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Proc. nº 137/93
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. A instaurou no Tribunal Judicial do Seixal acção declarativa de condenação com a forma sumária contra a Companhia de Seguros B, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 75.082$00, bem como juros compensatórios até à integral liquidação da dívida, valor aquele que considerou ser a indemnização devida pelos danos resultantes para a autora de um acidente de viação em que interveio o veículo de um segurado da ré.
2. Considerando-se em condições de conhecer o mérito, o juiz, no despacho saneador, absolveu a ré do pedido uma vez que julgou procedente a excepção peremptória do caso julgado.
Fundamentou tal decisão no facto de ter sido celebrado entre a autora e o segurado da ré um compromisso arbitral válido, de que veio a resultar decisão arbitral que imputou a responsabilidade pelo acidente de viação ao condutor do veículo da autora.
3. Não tendo sido admitido, dado o valor da causa, recurso de apelação, veio a autora a interpor recurso do saneador- -sentença para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que o Tribunal aprecie a conformidade constitucional dos artigos 497º, nº 1, 498º e 1522º do Código de Processo Civil, na interpretação dada pelo tribunal a quo 'de que o julgamento efectuado pela Associação Portuguesa de Seguros constitui caso julgado que impede a apreciação dos mesmos factos pelo tribunal judicial'.
4. Nas alegações apresentadas neste Tribunal, a recorrente, formulou as seguintes conclusões:
'- A decisão recorrida ao decidir ter havido caso julgado violou o disposto no art. 20º da CRP.
- Tal decisão é materialmente inconstitucional.
- Na interpretação dada pelo Mmo. Juiz a quo aos arts. 497º,
499º, 500º, 493º, nº 3, 1498º e 1522º do CPC foi violado o princípio constitucional do acesso à Justiça.'
5. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II Fundamentação
6. Dado não existir coincidência entre as normas indicadas pela recorrente no requerimento de interposição do recurso e aquelas que considera inconstitucionais nas alegações apresentadas, importa, em primeiro lugar, precisar que o objecto de recurso é definido pelo requerimento de interposição, não sendo admissível alargar o seu âmbito nas alegações.
Daí que o recurso se restrinja à apreciação da conformidade constitucional dos artigos 497º, nº 1, que define o conceito de caso julgado,
498º, que enumera os respectivos requisitos, e 1522º, que atribui à decisão dos
árbitros, no tribunal arbitral voluntário, a mesma força que uma sentença proferida pelo tribunal de comarca.
Refira-se, quanto a esta última disposição legal, que ela havia sido tacitamente revogada pelo Decreto-Lei nº 243/84, de 17 de Julho, entretanto declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão nº 230/86 do Tribunal Constitucional (D.R., I Série, de 12/9/86), e, posteriormente, veio a ser expressamente revogada pelo artigo 39º, nº 1, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto.
7. Definido o objecto do recurso, entremos então no fundo da questão.
A Constituição, a partir da 1ª revisão constitucional, passou a prever expressamente os tribunais arbitrais como uma das categorias de tribunais, dizendo, no actual nº 2 do artigo 211º, que 'podem existir tribunais marítimos e tribunais arbitrais'.
Não impondo a sua existência, admite que o legislador ordinário os institua. O funcionamento dos tribunais arbitrais encontrava-se regulado, ao tempo, nos artigos 1508º a 1524º do Código de Processo Civil, sendo hoje objecto da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto.
A expressa referência constitucional aos tribunais arbitrais impede que seja questionada a sua legitimidade, pelo menos no que toca aos tribunais arbitrais voluntários (e o artigo 1522º insere-se nas disposições que conformam este tipo de tribunais). Consequentemente, não pode também ser questionada a força de caso julgado atribuída às respectivas decisões.
A decisão de um tribunal, qualquer que ele seja, para que possa dirimir os conflitos de interesses que lhe são submetidos, tem de estar dotada, reunidos certos requisitos, da estabilidade e da força características do caso julgado. Em nada tais características restringem o acesso ao direito e aos tribunais garantido pelo artigo 20º da Constituição.
A existência de tribunais arbitrais voluntários é ela própria, uma concretização do direito de acesso aos tribunais, uma vez que, para a Constituição, não há apenas tribunais estatais.
8. Como reforço da sua argumentação, a recorrente alega, em abono da tese propugnada, que o direito de acesso aos tribunais implica, para além do direito de acção e de defesa, o princípio do contraditório latamente entendido, a igualdade de armas, a realização de justiça em prazo razoável e o dever de fundamentação das decisões.
Independentemente de tais princípios decorrerem directamente ou não do artigo 20º, nº 1, da Constituição, sempre se dirá, contudo, que eles não são minimamente postos em causa pelas normas que a recorrente considera inconstitucionais. E só sobre elas o Tribunal se pode pronunciar, nos termos do artigo 79º-C da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
9. Não sofrendo o artigo 1522º do Código de Processo Civil de qualquer vício de inconstitucionalidade, não se vislumbra qualquer motivo que permita formular um juízo de desconformidade com a Constituição dos artigos
497º, nº 1, e 498º do mesmo Código, disposições que se limitam a definir o conceito de caso julgado e a estabelecer os seus requisitos.
III Decisão
10. Por estas razões, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão impugnada.
Lisboa, 21 de Março de 1996
Maria Fernanda Palma
Alberto Tavares da Costa
Vitor Nunes de Almeida
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Montiro Diniz
Luis Nunes de Almeida