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Proc.Nº 579/93
Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - A, LDA' veio interpor recurso de impugnação do acto praticado ao abrigo do preceituado no artigo 639º e § 2º do Regulamento das Alfândegas, de liquidação de uma taxa de 5% calculada «ad valorem» das mercadorias importadas, as quais embora armazenadas fora das instalações alfandegárias e suportando a empresa o custo desse armazenamento, foram desalfandegadas após o termo do prazo legal de armazenagem.
O Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto, por decisão de 30 de Março de 1992, veio a desaplicar a referida norma do aludido Regulamento por entender que a mesma ofendia o Tratado de Roma, nomeadamente os seus artigos 9º e 12º, e, em consequência, julgou o recurso interposto procedente, anulando o acto de liquidação impugnado.
2. - O representante da Fazenda Pública notificado desta decisão não se conformou com ela e interpôs recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (adiante, STA).
Neste Tribunal, após as pertinentes alegações da recorrente, da recorrida e do Ministério Público, veio a ser proferido acórdão em que se concedeu provimento ao recurso da Fazenda Pública e, consequentemente, determinou-se a revogação da decisão da 1ª instância mantendo-se a liquidação.
Foi o seguinte o encadeamento argumentativo que fundamentou tal decisão:
'Como passaremos a demonstrar, a liquidação impugnada não é de modo algum encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros de exportação ou importação.
Dispõe o artº 638º do Reg. das Alfândegas na redacção do D.L. 483-E/88 de
28/12 - DR, I, 2º Suplemento que:
'Serão vendidas pelas estâncias aduaneiras, depois de cumpridas as formalidades legais:
- nº 1 - As mercadorias armazenadas em quaisquer depósitos, de regime aduaneiro ou de Regime livre, quando neles excedam os respectivos prazos de armazenamento;
- nº 2 - As mercadorias sujeitas à acção fiscal quando tenham sido abandonadas a favor da Fazenda Nacional.
E dispõe o artº 639º do mesmo diploma na redacção dada pelo referido Dec.Lei
483-E/88 de 28/12 que:
'Os donos das mercadorias demoradas além dos prazos legais de armazenagem podem despachá-las desde que assim o requeiram no prazo de 6 meses contados a partir da sujeição da mercadoria ao regime da hasta pública.
§ 2º - As mercadorias despachadas ao abrigo do disposto neste artigo, estão sujeitas ao pagamento de todos os encargos e imposições devidas, acrescido da percentagem de 5% sobre o seu valor.
Da conjugação das normas transcritas do artº 638º e 639º, nº 2 do Regulamento das Alfândegas e dos factos do probatório que indica ter sido o armazenamento feito e pago à Tertir, logo se alcança que a taxa de 5% impugnada nada tem a ver com o armazenamento.
Trata-se antes de uma sanção administrativa pela demora no desalfandegamento.
Tal sanção não será aplicada quando o importador proceda ao desalfandegamento atempado.
Mas, se assim é, como é, a taxa de 5% do § 2º do artº 639º do Regulamento das Alfândegas não é um encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros.
Os importadores e exportadores que desalfandeguem as mercadorias nos prazos legais não sofrem aquela penalidade; penalidade sim, mas não encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros,pois os operadores diligentes não a suportam, o que evidencia que a quantia paga não é encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros.
Demonstrada a não violação dos artºs 9º, 12º e 95º do Tratado de Roma pela aplicação do § 2º do artº 639º do Regulamento das Alfândegas, logo se conclui pela sem razão da recorrente nas suas, aliás, brilhantes alegações.
Termos em que se acorda em dar provimento ao recurso, revogando-se a decisão da 1ª Instância e mantendo-se a liquidação.'
3. - Notificada esta decisão à firma 'A', veio esta interpor recurso para este Tribunal Constitucional invocando as alíneas c) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - LTC (Lei nº 28/82, de
15 de Novembro alterada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro), pretendendo que se aprecie a ilegalidade da norma do artigo 639º, §2º, do Regulamento das Alfândegas face às normas dos artigos 9º, 12º, 95º e 177º do Tratado de Roma, de
25 de Março de 1957, a que Portugal aderiu através da Resolução da Assembleia da República nº 22/85 (in 'Diário da República', Iª Série, de 11 de Setembro de
1985), por entender que as normas de direito comunitário referidas são lei de valor reforçado em relação àquela norma de direito nacional.
Admitido o recurso, a recorrente apresentou alegações, tendo nelas formulado as seguintes conclusões:
'I. Pelo facto de mercadorias que a Recorrente importou de outro Estado-membro da Comunidade Europeia terem ultrapassado os prazos de depósito temporário, sem submissão a despacho, as autoridades aduaneiras procederam, por aplicação do disposto no § 2º do art. 639º do Regulamento das Alfândegas, à liquidação e cobrança de um encargo calculado à taxa de 5% sobre o seu valor, que não tem correspondência com serviços que tivessem prestado, porque até porque a mercadoria não permaneceu em armazéns da administração.
II. Embora a sua cobrança resulte do excesso dos prazos em que as mercadorias apresentadas à Alfândega podem permanecer em depósito temporário, sem sujeição a um destino aduaneiro, essa chamada 'taxa de fazendas demoradas' não pode justificar-se plenamente como taxa e/ou como sanção, por não corresponder ao custo de serviços prestados pela administração ou aos encargos administrativos da constituição em demora, nem se mostrar ajustada ao interesse colectivo no desembaraço atempado das mercadorias e à relevância dos comportamentos que o violam;
III. Evidencia uma feição eminentemente financeira, ao ser calculada segundo o valor aduaneiro das mercadorias;
IV. Só poderia, no contexto do ordenamento jurídico comunitário, legitimar-se como sanção - natureza que o Acórdão recorrido lhe assinalou - se se subordinasse a um princípio de proporcionalidade, à semelhança aliás do que sucede com o tratamento da generalidade dos comportamentos desconformes com a disciplina aduaneira, essencialmente previsto no Dec.-Lei nº 376-A/89, de 25/10;
V. Surgindo como imposição ad valorem, sem proporcionada causa, emergente de procedimentos de importação, constitui um encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros, que discrimina as mercadorias importadas relativamente às nacionais, nunca a ela sujeitas, representando, no que às trocas intracomunitárias diz respeito, um inadmissível obstáculo tarifário à efectivação do princípio da livre circulação de mercadorias, e introduzindo também, por ser uma originalidade portuguesa no espaço da C.E., disparidades no relacionamento entre Estados-membros e países terceiros, incompatíveis com o desiderato da União Aduaneira.
VI. Mostra-se assim o disposto no § 2º do art. 639º do Regulamento das Alfândegas, aplicado pela Decisão recorrida contrario ao preceituado nos arts.
9º, 12º e 95º do Tratado de Roma, conforme a Recorrente vem sustentando desde a impugnação em 1ª instância.
VII. Porque as referidas normas de direito comunitário originário vigoram na ordem jurídica portuguesa e prevalecem sobre a norma, constante de acto legislativo nacional, que o Acórdão Recorrido aplicou, e têm portanto valor reforçado em relação a esta, verifica-se o fundamento de recurso para este Tribunal Constitucional previsto na al. f), com referência à al. c), do art. 70º da sua Lei Orgânica.
Termos em que, no provimento do Recurso, deve declarar-se a ilegalidade do disposto no § 2º do art. 639º do Regulamento das Alfândegas, por contrariar o preceituado nos arts. 9º, 12º e 95º do Tratado de Roma que instituiu a C.E.E. com as legais consequências.'
Também o representante da Fazenda Pública veio produzir as pertinentes contra-alegações, tendo concluido as mesmas da foram que segue:
...'3. O que se diz na douta sentença transcrita relativamente ao artº 9º a 16º do Tratado de Roma é válido também relativamente ao artigo 95º.
4. Assim, crê-se que, a tomar-se conhecimento do recurso, deve o mesmo ser declarado improcedente, por não provado, decidindo-se, ao contrário do que pretende a recorrente, que o § 2º do artº 639º do Regulamento das Alfândegas aprovado pelo Decreto nº 31730, de 15 de Dezembro de 1941, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. 483-E/88, de 28 Dezembro, não viola a regulamentação comunitária, designadamente o artº 95º do Tratado de Roma, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA'.
4. - Entretanto, a recorrente veio apresentar um requerimento no sentido de se determinar a suspensão da instância do recurso até que fosse proferida decisão em recurso prejudicial levantado em caso semelhante ao dos autos.
Sobre tal requerimento recaiu um despacho do relator no sentido do indeferimento de tal pretensão, tendo a requerente pedido que, sobre tal despacho, recaísse acórdão do Tribunal.
Foi, assim, tirado o Acórdão nº 606/94, de 22 de Novembro de 1994, que confirmou o despacho do relator.
Estando já o processo com projecto apresentado e, portanto pronto para discussão, veio o recorrente, por requerimento datado de 28 de Dezembro de 1995, juntar aos autos, aliás na sequência do pedido de suspensão da instância, uma fotocópia de um acórdão tirado pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no processo de recurso prejudicial ali instaurado e relativo ao caso 'SIESSE - Soluções Integrais em Sistema Software e Aplicações, Lda.', alegando poder tal decisão ter interesse para a decisão a proferir nos autos, uma vez esta também se reporta à declaração de ilegalidade do § 2º do artigo 639º do Regulamento das Alfândegas, cuja compatibilidade com o direito comunitário foi apreciada na decisão cuja junção se requereu.
Alega ainda o recorrente que 'nos termos do artº 177º do Tratado de Roma se impõe a todos os tribunais nacionais, abrangendo, pois, este Tribunal Constitucional na medida em que, para a apreciação das questões que lhe compete julgar, tenha de proceder à interpretação de normas de direito comunitário, como é o caso das invocadas pela recorrente neste processo', pelo que tem interesse a junção pedida.
Notificada a junção à recorrida, Fazenda Nacional, veio esta referir que o acórdão que indeferiu o pedido de suspensão da instância assentou em que a decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades é neutra para a decisão do Tribunal Constitucional pois esta, desde logo, assenta em diferentes pressupostos, pedindo o desentranhamento da fotocópia. Mas, se assim se não entender, refere que o acórdão junto confirma a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que a regulamentação comunitária não se opõe a que a autoridade aduaneira exija o pagamento de uma importância para além dos direitos aduaneiros e dos eventuais encargos ocasionados pela armazenagem temporária das mercadorias, para aceitar uma declaração destinada à sua colocação em livre prática depois de expirados os prazos previstos para a declaração de livre prática, ou para outro regime aduaneiro ou para atribuição de outro destino aduaneiro.
Conclui dizendo que 'o pagamento da prevista percentagem sobre o valor da mercadoria é uma simples medida administrativa de natureza compulsória, que virá incitar os operadores económicos ao cumprimento dos prazos, acontecendo que os aludidos operadores sempre podem optar pelo pagamento ou por deixarem vender as mercadorias.'
Sobre esta questão foi lavrado despacho no sentido de manter nos autos a fotocópia do acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades, independentemente de qualquer consideração sobre a sua pertinência ou relevância para o caso dos autos.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
5. - De acordo com o requerimento de interposição do recurso - que é o documento que delimita o objecto do recurso de constitucionalidade ou de ilegalidade - a firma recorrente interpôs o presente recurso invocando as normas segundo as quais cabe recurso das decisões dos tribunais que 'recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei reforçado' e que 'apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c),d) e f)'.
A recorrente tinha, de facto, suscitado nos autos, a questão da ilegalidade da norma do artigo 639º, § 2º, do Regulamento das Alfândegas, aplicada na decisão recorrida, por considerar que ela viola os artigos 9º, 12º, 95º e 177º do Tratado de Roma, na medida em que estas normas de direito comunitário 'são lei com valor reforçado em relação àquela norma de direito nacional (...)'.
Assim, o objecto do recurso é a questão de saber se a obrigação imposta à recorrente de pagar a taxa de 5% sobre o valor das mercadorias desalfandegadas para além do prazo legal, obrigação decorrente do parágrafo 2º do artigo 639º do Regulamento das Alfândegas, viola os artigos 9º,
12º, 95º e 177º do Tratado de Roma (a que Portugal aderiu pela Resolução da Assembleia da República, nº 22/85, in 'Diário da República', Iª Série, de 18 de Setembro de 1985), por ilegalidade decorrente de violação de lei de valor reforçado.
Neste tipo de recurso, a competência do Tribunal Constitucional para conhecer do arguido vício de ilegalidade depende da verificação do requisito de admissibilidade consistente no indispensável reconhecimento da natureza de «lei de valor reforçado» às normas consideradas violadas pela norma «ilegal» - no caso, trata-se do reconhecimento de tal qualificação ao Tratado de Roma e às normas referidas como violadas.
Vejamos.
6. - A Revisão Constitucional de 1989 (Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho) introduziu importantes modificações no domínio da função legislativa, designadamente, no que se refere a alterações relevantes para a definição das condições de admissibilidade da existência de leis com valor reforçado.
Com efeito, não só veio a introduzir no nº 2 do artigo
115º da Constituição, uma referência expressa ao valor reforçado das leis orgânicas e nos artigos 280º, nº 2, alínea a) e 281º, nº1, alínea b), passou a considerar a «lei com valor reforçado» como parâmetro de apreciação do vício de ilegalidade dos actos legislativos, apreciação atribuída ao Tribunal Constitucional.
Todavia, a Constituição não fornece uma definição com carácter genérico do que seja uma «lei com valor reforçado», por forma a poder constituir um critério diferenciador das leis integráveis em tal conceito. Com efeito, a proposta constante do projecto de revisão constitucional nº 2/V, de deputados do PCP não foi acolhida. Aí se propunha (artigo 115º-A, nº 1) que
'possuem valor jurídico reforçado as leis que, por força da Constituição, sejam um pressuposto normativo necessário de outras leis ou por outras leis devam ser respeitadas'.
Na ausência de uma definição genérica, a doutrina tem procurado estabelecer critérios que permitam a caracterização das leis ordinárias reforçadas relativamente às leis ordinárias simples.
Assim, Gomes Canotilho (in 'Direito Constitucional', 5ª Edição, Coimbra, 1991, pg. 874 e 875), aponta os seguintes critérios para 'a delimitação material deste tipo de leis':
- 'O critério da parametricidade garantido por um processo judicial de fiscalização':
- 'Critério extensivo a todas as leis reforçadas', que permite 'assegurar o valor paramétrico de tais leis' e 'possibilitar a desaplicação ou eliminação' das que lhes são desconformes, porém, 'não permite determinar a individualização dessas leis nem adianta elementos materiais para a sau caracterização';
'O critério do fundamento material de validade normativa':
- 'Uma lei é reforçada relativamente a outra ou outras quando estabelece um conteúdo de natureza paramétrica que deve servir de presuposto material à disciplina normativa estabelecida por estes outros actos legislativos';
'O critério da capacidade derrogatória':
- 'Uma lei é reforçada relativamente a outra quando pode derrogar esta sem por ela ser susceptível de ser derrogada';
'O critério da forma e especificidades procedimentais':
- 'O critério da forma e especificidade procedimentais traduz a ideia de que uma lei é reforçada porque, nos termos constitucionais, como tal é considerada, beneficiando de forma e procedimentos especiais também constitucionalmente estabelecidos. É o que se passa com as leis orgânicas'.(...)'O seu carácter reforçado serve para salientar a «reserva total» de competência da AR e a forma e o procedimento específicos do exercício desta competência, e, por isso, diferentemente das leis reforçadas caracterizadas por qualquer dos outros critérios, «a relação de desvalor» resultante da «invasão» desta competência configurar-se-á como inconstitucionalidade e não como ilegalidade.'
Pelo seu lado, Jorge Miranda (in 'Funções, Órgãos e Actos do Estado', Lisboa, 1990, pg.286 e ss.), partindo de um critério assente numa 'posição de proeminência - funcional, não hierárquica - relativamente a outros actos legislativos', posição essa que 'se traduz numa específica força formal negativa: na impossibilidade de serem afectadas por leis posteriores que não sejam dotadas da mesma função, com afastamento do princípio geral lex posterior...', refere-se a leis ordinárias reforçadas em contraposição a leis ordinárias comuns.
Daqui parte para a definição das relações de vinculação entre leis formais, separando a subordinação de carácter especial (entre certas leis ordinárias e certas outras leis) da subordinação de carácter geral (quando nenhuma lei ordinária pode colidir com certa e determinada outra lei). Entre as relações de vinculação de carácter especial, Jorge Miranda inclui as que ocorrem entre leis de autorização legislativa e os decretos-leis publicados no seu uso, entre as leis de bases gerais dos regimes jurídicos e os respectivos decretos-leis de desenvolvimento, e ainda as decorrentes dos diplomas publicados em execução das seguintes leis: a lei quadro de reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974, a lei das grandes opções do plano anual, as de enquadramento dos orçamentos do Estado e das regiões autónomas, a lei quadro de adaptação do sistema tributário nacional às especificidades regionais, a lei relativa à criação simultânea, aos poderes, aos órgãos e ao regime das regiões administrativas (ibidem, pg. 294).
No que se refere às relações de vinculação de carácter geral, em que 'o valor reforçado (...) tem bem maior amplitude, porque quaisquer outras normas legislativas estão adstritas a serem com elas conformes', Jorge Miranda indica o 'orçamento de Estado (artigos 108º, 110º e 164º, alínea h), segunda parte) e, por identidade de razão, os orçamentos das regiões autónomas', os estatutos politico-administrativos das regiões autónomas (artigos 164º, alínea b), 228º e 229º, nº 1, alínea e)), e ainda, 'de algum modo', as leis das grandes opções dos planos de desenvolvimento económico e social a médio prazo
(artigos 92º, 93º, nº 2, e 164º, alínea b), 1ª parte) e as leis orgânicas
(artigo 167º, alíneas a) a e), e 169º, nº 2).
Assim, quer se assente o traço característico das «leis com valor reforçado» na posição de proeminência de natureza funcional traduzida numa específica força formal ou se parta da ideia de que se está perante leis conformadoras da produção de outras leis ou constitutivas dos seus limites, tais leis, para além de certas exigências procedimentais na sua aprovação, dispõem de uma 'superioridade relativa' em face de outros actos legislativos, derivada do seu conteúdo que é condicionante material da normação a estabelecer pelos diplomas a publicar na sua directa dependência.
Poderá considerar-se que o Tratado de Roma, em vigor em Portugal desde 11 de Setembro de 1985, reveste as características identificadas que permitam considerá-lo como uma «lei de valor reforçado»?
7. - Repare-se que, nesta análise, nos moveremos apenas e exclusivamente, no âmbito da competência do Tribunal para conhecer da questão suscitada pela recorrente e que esta questão vem expressamente delimitada por quem interpõe o recurso, estando o Tribunal, em princípio, obrigado a aceitar tal delimitação.
E a questão suscitada pela recorrente é, importa recordá-lo de novo, a de saber se a norma do artigo 639º, §2º do Regulamento das Alfândegas é ilegal por violar as normas dos artigos 9º, 12º. 95º e 177º do Tratado de Roma, enquanto «lei de valor reforçado».
Assim, não está, aqui e neste momento, em causa a questão da relação entre o direito internacional, «maxime» o direito comunitário, quer originário quer derivado, e o direito interno português, considerada esta questão em tese geral, mas tão somente, apurar da competência do tribunal para conhecer da questão suscitada pela recorrente, na medida em que invoca como parâmetro de legalidade a característica de «lei de valor reforçado» imputada a uma convenção internacional.
Ora, a esta questão não pode deixar de ser dada uma resposta negativa.
Com efeito, importa desde logo acentuar que a alteração introduzida pela revisão constitucional de 1989, relativamente às relações entre actos legislativos visou inequivocamente os actos normativos de direito interno, o que decorre com clareza da respectiva inserção de tais alterações: depois de no nº 1 do artigo 115º a Constituição ter alinhado os diferentes actos legislativos (leis, decretos-leis e decretos legislativos regionais), no nº 2 estabelece-se a relação entre esses actos segundo o princípio da hierarquia das fontes (as leis e decretos-leis têm igual valor, o que não prejudica o valor reforçado das leis orgânicas nem da subordinação às leis de autorização legislativa e às leis de bases dos decretos-leis autorizados e de desenvolvimento, respectivamente).
Não se vislumbra, por isso, como possa «enxertar-se» neste programa constitucional uma fonte normativa de origem internacional ou comunitária.
Nestes termos, conclui-se que o Tribunal Constitucional não dispõe de competência para conhecer do recurso.
III - DECISÃO:
8. - Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso. Custas pela recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UC's.
Lisboa, 6 de Março de 1996 Vitor Nunes de Almeida Maria da Assunção Esteves Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa