5 - E somente a parte contrária ao recusante nos autos principais, pode se constituir assistente (artº. 129 4 CPC).
6 - E a parte contrária à mãe do menor no processo judicial de promoção e proteção é o Ministério Público (artº. 105 da Lei 147/99), que, para tal, deve expressamente por escrito dizer ao Tribunal qual a parte que pretende auxiliar, ou a mãe da menor ou a Mma Juiz (artº. 335 – 1 e 336 - 2 e 3 CPC).
7 -- Mas, acrescentam V. Exas, que, apesar de tudo isso, os advogados arrolados como testemunhas não podem alhear-se dos interesses de quem representam.
8 - Ora, não há interesses dos outros progenitores e menores intervenientes no processo de promoção e proteção em conflito ou conexão com os interesses prosseguidos no processo de recusa que visa unicamente salientar e provar atos de parcialidade do magistrado.
9 - Não existindo qualquer relação jurídica dos mandantes daqueles Advogados cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão da recusante.
9 - Mas, mesmo que hipoteticamente existissem, o que se admite só por hipótese, sempre existiria o dever daqueles advogados, representem ou não partes na causa principal, em prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado (artº. 519, 1 e 2 CPC).
10 - E a recusa só é legítima nos casos enumerados nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artº. 519 do CPC, casos esses que V. Exas já consideraram não se aplicarem aos Advogados arrolados como testemunhas.
11 - Assim, o dever de testemunharem no processo de suspeição, sempre se sobrepõe ao facto de serem advogados no processo de promoção e proteção.
12 —Acresce, por outro lado, que a recorrente alegou no recurso que se tratam de testemunhas do que se passou em audiência processual, mesmo do que não foi gravado, e que só aquelas testemunhas (dado o caráter reservado do processo – artº. 88 – 1 da Lei 147/99) são as únicas que poderão depor sobre os factos ocorridos e o alcance dos mesmos.
13 - V, Exas. não se pronunciaram sobre estes pontos, como deviam
14 - Consideraram, pelo contrário, sem fundamentar, que o ocorrido se terá passado na constância da inquirição das testemunhas então ouvidas, pelo que entenderam que os factos poderão ser percecionados através da audição daqueles depoimentos.
15- Ora, não foi isto que foi alegado pela recorrente.
16 O acórdão cometeu portanto as nulidades previstas no artº. 668, 1 b), e d) CPC, que se arguem.
Nestes termos, deferindo as nulidades arguidas, esclarecendo as ambiguidades e contradições e reformando o acórdão, conforme o exposto, deverão V, Exas., considerar o recurso procedente e serem admitidos a depor como testemunhas as pessoas – Advogados arroladas pela recorrente.”
Cumpre decidir.
Conforme consta do Acórdão em apreço, o fundamento da não admissibilidade dos Srs. Advogados arrolados como testemunhas, serem ouvidos nessa qualidade processual, foi o seguinte:
“No entanto, como tem sido jurisprudência da Ordem dos Advogados, os Srs. advogados, que enquanto representantes dos seus mandantes atuam em nome e representação destes, não podem ser advogados e testemunhas no mesmo processo.
Tese que perfilhamos, por obstar a uma indesejável promiscuidade.
No caso dos autos, pese embora os Srs. Advogados arrolados como testemunhas não tenham intervenção direta no incidente de suspeição como representantes dos menores e do progenitor, não se podem alhear dos interesses de quem representam no processo de que o incidente faz parte, pelo que não se admitem os mesmos como testemunhas.”
No mais “Sublinhe-se que, como a audiência foi gravada, e o ocorrido se terá passado na constância da inquirição das testemunhas então ouvidas, esses factos poderão ser percecionados através da audição da gravação desses depoimentos.
No mais, o processo revela o que se passou, em termos de requerimentos vertidos nos autos.” – o Acórdão apenas refere o que parece óbvio, que toda a prova deve estar gravada e daí se pode fazer a análise como decorreu a inquirição a partir dessa gravação, sendo certo que se houve requerimentos das partes os mesmos devem constar do processo.
E se existe matéria relevante para além da documentada nos autos, não serão os Srs. Advogados arrolados como testemunhas que nesta qualidade deporão sobre a mesma, dado que, conforme se disse, não é admissível o seu depoimento neste incidente.
Daí que, não se vislumbrando que o Acórdão padeça de qualquer nulidade, se indefira a requerida Reforma.
2. Notificada, a recorrente B. interpõe recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
B., notificada do indeferimento da reclamação por nulidade do acórdão dessa Relação que manteve a inabilidade como depoentes dos Advogados que indicou como testemunhas dos factos de suspeição da Mma Juiz de 1ª Instância, porque a decisão infringe o artº. 20/1 e 4 CRP, ao dar aos artºs. 519 – 1 a 4, 618/3 CPC e 133 CPP, um sentido contrário ao princípio do “due process of law”, tema este que já levou a debate no âmbito e alcance contencioso da presente causa, vem do acórdão interpor, por cautela, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artº. 70/1, b) da LTC.
3. O recurso foi recebido no tribunal recorrido, importando agora averiguar se deverá prosseguir.
O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, como é o presente, tem caráter normativo, razão pela qual o seu objeto consiste unicamente na norma aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi. Não cabe, em consequência, nos poderes do Tribunal Constitucional sindicar diretamente a decisão recorrida, em termos de a substituir por outra que, invertendo o seu sentido decisório, decida a questão. Acontece que a questão que é colocada ao Tribunal, conforme é exposta no requerimento de interposição, não traduz uma questão normativa, pois visa avaliar se o aresto recorrido aplicou determinados preceitos legais em «sentido contrário ao princípio do “due process of law”», o que obviamente só pode ser apurado mediante a análise direta da decisão e não dos preceitos que ela aplica. E, por tal motivo, a ratio decidendi da decisão recorrida nem sequer coincide com a determinação jurídica que os preceitos invocados pela recorrente no seu requerimento contêm.
4. Decide-se, em consequência, não conhecer do objeto do recurso. [...]
2. Inconformada, a recorrente B. reclama para a Conferência, argumentando:
1- O despacho liminar recusou o seguinte de recurso, porque a questão posta pela recorrente só pode ser resolvida mediante a análise direta da decisão e não do preceito que ela aplica.
2- Contudo, não é assim, porque, com toda a clareza, no requerimento de interposição de recurso, foi dito que o Tribunal tinha dado um entendimento contrário ao princípio constitucional de “due process of law”, quando aplicou no caso os art. 419/1 – 4, 618/3 – CPC e 133- CPP.
3- Assim, não está em crise a “ratio decidendi”, mas a aplicação inconstitucional, sob a concreta interpretação dada ao segmento normativo indicado, daqueles preceitos legais.
4- Com efeito, trata-se de ter sido excluída a audição como testemunha de advogados, sobre um incidente ocorrido em audiência, a que apenas assistiram e de que têm conhecimento direto, por razão daquele segmento legal impedir o depoimento de Advogado.
5- Ora, é este conteúdo normativo maximalista que está em jogo, no confronto com o direito Constitucional de acesso à justiça, mediante o “due processo of law” , alegado na referência feita expressamente ao artigo 20/1 e 4.º CRP.
6- Por conseguinte, a inconstitucionalidade normativa foi alegada corretamente e, portanto, o recurso deve seguir em frente.
O representante do Ministério Público neste Tribunal, notificado da reclamação, veio dizer o seguinte:
1º Pela douta Decisão Sumária n.º 186/2012, não se conheceu do objeto do recurso porque a questão que vinha colocada no requerimento de interposição do recurso não traduzia uma questão normativa, demonstrando-se, ali, claramente as razões desse entendimento.
2º Na reclamação nada se diz que possa abalar os fundamentos da decisão reclamada.
3º Nessa peça, a recorrente descreve os factos ocorridos e insiste em que, naquelas circunstâncias, não admitir que deponham os advogados indicados como testemunhas, viola o “direito constitucional de acesso à justiça, mediante o “due processo of law”” e o artigo 20.º, n.º 1 e 4.º da Constituição.
4º Ou seja, continua, mesmo nesta fase processual, a desconhecer-se qual a interpretação normativa que a recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
5º Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.
Sem vistos, o processo vem à Conferência para decisão.
3. Decidiu a decisão sumária não conhecer do recurso em virtude de a questão colocada ao Tribunal visar diretamente o aresto recorrido, por ter feito aplicação de preceitos legais em «sentido contrário ao princípio do “due process of law”»; ora, tal tarefa implicaria a análise direta da decisão e não dos preceitos que ela aplica, o que está vedado no âmbito do presente recurso. Além disso, a ratio decidendi da decisão recorrida não coincidiria com a determinação jurídica impugnada, o que também impediria o Tribunal de conhecer do recurso.
Ora, como bem salienta o Ministério Público, a reclamação não põe em causa estes juízos.
Na verdade, a forma como é colocada a questão ao Tribunal («porque a decisão infringe o artº. 20/1 e 4 CRP, ao dar aos artºs. 519 – 1 a 4, 618/3 CPC e 133 CPP, um sentido contrário ao princípio do due process of law») não apresenta um sentido normativo, antes implica um juízo crítico da própria decisão. E a prova disso é que a decisão recorrida, acima transcrita, não fez aplicação dos preceitos que a reclamante pretende incluir no objeto do recurso.
4. Decide-se, por isso, indeferir a reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada. Custas pela reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de maio de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.