Imprimir acórdão
Proc. nº 133/93
1ª Secção
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Em 11 de Janeiro de 1990, foi instaurado na
comarca de Silves processo de expropriação litigiosa por utilidade pública
urgente, em que figurava como expropriante o Estado, através da Direcção-Geral
dos Edifícios e Monumentos Nacionais, e como expropriado M..., residente em
Portela de Messines, São Bartolomeu de Messines. A parcela a expropriar deveria
ser destacada de um prédio rústico identificado nos autos, tendo a área total de
4612 metros quadrados, achando-se aí plantadas 115 amendoeiras. O valor da
indemnização fixado na arbitragem foi de 1.614.880$00. A parcela destinava-se a
integrar o prédio onde o Estado projectava construir um estabelecimento
prisional.
A propriedade da parcela foi adjudicada ao
expropriante por sentença proferida em 19 de Janeiro de 1990.
O expropriado interpôs recurso da arbitragem, aí
tendo suscitado a questão da inconstitucionalidade do título IV do Código das
Expropriações de 1976, por violação do art. 62º da Constituição. Propôs que o
valor da indemnização fosse fixado em 74.597.000$00, pedindo a expropriação
também da parte sobrante do prédio rústico. Requereu prova por inspecção
judicial e arrolou três testemunhas.
Na fase de recurso, os peritos nomeados pelo tribunal
consideraram que o valor da indemnização devia ser fixado em 1.972.600$00, o
perito do expropriado avaliou a parcela a expropriar em 5.303.320$00 e o perito
do expropriante considerou correcto o valor fixado anteriormente pelos árbitros.
Notificado do relatório de avaliação e das respostas
aos quesitos formuladas pelos peritos, veio o expropriado arguir a nulidade da
avaliação e dessas respostas.
A arguição de nulidade foi indeferida por despacho de
fls. 143-144, tendo sido apenas ordenado que os peritos maioritários fornecessem
ao tribunal certos elementos de facto que lhes haviam servido de base para a
elaboração da resposta a um quesito.
Inconformado com este despacho, dele interpôs recurso
o expropriado. Nas alegações do agravo suscitou a questão da
inconstitucionalidade dos arts. 30º, nº 2, 33º nº 1, e 33º, nº 3, do Código das
Expropriações de 1976.
Por sentença de 12 de Novembro de 1992, foi concedido
parcial provimento ao recurso, fixando-se a indemnização em 1.972.600$00. Na
mesma sentença indeferiu-se o pedido de produção de prova testemunhal (fls. 186
a 188 vº).
Desta sentença interpôs recurso o expropriado.
Subiram os autos ao Tribunal da Relação de Évora,
tendo alegado as partes.
Entretanto faleceu o expropriado, tendo sido
habilitada como sucessora a viúva, E... (despacho de fls. 35 vº do apenso).
Por acórdão de fls. 238 a 248 vº, proferido em 25 de
Junho de 1992, a Relação de Évora negou provimento ao agravo e à apelação
interpostos pelo expropriado.
Inconformada com este acórdão, veio E... dele
interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Admitindo, porém, que a parte
do acórdão que conheceu do recurso de agravo pudesse ser impugnada por agravo em
2ª instância, interpôs tal recurso, deixando a questão em aberto, esperando o
entendimento do Tribunal da Relação.
Por despacho do Desembargador relator foi admitido
esse recurso como revista, por se considerar que o novo Código de Expropriações
de 1991 seria já aplicável ao caso sub judicio.
Distribuído o recurso no Supremo Tribunal de Justiça,
o mesmo não foi admitido por despacho do relator. Aí se considerou que a melhor
interpretação do art. 37º do novo Código das Expropriações deveria ser a de que
não admitia essa disposição recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sob pena
de haver quatro graus sucessivos de jurisdição.
Este despacho transitou em julgado.
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Évora,
foi aí admitido o recurso para o Tribunal Constitucional (despacho de fls. 261).
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Apresentaram alegações a recorrente E... e o
recorrido Ministério Público.
Nas alegações de recorrente, sustentou-se que devia
ser concedido provimento ao recurso, formulando-se as seguintes conclusões:
'Primeira
A recorrente mantém e dá aqui por reproduzidas todas as
conclusões apresentadas nos recursos de agravo e de apelação.
Segunda
O Título IV, bem como o art. 73º face ao art. 82º/1 do DL 845/76
de 11 de Dezembro, o mesmo dizendo dos arts. 523º, 524º e 580º/3 do Código Proc.
Civ., dos arts. 8º/1/s, 126º/2 do Cód. Custas Judiciais e todo o DL 387/B/87, de
29 de Dezembro, quando aplicados ao processo expropriativo, são
inconstitucionais, porquanto tais disposições restritivas impedem que seja paga
justa indemnização pelo bem expropriado.
Terceira
As decisões impugnadas violaram os arts. 12º/1, 13º/1/2,
18º/1/2/3, 20º/1, 62º/2/, 205º/2/ e 207º da Lei Fundamental.
Quarta
A expropriada reafirma a sua tese irrefutável, legal e
tecnicamente, de que todo o terreno a expropriar é pura e simplesmente de estufa
na sua totalidade, com uma muito próxima e efectiva potencialidade edificativa.
Quinta
Por isso, as decisões recorridas julgaram em oposição com os
OUTROS ACÓRDÃOS do TC nº 341/86, nº 131/88 e nº 52/90.
Sexta
As decisões recorridas primaram pela discriminação, diferenciação
e desigualdade entre o ESTADO e a expropriada dado o cálculo expropriativo
estar baseado nos laudos periciais de PERITOS FUNCIONÁRIOS DO ESTADO, que
receberam antecipadamente ordens expressas da DGEMN para atribuírem apenas o
valor de 250$00/m2.
Sétima
O ESTADO não pode no mesmo processo expropriativo ser «comprador»
do terreno e «vendedor de custas» esvaziadoras ou diminuidoras indevidas do
valor indemnizatório justo.
Oitava
Tal privilégio ou superioridade processual ESTADUAL é
inadmissível em matéria expropriativa, e é inconstitucional.
Nona
O DL 307/B/87 de 29 de Dezembro quando aplicado aos expropriados
constitui uma caridade inconstitucional, dado que o produto da indemnização deve
ser limpo, líquido sem quaisquer deduções.
Décima
As referidas questões de inconstitucionalidade das citadas normas
foram suscitadas durante o processo e as decisões aplicaram directamente tais
normas inconstitucionais.
Décima primeira
Donde, no caso vertente, foram aplicados o princípio da verdade
formal e normas inconstitucionais que violaram os arts. 12º/1, 13º/1/2/,
18º/1/2/3/, 20º/1, 62º/2/, 205º/2/ e 207º da Lei Fundamental, resultando num
valor indemnizatório CONFISCATÓRIO'. (fls. 300 a 303 dos autos)
O Ministério Público, por seu turno, formulou as
seguintes conclusões:
'
1º
O recorrente não suscitou atempadamente, antes de proferida a
decisão e esgotado o poder jurisdicional do juiz, a questão da concreta
inconstitucionalidade dos artigos 523º, 524º, 580º, nº 3, do Código de Processo
Civil, do Decreto-Lei nº 387/B/87, de 29 de Dezembro, bem como dos artigos 8º,
nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, pelo que se não
mostram preenchidos os pressupostos de admissibilidade, decorrentes do
preceituado no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
2º
Não foram aplicadas, na decisão recorrida, quaisquer normas
inconstitucionais, constantes do Título IV do Código das Expropriações, aprovado
pelo Decreto-Lei nº 845/76, já que o único preceito aí inserido
sistematicamente, e aplicável ao caso dos autos, que efectivamente é
inconstitucional - o artigo 30º - não serviu de suporte à decisão recorrida, não
sendo, pois, por ela aplicado.
3º
A limitação decorrente do estatuído no artigo 73º, nº 2, do
Código das Expropriações, aprovado pelo referido Decreto-Lei nº 845/76, não é
inconstitucional, já que não viola o artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental, nem
qualquer outro princípio ou preceito da Constituição.
4º
Ao imputar extemporaneamente e sem qualquer fundamento sério aos
peritos designados pelo tribunal comportamento processual censurável, o
recorrente altera intencionalmente a verdade dos factos, incorrendo em
litigância de má-fé, nos termos conjugados das disposições dos artigos 84º, nº 5
e 6, da Lei do Tribunal Constitucional e 456º do Código de Processo Civil.' (a
fls. 340-342 dos autos)
3. Suscitadas pelo Ministério Público questões
prévias de não conhecimento de recurso quanto a várias questões de
inconstitucionalidade invocadas nas alegações da recorrente e pedida a
condenação desta como litigante de má fé, foi ordenada a notificação da mesma
para responder, querendo. A recorrente apresentou a resposta de fls. 354 a 359,
sustentando a improcedência das questões prévias e negando que tivesse litigado
de má fé. Arrolou duas testemunhas quanto ao pedido de condenação como litigante
de má fé.
4. Foram corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar as questões prévias suscitadas pelo
recorrido.
II
5. As questões de constitucionalidade suscitadas pela
recorrente nas suas alegações referem-se aos seguintes preceitos legais:
- todos os artigos do Título IV do Código das Expropriações de 1976;
- o art. 73º, nº 2, do mesmo Código das Expropriações;
- os arts. 523º, 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil;
- os arts. 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais;
- todo o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Setembro.
A entidade recorrida considera nas suas alegações que
o objecto do recurso se deve restringir ao art. 73º, nº 2, do Código das
Expropriações de 1976 e, eventualmente, às normas dos arts. 29º e 35º do mesmo
diploma, estas últimas por serem as únicas normas do Título IV daquele Código
que, ao menos de forma implícita, poderiam ter sido aplicadas na decisão
recorrida (a fls. 327 dos autos).
Sem curar de outras questões de constitucionalidade
referidas no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, mas que
não foram contempladas nas mesmas alegações (é o caso dos arts. 61º do Código
das Expropriações e 706º do Código de Processo Civil) - devendo admitir-se que o
próprio recorrente haja restringido nesta última peça o objecto do recurso (cfr.
art. 684º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável na jurisdição
constitucional por força do art. 69º da Lei do Tribunal Constitucional) -
importa delimitar com rigor as questões de constitucionalidade objecto do
presente recurso, o que implica analisar se são procedentes as questões prévias
suscitadas pelo Ministério Público.
É o que passa a fazer-se.
6. Em primeiro lugar, analisar-se-ão as normas de
carácter adjectivo:
a) O art. 73º, nº 2 do Código das Expropriações de
1976
Este preceito veda a admissibilidade de prova
testemunhal no processo especial de expropriação litigiosa, 'sem prejuízo de o
juiz poder requisitar qualquer pessoa para depor, sempre que o repute
indispensável.'
Na pendência do recurso da decisão arbitral, através
do requerimento de fls. 181 e 182 dos autos, o primitivo recorrente pretendeu
que o tribunal obtivesse os 'competentes depoimentos das testemunhas arroladas
pelo expropriado ao recorrer da inconstitucional e ilegal decisão arbitral'
(neste requerimento de interposição de recurso foram indicadas quatro
testemunhas 'para os efeitos do Art. 73/2 - 2º parte do C. Expropriações' -
fls. 39).
Este requerimento foi indeferido pela sentença de
fls. 186.
Nas alegações para o Tribunal da Relação, o
recorrente suscitou expressamente a inconstitucionalidade da limitação constante
do art. 73º, nº 2, do indicado Código (a fls. 202).
A Relação de Évora não considerou tal norma
inconstitucional. É, assim, manifesto que a questão da inconstitucionalidade
desta norma foi suscitada durante o processo, com observância do que consta da
Constituição e da Lei do Tribunal Constitucional.
Há, assim, que considerar que tal questão integra o
objecto do recurso, como, aliás, é reconhecido pela entidade recorrida.
b) Os arts. 523º e 524º do Código de Processo Civil
Os arts. 523º e 524º deste Código regulam o momento
de apresentação dos documentos na prova por documentos. O primeiro artigo
estabelece como regra que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos
da acção ou da defesa 'devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem
os factos correspondentes', admitindo que, se não se fizer tal apresentação no
momento processual indicado, 'os documentos podem ser apresentados até ao
encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa,
excepto se provar que os não pode oferecer com o articulado'. O segundo artigo
estabelece que, depois do encerramento da discussão, 'só são admitidos, no caso
de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele
momento' (o nº 2 deste artigo admite que possam ser oferecidos em qualquer
estado do processo os 'documentos destinados a provar factos posteriores aos
articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de
ocorrência posterior').
Percorridas as várias peças processuais apresentadas
pelo recorrente a partir da interposição do recurso da decisão arbitral e na
fase de recurso de apelação da decisão que apreciou aquele anterior recurso, não
se encontra em qualquer delas qualquer referência à inconstitucionalidade
daquelas normas adjectivas.
Tal significa que a primeira vez que a actual
recorrente suscitou a inconstitucionalidade daquelas normas ocorreu no momento
de interposição do recurso de constitucionalidade (aí se afirma que os arts.
523º, 524º, 706º, e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil são disposições
restritivas, 'no âmbito das expropriações, [que] impedem inequivocamente que
seja paga a justa indemnização').
Na resposta às questões prévias, a ora recorrente
limita-se a afirmar que tais normas contêm 'uma limitação temporal que, neste
caso, face aos valores de aquisição do terreno praticados na zona e constantes
das escrituras notariais impediram o cotejo dos preços', não havendo no processo
expropriativo 'lugar a audiência de discussão e julgamento sobre o montante da
indemnização' (a fls. 355).
É manifesto que nada alega a recorrente sobre as
razões por que não suscitou durante o processo, isto é, antes da decisão do
recurso de apelação a questão da inconstitucionalidade de tais normas. Não
invoca que haja sido surpreendida por uma aplicação dessas normas, com que não
pudesse razoavelmente contar. E se, de facto, se quis referir aos documentos
juntos com as alegações de apelação, deveria ter suscitado nesta peça a
inconstitucionalidade das invocadas normas restritivas.
Assim sendo, e por ter suscitado a questão em momento
processualmente inidóneo - como constitui jurisprudência uniforme e unânime
deste Tribunal (cfr. por todos, em caso semelhante, o acórdão nº 253/93, ainda
inédito) - não pode dela conhecer o Tribunal Constitucional, sendo procedente a
questão prévia correspondente, suscitada pelo Ministério Público.
c) O art. 580º, nº 3, do Código de Processo Civil
Esta norma estabelece que cessa o impedimento de
servir como perito, relativamente ao funcionário público, 'quando se trate de
causas em que uma das partes seja o Estado', desde que o funcionário seja
nomeado perito pelo Estado ou pelo tribunal (só vale, no presente caso, a
remissão para a alínea g) do nº 1 do mesmo artigo).
De novo, se trata de questão de inconstitucionalidade
que não foi suscitada durante o processo, entendida esta expressão de modo
funcional, isto é, em momento processual idóneo para que o tribunal recorrido
pudesse dela conhecer.
A inconstitucionalidade desta norma só foi arguida
pela ora recorrente no requerimento de interposição do recurso. Na resposta às
questões prévias, limitou-se a afirmar que o Estado, no caso concreto, 'não se
comportou com isenção e imparcialidade, porque os próprios peritos declararam
perante testemunhas que a DGEMN lhes tinha imposto a obrigação de atribuir o
valor de 250$00 por metro quadrado'. Depois de se afirmar pronto a arrolar
testemunhas presenciais, afirma que a questão de inconstitucionalidade
'levantou-se a partir do momento em que se teve conhecimento dessa situação' (a
fls. 356).
É manifesta a procedência da questão prévia deduzida
pelo Ministério Público.
O recurso de constitucionalidade é, no nosso direito,
um recurso que tem por objecto normas jurídicas e não actos administrativos ou
judiciais, nem comportamentos de intervenientes processuais, como sejam
testemunhas ou peritos.
Havendo peritos nomeados pelo tribunal ou pelo
próprio Estado expropriante que fossem funcionários públicos, deveria o
primitivo recorrente ter suscitado a questão da inconstitucionalidade, logo que
tivesse conhecimento da qualidade de funcionários públicos dos mesmos. Ora, a
verdade é que, como demonstra nas contra-alegações a entidade recorrida, o
ataque às respostas dos peritos pelo primitivo recorrente foi feito em quadro
legal completamente diverso. Jamais, foi invocado processualmente, por forma
idónea, tal impedimento, suscitando a questão perante o tribunal de comarca.
Não sucedeu tal no caso sub judicio, como se viu,
limitando-se a ora recorrente a suscitar a questão de inconstitucionalidade só
no momento de interposição do recurso, invocando agora que só terá sabido mais
tarde de uma certa imposição ilegal feita pelo Estado a certos peritos,
relativamente à fixação do montante máximo de indemnização que deviam propor,
enquanto avaliadores. É manifestamente irrelevante tal invocação, precisamente
porque o recurso de constitucionalidade tem por objecto normas, abstraindo dos
comportamentos dos diferentes sujeitos processuais.
Não integra, assim, o objecto do recurso a questão de
inconstitucionalidade do nº 3 do art. 580º do Código de Processo Civil.
7. Suscita, igualmente, a ora recorrente a questão da
inconstitucionalidade dos arts. 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das
Custas Judiciais.
À primeira destas disposições limita-se a quantificar
o modo de determinação ou de fixação do valor tributário dos processos de
expropriação por utilidade pública. A segunda estabelece a regra de que as
custas que devam ser suportadas pelo expropriado devem sair do produto da
expropriação, depositado à ordem do tribunal.
Não podia o expropriado ignorar - por estar
representado por ilustres Patronos - que existem custas nos processos de
expropriação litigiosa, visto que o expropriado, no caso sub judicio, não
chegou a acordo com o expropriante na fase administrativa, não se tendo
conformado com o valor da arbitragem, dele interpondo recurso para os tribunais
judiciais.
Durante o processo, jamais o expropriado suscitou a
questão da inconstitucionalidade destas normas ou da norma que impõe que haja
custas neste processo (art. 1º do Código das Custas Judiciais, como justamente
refere a entidade recorrida nas suas alegações). Nas alegações da apelação,
limitou-se a sustentar que o cálculo de custas com base na diferença entre o
valor de indemnização por si propugnado e o valor da indemnização atribuída pelo
tribunal (72.597.600$00) implicaria um enriquecimento sem causa do Estado.
Na sua resposta às questões prévias, a ora recorrente
afirma que o Estado 'não pode estar colocado numa situação de superioridade
perante o expropriado quando o Estado é expropriante' ( a fls. 356 e 357).
Sendo esse o seu entendimento - e independentemente
da bondade do mesmo - deveria ter suscitado a questão da inconstitucionalidade
destas normas durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder
jurisdicional do Tribunal da Relação de Évora.
Tendo suscitado a questão só no momento de
interposição do recurso de constitucionalidade, fê-lo intempestivamente, pelo
que procede a questão prévia suscitada.
8. A ora recorrente suscita também a questão da
inconstitucionalidade de todo o diploma legal que regula actualmente o apoio
judiciário: O Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Setembro.
Da leitura dos autos, resulta que o primitivo
recorrente M...não requereu, nem na sua primeira intervenção processual (a fls.
34 e segs.), nem posteriormente, o benefício de apoio judiciário, em qualquer
das suas modalidades, tendo nomeado patrono a fls. 40 dos autos.
Apenas a fls. 225 dos autos - e antes de ter sido
julgada habilitada como sucessora do primitivo recorrente - veio a ora
recorrente, nos autos principais e na pendência do recurso de apelação, pedir a
concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de
pagamento de preparos e custas e ainda do pagamento das despesas e honorários
aos advogados constituídos.
A instância veio a ser suspensa, dado o falecimento
do recorrente M..., tendo o Sr. Desembargador Relator determinado no mesmo
despacho de fls. 232 vº, que, logo que decidido o incidente de habilitação,
seria dado 'andamento ao requerido a fls. 225 pela viúva do expropriado'.
Ora, desde esse momento, não mais foi proferido
despacho a conceder ou denegar o benefício solicitado, sem que a E... tenha
reagido contra tal omissão, a qual se ficou, seguramente, a dever a um lapso não
detectado em devido tempo.
Apenas no recurso interposto para o Tribunal
Constitucional se indica que todo o Decreto-Lei nº 387-B/87 é inconstitucional,
sem se aludir às razões fundamentadoras de tal afirmação genérica, sendo certo
que nenhuma disposição desse diploma chegou a ser aplicada pelo tribunal
recorrido, nem foi oportunamente suscitada a nulidade em que se traduziu a
omissão de apreciação do pedido de apoio judiciário.
Afirmar que todo o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de
Dezembro, quando aplicado ao processo de expropriação litigiosa, é
inconstitucional, porque as suas disposições restritivas impedem que seja paga a
justa indemnização pelo bem expropriado, revela-se dificilmente intelegível.
Tão-pouco se compreende o que a recorrente escreve a fls. 278 dos autos, nas
suas alegações, quando o certo é que não foi denegado (nem concedido) o apoio
judiciário solicitado. Ao afirmar que uma solução constitucional implicaria que
o Estado se limitasse a promover que fosse 'alcançada a justa indemnização, sem
qualquer desconto ou diminuição, mesmo a título de pagamento de custas', isto é,
que o produto da indemnização tivesse 'de ser limpo, líquido, sem quaisquer
deduções' (a fls. 279), a crítica parece fazer-se não ao diploma sobre apoio
judiciário - que não chegou a ser aplicado - mas às normas dos arts. 1º, 8º, nº
1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, já atrás referidas.
Seja como for, não se compreende a afirmação feita, na resposta a fls. 356, de
que 'qualquer pedido de apoio judiciário é despropositado', quando a própria
recorrente admite a hipótese de o montante da indemnização não chegar para pagar
todas as despesas, honorários e custas.
Seja como for, essa questão não foi suscitada em
devido tempo, pelo menos perante o Tribunal da Relação de Évora, pelo que dela
não pode conhecer o Tribunal Constitucional, visto não ter sido deduzida durante
o processo, entendida esta expressão no sentido já atrás exposto. Como adiante
se dirá, tão-pouco se poderá admitir que haja sido idoneamente suscitada a
questão de inconstitucionalidade de todo o diploma legal, sem um mínimo de
especificação das normas impugnadas.
Procede, assim, a questão previa suscitada pelo
Ministério Público.
9. Resta, por último, a indicação pela recorrente,
como objecto do recurso, da questão de inconstitucionalidade de todas as normas
do Título IV do Código das Expropriações de 1976, diploma que, apesar de
revogado pelo Código das Expropriações de 1991 (aprovado pelo Decreto-Lei nº
438/91, de 9 de Novembro) foi aplicado no caso sub judicio, por força das regras
de direito intertemporal.
Este Título IV regula a matéria da indemnização e
abrange os arts. 27º a 38º do referido diploma. Destes artigos, já não vigora o
art. 30º, por terem sido declarados inconstitucionais, com força obrigatória
geral, os seus números 1 e 2, pelos acórdãos nºs 131/88 e 52/90 do Tribunal
Constitucional (publicados no Diário da República, I Série, nºs 148 e 75, de 29
de Junho de 1988 e de 30 de Março de 1990, respectivamente).
Ora, tem de considerar-se inidónea a forma de
suscitar a questão de constitucionalidade através de uma referência a todas as
normas de um diploma legal ou a todas as normas de um título ou capítulo de um
Código, sem se fazer uma especificação mínima.
Este Tribunal teve ocasião já de se pronunciar nesse
sentido:
'Sublinha-se, desde logo, que a suscitação da questão de constitucionalidade
durante o processo envolve a identificação clara de norma ou normas a ser
apreciadas pela instância de controlo. Outro não é, de resto, o sentido da norma
do artigo 75-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional [...].
Como se afirmou no acórdão nº 199/88 deste Tribunal: «(...) ao
suscitar-se uma questão de constitucionalidade, [deve deixar-se] claro qual o
preceito legal cuja legitimidade constitucional se questiona, ou, no caso de se
questionar certa interpretação de uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão
normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental» (DR, II Série,
de 28 de Março de 1989; e, no mesmo sentido, o acórdão nº 123/89, DR, II Série,
de 29 de Abril de 1989).
Na mesma linha de entendimento do pressuposto a que se refere o
artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, vai o acórdão nº 170/92: «(...) o
objecto de fiscalização de constitucionalidade são as normas e não os diplomas
legais. O Tribunal Constitucional tem entendido, pelo menos nos processos de
fiscalização concreta da constitucionalidade, que a menção de todo um diploma
legal não vale como identificação da norma (ou normas), requerida no artigo
75º-A, nº 1, da Lei nº 28/82» (Dr, II Série, de 18-9-1992; cfr., igualmente, os
acórdãos nºs 393/91, inédito, e os acórdãos nºs 442/91 e 21/92, DR, II Série, de
respectivamente, 2-4-1992 e 11-6-1992)'. (acórdão nº 253/93, ainda inédito,
proferido pela 1ª Secção deste Tribunal)
10. Mas ainda que se considerasse possível atender a
normas específicas deste Título IV que hajam sido impugnadas, quanto à sua
constitucionalidade, durante o processo, nem mesmo assim se ampliaria o objecto
do presente recurso.
De facto, o primitivo recorrente suscitou, expressis
verbis e durante o processo, a inconstitucionalidade dos arts. 30º e 33º, nºs 1
e 3, do Código das Expropriações de 1976, num dos recursos por si interpostos
nos autos (veja-se o que se escreve a fls. 149º vº dos autos).
É, porém, manifesto que nenhuma destas disposições
foi aplicada pelo acórdão da Relação de Évora sob recurso.
Nesta decisão, entendeu a mesma Relação que os
peritos, na avaliação judicial, não haviam seguido os critérios indemnizatórios
constantes dos dois números desse artigo 30º, normas que estes últimos sabiam
ter sido declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral. Daí que o
mesmo Tribunal concluísse, com segurança, que os 'peritos do tribunal já jogaram
com o critério do valor de mercado para exprimirem em conclusão o valor que
atribuem à parcela expropriada, considerando ainda a distância (proximidade) com
a Estrada Nacional, a «natureza argilo-calcária com boas aptidões agrícolas,
especialmente para a cultura hortícola e plantação de árvores de frutas»,
valorizando, porém, o valor do terreno em 250$00 por metro quadrado, isto para
além de se ter tomado em conta a desvalorização da parcela sobrante da
propriedade (cfr. pág. 122)' (acórdão, a fls. 241 vº).
É, pois, evidente que a Relação de Évora não aplicou,
explícita ou implicitamente, as restrições indemnizatórias constantes dos nºs. 1
e 2 do art. 30º, considerando antes que a lei impunha a aplicação do critério
legal do valor de mercado, não tendo encontrado razões, por isso, para censurar
o entendimento do laudo dos peritos que veio a ser acolhido na sentença do
Tribunal Judicial de Silves, o qual postulou mesmo 'a vocação urbanística da
parcela expropriada', referindo-se os peritos, no seu esclarecimento, que, ao
estabelecerem o valor atribuído por m2, consideraram 'a hipótese do valor do
terreno como agrícola e o valor real do terreno dando-lhe possibilidade de nele
se poder construir, depois de deduzidas todas as despesas das urbanizações' (a
fls. 179 dos autos).
Relativamente aos nºs 1 e 3 do art. 33º do Código das
Expropriações, não existe qualquer referência aos mesmos na sentença do Tribunal
de Silves ou no acórdão da Relação de Évora, pela simples razão de que tais
normas contemplam, na sua previsão, a situação de 'terrenos situados em
aglomerado urbano', sendo certo que a parcela expropriada nestes autos faz parte
de um prédio rústico situado fora de um aglomerado urbano (nas alegações, a fls.
292-293, a recorrente considera inconstitucionais os três números do art. 33º,
insurgindo-se contra os 'critérios auxiliares ou secundários para atribuição de
justa indemnização aos expropriados', abordando a questão com grande
generalidade e sem curar de demonstrar que tais preceitos foram aplicados no
caso sub judicio).
Assim sendo, não pode este Tribunal incluir no
objecto deste recurso as normas do Título IV do Código das Expropriações de
1976, em virtude de a recorrente não ter especificado, como lhe competia, quais
as normas dos arts. 27º a 38º deste diploma que estavam, em sua opinião,
afectadas de inconstitucionalidade e foram aplicadas nos autos. De facto e
conforme a jurisprudência atrás referida, não pode o Tribunal procurar - como
acabou por fazer, com generosidade, a entidade recorrida, nas suas
contra-alegações - quais as normas desse título que foram aplicadas nos autos,
para averiguar se as mesmas estão afectadas de inconstitucionalidade (nas
indicadas contra-alegações, apontam-se como tendo sido aplicadas pelo acórdão
recorrido as normas dos arts. 29º e 35º daquele diploma, sustentando-se que as
mesmas não se acham afectadas de inconstitucionalidade - cfr. fls. 324 e 328 e
seguintes).
11. Constitui, pois, objecto do recurso apenas a
questão da invocada inconstitucionalidade do art. 73º, nº 2, do Código das
Expropriações de 1976 (Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro).
III
12. Este artigo 73º do Código das Expropriações de
1976 é a primeira das disposições consagradas ao recurso da decisão arbitral,
proferida na fase administrativa do processo expropriativo. No seu nº 1,
estabelece-se que, no 'requerimento de interposição de recurso, o recorrente
exporá logo as razões da discordância com a decisão arbitral, oferecendo todos
os documentos, requerendo as demais provas e designando o seu perito' (este
preceito é reputado igualmente de inconstitucional, nas alegações da recorrente,
mas a questão de inconstitucionalidade só aparece incidentalmente abordada nas
alegações, a fls. 294!!!).
E o preceito impugnado acrescenta:
'Não é admissível a prova testemunhal, sem prejuízo de o juiz poder requisitar
qualquer pessoa para depor, sempre que o repute indispensável'.
A recorrente sustenta que tal inadmissibilidade
constitui 'uma restrição ou proibição inconstitucional, na medida em que se opõe
aos Arts. 62º/2 e 13º da Lei Fundamental e ao art. 82º/1 do DL 845/76 que se
refere a diligências de prova, no plural e não no singular' (a fls. 294 dos
autos).
Cabe perguntar se lhe assiste razão nesta arguição.
13. A norma transcrita não veda em absoluto a
produção de prova testemunhal, admitindo-a apenas quando tal for considerado
indispensável pelo juiz de primeira instância, enquanto tribunal de recurso da
arbitragem. Confere ao juiz o poder discricionário de ouvir certos depoimentos,
não atribuindo nem ao recorrente nem ao recorrido o direito de produzir prova
testemunhal (cfr. sobre a qualificação de tal poder como discricionário, a
propósito do art. 645º do Código de Processo Civil, o relato sobre o debate
doutrinário e jurisprudencial referido por Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao
Código de Processo Civil, vol. III, Lisboa, 1972, págs. 201-202). No acórdão
recorrido, pode ler-se o seguinte passo:
'A razão de ser de tal proibição [a constante do art. 73º, nº 2, do Código das
Expropriações de 1976] reside no facto de a avaliação ser o tipo de prova mais
indicado para determinação do valor do bem a expropriar uma vez que a
expropriação «implica e exige a posse e a capacidade de manejo de conhecimentos
especiais que, em regra, se não encontram ao alcance comum das pessoas» («Guia
das Expropriações», Goucha Soares e Sá Pereira, ed. 1976, pág. 75).
Tais conhecimentos especiais são próprios dos peritos os quais,
por isso, devem examinar e investigar para informar o juiz sobre a matéria do
laudo (cfr. «Manual de Proc. Civil», de Varela, Bezerra e Nora, 2ª ed., pág. 579
a 581).
E a «ratio legis» da 2ª parte daquele artigo reside, por sua vez,
na circunstância de permitir ao juiz, em recurso, usar da prova testemunhal
quando se presuma a insuficiência dos restantes meios de prova ou quando essa
insuficiência tenha ficado demonstrada nas respostas dos peritos.
É, portanto, um caso excepcional que raramente sucederá.
No caso dos autos não se justificava o recurso a tal tipo de
prova porque não se demonstrou que tivesse falhado ou se antevisse que ia falhar
a prova pericial.
Na verdade, como já atrás se referiu, no exame do recurso de
agravo, a potencialidade edificativa da parcela foi valorada pelos peritos e a
opinião dos peritos do tribunal não deve ser posta em causa porquanto ofereceu
maior garantia de imparcialidade e de independência (cfr. Rel. Évora in «Col.
Jurisp.», ano II, 1, pág. 126).
Por outro lado o apelante não aponta qualquer preceito legal da
Constituição da República que, no seu entender, se mostre infringido pelo
alegado art. 73º, nº 2 desse diploma limitando-se a afirmar que este artigo
impede a arbitragem de justa indemnização.
O que se pode dizer é precisamente o contrário: do uso da prova
testemunhal que a lei proíbe, como regra, é que poderia resultar uma
consequência deficiente, uma indemnização injusta como atrás de demonstrou'.
(fls. 242 e vº dos autos; o acórdão analisa ainda as consequências de uma
eventual nulidade de pronúncia do juiz de primeira instância, questão que carece
de relevância prara a decisão do presente recurso).
14. Não merece reservas o entendimento do Tribunal da
Relação de Évora, expresso no texto acima transcrito.
Na verdade, não se vê que o art. 62º, nº 2, da
Constituição, ou os arts. 13º e 20º, nº 1, desta, tornem inconstitucional o nº 2
do art. 73º do referido Código das Expropriações. No processo de expropriação
litigiosa, o legislador pretende que seja determinada com rigor a justa
indemnização devida ao expropriado. O meio de prova por excelência para alcançar
tal desiderato há-de ser a prova pericial, na fase do recurso interposto da
decisão arbitral, proferida antes da remessa dos autos ao tribunal judicial.
Como se exprime o art. 388º, 1ª parte, do Código Civil, '[a] prova pericial tem
por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam
necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem [...]'.
A este propósito, escreve o Exmo Procurador-Geral
Adjunto nas suas alegações:
'(...) Por outras palavras, a justa composição do litígio entre expropriante e
expropriado pode perfeitamente ser alcançada através dos restantes meios de
prova, de eficácia e fiabilidade bem superiores à simples inquirição de
testemunhas, a começar pela avaliação que obrigatoriamente se realizará, nos
termos previstos pelo artigo 77º.
Diga-se, aliás, que um dos erros essenciais em que incorre o
recorrente é precisamente o de supor que a «justa indemnização» há-de
necessariamente corresponder ao valor de mercado dos bens objecto de
expropriação, incorporando mesmo a ponderação de eventuais factores de índole
especulativa. Tal ideia transparece claramente a fls. 219, ao afirmar-se que o
valor a tomar em consideração seria «o valor de mercado, o qual é conhecido
ouvindo testemunhas da região, incluindo os representantes das a agências de
venda e compra de terrenos naquela zona»...
Ou seja, a inquirição das testemunhas arroladas seria
precisamente o instrumento para introduzir no processo a ponderação dos factores
especulativos que terão conduzido o expropriado a atribuir à parcela, objecto da
expropriação, o valor de 74.597.000$00 - quando o seu próprio perito a avaliou
em 5.303.320$00...'. ( a fls. 334-335 dos autos)
15. Importa acentuar que o direito de acesso à
justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova (cfr. M.
Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa,
1995, págs. 228 e segs.). Tal não significa, porém, que o direito subjectivo à
prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em
qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, ou que
não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de
prova (por exemplo, limitação a um número máximo de testemunhas arroladas por
cada parte).
Bastará percorrer as normas de direito probatório
constantes do Código Civil ou do Código de Processo Civil para verificar que há
diversas proibições de utilização de certos meios de prova cuja
constitucionalidade nunca foi posta em causa. Assim, quanto à prova confessória,
há casos em que a lei a considera insuficiente para provar certos factos (por
exemplo, um negócio jurídico solene em que sejam exigidas formalidades ad
substantiam) ou inadmissível (por exemplo, por recair sobre facto cujo
reconhecimento ou investigação a lei proíba ou sobre factos respeitantes a
direitos indisponíveis - art. 354º do Código Civil). Também quanto à prova
testemunhal, a mesma é considerada inadmissível quando a declaração negocial
tiver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, ou
ainda quando o facto probando estiver 'plenamente provado por documento ou outro
meio com força probatória plena' (art. 393º, nº 2, do Código Civil; vejam-se,
porém, os arts. 393º, nº 3, e 394º do mesmo diploma). Especialmente impressivo é
o caso da prova do acordo simulatório e do negócio simulado: a prova testemunhal
só é admissível se for um terceiro a arguir a simulação, mas já não é admissível
quando esse acordo ou o negócio simulado forem invocados pelos próprios
simuladores (art. 39º, nºs 2 e 3, do Código Civil).
Em muitos destes casos, a inadmissibilidade,
estabelecida pela lei, de prova testemunhal tem como fundamento o juízo do
legislador sobre as graves consequências de um testemunho inverídico, dada a
especial falibilidade desse meio probatório. Tais casos de inadmissibilidade
têm, porém, natureza excepcional e hão-de ter uma justificação racional.
Ora, no processo expropriativo, o legislador entende
que, havendo uma decisão arbitral que fixa o valor indemnização, no recurso dela
interposto a impugnação do quantum indemnizatório implicará uma prova pericial
exigente. Estando em causa a fixação do valor do bem ou direito expropriados -
fixação que começou por ser feita na fase arbitral - o juiz há-de valorar em
especial a prova pericial, visto que os peritos são encarregados pelo tribunal
de transmitir a este informações que devem colher, nomeadamente utilizando
certos conhecimentos de natureza técnica (art. 388º do Código Civil). Sabendo-se
que as testemunhas transmitem conhecimentos casualmente adquiridos, bem se
compreende a enorme falibilidade do respectivo testemunho, nomeadamente quando
está em causa a transmissão ao tribunal de informações sobre valores do mercado
imobiliário, devendo a prova desses valores assentar, por regra, em documentos
autênticos (como as alienações dos bens imóveis estão sujeitas a escritura
pública, os valores dos preços constam desses documentos; só quanto aos
contratos preliminares falta, em regra, a publicidade registral, podendo
admitir-se a vantagem de produção de prova testemunhal, anda que muito falível,
dado o carácter reservado, ou mesmo confidencial, da celebração de muitos
contratos-promessa).
A opção do legislador constante da norma impugnada
não se afigura arbitrária ou irrazoável. Como a fixação do valor de avaliação do
bem expropriado, necessária para a atribuição do quantum indemnizatório,na fase
de recurso há-de ser feita pelo juiz, que assim vai apreciar criticamente o
outro valor a que se chegou no juízo arbitral, entendeu o legislador que os
meios probatórios especialmente atendíveis deveriam ser a perícia, os documentos
e a própria inspecção judicial. No que toca à prova pericial, o legislador
entendeu que, em vez da opinião do 'homem comum' ou a do 'bom pai de família' -
opiniões expressas em depoimentos de testemunhas - importava privilegiar a
intervenção de peritos, por estes disporem de conhecimentos especiais que os
julgadores não possuem por regra. Mas deixou, sempre, ao critério do juiz a
audição de prova testemunhal.
Acrescente-se que a prova testemunhal sobre o valor
de mercado de um bem não será susceptível, no comum dos casos, de esclarecer
cabalmente o julgador, atentos os outros meios probatórios a que pode recorrer
(prova documental, prova pericial e inspecção judicial). Seja como for, a lei
não veda em absoluto a prova testemunhal no processo expropriativo. Na verdade,
a lei confere um poder discricionário para ouvir o depoimento de pessoas que não
sejam peritos, sempre que o repute indispensável, podendo valorar livremente
esses depoimentos, tal como os laudos periciais (art. 389º do Código Civil).
Globalmente considerada a regulamentação dos meios
probatórios no processo de expropriação, afigura-se que não é desproporcionada
ou arbitrária a solução limitativa constante do nº 2 do art. 73º do Código das
Expropriações de 1976, porque tem justificação material, atendendo à natureza do
litígio em causa e à fase processual de recurso em que ocorre a mesma limitação.
Não se mostram, assim, violados os arts. 13º, 20º, nº
1, e 62º, nº 2, da Constituição.
16. Nas suas contra-alegações, o Exmo.
Procurador-Geral Adjunto considera que a conduta processual da recorrente 'terá,
de algum modo, ultrapassado o limiar da litigância de má fé, ao vir alegar,
perante este Tribunal, que os peritos designados judicialmente receberam «ordens
expressas», «terminantes» e «antecipadas» do Estado (DGEMN) para só pagarem o
terreno a 250$00/m2, limitando-se a fazer aquilo que a respectiva Direcção-Geral
lhes disse para fazer, de forma a atribuírem um valor irrisório e ridículo aos
terrenos - cfr. fls. 12, 13 e 19 da sua alegação' (a fls. 339-340 dos autos).
Tal imputação seria totalmente infundada, feita apenas na alegação apresentada
no Tribunal Constitucional, e traduziria, no dizer da entidade recorrida, uma
alteração consciente da verdade dos factos, sancionada nos termos da lei de
processo civil (art. 84º, nº 5, da Lei deste Tribunal). Revestir-se-ia de
especial gravidade a imputação assim feita, visto que os peritos, nomeados por
decisão judicial, haviam prestado juramento de desempenhar conscientemente a sua
tarefa de colaboração com a Justiça, sendo certo que o comportamente assim
imputado, a ter-se verificado, constituiria censurável violação dos deveres
deontológicos e profissionais dos peritos em causa.
Ouvida a recorrente sobre esta questão, limitou-se a
reafirmar que os peritos (não se esclarece se são os nomeados pelo Tribunal de
Silves) tinham declarado perante testemunhas que o Estado lhes havia imposto o
preço de 250$00 por metro quadrado, o que seria de todo inadmissível e
intolerável. Arrolou duas testemunhas para prova das imputações feitas.
Esta afirmação é, porém, precedida do seguinte passo,
que é revelador do estado de espírito da recorrente, viúva do expropriado e que
só foi habilitada após a apresentação das alegações na Relação de Évora:
'O digno Magistrado do MP defende que o terreno edificável dos autos deve ser
pago a 250$00/m2, que o expropriado não recebendo qualquer indemnização ainda é
devedor de custas ao Estado na ordem de centenas de contos; e que o Estado pode
ditar aos Peritos o preço irrisório que muito bem entender; e que o recorrente
deve ser esmagado como litigante de má fé (...)'.
Não pode ignorar-se a gravidade objectiva das
afirmações feitas e nem deixar de estranhar-se o momento tardio em que a questão
foi suscitada no processo.
Todavia, não é possível neste recurso de
constitucionalidade apurar a veracidade das imputações feitas pela recorrente,
as quais poderão, eventualmente, vir a ser averiguadas em processo idóneo para o
efeito.
Não existem, assim, elementos de facto que permitam
afirmar a má fé da recorrente e conduzir ao sancionamento do seu comportamento
processual (art. 456º do Código de Processo Civil).
IV
16. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o
Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso.
Lisboa,20 de Abril de 1995
Ass) Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Vitor Nunes de Almeida
Luis Nunes de Almeida