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Processo nº 399/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrentes D... e mulher , e como recorrido J..., pelos fundamentos constantes da EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 100 e seguintes, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo apenas merecido a resposta dos recorrentes de que 'mantêm e dão por reproduzida a alegação apresentada', não se toma conhecimento do recurso e condenam-se os recorrentes nas custas, com a taxa de justiça fixada em CINCO unidades de conta. Lisboa, 23.10.96 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 399/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1. D...e mulher , com os sinais identificadores dos autos, vieram interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de Outubro de 1995, que, num processo de embargos de terceiro, deduzidos em execução de sentença de despejo, manteve o despacho saneador-sentença e o julgamento aí constante desfavorável aos ora recorrentes.
2. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade - recurso que, segundo os recorrentes, 'tem cabimento no disposto pelo Artº 70º, nº1, al. b) e 2 da Lei nº 28/82, este último número na redacção da Lei nº 65/89' - limitaram-se eles a manifestar discordância daquele acórdão recorrido, ' na justa medida em que salvo o devido respeito por melhor opinião, faz aplicação inconstitucional do disposto pelos Artºs 83º e 84º, nº 1 do Dec. Lei 321-B/90, de 15 de Dezembro, ao contrariar os normativos ínsitos nos artºs 9º, nº 1 e 10º, nº 1, do Código Civil e também no Artº 424º, nº 1 deste
último Código'.
3. Convidados os recorrentes neste Tribunal, pelo Relator, a dar cumprimento ao disposto no artigo 75º-A, da citada Lei nº 28/82, aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, prestando 'as indicações a que se refere o artigo 75º-A, nºs 1 (última parte) e 2 (por inteiro), no prazo de cinco dias (nº 5)', vieram dizer o seguinte, começando por citar o nº 1 do artigo 62º da Constituição:
'É neste contexto legal-doutrinário que devem, ser perspectivados os autos sub judice. Os autos trazem ao conhecimento de V.Exª uma sentença judicial que põe fim a uma relação locatária e trazem ainda uma outra sentença que, numa clara violação dos dispositivos legais infra-constitucionais (Arts. 83º e 84º do R.A.U. e 1110º, nºs 1, 2 e 3 do C.C.), impede que a primeira decisão proceda e seja executada. Esta segunda decisão, salvo o devido respeito, está inquinada por vício de inconstitucionalidade material. Ao pôr em causa o princípio da liberdade contratual, tal como ele está desenhado na lei ordinária, fere o preceito constitucional invocado. Com efeito, esta decisão constitui uma grande limitação, desprovida de qualquer fundamento, da liberdade contratual tutelada pelos princípios da autonomia privada, que se fundam, constitucionalmente, no Art. 62º.Ao impedir o exercício e legitimado por sentença judicial do direito do locador, que lhe assiste enquanto proprietário e que merece tutela constitucional, esta decisão viola o disposto pelos Arts. 9º, nº 2, 205º, nº 2, 206º, 207º, 208º, nº 1 e 62º, todos da C.R.P..'
4. Partindo dos dados claros que ressaltam da posição dos recorrentes, quais sejam a identificação precisa das normas infraconstitucionais do Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Dezembro (de que se pretende ter sido feita
'aplicação inconstitucional') e o modelo do recurso de constitucionalidade, com invocação escorreita da alínea b), do nº 1 do artigo 70º, da Lei nº 28/82, é fácil constatar que falta um dos pressupostos processuais aí exigidos nessa alínea b).
É que não se vê que tenha sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade de normas jurídicas, nomeadamente as dos artigos do citado Decreto-Lei nº 321-B/90, no recurso de apelação interposto pelos recorrentes e que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou por via do acórdão recorrido, pois nas respectivas alegações não se encontra nenhuma arguição de inconstitucionalidade normativa, resumindo-se no essencial a posição dos recorrentes a sustentar que o tribunal a quo 'ao decidir como decidiu, violou o disposto nos Artºs 83º, 84º do R.A.U. e 424º do C.C.' (cfr. a conclusão 10º das alegações). Daí que no acórdão recorrido não se debata nenhuma matéria de constitucionalidade, a propósito daqueles preceitos legais ou de quaisquer outros.
E os recorrentes sentem a dificuldade, pois não deixam de reconhecer 'não terem sido formal e expressamente ' invocados por eles os normativos constitucionais, pretendendo que 'estiveram sempre ínsitos, quer nas suas alegações de recurso, quer na contestação aos embargos'. Mas não é verdade que normas ou princípios constitucionais estivessem 'ínsitos' nessas peças processuais e, portanto, não há, como pretendem os recorrentes, 'manifesto lapso' na sua falta de indicação, desde logo porque não se detecta aí minimamente a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade, tudo se passando no plano do direito infraconstitucional.
Como é doutrina do acórdão deste Tribunal Constitucional nº 584/96, o 'pressuposto da suscitação da questão 'durante o processo', faz, pois, recair sobre as partes o ónus de adoptarem uma estratégia processual adequada à criação da possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional'.
Lê-se nesse mesmo acórdão:
'Na norma do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro [e na que lhe corresponde, do artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição], a locução 'durante o processo' exprime precisamente o desiderato da suscitação na pendência da causa da questão de constitucionalidade, em termos de essa mesma questão ser tida em conta pelo tribunal que decide.
Esta ideia é, afinal, corolário da natureza e do sentido da fiscalização concreta de constitucionalidade das normas e, em especial, do recurso de parte que dela participa. Aí, a questão de constitucionalidade é uma questão incidental, em estreita relação com o 'feito submetido a julgamento' (CRP, artº
207º), só podendo incidir sobre normas relevantes para o caso. O 'interesse pessoal na invalidação da norma' (G. Canotilho e Vital Moreira) só faz sentido e se concretiza na medida em que a parte confronte, em tempo, o tribunal que decide a causa com a controversa validade constitucional das normas que aí são convocáveis.
E é com esta leitura do sistema de controlo concreto das normas e, em particular, do enunciado do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, que o Tribunal Constitucional vem fixando o sentido da locução 'durante o processo'. Esse sentido - afirma-se em jurisprudência pacífica e reiterada - é um sentido funcional, que não formal: a inconstitucionalidade há-de ter sido suscitada não depois se haver esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria, até à extinção da instância, mas em momento em que o tribunal da causa pudesse ainda conhecer da questão (cf., entre outros, os acórdãos nºs 62/85, 90/85, 94/88,
479/89, D.R., II Série, de, respectivamente, 31-5-1985, 11-7--1985, 22-8-1988,
24-4-1992, e os acórdãos nºs 439/89 e 253/93, inéditos)'.
Tanto basta para dar como não verificado o aludido pressuposto processual, decorrendo daí que não se possa tomar conhecimento do presente recurso de inconstitucionalidade.
5. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.