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Processo: n.º 406/88.
Plenário
Relator: Conselheiro Vítor Nunes de Almeida.
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I — Relatório
1 — Nos termos e ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 281.º da
Constituição (na redacção anterior à resultante da Lei Constitucional n.º 1/89,
de 8 de Julho) e do disposto no n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, vinte e sete deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista
Português requereram a declaração de inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, das normas da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases
da Reforma Agrária), indicadas no texto que seguidamente se transcreve em que
apresentam os fundamentos do seu pedido:
A Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro visa abertamente reconstituir o latifúndio e
a grande exploração capitalista, liquidando as unidades colectivas de produção e
as cooperativas agrícolas de produção invertendo por completo o conceito
constitucional da Reforma Agrária tal qual decorre, designadamente dos artigos
9.º, alínea d), 81.º, alínea h), 96.º, 97.º, 100.º e 102.º, n.º 1, da
Constituição.
É esse o efeito da aplicação conjugada de múltiplos dispositivos
inconstitucionais (em si mesmos ou na sua articulação), cuja declaração de
inconstitucionalidade se requer.
São os seguintes:
a) a Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, fixa objectivos da
política agrícola (artigo 4.º) deliberadamente desconformes aos decorrentes do
artigo 96.º da Constituição, omitindo designadamente as referências neste
contidas, à transformação das estruturas fundiárias, à transferência progressiva
da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua
exploração para aqueles que a trabalham, ao objectivo de igualdade efectiva dos
que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores e à Reforma Agrária
como instrumento fundamental para a realização dos objectivos da política
agrícola;
b) ao reduzir drasticamente a extensão da terra a entregar «a
quem a trabalha» (cuja transferência progressiva é constitucionalmente
obrigatória), quer diminuindo a área sujeita à expropriação (artigo 11.º — em
combinação com o disposto no artigo 15.º —, artigos 12.º e 21.º), quer
consagrando e alargando a área susceptível de reserva (artigos 13.º, 14.º, 15.º
e 19.º), quer multiplicando os titulares potenciais de reservas e os mecanismos
da sua concessão (artigo 17.º, 18.º e 33.º), e Lei n.º 109/88, nas normas
citadas, viola o disposto nos artigos 96.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 97.º da
Constituição da República;
c) ao permitir (artigo 30.º) a reversão de prédios rústicos
nacionalizados que hajam permanecido na posse material e exploração de facto dos
anteriores titulares ou na dos respectivos herdeiros (ou regressado à sua posse
antes de 24 de Fevereiro de 1988, independentemente do acto administrativo com
esse objectivo), a Lei n.º 109/88 viola, ademais, o artigo 83.º da Constituição;
d) ao facultarem a criação irrestritiva de unidades de exploração
agrícola privadas, as disposições enumeradas na alínea b) do presente
requerimento conduzem à violação do disposto no artigo 99.º, n.º 2, da
Constituição da República;
e) ao estabelecer um regime excepcional de suspensão de eficácia
de actos administrativos que no âmbito da Reforma Agrária determinem entrega de
reservas ou reconheçam não ter sido expropriado ou nacionalizado determinado
prédio rústico, o artigo 50.º da Lei n.º 109/88 estabelece para os destinatários
constitucionais da reforma agrária regras excludentes, restritivas e
discriminatórias que ofendem o disposto nos artigos 13.º, 20.º, n.º 2, e 268.º,
n.º 3, da Constituição;
f) ao fixar um regime de demarcação de reservas (artigo 28.º)
que exclui a audiência das UCP’s/Cooperativas e permite a respectiva
«realização» por edital, institui um regime sem formalidades essenciais
relevantes, subterfúgio tendente a inviabilizar o exercício do direito
constitucional ao recurso contencioso, previsto no artigo 268.º, n.º 3, da
Constituição, cujo conteúdo essencial é atingido (com ofensa do disposto no
artigo 18.º, n.os 2 e 3, aplicável ex vi do artigo 17.º) e ferindo
discriminatoriamente as UCP’s/Cooperativas, cuja legitimidade activa nos
recursos contenciosos é eliminada (com ofensa do disposto nos artigos 13.º,
20.º, n.º 2, e 268.º, n.º 3, da Constituição).
Notificado para se pronunciar, querendo, o Presidente da Assembleia da República
veio oferecer o merecimento dos autos relativamente ao presente pedido.
2 — O processo originado pelo pedido acabado de descrever dos deputados
subscritores, e que na continuação do presente acórdão passará a ser designado,
para comodidade de exposição, por Pedido A, veio a incorporar mais três pedidos
por determinação tomada nos termos do artigo 64.º, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), visto que nesses pedidos se
requere a declaração de inconstitucionalidade de normas com sentido preceptivo
idêntico.
Cada um desses pedidos vai ser seguidamente identificado pela ordem cronológica
da sua apresentação com as designações de Pedido B, Pedido C e Pedido D.
3 — Assim, o Pedido B foi formulado por 25 deputados também do Grupo Parlamentar
do Partido Comunista, mas incidindo sobre as normas da Lei citada na redacção
resultante da Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, epigrafada como «Alteração à Lei
n.º 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária)». Transcreve-se
seguidamente o teor desse pedido:
1 — A Constituição da República Portuguesa no seu artigo 97.º prevê
expressamente a eliminação dos latifúndios determinando, no seu n.º 2, que «as
terras expropriadas serão entregues a título de propriedade ou de posse, nos
termos da lei, a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de
exploração familiar, e cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos
agricultores, ou a outras formas de exploração por trabalhadores…» sendo que
«eliminar os latifúndios» constitui igualmente uma incumbência prioritária do
Estado [artigo 81.º, alínea h)].
Ora o objectivo que orienta toda a Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, que veio dar
uma nova redacção à Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, corresponde, exactamente,
ao inverso dos objectivos expressos nos comandos constitucionais citados, assim
como viola o princípio da igualdade e do acesso ao direito e à justiça. Tal
inversão do sentido constitucional é particularmente patente nas seguintes
normas:
a) O artigo 17.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, com as
alterações aprovadas pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, elimina o seu n.º 5
deixando de sofrer de nulidade os actos jurídicos que conduzam à reunificação
das reservas atribuídas aos contitulares ou herdeiros de reservas indivisas.
Ora, seja através do mecanismo da multiplicação e junção de reservas que o
artigo 17.º permite, seja através da possibilidade de os vários herdeiros
concorrerem a reservas separadas que num e noutro caso passam a poder ser
reunificadas, tal significa que a aplicação destes mecanismos conduz
inexoravelmente à (re)constituição de latifúndios e viola os artigos citados
81.º, alínea h), e 97.º da Constituição da República Portuguesa.
b) No artigo 18.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, com a
redacção definida na Lei n.º 46/90, passa a referir-se a «uma reserva múltipla
equivalente à soma de várias reservas» eliminando-se também a alínea e) do
artigo 18.º da anterior redacção que feria igualmente de nulidade os actos
administrativos que conduzissem à reunificação das reservas atribuídas às
sociedades, violando-se também aqui os artigos 81.º, alínea h), e 97.º da
Constituição da República Portuguesa.
No contexto concreto da zona de intervenção da Reforma Agrária constante do
Decreto-Lei n.º 236-B/76, de 5 de Abril, as vias abertas pela nova redacção dos
artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, conduzem à restauração
do latifúndio tal como historicamente existiu e, como na prática tem estado a
suceder.
c) As alterações definidas pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto,
para o artigo 17.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, esvaziam de conteúdo o
limite aparente de 91 000 pontos previstos no artigo 15.º pelo que também aqui
aquela norma — até pela aplicação conjugada dos vários dispositivos da Lei
(artigo 11.º em combinação com o disposto no artigo 15.º, 12.º e 21.º, 13.º,
14.º, 15.º e 19.º, 17.º, 18.º e 33.º) — viola ainda a alínea n) do n.º 1 do
artigo 168.º da Constituição da República Portuguesa que determina que a Lei
deve fixar os «limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola
privadas».
d) No que se refere ao artigo 14.º-A, aditado à Lei n.º 109/88,
de 26 de Setembro, invade-se a competência dos tribunais negando-se-lhes a
possibilidade de se pronunciarem, em cada caso concreto, sobre os direitos de
propriedade dos prédios ocupados.
Esta norma atribui à Administração competências que são indubitavelmente da
função judicial contrariando os artigos 205.º e 206.º da Constituição.
e) Quanto ao direito de recurso contencioso a nova redacção do
artigo 50.º agrava ainda mais a excepcionalidade do regime de suspensão da
eficácia dos actos administrativos tendentes à atribuição ou devolução de
terras. Tal excepcionalidade apenas significa o tratamento discriminatório dos
trabalhadores agrícolas da Reforma Agrária com posse e gestão da terra.
O privilégio do carácter prioritário e de grave urgência para a realização do
interesse público (artigo 14.º, n.º 2, da Lei n.º 109/88) articulado com o
privilégio de um regime excepcional quanto ao recurso e suspensão dos actos
administrativos (artigo 50.º) é um regime jurídico de privilégio jurídico, que é
agora acentuado pela nova redacção do artigo 50.º
Aliás, a redacção anterior do artigo 50.º da Lei n.º 109/88 é já hoje tida como
inconstitucional pela maioria da doutrina e pela jurisprudência do Supremo
Tribunal Administrativo como se pode ver, pelo exemplo, no Acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 20 de Abril de 1989 da 1.ª Secção do Contencioso
Administrativo.
Por isso, ao restringir o direito dos interessados ao recurso contencioso e ao
estabelecer um regime excepcional de suspensão da eficácia de actos
administrativos que tenha como efeito principal ou subordinado a atribuição ou
devolução de terras, o artigo 50.º da Lei n.º 109/88 com a nova redacção dada
pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, viola os artigos 13.º e 268.º, n.º 4, da
Constituição da República.
f) Ao privilegiar, no n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 109/88,
com a redacção dada pela Lei n.º 46/90, uns determinados beneficiários na
entrega de prédios expropriados ou nacionalizados em detrimento de outros
igualmente previstos na Constituição, a nova redacção definida para o artigo
37.º da Lei n.º 109/88 viola claramente o princípio da igualdade definido no
artigo 13.º da Constituição e o disposto no n.º 2 do artigo 97.º da Constituição
da República Portuguesa.
g) Por fim, ao retirar, na nova redacção dos artigos 28.º e 39.º,
a obrigatoriedade da audiência dos trabalhadores permanentes e efectivos em
serviço nos prédios expropriados ou nacionalizados nos processos de demarcação
de reserva e de entrega de terras para exploração a Lei n.º 109/88 (com a
redacção da Lei n.º 46/90) viola o artigo 101.º e o n.º 3 do artigo 268.º da
Constituição da República Portuguesa.
Por tudo o que se refere, os Deputados abaixo assinados requerem ao Tribunal
Constitucional a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória
geral, dos artigos 14.º-A, 17.º, 18.º, 28.º, 37.º, 39.º e 50.º da Lei n.º
109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária) com a redacção dada
pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto.
O Presidente de Assembleia da República na sua resposta, ofereceu o merecimento
dos autos e juntou os Diários da Assembleia da República relativos à discussão e
aprovação das Leis n.os 109/88 e 46/90.
4 — O terceiro pedido, Pedido C, foi introduzido por requerimento do
Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal como representante do
Ministério Público, ao abrigo dos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição e 82.º
da Lei n.º 28/82.
Tem por objecto a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória
geral da norma constante do artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88, de 26 de
Setembro. Fundamenta-se no facto de tal norma já ter sido julgada
inconstitucional, por violação do disposto no artigo 13.º, n.º 2, da
Constituição, pelo Acórdão n.º 366/92, que confirmou o Acórdão n.º 43/92, ambos
publicados no Diário da República, II Série, n.º 45, de 23 de Fevereiro de 1993,
pelo Acórdão n.º 205/93, que confirmou o Acórdão n.º 450/91, e pelo Acórdão n.º
206/93, que confirmou o Acórdão n.º 452/91, todos inéditos à data de 15 de Março
de 1993, em que foi formulado o pedido.
5 — Finalmente o Pedido D consta de requerimento apresentado pelo
Procurador-Geral da República, no uso da faculdade que lhe é conferida pelo
artigo 281.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea e), da Constituição e visa a
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma
constante do artigo 50.º da Lei n.º 109/88, mas desta vez na redacção que lhe
foi dada pela Lei n.º 46/90.
O pedido invoca a fundamentação contida nos Acórdãos n.os 450/91, 452/91
(inéditos à data da apresentação) e 43/92, citados, para sustentar que a
redacção que veio a ser dada ao artigo 50.º da Lei n.º 109/88, continua a
recusar aos detentores da posse útil das terras, objecto dos actos
administrativos referidos nessa norma o direito de requererem a suspensão da
eficácia desses actos quando contenciosamente impugnados.
Para a nova solução legislativa, valerão, segundo a entidade requerente, os
mesmos argumentos que conduziram os Acórdãos do Tribunal Constitucional que
citou a considerarem a originária redacção do mesmo preceito violadora do
princípio constitucional da igualdade. Esta circunstância, no entendimento do
Procurador-Geral da República, torna dispensável uma sua tomada de posição sobre
se, no caso, também concorre a violação das garantias constitucionais de acesso
aos tribunais e de recurso contencioso.
Na sua resposta a estes dois últimos pedidos, o Presidente da Assembleia da
República não ofereceu outros elementos para além dos já constantes do processo.
Feita a súmula dos diversos pedidos formulados, importa analisar as questões que
os mesmos suscitam.
II — Fundamentação
A) Questões Prévias
6 — Tendo em especial consideração a especificação contida no final do Pedido B
e o teor do Pedido A, temos o seguinte quadro de normas cuja declaração de
inconstitucionalidade é requerida:
Quanto à versão originária da Lei n.º 109/88, as normas constantes dos artigos
4.º; 11.º — em combinação com o disposto no 15.º —, 12.º e 21.º; 13.º, 14.º,
15.º e 19.º; 17.º, 18.º e 33.º; 30.º; 50.º; e finalmente 28.º
Quanto à versão posterior resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º
46/90, as normas constantes dos artigos 14.º-A, 17.º, 18.º, 28.º, 37.º, 39.º e
50.º
A comparação entre os dois enunciados, permite verificar como, relativamente aos
artigos 17.º, 18.º, 28.º e 50.º, é solicitado este Tribunal a apreciar normas
que vieram integral ou parcialmente substituir as correspondentes da redacção
originária, as quais, obviamente já não estão em vigor.
Por sua vez, verifica-se ainda, quanto às normas abrangidas pelo primeiro pedido
e cuja apreciação não foi requerida no segundo, que a redacção em vigor difere
da originária, em resultado das alterações introduzidas pela Lei n.º 46/90, no
que respeita aos artigos 15.º, 30.º e 33.º
O Tribunal não pode deixar de previamente ponderar as implicações desta sucessão
de normas, da sobreposição de pedidos, e, igualmente, da sucessão de parâmetros
constitucionais à luz dos quais deverá proceder na sua tarefa de apreciação da
constitucionalidade. Quanto a este último ponto, há desde já que lembrar que no
período de tempo que medeou entre as duas leis entrou em vigor a Lei
Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho.
6.1 — Em matéria de apreciação de normas revogadas, o Tribunal vem mantendo a
orientação de que a regra, segundo a qual a revogação não constitui, só por si,
obstáculo à declaração de inconstitucionalidade da norma revogada, cede naqueles
casos em que se não vislumbre interesse jurídico relevante nessa declaração.
Tal situação ocorre quando, em aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 282.º da
Constituição, considerações de segurança jurídica, equidade ou interesse público
de excepcional relevo justificarem a limitação dos efeitos da
inconstitucionalidade, de forma a que fiquem salvaguardados os efeitos
produzidos pela norma antes da sua revogação. Trata-se de uma mera operação de
prognose que não pressupõe um conhecimento prévio da conformidade à Constituição
das normas questionadas: meramente se antecipam os efeitos que poderiam resultar
da declaração de inconstitucionalidade para os ponderar, dentro dos parâmetros
consentidos pelo n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, à luz dos efeitos já
entretanto operados pela revogação a que o legislador procedeu (cfr. na
jurisprudência mais recente os Acórdãos n.os 186/89, in Diário da República, II
Série, de 14 de Maio de 1994, e 308/93, in Diário da República, II Série, de 22
de Julho de 1993).
Não se encontram razões para divergir desta orientação, sublinhando-se agora que
tal doutrina vale também para o caso em que uma norma passe a ter nova redacção
materialmente inovadora sendo assim substancialmente outra norma. Mas essa
doutrina já não vale para o caso em que uma norma, apesar de modificada na sua
redacção, mantém inalterado o seu respectivo conteúdo preceptivo, ou seja, para
o caso em que a norma questionada continua a ser substancialmente a mesma (veja
neste sentido e por último, o Acórdão n.º 57/95, publicado no Diário da
República, II Série, de 12 de Abril de 1995).
Nos presentes autos não oferecem especialidades relevantes quanto à referida
orientação jurisprudencial os casos dos artigos 17.º, 18.º, 28.º, 30.º e 33.º
6.1.1 — Quanto aos artigos 17.º e 18.º e 28.º, não se verifica a subsistência de
um interesse jurídico relevante no conhecimento da conformidade à Constituição
da respectiva formulação originária. Convém ter presente e confrontar ambas as
redacções:
VERSÃO ORIGINÁRIA
Artigo 17.º
Contitularidade e heranças indivisas
1 — Nas contitularidades e heranças indivisas, cada uma das partes ou quinhões
hereditários, existentes à data da expropriação, tem direito a uma reserva, cuja
pontuação é a correspondente à respectiva percentagem sobre a pontuação total
dos prédios expropriados ou expropriáveis nos termos da lei anterior.
2 — Para cada contitular ou herdeiro, a soma da pontuação correspondente à
percentagem da respectiva parte ou quinhão e da pontuação de outras áreas de que
seja, ou tenha sido, reservatário ao abrigo da lei anterior não pode, porém,
exceder a pontuação estabelecida para o direito de reserva.
3 — Os contitulares ou herdeiros podem agrupar as respectivas partes ou quinhões
hereditários, mediante a assinatura em conjunto do requerimento de reserva, não
podendo a reserva atribuída a cada grupo de contitulares ou herdeiros exceder a
pontuação estabelecida para o direito de reserva.
4 — Para efeitos do disposto nos números anteriores, os cônjuges são
considerados um só titular quanto aos bens comuns.
5 — São nulos os actos jurídicos que conduzam à reunificação das reservas
atribuídas nos termos deste artigo.
Artigo 18.º
Sociedades
Às sociedades cujo património foi expropriado ou nacionalizado cabe mais que uma
reserva, nas condições seguintes:
a) As reservas são tantas quantas as quotas ou participações no capital social,
existentes à data da expropriação, de cuja percentagem sobre o total da
pontuação do prédio resulte área ou pontuação superior a 60 ha ou 91 000 pontos,
podendo os sócios agrupar-se para efeitos de atingirem essa percentagem,
mediante assinatura em conjunto do requerimento de reserva;
b) Para cada sócio, a soma da pontuação correspondente à percentagem da
respectiva quota ou participação no capital social, de uma ou mais sociedades, e
da pontuação de outras áreas de que seja ou tenha sido reservatário, ao abrigo
da lei anterior, não pode, porém, exceder a pontuação estabelecida para o
direito de reserva;
c) Excepto quanto às sociedades por quotas, o número de reservas atribuídas,
nos termos das alíneas anteriores, não pode ser superior a quatro;
d) A produção de efeitos de atribuição das reservas que excedam uma, nos casos
previstos na alínea a), fica sujeita à condição de elas serem juridicamente
separadas, com liquidação da sociedade, no prazo de um ano a contar da data do
despacho atributivo, findo o qual, e em caso contrário, o referido despacho é
nulo;
e) São nulos os actos jurídicos que conduzam à reunificação das reservas
atribuídas nos termos das alíneas anteriores.
Artigo 28.º
Demarcação da reserva
1 — Compete ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação aprovar a
demarcação das reservas previstas nesta lei.
2 — A demarcação da reserva ou a reversão do prédio rústico é obrigatoriamente
precedida da audiência dos titulares de outros direitos, referidos no n.º 1 do
artigo 20.º, sobre os prédios em causa, dos beneficiários da entrega para
exploração, referidos no n.º 1 do artigo 29.º, de áreas da respectiva reserva e
ainda dos trabalhadores permanentes efectivos ao serviço dos prédios
expropriados.
3 — A audiência prevista no número anterior pode ser efectuada por edital
publicado, ainda que sem identificação pessoal dos interessados, em pelo menos
dois números de um jornal diário de grande tiragem nacional e afixado na sede da
junta de freguesia da localização do respectivo prédio.
VERSÃO DA LEI N.º 46/90
Artigo 17.º
Contitularidades e heranças indivisas
1 — Nas contitularidades ou nas heranças indivisas existentes à data da
expropriação ou ainda nos casos em que tais situações se constituíram, por morte
do ex-titular ou de um dos ex-titulares dos prédios expropriados, em data
anterior a 26 de Setembro de 1988, cada uma das partes, ou de quinhões
hereditários, tem direito a uma reserva cuja pontuação é a correspondente à
respectiva percentagem sobre a pontuação total dos prédios expropriados.
2 — Para cada contitular ou herdeiro a soma da pontuação correspondente à
percentagem de outras áreas de que seja ou tenha sido reservatário, ao abrigo da
lei anterior, não pode, porém, exceder a pontuação estabelecida para o direito
de reserva.
3 — Os contitulares ou herdeiros podem agrupar as respectivas partes ou quinhões
hereditários, mediante a assinatura em conjunto do requerimento de reserva, mas
a área atribuída a cada grupo de contitulares ou herdeiros não pode exceder a
pontuação estabelecida para o direito de reserva.
4 — Para os efeitos do disposto nos números anteriores, os cônjuges são
considerados um só titular quanto aos bens comuns.
Artigo 18.º
Sociedades
1 — Às sociedades cujo património foi expropriado ou nacionalizado cabe uma
reserva múltipla equivalente à soma de várias reservas, nos termos seguintes:
a) ...............................................
b) Por cada sócio, a soma da pontuação correspondente à percentagem da
respectiva quota ou participação no capital social de uma ou mais sociedades e
da pontução de outras áreas de que ele seja ou tenha sido reservatário, ao
abrigo da lei anterior, não pode, porém, exceder 91 000 pontos.
2 — A pontuação da reserva atribuída nos termos do número anterior não pode
exceder 364 000 pontos, excepto quanto às sociedades por quotas, em relação às
quais a produção de efeitos da atribuição da reserva para além da pontuação
limite fica condicionada a que a parte excedente seja separada por divisão,
cisão ou partilha ou pela liquidação da sociedade.
Artigo 28.º
Demarcação da reserva
1 — ...................................
2 — A demarcação da reserva ou a reversão do prédio rústico é obrigatoriamente
precedida da notificação, para audiência, dos titulares de outros direitos sobre
os prédios em causa, referidos no n.º 1 do artigo 20.º, e dos beneficiários da
entrega para exploração, referidos no n.º 1 do artigo 29.º, de áreas da
respectiva reserva.
3 — A notificação prevista no número anterior, na impossibilidade de ser feita
directamente, é efectuada por edital publicado, ainda que sem a identificação
pessoal dos interessados, em, pelo menos, dois números de um jornal de grande
tiragem e afixado na sede da junta de freguesia da localização do respectivo
prédio.
Referem-se estes artigos à atribuição de reservas quando estas respeitem a
prédios expropriados englobados em heranças indivisas ou apropriados em
contitularidade (artigo 17.º) ou a prédios expropriados pertencentes ao
património de sociedades (artigo 18.º) e às diligências necessárias a fazer por
quem tem a competência para proceder à aprovação da demarcação das respectivas
reservas (artigo 28.º). Ora independentemente de considerações baseadas na
tutela da segurança jurídica poderem aconselhar a salvaguarda dos efeitos
produzidos pelas normas revogadas, certo é que, por força do artigo 33.º da Lei
na sua nova redacção (transcrito infra), situações existentes à data da entrada
em vigor desta puderam e continuam a poder ser apreciadas pela primeira vez ou
reapreciadas à luz da disciplina mais recente. Nestas condições, uma declaração
de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal, ainda que revestida da
plenitude dos efeitos previstos no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição, teria
perdido de imediato relevância prática porque às situações contempladas por essa
declaração logo se tornaria aplicável a disposição legal correspondente na sua
formulação posterior.
A eliminação da cominação de nulidade que deixou de impender sobre os actos
jurídicos que tiverem conduzido à reunificação das reservas atribuídas nos
termos dos artigos 17.º e 18.º, resultante da supressão do n.º 5 do artigo 17.º
e da alínea e) do artigo 18.º da versão originária insere-se na mesma linha de
raciocínio, não sendo necessário sequer averiguar agora em que medida os
Deputados subscritores do Pedido A também terão querido efectivamente questionar
a constitucionalidade das disposições acabadas de referir.
Na verdade, por abertura ou reabertura de processos de atribuição de reservas
nos termos previstos no novo artigo 33.º, toda a situação de possível
reunificação de reservas, qualificável como nula por aplicação do direito
revogado, é susceptível de caber no campo de aplicação das normas de direito
novo, com prejuízo dos efeitos e, consequentemente, da relevância prática, de
uma eventual declaração de inconstitucionalidade.
Nesta conformidade, os artigos 17.º, 18.º e 28.º, n.os 2 e 3, serão objecto de
apreciação em satisfação do Pedido B, ou seja, na parte em que a redacção
vigente os alterou, não se tomando conhecimento, aí, do Pedido A. Ressalve-se a
alínea a) do artigo 18.º na sua versão originária, que corresponde à alínea a)
do n.º 1 desse artigo na vigente redacção e bem assim o n.º 1 do artigo 28.º que
manteve a redacção inicial, ainda que os requerentes não tenham suscitado
qualquer questão de constitucionalidade relativamente à competência nele fixada.
6.1.2 — No Pedido A vem também questionada a constitucionalidade dos artigos
30.º e 33.º, normas estas que não são objecto do Pedido B. Esta circunstância,
refira-se desde já, impede que se proceda à apreciação da constitucionalidade
das duas normas na sua redacção vigente: a tal se opõe o princípio do pedido.
O confronto destes artigos nas suas duas versões, que seguidamente se
transcrevem, mostra que a Lei n.º 46/90 revogou, na íntegra, os artigos
correspondentes na versão originária.
Os textos respectivos são os seguintes:
VERSÃO ORIGINÁRIA
Artigo 30.º
Reversão
Por portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro da Agricultura, Pescas
e Alimentação pode ser determinada a reversão dos prédios rústicos expropriados,
quando se comprove que:
a) Permaneceram na posse material e exploração de facto dos anteriores
titulares ou na dos respectivos herdeiros;
b) Antes de 24 de Fevereiro de 1988 e independentemente de acto administrativo
com esse objectivo, regressaram à posse material e exploração de facto dos
anteriores titulares ou dos respectivos herdeiros.
Artigo 33.º
Aplicação a reservas já demarcadas
A aplicação das disposições do presente capítulo aos casos em que as reservas
não tenham sido requeridas ou cujo requerimento haja sido extemporâneo, e as já
demarcadas, no âmbito da lei anterior, depende de requerimento dos interessados,
apresentado até 90 dias após entrada em vigor da presente lei.
VERSÃO DA LEI N.º 46/90
Artigo 30.º
Reversão
1 — Por portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro da Agricultura,
Pescas e Alimentação, pode ser deterninada a reversão dos prédios ou de parte
dos prédios rústicos expropriados quando se comprove que:
a) Permaneceram na posse material e exploração de facto dos anteriores
titulares ou na dos respectivos herdeiros;
b) Antes de 1 de Janeiro de 1990 e independentemente de acto administrativo com
esse objecto, regressaram à posse material e exploração de facto dos anteriores
titulares ou às dos respectivos herdeiros;
c) Os prédios permaneceram ou regressaram à posse e exploração do Estado,
quando se trate de explorações exclusivamente florestais, ou quando os
anteriores titulares ou os respectivos herdeiros se substituíram ao Estado nos
arrendamentos celebrados com os beneficiários da entrega em exploração, por
acordo com estes.
2 — Os factos invocados por qualquer interessado para os efeitos do número
anterior devem ser provados nos termos gerais de direito, cabendo à direcção
regional de agricultura competente na respectiva área a apreciação da prova
produzida com vista ao apuramento dos factos que importam à decisão final.
Artigo 33.º
Aplicação a reservas já demarcadas e a áreas objecto de reversão
1 — A aplicação das disposições do presente capítulo aos casos em que as
reservas e as reversões não tenham sido requeridas ou cujo requerimento haja
sido extemporâneo e às já atribuídas depende de requerimento dos interessados
apresentado até 45 dias após a entrada em vigor da presente lei.
2 — O processo de reserva é de interesse público e privado, podendo a
administração, independentemente do pedido previsto no número anterior,
iniciá-lo ou reabri-lo, com vista à atribuição de reserva, nos termos da lei.
3 — O disposto nos números anteriores aplica-se aos direitos protegidos pelo
artigo 20.º da presente lei.
Nos dois casos a revogação implicou alterações substanciais do conteúdo
preceptivo das normas.
Quanto ao artigo 30.º não só é relevante a previsão de mais um fundamento de
reversão, agora referido na nova alínea c) do n.º 1, e o diferimento para 1 de
Janeiro de 1990 do regresso à posse material e exploração de facto, prevista na
alínea b) do n.º 1. Também relevante, na linha de considerações seguida até
aqui, é o acrescentamento do n.º 2, que comete aos serviços desconcentrados a
apreciação da prova produzida e que vai reflectir-se sobre as situações
tipificadas nas três alíneas do número anterior que dão lugar à possibilidade de
reversão. Por esta forma, e ainda que a alínea a) não sofra alterações na sua
letra, é modificado o artigo na sua globalidade em termos que levam a
qualificá-lo como norma nova.
Mais clara é a solução a dar quanto ao artigo 33.º, cujos n.os 2 e 3 são
aditados na versão de 1990. Basta o regime contido nestes dois novos números
sobre a iniciativa de abertura ou de reabertura de um processo de atribuição de
reservas e a previsão da sua aplicação também a casos de reversão para que se
possa afirmar que estamos globalmente perante norma materialmente nova, com
repercussões nas esferas jurídicas de potenciais interessados que anteriormente
não se encontravam previstas.
Dado que no Pedido B não vem requerida a declaração de inconstitucionalidade da
nova redacção dos artigos 30.º e 33.º, o raciocínio que acabou de se seguir
quanto aos artigos 17.º e 18.º aplica-se aqui por inteiro.
É que as situações existentes à data da entrada em vigor da Lei n.º 46/90, de 22
de Agosto, poderão ser reapreciadas, dado o disposto no artigo 33.º na sua nova
redacção, à luz da disciplina mais recente. Não faria sentido, na verdade, com
o que se repete argumentação já aduzida a propósito dos artigos 17.º, 18.º e
28.º (supra 6.1.1), pronunciar-se o Tribunal em termos de a declaração de
inconstitucionalidade que proferisse quanto à versão originária destas duas
normas se visse imediatamente desprovida de qualquer relevância prática, pois as
situações nelas contempladas entrariam de pronto a fazer parte do âmbito de
aplicação de um regime novo, sobre o qual o princípio do pedido vem impedir uma
pronúncia do Tribunal.
Assim sendo, o tribunal não conhecerá, por falta de interesse jurídico
relevante, do pedido de declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral formulado no Pedido A quanto aos artigos 30.º e 33.º da Lei
n.º 106/88 (versão originária).
6.1.3 — No Pedido A, e já não no Pedido B, é pedida a declaração de
inconstitucionalidade do artigo 15.º
Trata-se de um preceito que, com a Lei n.º 46/90, apenas foi alterado no seu n.º
1, conforme se pode verificar pela transcrição a que agora de procede:
VERSÃO ORIGINÁRIA
Artigo 15.º
Pontuação da reserva
1 — O direito de reserva é equivalente a 91 000 pontos, sem prejuízo do disposto
no artigo 17.º
2 — A pontuação é fixada tendo em atenção o rendimento fundiário, com base no
cadastro oficialmente em vigor em 19 de Setembro do 1977 e de acordo com as
tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 406-A/75, com a excepção prevista no n.º 5
deste artigo.
3 — No cálculo da pontuação não serão consideradas as benfeitorias existentes
nos prédios rústicos, bem como plantações agrícolas e povoamentos florestais,
exceptuando as realizadas pelo Estado ou outra pessoa colectiva pública.
4 — Ao sobcoberto das plantações agrícolas e povoamentos florestais referidos no
número anterior será atribuída, com base na classificação da respectiva carta de
capacidade de uso do solo, uma pontuação de 90 pontos por hectare das classes D
e E, de 130 pontos por hectare da classe C, de 200 pontos por hectare da classe
B e de 300 pontos por hectare da classe A.
5 — A pontuação de áreas de reserva, desde que calculadas em conformidade com
este artigo, não será alterada depois da sua demarcação.
VERSÃO DA LEI N.º 46/90
Artigo 15.º
Pontuação da reserva
1 — O direito de reserva é equivalente a 91 000 pontos, sem prejuízo do disposto
nos artigos 17.º e 18.º
2 — ...................................
3 — ...................................
4 — ...................................
5 — ...................................
Não está em causa a posição a tomar quanto aos n.os 2, 3, 4 e 5 do artigo. Não
tendo sido alterados, deles deverá conhecer o Tribunal.
Já quanto ao n.º 1 se põe a questão de apurar se se tratou aí de uma alteração
substancial aque1a que foi introduzida. O simples confronto das duas redacções
permite concluir que se procedeu à alteração, por aditamento, das remissões
contidas nesse número. Sucede contudo que já na versão originária o artigo
18.º, para o qual não era feita remissão, constituía, por conter regime
especial, um fundamento de derrogação do regime regra contido na primeira parte
da norma, segundo o qual o direito de reserva é equivalente a 91 000 pontos. O
aditamento da referência a esse artigo 18.º (na redacção da Lei n.º 46/90) não
teve, a título algum, efeito constitutivo e ter-se-á devido a razões de pura
técnica legislativa.
Por este motivo, a alteração introduzida não poderá considerar-se como
conduzindo a uma nova norma. Deverá portanto conhecer-se do artigo 15.º, assim
se satisfazendo nessa parte, o Pedido A.
Advirta-se que, na parte em que explicita uma ressalva, que de qualquer modo se
teria de entender implícita, o n.º 1 do artigo 15.º não tem valor substancial
próprio. Por esse motivo, a posição a tomar está dependente daquela que foi
tomada quanto ao regime, esse substantivo, dos artigos 17.º e 18.º para os quais
o legislador remete. Ora nessa sede já se concluiu que os artigos 17.º e 18.º
seriam apreciados não na sua versão originária mas apenas na versão em vigor —
com a ressalva da alínea a) do artigo 18.º Assim sendo, a segunda parte do n.º
1 do artigo 15.º só será objecto de apreciação na parte em que remete para a
alínea a) do agora n.º 1 do artigo 18.º e, muito naturalmente, só a propósito de
e no local em que se proceder à apreciação desta última norma.
6.1.4 — Em sede de questão prévia resta tomar posição sobre o artigo 50.º que em
cada uma das suas versões é objecto de pedidos de declaração de
inconstitucionalidade. Assim, nos Pedidos A e C, requer-se a apreciação da
constitucionalidade da norma na sua versão originária: nos Pedidos B e D na sua
redacção em vigor.
Que em 1990 foram introduzidas modificações de tomo no preceito resulta da
simples leitura das respectivas redacções, que se passam a transcrever:
VERSÃO ORIGINÁRIA
Artigo 50.º
Pressupostos da suspensão de eficácia
1 — A suspensão de eficácia de actos administrativos que, no âmbito da reforma
agrária, determinem a entrega de reservas ou reconheçam não ter sido expropriado
ou nacionalizado determinado prédio rústico só pode ser decretada judicialmente
se, estando preenchidos todos os requisitos da lei, o requerente explorar o
prédio abrangido mediante concessão de exploração, licença de uso privativo,
arrendamento rural ou exploração de campanha e, à data desse acto
administrativo, a pontuação da área na posse do requerente da suspensão for
inferior à pontuação da reserva atribuída ao interessado na execução do acto.
2 — A entidade ou entidades que beneficiem da execução dos actos referidos no
número anterior serão notificadas, simultaneamente com o seu autor, para no
mesmo prazo, invocarem e demonstrarem, se quiserem obstar a que a suspensão seja
decretada, que ela lhes causa um prejuízo de mais difícil reparação do que
aquele que da execução do acto adviria para o requerente.
3 — Para efeitos do número anterior, será indicada no requerimento de suspensão
a entidade a quem a suspensão da eficácia do acto pode directamente prejudicar.
VERSÃO DA LEI N.º 46/90
Artigo 50.º
Pressupostos da suspensão de eficácia
A suspensão da eficácia de actos administrativos que tenham como efeito
principal ou subordinado a atribuição ou devolução de terras a quem delas haja
sido privado só pode ser decretada judicialmente se, preenchidos os demais
requisitos da lei, o requerente estiver investido no direito de exploração de
determinada área por acto administrativo ou contrato válido oponível ao Estado.
Novamente se coloca a questão do interesse jurídico relevante no conhecimento do
pedido na parte em que estão questionadas normas revogadas. Mas, no contexto
destas duas disposições, há que ter em conta a particularidade resultante da
possibilidade de existirem processos de recurso contencioso em que tenha sido
requerida a suspensão da eficácia de actos administrativos que determinaram a
entrega de reservas ou reconheceram não ter sido expropriado ou nacionalizado
determinado prédio rústico, com aplicação do artigo 50.º na sua versão
originária, sobre os quais não se tenha ainda formado caso julgado nessa parte,
por ser admissível que estejam pendentes recursos para o Pleno da Secção de
Contencioso Administrativo do STA, interpostos com fundamento em oposição de
julgados.
Com efeito, naquele Tribunal verificou-se uma divisão de jurisprudência, tendo
sido proferidas várias decisões em que se concluiu no sentido da plena
constitucionalidade do referido artigo 50.º da Lei n.º 109/88, na sua versão
originária (cfr. acórdãos do STA, de 27 de Julho de 1989, tirados nos recursos
n.os 27 178-S, 27 179-S e 27 198-A, todos publicados no Apêndice ao Diário da
República, de 18 de Novembro de 1994, pp. 4993 a 5009; acórdão de 20 de Abril de
1989, tirado no recurso n.º 26 951, publicado in Acórdãos Doutrinais, ano xxix,
n.º 339, p. 336), não deixando de se reconhecer que a corrente maioritária
naquele Tribunal, era no sentido da inconstitucionalidade, sendo, por isso,
provável que tenham sido interpostos recursos nos termos da alínea b) do artigo
24.º do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril — ETAF).
Nesta medida, torna-se necessário entrar aqui em linha de conta com outros
interesses, também já definidos em anterior decisão deste Tribunal e que podem
levar a uma posição diferente da que já foi várias vezes referida quanto à
inexistência de interesse jurídico relevante na apreciação da conformidade
constitucional de normas entretanto revogadas.
Na verdade, a estatuição constante do artigo 50.º da Lei n.º 109/88 diverge do
regime geral sobretudo na parte em que define os pressupostos de legitimidade
para interposição, em sede de processo administrativo contencioso, do pedido de
suspensão de eficácia de determinados actos administrativos.
Sendo uma norma de natureza processual, qualquer vicissitude que a afecte é
sempre de aplicação imediata no processo, mas não de aplicação retroactiva. Em
casos como o presente, para a ponderação de efeitos em que se fundamenta a
orientação do Tribunal, que toma por base a prognose das consequências
retroactivas da declaração de inconstitucionalidade, não estão reunidos, pelo
menos de forma directa, todos os pressupostos de aplicação. Pode bem dizer-se
que os actos jurisdicionais sob recurso, tanto os praticados ao abrigo da
redacção originária como os praticados ao abrigo da redacção posterior, estão
colocados no mesmo plano temporal, dentro dos termos gerais de aplicação no
tempo da lei de processo bem como por referência ao regime geral do pedido de
suspensão da eficácia dos actos administrativos (artigos 76.º e seguintes do
Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho — LPTA).
Nesta conformidade, não havendo aqui que ressalvar quaisquer efeitos, deve o
Tribunal conhecer da questão da constitucionalidade do artigo 50.º tanto na sua
versão em vigor como na sua versão originária, no que verdadeiramente não está a
modificar a sua jurisprudência, pois foi com base em considerações de ordem de
alguma forma análoga que procedeu no Acórdão n.º 91/85 (Diário da República, II
Série, de 18 de Julho de 1985, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º Vol.,
pp. 277 e segs.).
Deve, assim, o Tribunal conhecer do artigo 50.º, tanto na sua versão em vigor
como na sua versão originária.
6.2 — As normas cuja conformidade constitucional vem questionada e constantes
dos diversos pedidos podem contender com duas versões da Constituição — a de
1982 e de 1989. Importa, assim, estabelecer qual deve ser o parâmetro de
aferição da constitucionalidade de tais normas.
Trata-se, no caso, de contrastar a legitimidade constitucional do conteúdo das
normas jurídicas, ou seja, da respectiva constitucionalidade material em que se
procura averiguar se as estatuições contidas na norma ordinária respeitam o
preceituado na Constituição.
Ao contrário do que acontece quando se trata da inconstitucionalidade orgânica e
formal, em que está em causa a regularidade da formação da lei, pelo que
relevantes só podem ser as normas constitucionais vigentes ao tempo da emissão
da norma, nesta sede, a norma constitucional relevante para aferir a
legitimidade constitucional é a que estiver em vigor no momento em que se
procede ao controlo.
Não desconhecendo a existência, na doutrina, de posições divergentes (cfr. Jorge
Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo ii, p. 244), o certo é que este
Tribunal afirmou já — embora em processo de fiscalização concreta de
constitucionalidade — que, «quando esteja em causa a inconstitucionalidade
material, o parâmetro constitucional a ter em conta é o texto constitucional
vigente no momento da aplicação da norma que é questionada» (cfr. Acórdão n.º
408/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º Vol., p. 1147). Também
Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa
Anotada, 2.ª ed., p. 487, e Fundamentos da Constituição, pp. 272 e seg.),
defendem idêntica posição, a qual decorre também com nitidez do Acórdão deste
Tribunal n.º 444/93, de 14 de Julho de 1993, in Diário da República, II Série,
de 19 de Outubro de 1993.
A constitucionalidade das normas questionadas nos presentes autos irá, assim,
ser apreciada face à versão actual da Constituição, sem prejuízo de, para melhor
enquadramento das questões resultantes desta apreciação, se poderem fazer
considerações introdutórias sobre o relacionamento de tais normas com a versão
de 1982 da Lei Fundamental.
6.3 — Na sequência do que acabou de se mencionar e não havendo outras questões a
tratar previamente, importa, antes de mais, fazer uma súmula das normas
relativamente às quais se tem de conhecer da respectiva conformidade à Lei
Fundamental relativamente a cada um dos pedidos formulados e cumulados nos
presentes autos.
Assim, as normas que irão ser objecto de apreciação são as seguintes,
relativamente a cada um dos pedidos:
— Com referência ao Pedido A, o Tribunal apreciará a constitucionalidade das
normas da versão originária da Lei n.º 109/88 constantes dos artigos 4.º; 11º
(em combinação com o disposto no 15.º), 12.º e 21.º; 13.º, 14.º, 15.º (nos
termos que ficam esclarecidos supra, n.º 6.1.3) e 19.º; 18.º, n.º 1, alínea a),
28.º, n.º 1, e artigo 50.º (também incluído no Pedido C);
— Com referência aos Pedidos B e D, o Tribunal apreciará a constitucionalidade
das normas da Lei n.º 109/88 na versão que lhes foi dada pela Lei n.º 46/90,
constantes dos artigos 14.º-A; 17.º, 18.º (na parte alterada em 1990); 37.º;
28.º, n.os 2 e 3, e 39.º; e 50.º
Para facilidade da exposição, a norma do artigo 50.º, na sua versão originária e
na da Lei n.º 46/90, serão tratadas a final e seguidamente, em vez de
separadamente com referência a cada pedido, como é o caso das restantes normas.
Também para de algum modo facilitar o entendimento das soluções que se propõem,
far-se-á uma introdução à apreciação do respectivo mérito, por forma a fazer
ressaltar a evolução constitucional da reforma agrária ao longo das diferentes
versões da Lei Fundamental.
B) Questões de Mérito
7 — A evolução da Constituição no que se refere à Reforma Agrária.
Para uma integral compreensão dos pedidos formulados (Pedidos A e B), interessa
considerar a evolução que o tema da Reforma Agrária foi sofrendo através das
revisões constitucionais.
Em ambos os pedido censura-se à lei o ter procedido à inversão dos objectivos
fixados nas normas constitucionais que em um e outro caso deveriam ter sido
observadas. E refere-se, no primeiro pedido, que a lei visa «abertamente
reconstituir o latifúndio e a grande exploração capitalista… invertendo por
completo o conceito constitucional da Reforma Agrária, tal como, também no
segundo pedido, é referido que o objectivo que orienta toda a Lei n.º 46/90
corresponde, exactamente, ao inverso do objectivo constitucional da eliminação
dos latifúndios.
Uma sucinta referência à evolução dos preceitos constitucionais neste domínio
facilitará certamente um melhor enquadramento da problemática que virá a ser
suscitada pela análise de cada uma das normas legais cuja apreciação é
solicitada ao Tribunal.
A despeito de na primeira revisão constitucional não terem sido especialmente
marcantes as alterações introduzidas na Parte II da Constituição —
Organização Económica, já aí a reforma agrária passou a inserir-se no âmbito da
política agrícola, da qual passou a ser um dos instrumentos fundamentais de
realização dos objectivos correspondentes (cfr. o n.º 2 do artigo 96.º da
Constituição na versão de 1982). Deixou então de ser encarada como um dos
instrumentos fundamentais para a construção da sociedade socialista (cfr.
proémio do artigo 96.º da versão originária), sendo que a disposição sobre a
eliminação dos latifúndios (artigo 97.º) não sofreu então qualquer alteração.
São muito mais sensíveis e significativas as alterações introduzidas com a
revisão de 1989 com a qual é suprimida a própria referência à reforma agrária,
no sentido que à expressão poderia caber de expropriação de solos e
transferência de domínio. Neste contexto, a eliminação dos latifúndios, que
continua a ser prevista na alínea h) do artigo 81.º, que enuncia as incumbências
prioritárias do Estado na área económica assume um significado algo diverso.
A eliminação dos latifúndios, por um lado, deixa de ser um limite material
expresso das leis da revisão constitucional com a nova redacção dada à alínea f)
do actual artigo 288.º Mas se já com a revisão de 1982 a expropriação de
latifundiários e de grandes proprietários deixou de poder ter lugar sem direito
a qualquer indemnização (artigo 82.º, n.º 2, da versão originária, que foi
eliminado), em 1989 passou a consagrar-se expressamente o direito de reserva
(artigo 97.º, n.º 1) e a prever-se a entrega das terras expropriadas também a
título de propriedade [artigos 96.º, n.º 1, alínea b), e 97.º, n.º 2], com o que
deixou de se mencionar a mera transferência da posse útil da terra e dos meios
de produção. Ao mesmo tempo, e em matéria propriamente de latifúndios, era
introduzida uma formulação que, sem fornecer critérios para a densificação do
conceito de latifúndio, pelo menos relaciona a respectiva dimensão com os
objectivos que a cada momento tiverem sido definidos — pelo legislador — para a
política agrícola (artigo 97.º, n.º 1).
Hoje, num contexto de coexistência dos diversos sectores de propriedade dos
meios de produção e em que a nenhum deles é assinalada uma tendencial
predominância, ou sequer especial desenvolvimento, a lei de bases da reforma
agrária, da qual está agora em apreciação uma série de normas, não pode porém
dizer-se que se insira em um quadro constitucionalmente neutro e totalmente
entregue à liberdade de iniciativa privada e ao jogo das leis do mercado. Ao
Estado continuam a impor-se incumbências significativas especialmente em sede de
ordenamento e reconversão agrária (cfr. o n.º 2 do artigo 96.º da Constituição),
mas os instrumentos de que pode servir-se o legislador, estão direccionados para
objectivos que, se não são radicalmente dissemelhantes, passam, pelo menos, pelo
reconhecimento de valores que antes se encontravam subalternizados,
designadamente a coexistência dos vários sectores de propriedade e a
titularidade da propriedade privada.
A análise a que se irá proceder relativamente às diversas disposições legais
questionadas não poderá deixar de ter isto mesmo na devida conta.
Começando a apreciação do pedido identificado como Pedido A, passa-se à
apreciação do artigo 4.º da Lei n.º 109/88.
B.1) Pedido A
8 — A norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 109/88.
Este preceito, que não foi objecto de alteração pela Lei n.º 46/90, de 22 de
Agosto, tem o seguinte teor:
Artigo 4.º
(Política agrícola)
A política agrícola visa prosseguir os seguintes objectivos:
a) O reforço e aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra;
b) A melhoria da situação económica, social e cultural e a
garantia dos direitos dos trabalhadores e dos agricultores;
c) A optimização do aproveitamento dos recursos para aumento da
produção e da produtividade;
d) A protecção dos recursos naturais e o aumento do fundo de
fertilidade dos solos;
e) A adequação dos recursos existentes aos objectivos da política
agrária comum.
O artigo 96.º da Constituição, indicado como parâmetro de aferição, sob a
epígrafe «Objectivos da Política Agrícola», estabelece o seguinte:
1 — São objectivos da política agrícola:
a) Aumentar a produção e a produtividade da agricultura,
dotando-a das infra-estruturas e dos meios humanos, técnicos e financeiros
adequados, tendentes a assegurar o melhor abastecimento do país, bem como o
incremento da exportação;
b) Promover a melhoria da situação económica, social e cultural
dos trabalhadores rurais e dos agricultores, a racionalização das estruturas
fundiárias e o acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de
produção directamente utilizados na sua exploração por parte daqueles que a
trabalham;
c) Criar as condições necessárias para atingir a igualdade
efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores e evitar
que o sector agrícola seja desfavorecido nas relações de troca com os outros
sectores;
d) Assegurar o uso e a gestão racionais dos solos e dos restantes
recursos naturais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração;
e) Incentivar o associativismo dos agricultores e a exploração
directa da terra.
2 — O Estado promoverá uma política de ordenamento e reconversão agrária, de
acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do país.
Já no Acórdão deste Tribunal n.º 187/88, de 17 de Agosto de 1988 (in Diário da
República, II Série, de 5 de Setembro de 1988), foi a norma do artigo 4.º
apreciada em sede de fiscalização preventiva, tendo-se concluído pela sua não
inconstitucionalidade, quando confrontada com a versão da Constituição
resultante da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro.
É certo que o facto de a norma ter sido já objecto de um juízo de não
inconstitucionalidade, em sede de fiscalização preventiva, não obsta a que essa
questão volte a ser examinada em fiscalização sucessiva (cfr. Acórdão n.º
444/93, citado), nem a que o parâmetro de aferição da constitucionalidade seja
agora a versão decorrente da Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, em que
o artigo 96.º, n.º 1, indicado pelos requerentes como norma violada, apresenta
algumas modificações de redacção relativamente à versão anterior.
São estas modificações, as seguintes: a actual alínea a) era a alínea b), mas
ficando com a mesma redacção; a anterior alínea a) passou a ser a actual alínea
b), mas com diferenças de redacção (v. g., eliminação da referência a «pequenos
e médios agricultores», eliminação da referência à «transferência progressiva da
posse útil da terra», continuando, porém, a promover-se o acesso à propriedade
ou posse da terra e demais meios de produção por parte de quem a trabalha); o
acrescentamento da alínea e) no sentido de incentivar o associativismo dos
agricultores e a exploração directa da terra; por último, reformulou-se por
completo o n.º 2, com o desaparecimento do texto constitucional da expressão
«reforma agrária» e passando a fazer incumbir ao Estado a promoção de «uma
política de ordenamento e de reconversão agrária», tendo em atenção os
«condicionalismos ecológicos e sociais do país».
Ora, estas modificações, a serem relevantes, sê-lo-ão inequivocamente no sentido
contrário ao invocado pelos requerentes.
Antes de mais, deve referir-se que não são apresentados agora argumentos
inovadores susceptíveis de conduzir à modificação da posição adoptada naquele
acórdão face à anterior versão da Constituição. Para concluir pela conformidade
constitucional do artigo 4.º, será suficiente reiterar o que ficou dito nesse
aresto, ao concluir a análise da matéria: «para lá desta ou daquela forma
utilizadas, o que conta para avaliar da constitucionalidade de qualquer lei
hão-de ser as soluções materiais que incorpora, as metas objectivas que aponta,
os meios e interesses a que dê prevalência». Aí ficou ainda entendido que «o
reforço e aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra» consignado como
objectivo da política agrícola na alínea a) do artigo 4.º da Lei n.º 109/88,
cabia na previsão dos objectivos constitucionais de transformação das estruturas
e da transferência progressiva da posse útil, contida na alínea a) do n.º 1 do
artigo 96.º da Constituição, na versão anterior à Lei Constitucional n.º 1/89,
de 8 de Julho.
Mais fácil ainda, à luz do parâmetro vigente, será ver o «reforço e
aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra enquadrado nas referências
constitucionais à racionalização das estruturas fundiárias e ao acesso à
propriedade e à posse da terra e demais meios de produção, referidos na alínea
b) do n.º 1 do artigo 96.º, na redacção em vigor da Lei Fundamental.
E como não ver na «optimização do aproveitamento dos recursos para aumento da
produção e da produtividade» o melhor meio de realização da finalidade
constitucional do aumento da produção por forma a melhor abastecer o país e
desenvolver a exportação [alínea a) do n.º 1]?
Também a «protecção dos recursos naturais e o aumento do fundo de fertilidade
dos solos» [alínea d) do artigo 4.º] visa assegurar o uso e a gestão racionais
dos solos e dos restantes recursos naturais tal como a manutenção da respectiva
capacidade de regeneração [alínea d) do n.º 1 do artigo 96.º da Constituição)].
Assim sendo, isto é, não se verificando qualquer contradição entre as
finalidades da política agrícola tal como são definidas no artigo 4.º da Lei n.º
109/88 e as constantes do artigo 96.º da Constituição, tem de se concluir pela
não inconstitucionalidade da norma em apreço.
9 — As normas constantes dos artigos 11.º (em combinação com o artigo 15.º),
12.º e 21.º; dos artigos 13.º, 14.º, 15.º e 19.º; e 18.º, alínea a), da Lei n.º
109/88.
Sob a censura genérica de que a lei reduz drasticamente a extensão da terra a
entregar «a quem a trabalha», os requerentes do Pedido A alinham três grupos de
normas, todas elas alegadamente violadoras do disposto nos artigos 96.º, n.º 1,
alínea a), e n.º 2, e 97.º da Constituição (redacção anterior a 1989), normas
estas que correspondem na redacção vigente da Constituição, aos artigos 96.º,
n.º 1, alínea b), e n.º 2, e 97.º, estes últimos com redacção diferente.
Os requerentes invocam também como violado o artigo 99.º, n.º 2, da versão de
1982 da Constituição ao facultarem tais normas a criação irrestrita de unidades
de exploração agrícola privadas [alínea d) do pedido]. Porém, para além de tal
norma não poder ser o parâmetro de aferição da constitucionalidade, como se
referiu anteriormente, não só o mencionado n.º 2 do artigo 99.º passou a ter uma
redacção que lhe retira toda a possibilidade da constituir tal parâmetro, como
também a norma, que substituiu, de certo modo, a estatuição contida no preceito
invocado pelos requerentes, consta agora do artigo 97.º, n.º 1, in fine, com a
referência à «reserva de área suficiente para a viabilidade e racionalidade da
sua própria exploração», depois de a revisão de 1989 ter incluído na competência
reservada da Assembleia da República o estabelecimento das «Bases da política
agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de
exploração agrícola privadas» [artigo 168.º, n.º 1, alínea n)].
Constituem o primeiro grupo, como se depreenderá do enunciado da epígrafe supra,
as normas dos artigos 11.º em conjugação com o artigo 15.º e as normas dos
artigos 12.º e 21.º, relativas ao âmbito das expropriações e à delimitação dos
actos ineficazes.
O segundo grupo é integrado pelas normas constantes dos artigos 13.º, 14.º, 15.º
e 19.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, relativas ao direito de reserva e
respectivo alargamento ilegítimo.
O terceiro grupo de normas cuja constitucionalidade vem questionada é
constituído pelos artigos 18.º, n.º 1, alínea a), e 28.º, n.º 1, da referida
Lei.
9.1 — Por razões da mais fácil arrumação e encadeamento de raciocínio,
procede-se à análise conjunta das normas do 1.º grupo relativamente aos
fundamentos que os peticionantes alinham no desenvolvimento da fundamentação
genérica também pelos mesmos aduzida.
É a seguinte a redacção dos referidos preceitos:
Artigo 11.º
(Âmbito das Expropriações)
Ficam sujeitos a expropriação o prédio ou o conjunto de prédios rústicos
localizados na zona de intervenção da reforma agrária que correspondam a
pontuação superior à estabelecida para o direito de reserva e sejam propriedade
de:
a) Pessoa singular ou colectiva privada;
b) Duas ou mais pessoas em contitularidade, comunhão ou herança
indivisa;
c) Duas ou mais sociedades quando em todas elas há já directa ou
indirectamente sócios comuns em posição dominante ou quando essas sociedades
forem coligadas ou participantes no mesmo grupo económico;
d) Uma pessoa singular e uma ou mais sociedades de que aquela
seja sócia em posição dominante.
Artigo 12.º
(Prédios não expropriáveis)
1 — Não são expropriáveis, qualquer que seja a sua pontuação, os prédios
rústicos que sejam propriedade de:
a) Agricultores autónomos;
b) Cooperativas agrícolas, constituídas nos termos do Código
Cooperativo;
c) Instituições particulares de reconhecida utilidade pública.
2 — Não são expropriáveis, qualquer que seja a sua pontuação, os prédios
referidos no artigo anterior que, no seu conjunto, tenham área inferior a 60 ha.
3 — Se a parte do prédio, ou prédios rústicos, excedente à área da reserva por
si só ou em conjunto com áreas de prédios anexos for inferior à dimensão mínima
indispensável ao estabelecimento de uma exploração agrícola do tipo familiar,
acrescerá à respectiva reserva, deixando de ser expropriada.
Artigo 21.º
(Actos ineficazes)
1 — Para efeitos da presente lei são ineficazes os actos ou contratos, relativos
a prédios já expropriados, praticados depois do início do processo de
expropriação dos quais resulte diminuição de área expropriável.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior considera-se iniciado o processo
de expropriação com a verificação da primeira das seguintes formalidades:
a) Publicação da portaria que opere a expropriação;
b) Publicação de declaração de utilidade pública para
expropriação;
c) Comunicação ao interessado para demarcação da reserva a
atribuir no âmbito da presente lei.
Segundo o pedido, as disposições transcritas diminuem especificamente a área
sujeita a expropriação. De alguma forma, as considerações que vierem a fazer-se
acabarão por ser aplicáveis às normas do segundo grupo, pois nestas se
projectarão as conclusões entretanto obtidas. Por essa razão, não se procedeu
agora à transcrição do n.º 1 do artigo 15.º que surgirá incluído no segundo
grupo.
9.1.1 — O critério legal quanto à definição das áreas expropriáveis é, em termos
gerais, o de que ficam sujeitos a expropriação o prédio ou conjunto de prédios
rústicos que ultrapassem a pontuação superior à estabelecida para o direito de
reserva (corpo do artigo 11.º), fixada tendo em conta o rendimento fundiário que
passou a ser de 91 000 pontos (artigo 15.º, n.º 1, tanto na redacção originária
como na vigente). Ressalvam-se o prédio ou prédios de área inferior a 60
hectares (n.º 2 do artigo 12.º) e, em sede de elementos relevantes para a
determinação da pontuação, nos n.os 3 e 4 do artigo 15.º estabelecem-se deduções
e regras relativas à pontuação a atribuir ao sobcoberto das plantações agrícolas
e povoamentos florestais. No n.º 3 do artigo 12.º estabelece-se que, em certos
casos, áreas excedentes à reserva a esta poderão acrescer.
Na redacção da Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, em contraste com o que se
deixou referido, a regra geral era a de que as expropriações se aplicariam a
prédio ou prédios de pontuação superior a 70 000 pontos (artigo 26.º). Mas
previam-se majorações e dispensa de requisitos aos candidatos a reservas, agora
eliminadas (artigo 26.º, n.º 5, e artigo 28.º). Igualmente se fixavam áreas
máximas de reserva independentemente da pontuação que lhes coubesse (artigo
29.º).
Da susceptibilidade da expropriação estavam ressalvados os prédios de área
inferior a 30 hectares (n.º 4 do artigo 23.º) e também se previa um outro tipo
de situações em que as áreas de reserva poderiam ser acrescidas com áreas não
susceptíveis de expropriação.
9.1.2 — Descrito sumariamente o quadro normativo, diga-se desde já que não vai
este Tribunal proceder a uma comparação ponto por ponto entre as novas normas
que, facultando o alargamento das reservas, efectivamente proporcionam a
diminuição da área expropriável, e aquelas que as antecederam, como se uma
eventual discordância entre elas fosse susceptível de gerar um vício de
inconstitucionalidade das normas posteriores. A Lei da Reforma Agrária de 1977
não teve valor constitucional e os parâmetros por ela consagrados não estão
dotados de rigidez superior à de qualquer outra lei ordinária, na medida em que
a Lei Fundamental consentir ao legislador uma margem de conformação legislativa
na matéria. E essa margem existe e é considerável, dentro dos objectivos
constitucionalmente fixados para a política agrícola.
O juízo a formular é necessariamente global: o de que ao legislador não será
consentido, tomando em consideração quer a redacção da Constituição anterior à
segunda revisão quer a resultante desta, vedar a expropriação dos latifúndios —
alcance imediatamente preceptivo do princípio em causa com sentido proibitivo
que imediatamente vincula o legislador; e ou inverter a orientação geral da
política agrícola, levando à reconstituição da situação anterior, ou
intencionalmente criar obstáculos ao desenvolvimento e prossecução dessa mesma
política.
É certo que na alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º da Constituição, na redacção
anterior à segunda revisão constitucional, se aludia à «transferência
progressiva da posse útil da terra e dos meios de produção directamente
utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham», obtida através da
«expropriação dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas» (n.º 1 do
artigo 97.º). Não queira ver-se naquela transferência «progressiva» um processo
de sentido único, sem paragens ou sequer sem retrocessos. É que, mesmo para
quem pretenda ater-se apenas às duas disposições citadas, a transferência teria
sempre como objectivos a melhoria da situação económica, social e cultural dos
trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores [artigo 86.º, n.º 1,
alínea a), citado]. Avaliar da medida em que esses objectivos estão sendo
alcançados é juízo que cabe no poder conformativo do legislador respeitados os
parâmetros constitucionais que marcam o limite externo desse poder de apreciação
e que acabam de ser indicados.
Também nesta perspectiva, menor terá de ser a relevância a conceder a opções
normativas que tenham sido tornadas aconselháveis pela experiência colhida da
aplicação da revogada Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, tendo em vista a
resolução de casos duvidosos, a uniformização de critérios, o reforço da
segurança e do direito aplicável.
9.1.3 — Em vão se procurará na Constituição uma definição que nesta matéria
vincule a dimensões pré-fixadas o poder de conformação do legislador. Tão pouco
se encontrará uma definição constitucional de latifúndio ou de grande exploração
capitalista. Conforme se escreveu no Parecer da Comissão Constitucional n.º
24/77 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 3.º vol., p. 101), a
determinação de conceito de latifúndio «não releva do puro juízo jurídico mas
fundamentalmente de critérios técnicos e de decisões políticas que competem ao
legislador ordinário — e só a ele — contanto que não fique frustrado o conteúdo
essencial dos comandos constitucionais».
9.1.4 — Indiscutível é que o artigo 11.º consigna a sujeição a expropriação dos
prédios que correspondam a pontuação superior à estabelecida para o direito de
reserva.
Mas não são arbitrários os novos parâmetros. Têm fundamento material objectivo.
Não são obstáculo só por si à prossecução das finalidades pretendidas para a
política agrícola, no quadro do artigo 96.º da Constituição (redacção de 1982).
Podem ser interpretados como resultantes da eliminação da possibilidade de
diversos entendimentos do texto anterior e como clarificadores de situações de
facto e de direito, constituídas ao abrigo desse texto, constituídas,
sublinhe-se, em aplicação dessa lei. A aplicação tanto pode ter sido correcta
como incorrecta.
Neste último caso, foi e é única missão dos tribunais invalidar o ilegal.
Assim, e sumariamente:
— A subida de 70 000 para 91 000 pontos (n.º 1 do artigo 15.º) poderá encontrar
explicação no facto de a lei revogada atribuir uma pontuação base de 70 000
pontos ao explorador directo da terra, que poderia ser majorada de 10% e mais
20%. Dessas majorações aproveitaram muitos reservatários mas, independentemente
desse facto, o que é certo é que os critérios legais consentiam amplos poderes
legais que remetiam para juízos técnicos não inequívocos («tecnicamente
aconselhável»; «quando se torne aconselhável não afectar a produtividade do
estabelecimento agrícola»; 'complementaridade … tecnicamente justificada»,
dependência «económica e predominante do rendimento de prédios expropriávais»).
— Quanto à elevação de 30 para 60 hectares do limite da área não expropriável
(artigo 12.º, n.º 2), ninguém certamente sustentará que 60 hectares
corresponderão a um latifúndio e não se nega ao legislador legitimidade para ter
passado a entender que 30 hectares, área fixada em 1977, serão inferiores à
dimensão mínima «indispensável ao estabelecimento de uma exploração agrícola de
tipo familiar» (artigo 12.º, n.º 3).
— Quanto ao acréscimo, às áreas de reserva, de áreas não susceptíveis de
expropriação (artigo 12.º, n.º 3), compreende-se a medida visto que não faria
sentido, e seria contrário aos objectivos da política agrícola, dar origem a
explorações agrícolas sem um mínimo de capacidade de sobrevivência económica.
— Quanto à supressão da previsão de áreas máximas independentemente da
pontuação prevista no artigo 29.º da Lei n.º 77/77, é ela expressão do abandono,
por parte do legislador, em sede de limites máximos de reserva, de critérios
baseados puramente na extensão em superfície do fundo. Cabe nos seus poderes de
conformação dar preferência a um outro critério, que é o do rendimento fundiário
e que passou agora a ser dominante.
— Quanto às deduções e aos novos critérios legais na matéria (n.os 3 e 5 do
artigo 15.º), justificou-os o então Ministro da Agricultura, Pescas e
Alimentação nos trabalhos parlamentares (v. Diário da Assembleia da República, I
Série, n.º 107, de 29 de Julho de 1988, p. 4370) em termos que revelam ter sido
a decisão de abolir, na nova lei, a exigência de as benfeitorias terem sido
feitas pelo próprio agricultor para efeitos de dedução à pontuação do apuramento
do rendimento fundiário, bem como a decisão de fazer entrar nessa dedução os
povoamentos florestais e não apenas plantações agrícolas ou florestais como
anteriormente, fundada em valorações que não podem deixar de caber no poder de
conformação do legislador.
9.1.5 — Em síntese, as modificações operadas quanto à determinação da área das
reservas, cujo alargamento envolve, consequentemente, diminuição da área
expropriável, vistas as coisas objectivamente, não são determinadas pelo
propósito, ainda que tácito ou implícito, de repor a situação anterior e de
liquidar as radicais transferências de propriedade ocorridas. Uniformizar
regimes, simplificar critérios, abandonar distinções que entretanto se terão
revelado perturbadoras, são desideratos de mérito não sindicáveis pelo juiz
constitucional.
9.2 — Feita uma resenha ninimamente pormenorizada das normas em análise face à
Lei Constitucional vigente no momento da sua emissão, importa agora passar à
apreciação das normas referenciadas com o verdadeiro parâmetro de aferição da
conformidade constitucional que é a redacção da Constituição da República após a
Lei Constitucional n.º 1/89 de 8 de Julho.
Do ponto em que o pedido vem sendo analisado, e na parte em que se reporta à
delimitação das áreas susceptíveis de expropriação, os já analisados artigos
11.º (em combinação com o artigo 15.º) e 12.º, não sofreram alterações (salvo o
n.º 1 do artigo 15.º, nos termos já atrás referenciados) na redacção que a Lei
n.º 109/88 recebeu em 1990, e não estão abrangidos no Pedido B.
No entanto, como se referiu supra (n.º 6.2), os princípios gerais sobre
aplicação no tempo das normas constitucionais impõem que as normas sindicadas
sejam aferidas à luz da Constituição em vigor.
E adiante-se desde já que a apreciação anteriormente feita não carece de
reformulação quanto ao sentido das conclusões entretanto alcançadas.
No novo texto constitucional, de onde é eliminado o conceito de reforma agrária,
anteriormente não concretizado, embora referido no n.º 2 do artigo 96.º não como
objectivo em si mas apenas como instrumento para consecução de objectivos, não
desaparece a eliminação dos latifúndios como incumbência cometida ao Estado.
Ela é expressamente referida no artigo 81.º, alínea h) e no artigo 97.º, da
Constituição. É no n.º 1 deste artigo que muito claramente se estabelece a
ligação entre os objectivos da política agrícola globalmente considerados e «o
redimensionamento das unidades de exploração agrícola que tenham dimensão
excessiva» do ponto de vista desses objectivos.
Se anteriormente a expropriação dos latifúndios era susceptível de ser entendida
como expressão da exigência constitucional de transferência progressiva da posse
útil da terra [alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º], o confronto com a actual
alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo mostra como o poder de conformação
legislativa foi alargado neste domínio, em que modificações do regime da
propriedade fundiária vão dirigidas ao acesso à propriedade ou à posse da terra
em benefício daqueles que a trabalham.
Tanto basta para não incorrerem as normas legais questionadas em censura de
inconstitucionalidade à face dos padrões introduzidos na Lei Fundamental pela
versão da Lei Constitucional n.º 1/89.
9.2.1 — Sobre o artigo 21.º, atrás transcrito, novamente se exige do intérprete
um juízo global.
E começa por apontar-se que a questão só se põe porque o legislador decidiu em
1977 explicitar uma norma que feria de ineficácia actos ou contratos praticados
depois de 25 de Abril de 1974 que tivessem tido determinados objectivos ou
efeitos.
Trata-se do artigo 24.º, que, sob a epígrafe «Actos declarados ineficazes»,
estabelecia o seguinte:
1 — Para efeitos de aplicação das medidas estabelecidas na presente lei, são
ineficazes os actos ou contratos praticados desde 25 de Abril de 1974 até 29 de
Julho de 1975 dos quais tenha resultado, por qualquer forma, diminuição de área
expropriável, se tiverem tido por objecto determinante essa diminuição.
2 — Para efeitos de aplicação das medidas estabelecidas na presente lei, são
ineficazes os actos e contratos praticados depois de 29 de Julho de 1975 que
tenham tido o efeito referido no número anterior.
3 — Presume-se, salvo prova em contrário, que têm por objectivo determinante a
diminuição da área expropriável os actos ou contratos referidos no n.º 1 que
tenham sido celebrados com parentes ou afins, excepto quando tenham origem em
transmissões mortis causa ocorrida após 25 de Abril de 1974, caso em que é
ininvocável a presunção aqui prevista.
Não se vê como da Constituição possa decorrer a exigência dessa norma,
claramente retroactiva além do mais. A ordem jurídica tem meios para invalidar
negócios jurídicos contrários à lei — cfr. desde logo o artigo 280.º do Código
Civil.
O que se pergunta, em sede de juízo de inconstitucionalidade e à luz do texto da
Constituição, é se uma norma, que desloca para o início do processo de
expropriação a data a partir da qual se comina a ineficácia, contribui de forma
censurável para a diminuição da área expropriável.
A resposta é positiva se se entender que as normas constitucionais vigentes a
partir do 1982 consagravam a expropriação como objectivo «a se». Mas já se viu
que não era assim; pretendia-se a expropriação como forma de abolir o latifúndio
e de transferir para terceiros direitos sobre a terra.
Por isso, o intérprete terá de dar por adquirido, desde já, que:
a) Do ponto de vista constitucional — e só dele aqui se cura — apenas lhe
caberá averiguar se os negócios em causa desencadearam ou não a fragmentação de
algum latifúndio ou grande exploração capitalista;
b) A norma em questão não obsta à aplicabilidade dos princípios gerais sobre
a validade dos negócios jurídicos.
Se tiver havido transferências de propriedade válidas, a aplicabilidade da lei a
extensões expropriáveis não é posta em dúvida pois não permitem tal conclusão os
próprios termos das disposições em causa, lidos em conjugação com o artigo 11.º
Se os negócios realizados estiverem viciados, não é a data a partir da qual
deixam de ser eficazes factor absolutamente determinante. Mesmo eficazes,
continuarão sujeitos ao regime das invalidades, se disso for caso.
Nesta perspectiva, e em qualquer dos casos, repete-se, a Constituição acabará
por não ser ferida pelo conteúdo da norma do artigo 21.º
9.2.2 — Assim, conclui-se pela não inconstitucionalidade do artigo 11.º em
conjugação com o artigo 15.º, e dos artigos 12.º e 21.º da Lei n.º 109/88.
10 — As normas dos artigos 13.º, 14.º, 15.º e 19.º da Lei n.º 109/88.
Cabe agora apurar se serão desconformes à Lei Fundamental as normas que
constituem o 2.º grupo e que a seguir se transcrevem.
Estão elas postas em crise porque alegadamente «consagrando e alargando a área
susceptível de reserva…» violarão «o disposto nos artigos 96.º, n.º 1, alínea
a), e n.º 2, e 97.º da Constituição da República». Também violarão o
disposto no artigo 99.º, n.º 2, da Constituição por facultarem a criação
irrestrita de unidades de exploração agrícola privadas [alínea d) do Pedido A].
Trata-se das seguintes disposições legais:
Artigo 13.º
(Direito de reserva)
Aos proprietários dos prédios expropriados é atribuído o direito de reserva de
propriedade de uma área determinada nos termos desta lei.
Artigo 14.º
(Conteúdo do direito de reserva)
1 — A concessão do direito de reserva determina o reestabelecimento do
respectivo direito de propriedade, tal como existia à data da expropriação ou da
ocupação, quando esta tenha ocorrido em primeiro lugar.
2 — A execução da decisão final proferida nos processos de reserva regulados
pela presente lei é considerada prioritária e de grave urgência para a
realização do interesse público.
3 — O despacho de atribuição do direito de reserva tem força probatória plena,
nomeadamente para efeitos de inscrição no registo predial.
Artigo 15.º
(Pontuação da reserva)
1 — O direito de reserva é equivalente a 91 000 pontos, sem prejuízo do disposto
no artigo 17.º
2 — A pontuação é fixada tendo em atenção o rendimento fundiário, com base no
cadastro oficialmente em vigor em 19 de Setembro de 1977 e de acordo com as
tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 406-A/75, com a excepção prevista no n.º 5
deste artigo.
3 — No cálculo da pontuação não serão consideradas as benfeitorias existentes
nos prédios rústicos, bem como plantações agrícolas e povoamentos florestais,
exceptuando as realizadas pelo Estado ou outra pessoa colectiva pública.
4 — Ao sobcoberto das plantações agrícolas e povoamentos florestais referidos no
número anterior será atribuída, com base na classificação a respectiva carta de
capacidade de uso do solo, uma pontuação de 90 pontos por hectare das classes D
e E, de 130 pontos por hectare da classe C, de 200 pontos por hectare da classe
B e de 300 pontos por hectare da classe A.
5 — A pontuação de áreas de reserva desde que calculadas em conformidade com
este artigo, não será alterada depois da sua demarcação.
Artigo 19.º
(Alternativa dos reservatários)
Aos reservatários é conferido o direito de optarem entre a área equivalente à
pontuação da respectiva reserva e uma área até 60 ha, independentemente da
pontuação.
10.1 — Na parte em que é pressuposto das normas transcritas o poder de o
legislador consagrar, tal como o tinha feito em 1977, o instituto da reserva,
mais não será agora necessário do que confirmar a doutrina que já vem do Parecer
n.º 24/77 da Comissão Constitucional (ob. e vol. cit., a p. 99) e que se
transcreve:
A Constituição não contempla directamente o direito de reserva a conferir a
titulares de prédios expropriados ou nacionalizados. A legislação anterior à
Constituição previu-o, porém, e não tem sido seriamente impugnada a sua
constitucionalidade, quer ele se fundamente na não nacionalização integral do
solo, com eliminação apenas dos latifúndios e das grandes explorações
capitalistas, quer na directiva constitucional de que a reforma agrária se
efectuará salvaguardando os interesses dos que não tenham outros modos de
subsistência, quer na garantia da propriedade privada da terra dos médios
agricultores (artigo 99.º, n.º 2); esta garantia liga-se ao princípio da
pluralidade dos sectores de propriedade dos meios de produção (artigos 89.º e
90.º), válido também para a agricultura e também para a zona de intervenção.
Nem se sustente a ilegitimidade do direito de reserva, por o artigo 97.º não
incluir os latifundiários ou ex-latifundiários entre aqueles a quem as terras
podem ser entregues para exploração. Não estão incluídos com efeito; nem
poderiam estar, porque a entrega para exploração se situa sempre num regime de
sector público — transferida é apenas a posse útil, seja o que for que por esta
se entenda — ao passo que o direito de reserva tem, embora com limitações, um
conteúdo de direito de propriedade nos termos da lei civil (e isso tanto à face
do artigo 38.º do novo decreto como do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 406-A/75 e
do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 407-A/75), [suprimiram-se as remissões para
notas de pé de página].
Sublinha-se que a própria legislação anterior à Constituição tinha consagrado o
direito de reserva e que a garantia em que o mesmo se consubstancia se liga ou
se funda no princípio da pluralidade dos sectores de propriedade dos meios de
produção (artigo 89.º, sobretudo o seu n.º 2, da Constituição, na versão de
1982).
Assim sendo, não há que analisar, quanto a este problema, os artigos 13.º, 14.º
e 15.º, restando referir o artigo 19.º, de forma muito sucinta. A disposição
não reveste autonomia problemática. Numa perspectiva sistemática do
entendimento de cada disposição do diploma, a opção dada ao reservatário entre a
área equivalente à pontuação da reserva a que tiver direito e uma área até 60
hectares é compaginável com a previsão de que não serão expropriáveis prédios de
extensão inferior. Por outras palavras, e tendo em conta a redacção anterior
(artigo 33.º da Lei n.º 77/77) que, diferentemente do que agora se dispõe,
mandava demarcar essa área em terrenos de qualidade média idêntica à dos
expropriáveis, a nova opção legislativa compreende-se porque as áreas de reserva
se localizam nos prédios expropriados ou sujeitos a expropriação. Novamente um
juízo sobre essa situação tem sede própria no campo da liberdade conformadora do
legislador e é alheio à ordem de juízos que ao Tribunal Constitucional cabe
emitir.
Consagra assim a Lei, sem violar a Constituição, o instituto da reserva. Quanto
ao alargamento da área susceptível de reserva, valem para aqui as considerações
formuladas a propósito dos artigos 11.º (em combinação com o 15.º) e 12.º, pois
é bem claro que quando diminui a área sujeita a expropriação é alargada a área
susceptível de reserva.
10.2 — Das alterações introduzidas na revisão constitucional de 1989, será nesta
matéria relevante assinalar que, segundo a nova redacção do n.º 1 do artigo 97.º
da Constituição, a lei deverá prever a reserva de área suficiente para a
viabilidade e a racionalidade da sua própria exploração.
O instituto de reserva recebeu assim expresso acolhimento. E quanto à sua
extensão, tal como quanto ao latifúndio, embora se deva reconhecer que o
legislador não goza de uma liberdade absoluta, ajuizar dela releva do seu poder
de conformação. Em termos de fiscalização da constitucionalidade, aproveitáveis
para uma apreciação do problema da extensão dos latifúndios, deverá o intérprete
entender que, no redimensionamento das unidades de exploração agrícola com
consequente eliminação dos latifúndios, o legislador constitucional teve por
critério a viabilidade e a racionalidade respectivas. O latifúndio começa para
além das reservas.
10.3 — Conclui-se assim que as normas dos artigos 13.º, 14.º, 15.º, e 19.º em
apreciação não são contrárias à Constituição.
11 — As normas dos artigos 18.º, alínea a), e 28.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88.
A alínea b) do Pedido A comporta os preceitos referidos em epígrafe; contudo, e
conforme se deixou escrito em sede de «Questão Prévia», não se irá conhecer do
artigo 17.º nem da parte do artigo 18.º que não foi objecto das alterações
introduzidas pela Lei n.º 46/90. Transcrevem-se, portanto, apenas as
disposições que agora competirá apreciar:
Artigo 18.º
(Sociedades)
...................................................
a) As reservas são tantas quantas as quotas ou participações no capital
social, existentes à data da expropriação, de cuja percentagem sobre o da
pontuação do prédio resulte área ou pontuação superior a 60 ha ou 91 000 pontos,
podendo os sócios agrupar-se para efeitos de atingirem essa percentagem,
mediante assinatura em conjunto do requerimento de reserva;
Artigo 28.º
(Demarcação da reserva)
1 — Compete ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação aprovar a
demarcação das reservas previstas nesta lei.
2 — ..................................................
Adverte-se desde já, quanto à alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º, que, por a
norma se inscrever em um contexto normativo que será objecto de apreciação a
propósito do Pedido B, não será agora curial tratá-la de forma autónoma. Os
problemas de constitucionalidade suscitados a seu respeito —
imputa-se-lhe o facto de ser uma de entre várias formas de alargamento dos
potenciais titulares de reservas — também serão tratados adiante, e, conforme se
verá, em termos e dentro de parâmetros que não são objecto de inflexão em
resultado da revisão constitucional de 1989.
12 — Também quanto ao preceito do n.º 1 do artigo 28.º, cuja redacção se manteve
inalterada na Lei n.º 46/90, os problemas de constitucionalidade suscitam-se
relativamente aos n.os 2 e 3 do preceito, não dispondo, na perspectiva dos
peticionantes, o n.º 1 de qualquer autonomia, pelo que o seu tratamento se fará
quando se apreciar o Pedido B.
B.2) Pedido B
13 — Importa analisar, de seguida, a conformidade com a Constituição das normas
cuja declaração de inconstitucionalidade vem requerida no Pedido B.
Recapitulando pontos adquiridos em sede de Questão Prévia, será conveniente
relembrar que se deixaram de fora do campo de análise, quanto ao Pedido A as
normas constantes do artigo 17.º, do artigo 18.º e do artigo 28.º, da versão
originária da Lei n.º 109/88. Recorda-se que a consideração da originária
alínea a) do artigo 18.º [actual alínea a) do seu n.º 1] e do n.º 1 do artigo
28.º foram relegadas para o contexto de apreciação da nova versão dos referidos
artigos (11.º e 12.º).
Estas normas, porém, foram objecto do Pedido B. Por essa razão serão apreciadas
oportunamente no seguimento da análise das normas questionadas na redacção que
lhes foi dada pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto.
14 — A norma do artigo 14.º-A da Lei n.º 109/88 (redacção da Lei n.º 46/90).
Assim sendo, começará por se apreciar a conformidade à Constituição da norma
constante do artigo 14.º-A, objecto de um aditamento introduzido pala Lei n.º
46/90, seguindo-se a ordenação formulada pelos requerentes na síntese conclusiva
do seu pedido.
É a seguinte a redacção dessa norma:
Artigo 14.º-A
(Devolução de prédios meramente ocupados)
Aos proprietários de prédios meramente ocupados aplicam-se com as necessárias
adaptações, as disposições relativas ao direito de reserva, devendo o Estado
proceder às desocupações de todas as terras que, em conformidade com o disposto
na presente lei, não são passíveis de expropriação.
Consideram os Deputados signatários do Pedido B que esta norma consente à
Administração invadir a competência dos tribunais, por a estes ser negada a
possibilidade de se pronunciarem, em cada caso concreto, sobre os direitos de
propriedade dos prédios ocupados. Ao abrigo da norma questionada, a
Administração exerceria competências que seriam indubitavelmente do foro
jurisdicional, assim se contrariando os artigos 205.º e 206.º da Constituição.
14.1 — O alcance da norma não oferece quaisquer dificuldades interpretativas:
visa-se pôr termo a situações que se terão constituído à margem da lei, com a
ocupação de terras não passíveis de expropriação, sendo que, quanto àquelas que
se encontrarem meramente ocupadas, mas que correspondam à pontuação superior à
estabelecida para o direito de reserva, a constituição desta pode ser requerida
pelos respectivos proprietários.
14.2 — Não se vê em que medida possa verificar-se invasão de competência dos
tribunais, se se atender a que a Administração actua no cumprimento da lei e com
vista ao restabelecimento de uma situação de normalidade jurídica. A norma
apenas determina que o Estado, e aqui será de entender que se refere aos órgãos
e agentes da função administrativa, procederá à desocupação de todas as terras
que não são passíveis de expropriação. Não está directamente investida do poder
de se pronunciar sobre «os direitos de propriedade dos prédios ocupados»; antes,
perante uma ocupação desprovida de qualquer outro título que não seja o da mera
factualidade contrária à lei, deverá proceder às operações materiais exigidas
pelo restabelecimento da legalidade. Ela (a Administração) não dirime qualquer
conflito de direito tendo por objecto esses bens. Aliás, deverá notar-se que a
latitude da sua actuação é desde logo limitada na medida em que se não procederá
à desocupação relativamente a prédios expropriáveis.
Do que antecede, resulta que a Administração Pública não vai praticar actos
jurisdicionais sob a veste de actos administrativos. Poderá, em contrário,
argumentar-se com a circunstância de a actuação em concreto da Administração
pressupor um prévio juízo sobre a qualificação jurídica da situação. Mas não é
esse juízo, a existir, o meio pelo qual se definem direitos e obrigações dotados
de estabilidade e dignos da tutela própria de uma decisão judicial. Isto por um
lado. Por outro lado, e em tese geral, nem sequer da formulação de juízos
daquele primeiro género estão arredados os órgãos da função administrativa,
desde logo na matéria de que se ocupa o presente acórdão. Com efeito, no âmbito
da Lei em análise, são a própria expropriação e a própria atribuição de reservas
chamadas a tomar a forma de actos administrativos.
14.3 — Não se encontrando, assim, qualquer base sólida para que se imponha uma
análise mais aprofundada da questão, dado que o invocado argumento da invasão da
reserva da função jurisdicional claudica logo à partida, conclui-se pela não
inconstitucionalidade da norma em apreço.
15 — As normas dos artigos 17.º e 18.º da Lei de Bases da Reforma Agrária
(redacção da Lei n.º 46/90).
Segue-se na ordenação do Pedido B a apreciação da conformidade à Constituição
das normas indicadas em epígrafe. Deixe-se apenas assinalado que a apreciação
vai ter de ter em conta também a parte do artigo 18.º que não foi alterada em
1990 — a sua anterior alínea a) — que agora volta a transcrever-se para
facilitar a consulta do texto.
Artigo 17.º
(Contitularidades e heranças indivisas)
1 — Nas contitularidades ou nas heranças indivisas existentes à data da
expropriação ou ainda nos casos em que tais situações se constituíram, por morte
do ex-titular ou de um dos ex-titulares dos prédios expropriados, em data
anterior a 26 de Setembro de 1988, cada uma das partes, ou de quinhões
hereditários, tem direito a uma reserva cuja pontuação é a correspondente à
respectiva percentagem sobre a pontuação total dos prédios expropriados.
2 — Para cada contitular ou herdeiro a soma da pontuação correspondente à
percentagem da respectiva parte ou quinhão e da pontuação de outras áreas de que
seja, ou tenha sido, reservatário ao abrigo da lei anterior não pode, porém,
exceder a pontuação estabelecida para o direito de reserva.
3 — Os contitulares ou herdeiros podem agrupar as respectivas partes ou quinhões
hereditários, mediante a assinatura em conjunto do requerimento de reserva, mas
a área atribuída a cada grupo de contitulares ou herdeiros não pode exceder a
pontuação estabelecida para o direito de reserva.
4 — Para os efeitos do disposto nos números anteriores, os cônjuges são
considerados um só titular quanto aos bens comuns.
Artigo 18.º
(Sociedades)
1 — Às sociedades cujo património foi expropriado ou nacionalizado cabe uma
reserva múltipla equivalente à soma de várias reservas, nos termos seguintes:
a) [redacção originária não alterada pela Lei n.º 46/90] As
reservas são tantas quantas as quotas ou participações no capital social,
existentes à data da expropriação, de cuja percentagem sobre o total da
pontuação do prédio resulte área ou pontuação superior a 60 ha ou 91 000 pontos,
podendo os sócios agrupar-se para efeitos de atingirem essa percentagem,
mediante assinatura em conjunto do requerimento de reserva;
b) Por cada sócio, a soma da pontuação correspondente à
percentagem da respectiva quota ou participação no capital social de uma ou mais
sociedades e da pontuação de outras áreas de que ele seja ou tenha sido
reservatário, ao abrigo da lei anterior, não pode, porém, exceder 91 000 pontos.
2 — A pontuação da reserva atribuída nos termos do número anterior não pode
exceder 364 000 pontos, excepto quanto às sociedades por quotas, em relação às
quais a produção de efeitos da atribuição da reserva para além da pontuação
limite fica condicionada a que a parte excedente seja separada por divisão,
cisão ou partilha ou pela liquidação da sociedade.
Referem os Deputados subscritores que a eliminação do n.º 5 do artigo 17.º «seja
através do mecanismo da multiplicação e junção de reservas…, seja através da
possibilidade de os vários herdeiros concorrerem a reservas separadas que num e
noutro caso passam a poder ser reunificadas… significa que a aplicação destes
mecanismos conduz inexoravelmente à (re)constituição de latifúndios», com
violação dos artigos 81.º, alínea h), e 97.º da CRP. Referem ainda que as
alterações introduzidas neste artigo «esvaziam de conteúdo o limite aparente de
91 000 pontos previstos no artigo 15.º Esta circunstância conjugada com vários
dispositivos da lei, designadamente o artigo 11.º em combinação com o disposto
nos artigos 15.º, 12.º e 21.º; 13.º; 14.º; 15.º e 19.º; 17.º; 18.º e 33.º» viola
ainda a alínea n) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
Quanto ao artigo 18.º, sublinham os Deputados requerentes do Pedido B que, na
nova redacção, se passa a referir «uma reserva múltipla equivalente à soma de
várias reservas» ao mesmo tempo que se elimina também a alínea e) da anterior
redacção, a qual feria de nulidade os actos administrativos que conduzissem à
reunificação das reservas atribuídas às sociedades. De tudo isto resultaria a
violação, também aqui, dos artigos 81.º, alínea h), e 97.º da CRP.
Em síntese, no Pedido B sustenta-se que «as vias abertas pela nova redacção dos
artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro conduzem à restauração
do latifúndio tal como historicamente existiu e, como na prática, tem estado a
suceder».
A questão não é nova em sede de confronto dos artigos 17.º e 18.º da Lei de
Bases com o artigo 97.º, n.º 1, da Constituição, pois já foi abordada
explicitamente no Acórdão deste Tribunal n.º 187/88, já citado. A orientação aí
firmada é de manter.
15.1 — O artigo 17.º respeita aos chamados indivisos (contitularidades e
heranças indivisas) e trata os quinhoeiros nas propriedades expropriadas, nos
termos do que se dispõe no artigo 11.º da Lei, como titulares individualizados
de um direito de reserva. Coloca-os na posição em que se encontrariam se, à
data da expropriação, a situação não fosse de indivisão e cada interessado
tivesse então direito a uma reserva.
Sobre esta questão parece oportuno deixar duas notas.
Em primeiro lugar, a permanência da situação de indivisão poderá ser devida a
circunstâncias puramente fortuitas, de forma que qualquer distinção de regimes
que se pretendesse gizar com base nela acabaria por gerar desigualdades que não
custaria atribuir ao acaso e que seriam portanto arbitrárias. Assim seria se o
destino da propriedade herdada ficasse dependente do grau de diligência com que
os herdeiros tivessem procedido à partilha, uns, os mais expeditos, saindo
beneficiados, os outros, os menos expeditos por terem eventualmente deparado com
dificuldades no processo ou com delongas na respectiva tramitação judicial não
imputáveis à sua vontade, saindo prejudicados.
Depois, anotar-se-á que as disposições questionadas são em si próprias
instrumentos da extinção de situações de compropriedade e dessa forma,
simultaneamente, estímulo à eliminação dos próprios latifúndios ou grandes
explorações capitalistas (cfr. artigo 97.º, n.º 1, da Constituição, na versão
anterior à própria revisão constitucional de 1989). Ainda que a subsistência da
indivisão se devesse à intenção de manter o latifúndio ou a grande exploração, o
certo é que a indivisão, por força da alínea b) do artigo 11.º da Lei, não é
obstáculo à expropriação.
Dir-se-á que se posterga ou relega para segundo plano o objectivo constitucional
da transferência progressiva da posse útil da terra [artigo 96.º, alínea a), 2.ª
parte, da Constituição na versão anterior à vigente, que deverá ser confrontada
com a actual alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo]. Não colhe tal argumentação,
ou antes, só colhe para quem optar por uma postura de defesa de uma radical e
imediata mutação das relações dominiais, contrariando a ideia de progressividade
esboçada na disposição constitucional citada. A verdade é que tal transferência
está prevista na lei, na presente situação, em um segundo momento, o que
inclusivamente satisfaz ao princípio da progressividade da transferência, agora
sem assento constitucional. É que cada contitular ou herdeiro fica sujeito a
ser expropriado se vier a reunir no seu património uma área que exceda a
pontuação máxima segundo o n.º 2 do artigo 17.º, além de que, ainda que
sobrevenham agrupamentos de partes ou quinhões hereditários (n.º 3 deste
artigo), não poderá a pontuação correspondente exceder a que é estabelecida para
o direito de reserva.
Postas as coisas nestes termos, tudo reverte para o conceito legal de
latifúndio, que tem como parâmetro base o cálculo de uma pontuação a atribuir a
um prédio ou conjunto de prédios rústicos superior à estabelecida para o direito
de reserva (cfr. o artigo 11.º da Lei), sabendo-se também que a exploração
agrícola do tipo familiar (n.º 2 do artigo 12.º da Lei), ou áreas inferiores a
60 hectares, não serão qualificáveis como latifúndios. Na matéria, já o
Tribunal tomou posição: a fixação da quantificação entra no campo do poder de
conformação do legislador, e só merecerá censura se objectivamente for
conducente à prossecução de objectivos que contrariem a Constituição. Mas não é
o caso.
15.2 — Valem para o artigo 18.º considerações de tipo semelhante, bem como a
remissão para o juízo já formulado no Acórdão n.º 187/88, já várias vezes
citado.
Também aqui se pode dizer que o legislador procura corrigir situações que, na
sua óptica, terão relevado de uma intenção política da radical modificação das
estruturas da propriedade e não de uma sua progressiva transformação. E também
aqui se poderá dizer que a norma sindicada, vista agora em perspectiva de
progressiva transferência da propriedade, é ainda instrumental desta
transferência. Uma perspectiva que sacrificasse o princípio do respeito pelo
direito de propriedade ao princípio da colectivização de grandes extensões
fundiárias, ignoraria intencionalmente o estatuto jurídico originário destas
extensões. Todavia mesmo uma perspectiva de ‘‘transferência progressiva’’
apontaria para uma concordância prática dos dois princípios conflituantes, em
termos de o segundo só ganhar prevalência quando a titularidade unipessoal,
convertida em propriedade perfeita ou pelo menos não compartilhada, tornada
obrigatória quando (ainda) não verificada, viesse a posteriori legitimar a
expropriação, a título de eliminação do latifúndio [artigo 97.º, n.º 1,
conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º e com o artigo 62.º, todos na
redacção da Constituição imediatamente anterior à vigente].
Assim sendo, sem dificuldade se entenderá que voltamos a ser reconduzidos à
questão da determinação do conceito constitucional de latifúndio — ou melhor,
à questão da margem, reconhecidamente ampla, em que ao legislador é permitido
mover-se nesta matéria. Visto já ficou que, desse lado, não terão advindo
vícios para as normas produzidas.
15.3 — Reportemo-nos agora conjuntamente aos dois artigos acabados de analisar,
mas estritamente encarando as questões suscitadas no Pedido B, designadamente
tendo em conta que foi eliminada a sanção da nulidade cominada para os actos
jurídicos que conduzam à reunificação das reservas atribuídas [anteriores n.º 5
do artigo 17.º e alínea e) do artigo 18.º da Lei n.º 109/88, na sua versão
originária].
Com os artigos 17.º e 18.º os indivisos e os acervos apropriados em comunhão
societária são, pelo menos tendencialmente, reconduzidos à propriedade titulada
individualmente e dessa operação poderá ter resultado a atribuição de reservas.
Mesmo que contitulares ou herdeiros, nesse contrato, tenham agrupado as
respectivas partes ou quinhões hereditários, a área atribuída a cada grupo não
pode exceder a pontuação estabelecida para o direito de reserva (n.os 3 e 4 do
artigo 17.º em ligação com o n.º 1 do artigo 11.º). Para as sociedades vigora
um regime especial, mas também aí se mantém, relativamente a cada sócio, o
limite da pontuação [alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º], sendo que a pontuação
da reserva atribuída não poderá exceder aquela que é equivalente a quatro
reservas de titularidade individual, ou seja, os 364 000 pontos previstos no n.º
2 do artigo 18.º
O regime estabelecido, novamente se diga, reconduz-se, quanto ao juízo a
formular, à temática da determinação do conceito constitucional de latifúndio.
A posição anteriormente tomada também, e consequentemente, não tem de ser
reformulada. Resulta do artigo 97.º, n.º 1, da Constituição que latifúndio é
conceito aplicável a uma exploração agrícola que tenha dimensão excessiva do
ponto de vista dos objectivos da política agrícola. O latifúndio começa para
além da reserva e esta deve corresponder a uma área suficiente para a
viabilidade e racionalidade da sua própria exploração.
Do ponto de vista do regime a que são submetidas as contitularidades e heranças
indivisas, nada do que é essencial no preceito constitucional parece tocado.
E também o mesmo se dirá quanto ao regime aplicável ao património das
sociedades, sabido como é que é indeterminado o número de sócios de cada uma,
hipoteticamente titulares de direitos de reserva se, em vez de terem conjugado e
posto em comum recursos de cada um deles, tivessem optado pela titularidade
singular desses mesmos recursos. O limite equivalente à área de 4 reservas
(mesmo para as sociedades por quotas é necessário ter em conta a norma do n.º 2
do artigo 18.º) não parece arbitrário nem desrazoável.
E o que se diz vale tanto para a redacção originária na parte em que está também
agora em apreciação a alínea a) do artigo 18.º, quer se confrontasse com o texto
constitucional vigente à data da feitura da Lei n.º 109/88, quer se procedesse
ao confronto dessa mesma norma com o texto constitucional vigente.
15.3.1 — O pedido porém visa ainda outros aspectos que têm a ver com a dinâmica
do sistema, doravante entregue ao jogo da autonomia privada.
Que as normas acabadas de analisar conduzam inexoravelmente ou não à
reconstituição de latifúndios, não é afirmação que possa acolher-se tendo
presente o regime jurídico nelas contemplado na sua aplicação a fundos
agrícolas, tal como se encontravam antes dessa aplicação. A intenção do
legislador é precisamente a contrária, mesmo quando permite o agrupamento de
partes ou quinhões hereditários (n.º 3 do artigo 17.º) ou a subsistência de
sociedades [artigo 18.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2]. Há limites máximos de
pontuação bem como não podem considerar-se iguais os casos de titularidade
individual e os casos de contitularidade ou de comunhão societária.
O argumento da possibilidade de reconstituição, in futuro dos latifúndios,
explicitamente invocado apenas a propósito do artigo 17.º, tem porém mais peso e
carece de elucidação complementar, também quanto ao regime consagrado no artigo
18.º Poderá na verdade perguntar-se se tal efeito não se produzirá uma vez
esgotada no tempo a aplicação da Lei, uma vez terminada a reestruturação
fundiária que é objecto do respectivo Capítulo ii (artigos 11.º a 34.º).
Mas a resposta está já contida no que acabou de referir-se. Na medida em que
parece ser legítimo interpretar o pedido como visando não só o regime de
reestruturação fundiária como também aquele que será aplicável no futuro
posterior a essa reestruturação, o que deve dizer-se é que o Capítulo ii tem
natureza transitória e não aspira a mais do que isso mesmo, ou seja, os artigos
17.º e 18.º inscrevem-se no programa normativo do destino a dar a prédios
anteriormente expropriados (artigo 13.º), localizados na zona de intervenção
agrária (corpo do artigo 11.º), sendo que a nova redacção do artigo 1.º (o
artigo 2.º foi expressamente revogado pelo artigo 3.º da nova Lei) trazida pela
Lei n.º 46/90, vem esclarecer definitivamente a questão.
Com efeito, a Lei regula o redimensionamento das unidades de exploração agrícola
e o destino das áreas expropriadas e nacionalizadas (n.º 1 do artigo 1.º) e
mantém, a prazo, a composição da zona de Intervenção da Reforma Agrária (ZIRA),
constante do Decreto-Lei n.º 236/B/76, de 8 de Abril (n.º 2 do mesmo artigo
1.º). A Lei de Bases da Reforma Agrária não é a legislação de âmbito nacional
que estabelecerá as bases gerais do fomento agrário e das estruturas agrícolas
(n.º 2 do artigo 1.º, com sublinhados agora introduzidos). De tal forma, não
será legítimo exigir-lhe mais do que ela própria visa, sem prejuízo de uma
hipotética censura por omissão legislativa que, além do mais, não pode ter lugar
em sede de fiscalização abstracta sucessiva por acção, que é a que agora se está
a levar a cabo.
Resta o argumento tirado da alínea n) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição,
que, segundo os requerentes, estabelece um dever de fixação dos «limites máximos
e mínimos das unidades de exploração agrícola privadas». Mas novamente se lhe
aplicam as considerações respeitantes a possíveis omissões legislativas.
E, não se julgando suficiente ficar por aqui, importa referir que a alínea n)
citada é acima de tudo uma norma da competência e, a esse título, uma norma
autorizadora de legislação. Por outro lado a proibição da reconstituição do
latifúndio poderá passar por outras vias, que não exclusivamente aquelas que
impliquem a fixação de limites máximos das unidades de explorações agrícolas
privadas.
15.4 — Conclui-se portanto: não violam a Constituição quer a norma constante da
redacção originária da alínea a) do artigo 18.º, quer as normas dos artigos 17.º
e 18.º da Lei n.º 109/88 na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 46/90.
16 — Os artigos 28.º e 39.º da Lei n.º 109/88 (versão da Lei n.º 46/90).
Passa-se agora à apreciação dos artigos 28.º e 39.º da Lei, na sua redacção
vigente, referidos conjuntamente na alínea g) do Pedido B, começando por se
transcrever o texto correspondente:
Artigo 28.º
(Demarcação da reserva)
1 — [texto não alterado em 1990] Compete ao Ministro da Agricultura, Pescas e
Alimentação aprovar a demarcação das reservas previstas nesta lei.
2 — A demarcação da reserva ou a reversão do prédio rústico é obrigatoriamente
precedido da notificação, para audiência, dos titulares de outros direitos sobre
os prédios em causa, referidos no n.º 1 do artigo 20.º, e dos beneficiários da
entrega para exploração, referidos no n.º 1 do artigo 29.º, de áreas da
respectiva reserva.
3 — A notificação prevista no número anterior, na impossibilidade de ser feita
directamente, é efectuada por edital publicado, ainda que sem identificação
pessoal dos interessados, em, pelo menos, dois números de um jornal de grande
tiragem e afixado na sede da Junta de Freguesia da localização do respectivo
prédio.
Artigo 39.º
(Competência)
Compete ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação determinar, para
efeitos de entrega para exploração:
a) .................................................
b) .................................................
c) .................................................
d) .................................................
Não se reproduz o texto das quatro alíneas desta última disposição por o pedido
não recair sobre o respectivo conteúdo. Por sua vez, relembra-se que da
redacção originária do artigo 28.º apenas está incluído no âmbito do Pedido A e
relegado para conhecimento neste momento o seu n.º 1, pelas razões inicialmente
referidas.
Ao artigo 28.º, na sua versão originária, imputavam os requerentes vários
vícios. A demarcação das reservas excluiria a audiência das UCP’s/Cooperativas
e permitiria a respectiva «realização» por edital. Faltariam aqui formalidades
essenciais relevantes, no contexto de um regime que inviabilizaria o exercício
do direito ao recurso, cujo conteúdo essencial seria atingido. Seriam
discriminatoriamente feridas as UCP’s/Cooperativas, cuja legitimidade activa nos
recursos contenciosos seria eliminada.
É lícito ao intérprete concluir que os n.os 2 e 3 do artigo 28.º na sua versão
originária, precisamente aqueles que foram alterados em 1990, não chegaram a ter
aplicação. Na verdade, o Decreto Regulamentar n.º 44/88, de 14 de Dezembro, que
estabeleceu o processo do exercício do direito de reserva só veio a ser revogado
pelo Decreto-Lei n.º 12/91, de 9 de Janeiro, editado já sob a expressa invocação
do regime jurídico instituído pela Lei n.º 46/90, em conformidade com o que
nesta ficou disposto no n.º 2 do artigo 52.º Até então esteve sempre em vigor o
Decreto Regulamentar de 1988.
Assim sendo, e ultrapassado este parêntesis, é de referir que os Deputados
subscritores do Pedido B sustentam que a nova redacção dos artigos 28.º e 39.º
retira a obrigatoriedade da audiência dos trabalhadores permanentes e efectivos
dos prédios expropriados ou nacionalizados nos processos de demarcação de
reserva e de entrega de terras para exploração. Desta forma, estarão a ser
violados os artigos 101.º e 268.º, n.º 3, da Constituição (redacção vigente).
16.1 — É verdade que a Lei n.º 46/90 suprimiu as referências, contidas no texto
originário, à audiência dos trabalhadores efectivos ao serviço dos prédios
expropriados, prévia à demarcação da reserva ou à reversão do prédio rústico,
como resulta do confronto entre as versões sucessivas do n.º 2 do artigo 28.º E
também em sede de entrega para exploração dos prédios expropriados ou
nacionalizados, como se alcança do confronto entre o texto dos proémios do
artigo 39.º que se sucederam, deixou o Ministro da Agricultura, Pescas e
Alimentação de estar obrigado a ouvir os trabalhadores permanentes e efectivos.
Importa ter presente que a nova redacção dos artigos postos em causa elimina a
necessidade de audiência prévia dos trabalhadores efectivos e permanentes, mas
mantém a obrigatoriedade de audiência ‘‘dos titulares de outros direitos em
causa’’, referido no n.º 1 do artigo 20.º, e dos beneficiários da entrega para
exploração referido no n.º 1 do artigo 29.º, de áreas da respectiva reserva (n.º
2 do artigo 28.º), isto muito claramente em matéria da demarcação da reserva ou
reversão de prédio rústico. Os terceiros a que alude esta norma parcialmente
transcrita são, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º, os titulares de outros
direitos reais ou os arrendatários à data da expropriação ou da ocupação. É
neste contexto que a resposta a dar à interrogação deve colocar-se porque,
efectivamante, não pode dizer-se que liminarmente estejam excluídos do direito
de audiência os trabalhadores efectivos e permanentes se se mostrarem investidos
dos títulos requeridos pela Lei.
Através da concessão do direito de reserva ou da reversão procede-se, caso não
se queira ver aí uma forma de modificação do direito de propriedade, pelo menos
a uma alteração da entidade que passa a deter direitos de exploração sobre o
fundo e a ser responsável pela unidade produtiva. Em vão se procurará
encontrar, porque não existe, uma disposição constitucional que confira a
trabalhadores, tomados atomisticamente e desligados das respectivas organizações
representativas, o direito a pronunciarem-se sobre mutações que venham a ocorrer
relativas ao direito de propriedade dos meios de produção ou à titularidade dos
direitos do sujeito jurídico que encabeça a empresa, seja ela agrícola,
industrial ou comercial. E compreende-se que assim seja, já que essas mutações
não constituem, por si só, causa de cessação do vínculo juslaboral. Não há
ligação incindível entre o direito ao posto de trabalho e a titularidade da
empresa ou dos meios de produção.
16.2 — Um juízo de censura dos dois preceitos em análise não se poderá retirar
do artigo 101.º da Constituição, tomado isoladamente, como acabou de se
concluir. Em ambos os pedidos porém, e designadamente no Pedido B, que é aquele
que está a ser apreciado, a essa norma constitucional acrescentam os requerentes
a referência ao artigo 268.º, n.º 3, da Constituição.
A invocação do disposto nesta última norma como fundamento para a censura de
inconstitucionalidade em que a lei alegadamente incorre ao suprimir a
obrigatoriedade de audiência dos trabalhadores permanentes e efectivos suscita
alguma perplexidade. É manifesto que o n.º 3 do artigo 268.º da Constituição
não releva, pelo menos de forma directa, para a apreciação da
constitucionalidade das normas legais questionadas, pois, não estando em causa a
exigência de fundamentação dos actos, na parte que interessa para o caso, a
norma constitucional apenas se limita a exigir a notificação dos actos
administrativos aos interessados. Escapam à sua previsão, portanto, as fases do
procedimento anteriores à perfeição do acto, nomeadamente a audiência dos
interessados. Por outro lado, à alteração introduzida na lei com a redacção de
1990, é também estranha a matéria do direito ao recurso contencioso e das normas
em análise não resulta só por si uma restrição do âmbito dos sujeitos
legitimados para a respectiva interposição, vício esse que vinha alegado, nesta
parte, no Pedido A.
Mas também não conduz a um juízo negativo a análise dos normativos postos em
crise, agora à luz do princípio constitucional da participação dos interessados
na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, contido no
n.º 4 do artigo 267.º da Lei Fundamental, análise a que, atentas as conexões de
conteúdo, passa a proceder-se, nos termos do n.º 5 do artigo 51.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional).
Retenha-se um primeiro ponto: o legislador não eliminou a participação dos
interessados nos actos de demarcação de reservas, de reversão ou de entrega para
exploração, estes contemplados no artigo 39.º — a este aspecto já se deixou
referência. Com a nova redacção, o legislador delimitou em novos termos o
universo dos sujeitos legitimados para intervirem na fase procedimental de
audiência.
Ao excluir a obrigatoriedade de audiência dos trabalhadores efectivos e
permanentes em serviço nos prédios expropriados ou nacionalizados — o que desde
logo permite concluir que essa audiência não foi proibida mas sim deixado à
administração o poder de a ela proceder quando entender conveniente ou oportuno
— terá o legislador excedido os limites do seu poder de conformação?
Deixando de lado a questão de saber se e em que medida se aplica às situações
tipificadas pelas normas em apreciação, modificando a respectiva previsão, o
regime constante do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro (cfr. os respectivos artigos 2.º,
100.º e 53.º), deve dizer-se que não se encontra motivo para uma censura de
inconstitucionalidade. Dada a sua estrutura de princípio, a norma do artigo
267.º, n.º 4, da Constituição está aberta à concretização legislativa, admitindo
mais do que uma solução, e já se deixou referido que o estatuto jurídico dos
trabalhadores não tem de acompanhar as vicissitudes que para a exploração vierem
a resultar de mutações dominiais.
Nesta perspectiva, os trabalhadores efectivos e permanentes passaram a estar
colocados na situação dos demais trabalhadores afectos a explorações
industriais, comerciais ou mesmo agrícolas às quais não se apliquem as normas da
Lei n.º 109/88 e não se pode afirmar que o legislador tenha actuado fora do
espírito do sistema, inclusivamente tendo presente, também e conjugadamente, o
disposto no artigo 101.º da Constituição. A participação dos trabalhadores
através das suas organizações representativas assegurada por esta norma
constitucional, no plano sistemático em que a mesma está colocada, tem com
certeza virtualidades garantísticas apreciáveis, mas a força irradiante que dela
se quiser extrair ainda aí não se oferece com a densidade preceptiva suficiente
para impor ao legislador a consagração da obrigatoriedade de audiência dos
trabalhadores efectivos e permanentes.
16.3 — Nesta conformidade, conclui-se pela não inconstitucionalidade das
identificadas normas.
17 — A norma do artigo 37.º da Lei de Bases da Reforma Agrária (redacção da Lei
n.º 46/90).
A penúltima norma cuja declaração de inconstitucionalidade é requerida no Pedido
B é a norma constante do artigo 37.º da Lei n.º 109/88, na redacção que lhe foi
dada pela Lei n.º 46/90, cujo teor seguidamente se transcreve:
Artigo 37.º
(Beneficiários da entrega para exploração)
1 — Os prédios expropriados ou nacionalizados são entregues em propriedade ou
para exploração a beneficiários aptos a contribuírem para os objectivos da
política agrícola, nos termos da Constituição.
2 — O Estado privilegia, como beneficiários da entrega prevista no número
anterior, os pequenos e médios agricultores, de preferência integrados em
unidades ou empresas de índole familiar.
Os Deputados subscritores, conforme se alcança da interpretação da prévia
exposição de motivos, apenas põem em causa a norma do n.º 2, designadamente,
porque o n.º 1 do artigo não tem conteúdo preceptivo autónomo visto ele próprio
se remeter para «os termos da Constituição» no que respeita à entrega em
propriedade ou para exploração dos prédios expropriados ou nacionalizados a
«beneficiários aptos a contribuírem para os objectivos da política agrícola».
Porém, sendo certo que o n.º 1 não está posto em causa, constitui ele um
elemento interpretativo, e de relevo para esse efeito, do que se dispõe no
número seguinte, conforme se verá.
O pedido, nesta parte, vem fundamentado na circunstância de a lei privilegiar
«uns determinados beneficiários… em detrimento de outros igualmente previstos na
Constituição» do que resultaria violação do princípio da igualdade (artigo 13.º
da CRP) e do disposto no n.º 2 do artigo 97.º também da CRP.
Segundo esta disposição constitucional «as terras expropriadas serão entregues a
título de propriedade ou de posse, nos termos da lei, a pequenos agricultores,
de preferência integrados em unidades de exploração familiar, a cooperativas de
trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras formas de
exploração por trabalhadores…».
Enumeram-se na Constituição três categorias de possíveis destinatários da terra.
A lei limita-se a mencionar, referindo que sâo privilegiados como
beneficiários, «os pequenos e médios agricultores, de preferência integrados em
unidades ou empresas de índole familiar».
17.1 — Imediatamente ressalta uma discrepância entre o texto legal e o texto
constitucional, na medida em que este não refere os ‘‘médios’’ agricultores como
beneficiários. Mas importa colocar esta discrepância em termos adequados, que
não têm de ser, forçosamente, aqueles que resultam da falta de correspondência
literal entre as duas redacções.
Importa designadamente determinar se terá sido transgredido o âmbito
constitucionalmente relevante do conceito de pequeno agricultor. E aqui desde
logo ressalta a extrema fluidez e imprecisão da linha de fronteira entre os
conceitos de pequeno e de médio agricultor, a convidar, mais exactamente a
requerer, uma interpretação sistemática, sediada nas próprias normas sobre
política agrícola da Lei Fundamental.
Tenha-se assim em conta que, quando são enumerados os beneficiários do auxílio
do Estado na prossecução dos objectivos da política agrícola no n.º 1 do artigo
100.º, pequenos e médios agricultores surgem como candidatos preferenciais a
esse auxílio «nomeadamente quando integrados em unidades de exploração
familiar». Precisamente é também a integração em unidades de exploração
familiar o factor preferencial de entrega das terras expropriadas aos pequenos
agricultores, previsto no n.º 2 do artigo 97.º, enquanto a disposição legal
refere a integração em «unidades ou empresas de índole familiar».
A constituição de unidades de exploração familiar — ainda que não se queira
entender que a enumeração do n.º 2 do artigo 97.º não é fechada, na medida em
que nela se faz referência a «outras formas de exploração por trabalhadores» —
surge assim como elemento comum e, sob pena de quebra de unidade de sentido do
sistema, deverá o intérprete conferir-lhe um alcance pelo menos tendencialmente
parificador dos conceitos de pequeno e de médio agricultor, na parte que agora
releva quanto à entrega de terras.
Na verdade, ao analisarem-se as normas do n.º 2 do artigo 97.º e do n.º 1 do
artigo 100.º da Constituição, tem de se concluir que, se o objecto imediato da
previsão é diferente nas duas normas, todavia as finalidades a prosseguir não
diferem. Significativo é que, subjacente a ambos os preceitos, esteja a
realização da política agrícola que, ao promover a racionalização das estruturas
fundiárias e o acesso à propriedade ou à posse da terra, tem em vista beneficiar
aqueles que a trabalham, cumprindo assim o que se estabelece na alínea b) do n.º
1 do artigo 96.º da Constituição, fixando-se como condição de preferência, quer
para a exploração ou entrega das terras, quer para o auxílio do Estado, a
integração do trabalhador da terra em unidades de exploração familiar.
Deve portanto relativizar-se a discrepância de terminologias — a própria
Constituição parece também proceder desta forma em outros lugares da Parte II
Organização Económica, ao referir em vários dos seus preceitos conjuntamente as
pequenas e médias empresas [v. g., nos artigos 85.º, n.º 2, 87.º, n.º 2, e
alínea d) do artigo 103.º] — embora dentro de certos limites. Passam eles pela
impostação de que a lei, ao designar «os pequenos e médios agricultores» como
beneficiários da entrega de terras para exploração, ou seja a título de posse na
terminologia constitucional, se limita a estabelecer uma preferência no âmbito
daquela categoria, em favor de agricultores «integrados em unidades ou empresas
de índole familiar».
Na parte em que o artigo 37.º da Lei n.º 109/88, na redacção da Lei n.º 46/90,
complementado pela legislação de desenvolvimento, ou seja o Decreto-Lei n.º
63/89, de 24 de Fevereiro, se aplica às entregas ‘‘para exploração’’, é de
destacar que o legislador se movimenta ainda dentro das linhas já esboçadas.
Com efeito, nas definições contidas no Decreto-Lei citado, de publicação
anterior às alterações de 1990, para além do conceito de ‘‘pequeno agricultor’’
[alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º], surge-nos aí um outro que é o de «pequeno e
médio agricultor (PMA)».
Este conceito, que vem definido como tratando-se de um ‘‘agricultor autónomo,
jovem agricultor ou empresário agrícola, incluindo o jovem veterinário ou
técnico agrícola sem terra ou que assente o seu empreendimento na exploração
agrícola familiar’’ [alínea d) do mesmo número e artigo], é considerado como
«equivalente ao de pequeno agricultor dotado de profissionalidade agrícola»
(parte final da referida alínea).
Face a esta equivalência, parece legítimo sustentar-se que o conceito de
«pequeno agricultor» a que faz referência o n.º 2 do artigo 97.º da
Constituição, engloba o de «médio agricultor», que, afinal, mais não é do que o
camponês ou agricultor autónomo dotado de conhecimentos profissionais agrícolas
e que, se integrado também em unidades de exploração familiar, goza de
preferência na entrega de terras para exploração.
Assim, tem de se concluir que, neste segmento e segundo este entendimento, a
norma do artigo 37.º, n.º 2, da Lei n.º 109/88, na redacção da Lei n.º 46/90,
não viola a Constituição.
17.2 — Contudo, importa analisar o conteúdo da norma em causa, na perspectiva da
violação do princípio da igualdade.
Depois de, no n.º 1, o legislador ordinário ter estabelecido que os prédios
expropriados ou nacionalizados são entregues em propriedade ou para exploração a
beneficiários aptos a contribuírem para os objectivos da política agrícola, nos
termos da Constituição, determinou no n.º 2, ao fixar os beneficiários da
entrega para exploração, que «o Estado privilegia, como beneficiário da entrega
prevista no número anterior, os pequenos e médios agricultores, de preferência
integrados em unidade ou empresas de índole familiar».
Privilegiar, no contexto de todo o artigo, não significa a exclusão das outras
duas categorias constitucionais de possíveis beneficiários, a saber,
cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores bem como outras
formas de exploração por trabalhadores. Privilegiar significa então dar
preferência em igualdade de condições a candidatos à entrega dos prédios.
A verdade é que, sendo admissível a pluralidade de categorias de candidatos (sem
afastar a hipótese de pluralidade de candidatos no âmbito da mesma categoria), a
Lei vem limitar o poder de escolha da Administração, ainda que em termos amplos
e carecidos de desenvolvimanto, o que se justifica por estarmos perante uma Lei
de Bases, de entre todos aqueles que se mostrarem aptos a contribuir para os
objectivos da política agrícola.
Privilégio não envolve, neste contexto, exclusão nem favorecimento absoluto, e
um determinado critério de preferência tem de ser adoptado como forma de evitar
uma actuação administrativa insusceptível de controle, quando, relativamente ao
mesmo prédio ou prédios, surgir uma pluralidade de pretensões.
17.3 — Violação do n.º 2 do artigo 97.º da Constituição não ocorre, portanto.
Preferência, em concorrência de candidaturas, no caso, poderá porém envolver
preterição do princípio da igualdade?
É desde já necessário não esquecer que estamos perante uma segunda fase do
processo — aquela que pressupõe uma anterior em que serão admitidos a
beneficiários da entrega candidatos das três categorias contempladas no n.º 2 do
artigo 97.º A força deôntica da igualdade surge, consequentemente, mais
diluída, pois não se reporta à titularidade de um direito mas projecta-se no
âmbito da limitação da discricionaridade administrativa.
Ora, neste segundo plano, há que perguntar se é desajustado um relativo (não
absoluto) favor em benefício dos pequenos e médios agricultores (quanto a estes
no entendimento que já ficou referido) e, de entre estas duas categorias, em
terceiro plano, daqueles que se mostrem integrados em unidades ou empresas de
tipo familiar.
Em reforço da solução adoptada pelo legislador fala o n.º 2 do próprio artigo
97.º da Constituição, sobretudo se lido também em conjugação do n.º 1 do artigo
100.º É difícil não ver na enumeração a que procedem estas duas normas uma
graduação valorativa que vem em apoio do n.º 2 do artigo 37.º da Lei. Mas
decisiva é, conforme aliás a lei explicita, a consideração dos objectivos,
definidos para a política agrícola, no artigo 96.º, n.º 1, da Constituição.
Porque razão, em igualdade de condições, preferir os pequenos e médios
agricultores de preferência integrados em unidades ou empresas de índole
familiar? Porque essa será uma das vias de «promover… o acesso à propriedade ou
à posse da terra e demais meios de produção directamente utilizados na sua
exploração por parte daqueles que a trabalham». Não se nega que cooperativas de
trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou outras formas de exploração
por trabalhadores sejam também forma de acesso à terra e demais meios de
produção. Formas de associativismo, designadamente cooperativo, dos
trabalhadores rurais e dos agricultores são, aliás, candidatos
constitucionalmente legítimos ao apoio do Estado [cfr. a alínea d) do n.º 2 do
artigo 100.º da CRP].
No entanto, e desde logo pela via do associativismo, uma categoria não exclui a
outra ou outras, visto que pequenos agricultores podem estar ou vir a estar
associados em cooperativas.
Sendo porém necessário um critério de preferência, a opção legal em favor dos
pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades ou empresas de
índole familiar, é plenamente conforme à Constituição e não pode contrariar o
princípio da igualdade. Este tem de ser lido no contexto e no seguimento das
exigências positivas extraídas dos valores constitucionalmente relevantes, o
que, aliás, é uma perspectiva de entendimento só por si mais exigente do que a
mera censura externa de opções legislativas arbitrárias por lhes faltar
fundamento material bastante. E, patentemente, não é esse o caso, quando se
analisa o n.º 2 do artigo 37.º da Lei de Bases da Reforna Agrária na sua
redacção vigente.
17.4 — Conclui-se, pelas razões apontadas, pela não inconstitucionalidade da
norma constante do n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, na
redacção da Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto.
B.3) Pedidos A, B, C e D
18 — A norma do artigo 50.º da Lei de Bases da Reforma Agrária (versão
originária e da Lei n.º 46/90).
Finalmente resta apreciar a conformidade à Constituição do artigo 50.º da Lei de
Bases da Reforma Agrária, na redacção originária (Pedidos A e C) da Lei n.º
109/88 e na que lhe foi dada em 1990 (Pedidos B e D), desta forma se dando
cumprimento ao solicitado nos referidos Pedidos, no contexto e pelas razões já
apontadas em sede de questão prévia. Transcreve-se aqui apenas a redacção
actual dessa norma (quer a redacção originária quer a actual constam já do
texto, no ponto 6.1.4):
Artigo 50.º
(Pressupostos da suspensão de eficácia)
A suspensão da eficácia de actos administrativos que tenham como efeito
principal ou subordinado a atribuição ou devolução de terras a quem delas haja
sido privado só pode ser decretada judicialmente se, preenchidos os demais
requisitos da lei, o requerente estiver investido no direito de exploração de
determinada área por acto administrativo ou contrato válido oponível ao Estado.
18.1 — Sobre esta matéria tem o Tribunal Constitucional produzido abundante
jurisprudência, ainda que com votos de vencido, tendo a questão da conformidade
constitucional desta norma subido ao Plenário do Tribunal que, através dos
Acórdãos n.os 366/92, de 17 de Novembro de 1992, publicado no Diário da
República, II Série, de 23 de Fevereiro de 1993, e 205/93, de 9 de Março de
1993, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Maio de 1993, decidiu
julgar inconstitucional a norma do artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88 (versão
originária), por violação do artigo 13.º, n.º 2, da CRP, remetendo para a
fundamentação dos acórdãos que confirmou, com os n.os 43/92, de 28 de Janeiro de
1992, e 450/91, de 3 de Dezembro de 1991, respectivamente.
É esta fundamentação que aqui se reitera, no que respeita à versão originária do
artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88, em relação à qual o relator é vencido,
mas que passa a expor-se, como ratio decidendi no sentido da pronúncia de
inconstitucionalidade, recorrendo à transcrição parcial do Acórdão n.º 43/92:
O artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88, veio definir um regime específico sobre
os «pressupostos da suspensão de eficácia» de actos administrativos que, no
âmbito da reforma agrária, determinem a entrega de reservas ou reconhecem não
ter sido expropriado ou nacionalizado determinado prédio rústico.
E tal regime, de conteúdo manifestamente restritivo, importa, quando comparado
com o regime geral contido na LPTA, duas significativas alterações:
— restringe às empresas agrícolas que explorem o prédio abrangido mediante
concessão de exploração, licença de uso privativo, arrendamento rural ou
exploração de campanha, a legitimidade para requerer a suspensão da eficácia,
retirando às demais, isto é, a todas as outras que o explorem a outro título,
essa mesma legitimidade;
— Impede a concessão da suspensão da eficácia sempre que a pontuação da área na
posse do requerente seja inferior à pontuação da reserva atribuída ao
interessado na execução do acto.
Mas, ao instituir esta disciplina limitadora do instituto da «suspensão da
eficácia» de certos actos administrativos praticados no âmbito da reforma
agrária, o legislador acabou por atentar contra o texto constitucional.
Como é sabido, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da
Constituição proíbe o legislador de tratar desigualmente aquilo que é
essencialmente igual e de tratar igualmente aquilo que é essencialmente
desigual.
Porém, a vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não elimina
a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos limites
constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações de
vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou
desigualmente.
Só quando os limites externos da discricionaridade legislativa são violados,
isto é, quando a norma legal não dispõe de adequado suporte material, é que
existe desrespeito do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio.
De outro lado, as medidas de diferenciação devem ser materialmente fundadas sob
o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da
solidariedade, não se baseando em qualquer motivo constitucionalmente impróprio
(cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa
Anotada, vol. 1, 2.ª ed., Coimbra, 1984, pp. 148 e segs.
Pois bem: a jurisprudência pacífica e reiterada do Supremo Tribunal
Administrativo, com a concordância aliás, da melhor doutrina (cfr., entre
outros, os acórdãos de 10 de Janeiro de 1978 e de 17 de Abril de 1980, com
anotações de assentimento por parte do Prof. Afonso Queiró, na Revista de
Legislação e de Jurisprudência, ano 113.º, p. 274, e ano 114.º, p. 85), tem-se
pronunciado no sentido de às «unidades colectivas de produção», titulares de
posse útil sobre determinado prédio, pertencer interesse directo, pessoal e
legítimo na impugnação de acto atributivo de reserva ou reconhecedor de
inexistência de expropriação ou nacionalização relativo a tal prédio na área de
intervenção da Reforma Agrária, dispondo por isso de legitimidade para o
respectivo recurso contencioso e, consequentemente, para o correspondente pedido
de suspensão de eficácia.
Todavia, por força da norma aqui questionada, estabeleceu-se uma discriminação
entre as entidades com legitimidade para a impugnação contenciosa em termos de
umas — as que são ali elencadas, o requerente há-de explorar o prédio em causa
mediante concessão de exploração, licença de uso privativo, arrendamento rural
ou exploração de campanha) — poderem requerer a suspensão da eficácia dos
respectivos actos administrativos, não assistindo já, tal direito, às demais
entidades, isto é, a todas as outras que exploram o prédio a qualquer outro
título (e aqui se incluem as entidades que exploram o prédio com base na posse
útil que sobre o mesmo detêm).
Não se encontra qualquer fundamento material que sirva de suporte a este
tratamento diferenciado e discriminatório que, se assume assim, como
constitucionalmente insustentável.
Com efeito, quando se tiver em atenção que o direito de impugnação contenciosa
despojado da possibilidade de se requerer a suspensão da eficácia fica
desprovido do seu conteúdo essencial, a discriminação estabelecida naquela norma
apresenta-se, de todo, como arbitrária e irrazoável, desde logo, por força das
consequências que dela advêm ou podem advir.
Aliás, e tal como se assinala na alegação do senhor Procurador-Geral Adjunto «a
situação é similar à que foi apreciada pelo Tribunal Constitucional italiano,
nas suas sentenças n.os 284/84 e 227/85 (publicadas em Giurisprudenza
Costituzionale, ano 19.º, 1974, tomo ii, p. 2953, e ano 20.º, 1975, tomo ii, p.
1686, a propósito de uma norma que veio restringir (aos casos de erro grave e
evidente na identificação do imóvel expropriado ou dos respectivos
proprietários) os fundamentos da suspensão judicial dos actos expropriativos.
Aí se ponderou que é erróneo o entendimento de que, competindo à lei ordinária
determinar os casos da anulação de actos administrativos, fica na livre
disponibilidade do legislador limitar (ou eliminar) o poder instrumental de
suspensão dos actos impugnados. Este poder de suspensão é um elemento conatural
de um sistema de tutela jurisdicional, pelo que a exclusão desse poder ou a
limitação da área de exercício do mesmo a determinadas categorias de actos ou a
certos tipos de vícios contrasta com o princípio da igualdade sempre que não
ocorra uma justificação racional da diversidade de tratamento.
À luz do exposto, e considerando ainda o facto de este Tribunal (cfr. os citados
Acórdãos n.os 450/91 e 452/91) com base em argumentação similar à que aqui se
desenvolveu, já também assim haver decidido, impõe-se a conclusão de que a norma
do artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88, viola o princípio da igualdade
consagrado no artigo 13.º, n.º 2, da Constituição.
Conclui, assim, o Tribunal no sentido de declarar, com força obrigatória geral,
a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 50.º da Lei n.º 109/88, por
violação do artigo 13.º da Constituição.
Face a tal conclusão, torna-se inútil apurar se viola ou não as outras normas
constitucionais que vêm invocadas.
18.3 — Importa, por último, analisar se a redacção dada ao artigo 50.º da Lei
n.º 109/88, pela Lei n.º 46/90, é ou não violadora da Constituição, como
pretendem os requerentes dos Pedidos B e D.
Vejamos, antes de mais, as modificações introduzidas no texto legal.
Por um lado, verifica-se que a lei, na sua redacção actual, deixou de indicar
expressamente as categorias de recorrentes que poderiam requerer a suspensão da
eficácia do acto administrativo impugnado.
Por outro lado, a nova redacção eliminou o requisito da pontuação (só podia
requerer a suspensão da eficácia do acto administrativo que determinava a
entrega de reservas ou reconhecia não ter sido expropriado ou nacionalizado
certo prédio quem, preenchendo os anteriores requisitos, fosse, à data de tal
acto, possuidor de área de terra com pontuação inferior à pontuação da reserva
atribuída ao interessado na execução do acto), tendo também eliminado os n.os 2
e 3 da versão originária.
Ora, a versão actual do artigo 50.º, embora se entenda que a situação dele
resultante não será mais gravosa do que a da redacção originária, o certo é que
é passível da mesma censura em que incorreu a versão originária.
Com efeito, a restrição da legitimidade para requerer a suspensão da eficácia a
quem estiver investido no direito de exploração de determinada área por «acto
administrativo ou contrato válido oponível ao Estado» é tão arbitrária e
discriminatória quanto o era a feita na anterior redacção.
Assim, pelos fundamentos já invocados quanto à primeira redacção relativos à
discriminação sem fundamento material bastante entre as entidades com
legitimidade para requererem a suspensão da eficácia de actos administrativos
relativos à atribuição ou devolução de terras no âmbito da Reforma Agrária e as
que a não tinham (v. g. UCP’s, titulares da posse útil da terra), tem de se
concluir pela inconstitucionalidade da norma em causa, igualmente por violação
do artigo 13.º, n.º 1, da CRP.
III — Decisão
19 — Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade
das normas constantes dos artigos 17.º, 18.º [ressalvada a alínea a)], 28.º,
n.os 2 e 3, 30.º e 33.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, na sua versão
originária;
b) Não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos
4.º, 11.º (em combinação com o artigo 15.º), 12.º e 21.º, 13.º, 14.º, 15.º
considerado autonomamente, 18.º, alínea a), 19.º e 28.º, n.º 1, da versão
originária da mesma Lei, bem como das normas constantes dos artigos 14.º-A,
17.º, 18.º, 28.º, 39.º e 37.º, da referida Lei, com a redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto;
c) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do
artigo 50.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, na redacção originária e na
que lhe foi dada pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, por violação do artigo
13.º da Constituição.
Lisboa, 3 de Maio de 1995. — Vítor Nunes de Almeida [vencido, conforme
declaração aposta ao Acórdão n.º 450/91, relativamente à alínea c) da decisão,
cujos fundamentos valem para a redacção actual da lei] — Antero Alves Monteiro
Diniz — José de Sousa e Brito — Alberto Tavares da Costa — Guilherme da Fonseca
[vencido, em parte, quanto à decisão constante da alínea b)] — Armindo Ribeiro
Mendes [vencido, em parte, quanto à decisão constante da alínea b), por ter
considerado inconstitucionais os artigos 14.º-A e 37.º, n.º 2, da Lei n.º
109/88, na redacção dada pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto] — Maria Fernanda
Palma [vencida, em parte, quanto à decisão constante da alínea b), por ter
considerado inconstitucionais os artigos 14.º-A e 37.º, n.º 2, da Lei n.º
109/88, na redacção da Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto] — Bravo Serra [vencido
quanto à decisão constante da alínea c) do acórdão, pelas razões do Acórdão n.º
154/91, de que fui relator. Por outro lado, e uma vez que mantenho a posição
que, verbi gratia e por mais recente, defendi no Acórdão n.º 57/91, não dou a
minha anuência ao que se expõe no ponto 6.1 do presente aresto e, sequentemente,
não conhecia do pedido no que tange ao artigo 15.º da versão originária da Lei
n.º 109/88, de 26 de Setembro] — Fernando Alves Correia [vencido, quanto à
alínea c) da decisão, pelos fundamentos do Acórdão n.º 173/91 (publicado no
Diário da República, 2.ª Série, n.º 205, de 6 de Setembro de 1991), de que fui
relator] — Messias Bento [vencido quanto à decisão constante da alínea c):
entendi, de facto, que o artigo 50.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, não é
inconstitucional na versão originária nem na redacção introduzida pela Lei n.º
46/90. As razões são as que constam do Acórdão n.º 187/88, que, na nova lei,
ganham maior força, pois o decretamento da suspensão de eficácia exige agora
menos requisitos especiais] — José Manuel Cardoso da Costa [vencido quanto à
decisão da alínea c), conforme a posição que, sobre essa temática, já antes
assumi em decisões anteriores do Tribunal].
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, em parte, quanto à matéria constante da alínea b) da parte
decisória do acórdão, por entender verificar-se o vício de inconstitucionalidade
relativamente às seguintes normas:
1 — A do artigo 4.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, que não foi objecto de
alteração pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, e que o acórdão trata no seu n.º
8, relativamente ao Pedido A, para concluir «pela não inconstitucionalidade da
norma em apreço».
Sem questionar a posição do acórdão quando se entende que a
«inconstitucionalidade das normas questionadas nos presentes autos irá, assim,
ser apreciada face à versão actual da Constituição», porque se trata no caso de
inconstitucionalidade material, sendo que, «nesta sede, a norma constitucional
relevante para aferir a legitimidade constitucional é a que estiver em vigor no
momento em que se procede ao controlo» (ponto 6.2 do acórdão), a verdade é que
não acompanho inteiramente as considerações do aresto relativamente à «evolução
da Constituição no que se refere à Reforma Agrária» (ponto 7).
O desejo de ver na supressão da «própria referência à reforma agrária», com a
revisão constitucional de 1989, um alcance de «sensíveis e significativas»
alterações introduzidas com essa revisão na constituição agrária, não
corresponde inteiramente ao sentido de tais alterações, e, portanto, aquela
supressão não é tão intensiva e extensiva como se deseja no acórdão.
Sucede que, tendo sido suprimida a expressão reforma agrária, foram mantidos os
imperativos constitucionais contrários à reconstituição do latifúndio e
favoráveis à entrega da terra para exploração «por parte daqueles que a
trabalham» (96.º/1/b), devendo facultar-se o acesso à propriedade ou à posse (e
já não posse útil) da terra às mesmas entidades anteriormente qualificadas como
destinatários da reforma agrária (97.º/2). À inovação consistente na
possibilidade de acesso à propriedade de terra nacional, soma-se a expressa
previsão do direito de reserva para o proprietário expropriado (97.º/1).
Pensando no futuro da agricultura portuguesa, uma coisa é certa: não seria
possível assegurar a «transformação e modernização das estruturas económicas e
sociais» (9.º/d) fazendo regressar aos campos a desoladora expressão económica,
social e política do latifúndio, cuja eliminação é «incumbência prioritária do
Estado» (81.º/h) — é o entendimento de José Magalhães (Dicionário da Revisão
Constitucional, p. 97).
No mesmo sentido pronunciam-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, para quem a
eliminação do conceito de reforma agrária, que «era uma das imagens de marca do
texto originário da CRP (…), não significa a eliminação dos instrumentos em que
ela se traduzia» — Constituição anotada, 3.ª ed., p. 438.
Mas, a acrescentar ao que dizem aqueles Autores, pode ainda buscar-se, para ver
que afinal a constituição agrária não se alterou assim tanto, a partir do texto
originário da Lei Fundamental, pese embora a «imagem de marca» que aí tinha, o
próprio preâmbulo desta Lei, onde ainda se encontra a intenção socialista,
«tendo em vista a construção de um país livre, mais justo e mais fraterno», que
pode continuar «a poder servir, pelo menos, para impedir uma densificação
‘fraca’ do princípio da ‘democracia económica, social e cultural’ (artigo 2.º)»,
talqualmente se expressam Gomes Canotilho e Vital Moreira (loc. cit., p. 45). E
o citado artigo 2.º, donde releva o princípio social ou do Estado Social, como
directiva constitucional emanante do Estado de direito democrático, e ainda todo
o quadro constitucional integrador da organização económica, como seja, de modo
mais sobressaliente:
— o princípio da coexistência «do sector público, do sector privado e do sector
cooperativo e social da propriedade dos meios de produção», com protecção deste
último sector [alíneas b) e e) do artigo 80.º].
— as incumbências prioritárias do Estado de promover «o aumento do bem estar
social e económico e da qualidade de vida do povo, em especial das classes mais
desfavorecidas», de operar «as necessárias correcções das desigualdades na
distribuição da riqueza e do rendimento» e de orientar «o desenvolvimento
económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores
e regiões e eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a
cidade e o campo» [alíneas a), b) e d) do artigo 81.º].
— a garantia da «existência de três sectores de propriedade dos meios de
produção», compreendendo especificamente o sector cooperativo e social os «meios
de produção objecto de exploração colectiva por trabalhadores» [n.os 1 e 4,
alínea c), do artigo 82.º].
É o próprio acórdão a reconhecer, a contragosto, que «não pode porém dizer-se
que se insira (a lei de bases da reforma agrária) em um quadro
constitucionalmente neutro e totalmente entregue à liberdade de iniciativa
privada e ao jogo das leis do mercado», mas não retira de tal reconhecimento
todas as virtualidades que ele poderia comportar (pelo contrário, veio depois
estender-se em posições que, se não são pura exaltação do latifúndio,
correspondem, pelo menos, a um retrocesso latifundista).
E é logo o que acontece com o artigo 4.º da Lei n.º 109/88, posto em confronto
com o artigo 96.º da Constituição, não querendo o acórdão ver «qualquer
contradição entre as finalidades agrícolas» tal como são definidas naquele
artigo 4.º e as constantes da norma constitucional.
Mas há contradição, ficando muito aquém os objectivos da política agrícola
definidos na lei ordinária, relativamente aos objectivos que a directiva
constitucional do artigo 96.º impõe ao legislador (neste sentido apontaram já
alguns votos de vencido que acompanham o Acórdão deste Tribunal Constitucional
n.º 187/88, citado no aresto — cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12.º
Vol., pp. 91, 92 e 95 a 101).
Sem querer questionar aqui se é ou não perfeita e correcta a técnica legislativa
de repetir em lei ordinária os comandos constitucionais, então que se repitam
estes pura e simplesmente, quando o legislador o quer fazer, mas sem alterar,
contradizer ou inverter, os tais comandos.
Ora, os objectivos da política agrícola definidos nas alíneas b), c) e e) do n.º
1 do artigo 96.º não encontram eco em nenhuma das alíneas do questionado artigo
4.º, nomeadamente nas alíneas a) e b).
Com efeito, e só para aludir a alguns aspectos desses objectivos
constitucionais, o do «acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios
de produção directamente utilizados na sua exploração por parte daqueles que a
trabalham», ou o da criação de «condições necessárias para atingir a igualdade
efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores», ou ainda
o da incentivação do «associativismo dos agricultores e a exploração directa da
terra», não encontram tradução, mínima que seja, no artigo 4.º, não bastando
dizer-se, como aí se diz, e no acórdão se aceita, que a política agrícola visa
prosseguir o «reforço e aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra» [alínea
a)] e a «melhoria da situação económica, social e cultural e a garantia dos
direitos dos agricultores» [alínea b)]. Estas são fórmulas legais ocas e vagas,
que não espelham o modelo constitucional, podendo até servir unicamente para o
sector privado, cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou
colectivas privadas, com completa marginalização do sector cooperativo e social
de propriedade dos meios de produção, cuja protecção — e não só a existência —
é, como se viu já, um dos princípios fundamentais da constituição económica.
Tanto basta para concluir, talqualmente se concluiu nos aludidos votos de
vencido, que não interessa estar aqui a reproduzir, que há desconformidade entre
a norma em questão e o preceito constitucional do n.º 1 do artigo 96.º, pelo que
julgaria materialmente inconstitucional o artigo 4.º da Lei n.º 109/88.
2 — As dos artigos 11.º (em combinação com o artigo 15.º), 12.º e 21.º da Lei
n.º 109/88, relativos ao âmbito das expropriações e à delimitação dos actos
ineficazes, e que o acórdão trata nos seus pontos 9.1 e 9.2, para concluir «pela
não inconstitucionalidade» de tais normas, dando, assim, por improcedente a
arguição constante do Pedido A de que elas «diminuem especificamente a área
sujeita a expropriação».
Ainda que acompanhe o acórdão no ponto em que se dá como apurado, em síntese,
que «as modificações operadas quanto à determinação da área das reservas, cujo
alargamento envolve, consequentemente, diminuição da área expropriável, vistas
as coisas objectivamente, não são determinadas pelo propósito, ainda que tácito
ou implícito, de repor a situação anterior e de liquidar as radicais
transferências de propriedade ocorridas», não incorrendo ainda «as normas legais
questionadas em censura de inconstitucionalidade à face dos padrões introduzidos
na Lei Fundamental pela versão da Lei Constitucional n.º 1/89», dele divirjo, no
entanto, no aspecto em que se reporta à delimitação dos actos ineficazes,
matéria constante do artigo 21.º
Com efeito, mesmo na perspectiva aceitável — e que é a do acórdão — de consentir
a Lei Fundamental «ao legislador uma margem de conformação legislativa na
matéria», e «essa margem existe e é considerável, dentro dos objectivos
constitucionalmente fixados para a política agrícola», a verdade é que uma norma
daquele tipo, que «desloca para o início do processo de expropriação a data a
partir da qual se comina a ineficácia, contribui de forma censurável para a
diminuição da área expropriável», para usar a linguagem do acórdão.
Vendo a razão de ser do preceito do artigo 21.º na necessidade ainda sentida
pelo legislador de 1988 de criar, através da figura da ineficácia de actos ou
contratos, um mecanismo que evitasse a «diminuição de área expropriável», em
conjugação com o artigo 11.º, relativo ao âmbito das expropriações (e combinado
este com o artigo 15.º, que fixa o rendimento fundiário em 91 000 pontos), a
verdade é que a alteração introduzida relativamente ao artigo 24.º da Lei n.º
77/77, de 29 de Setembro, veio significar mais um «retrocesso latifundista»,
contrário àquele objectivo de se evitar a «diminuição de área expropriável».
É que, enquanto na óptica daquele artigo 24.º, o mecanismo da ineficácia,
amortecedor das consequência lesivas para os trabalhadores da aplicação da
citada Lei n.º 77/77, começava logo a partir da data de 25 de Abril de 1974,
funcionando ainda uma presunção (n.º 3), relativamente a actos ou contratos que
«tenham sido celebrados com parentes ou afins», com o artigo 21.º esse mecanismo
só se reporta a «actos ou contratos, relativos a prédios já expropriados,
praticados depois do início do processo de expropriação dos quais resulte
diminuição de área expropriável», desaparecendo também aquela presunção.
Mesmo que se entenda que da Constituição não decorre a exigência de uma norma
legal do tipo do artigo 24.º da Lei n.º 77/77, certo é que ao legislador estava
vedado eliminar agora, na prática, uma medida concebida para lutar contra a
reconstituição do latifúndio. Mas, conseguiu-o com o artigo 21.º, ora
questionado, fazendo desaparecer a ineficácia dos actos ou contratos que
posteriormente à data de 25 de Abril de 1974 tiveram em vista o resultado de
diminuir a área expropriável, sobretudo através de negociatas com parentes,
afins ou amigos, que permitiram fazer reviver o statu quo anterior àquela data,
na zona de intervenção da reforma agrária.
Sendo o latifúndio naquela zona «um dos mais trágicos flagelos económicos e
sociais» que durante longo período marcaram a agricultura portuguesa no sul do
País (cfr. J. Magalhães, loc. cit., p. 71, referindo-se ainda às «martirizadas
terras do latifúndio»), isso mesmo o reconhece o legislador constituinte que fez
da reforma agrária a tal «imagem de marca» de que se falou já (e é sabido que a
supressão dos latifúndios está ligada à concepção tradicional da reforma
agrária).
Em todo o caso, como diz aquele Autor, ficaram insatisfeitos «os que desejavam
que a II Revisão convertesse a Constituição da República num hino ao latifúndio
(ou o esvaziamento de directrizes e garantias antilatifundistas, estabelecendo
um silêncio constitucional propício à livre reconstituição latifundiária)»,
sendo que o e «novo regime causa porém apreensão»:
(…) acarreta as mesmas consequências jurídicas do anterior (e traz os benefícios
da desideologização)? Assim pode permitir concluir com algum esforço uma
interpretação escorreita dos preceitos da Constituição revista. Irão, porém,
fazê-la aqueles mesmos que na vigência da redacção anterior foram contrariando,
ano após ano, os sinais que a ruptura revolucionária de 1974/1975 espalhou pelas
martirizadas terras do latifúndio?
É de presumir que não. E é mesmo de reconhecer que para esses a terceira
revisão já começou… (loc. cit., p. 71).
E, um sinal dessa «apreensão» é exactamente a norma questionada do artigo 21.º,
regredindo em relação à anterior solução do artigo 24.º da Lei n.º 77/77, e
abrindo na sua aplicação o caminho para resultados opostos ao propósito
manifestado na norma e relacionado com a evitação da «diminuição de área
expropriável», na medida em que se limita a ineficácia dos actos ou contratos,
relativamente a prédios já expropriados, aos «praticados depois do início do
processo de expropriação» e só a estes.
O próprio acórdão arranca uma resposta positiva, em sede de juízo de
inconstitucionalidade e à luz do texto da Constituição, a que seguidamente não
adere, «se se entender que as normas constitucionais vigentes a partir de 1982
consagravam a expropriação como objectivo ‘a se’». E é assim mesmo, no meu
entendimento, que não é o do acórdão, nada impedindo que se olhe com tal
perspectiva a expropriação, pois o objectivo fundamental de introduzir uma
profunda correcção nas estruturas e na repartição do rendimento no mundo rural
continua a ser, quer se queira, quer não, a característica basilar da
constituição agrária portuguesa. Tal modelo constitucional não permite ao
legislador ordinário tomar opções geradoras de retrocessos, como é opção do
artigo 21.º, abrindo o caminho para efectivamente diminuir — e não evitar a
diminuição — a área sujeita a expropriação.
Se no quadro político foram criadas condições, na década de 1980, para inverter
o sinal da constituição agrária, aproveitando a eliminação de expressões
ideologicamente marcantes de um projecto de transformação da agricultura
portuguesa, na zona de intervenção da reforma agrária, nascido com o 25 de Abril
de 1974, não venha agora o legislador ordinário a dar um impulso mais a tal
inversão.
Veja-se, em Portugal 20 Anos de Democracia, Círculo de Leitores, pp. 183 e segs.
e 199-201, a notícia histórica da movimentação que conduziu à Reforma Agrária,
com «as primeiras ocupações de terras no Alentejo e em algumas zonas contíguas
do Ribatejo», podendo, a propósito, ler-se aí o seguinte:
Por outro lado, um dos pilares constitucionais do socialismo revolucionário — a
«Reforma Agrária» — resistiu longos anos, mas terminou mais cedo, por um
processo maciço de atribuição de reservas nos termos da lei ordinária (de 1977 a
meados dos anos 80). Operou-se, pois, a sua liquidação por uma mera prática
administrativa, muitas vezes necessitando, para se manter, do desrespeito
sistemático de decisões dos tribunais, como foi o caso da não execução de mais
de duas centenas de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que anulava
actos de atribuição de reservas por parte do Governo — p. 193.
Não pode ignorar-se, (...), que cabendo ao legislador ordinário praticar opções
fundamentais definidoras de conceitos como o de «dimensão excessiva»
(168.º/1/n), é sempre no sistema político que se gerarão as condições
necessárias aos avanços (ou retrocessos) dentro do quadro geral desenhado pela
Constituição. De um milhão e duzentos mil hectares de terra ocupada na zona da
reforma agrária, após o 25 de Abril, restavam na posse de unidades colectivas de
produção, no ano de 1989, escassos milhares, minguantes, por força de uma
política inconstitucional (antes e após a revisão) de reconstituição do
latifúndio... — é o que escreve, a propósito, José Magalhães, loc. cit., p. 21.
Por tudo isto, e para encurtar razões, ao contrário da conclusão a que se chega
no acórdão, entendo sair ferida a Constituição no seu ramo da constituição
agrária, pelo conteúdo da norma do artigo 21.º, conjugada com o artigo 11.º e
combinado este com o artigo 15.º, e assim o meu juízo é um juízo de
inconstitucionalidade relativamente a esse conjunto de normas.
3 — A do artigo 14.º-A, objecto de um aditamento introduzido pela Lei n.º 46/90,
de 22 de Agosto, e questionada no Pedido B, ao abrigo da qual, e segundo esse
Pedido, «a Administração exerceria competências que seriam indubitavelmente do
foro jurisdicional, assim se contrariando os artigos 205.º e 206.º da
Constituição».
Contrariamente ao entendimento a que se chegou no acórdão, no seu n.º 14, no
sentido de que o «argumento da invasão da reserva da função jurisdicional
claudica logo à partida» — e daí concluir-se «pela não inconstitucionalidade da
norma em apreço» —, entendo que há ferimento da Constituição, exactamente das
normas dos artigos 205.º e 206.º
Isto porque, e seguindo a linguagem do acórdão, «pôr termo a situações que se
terão constituído à margem da lei, com a ocupação de terras não passíveis de
expropriação», sendo que é o Estado — «e aqui será de entender que se refere (a
norma) aos órgãos e agentes da função administrativa»: lê-se de modo claro no
aresto — proceder «à desocupação de todas as terras que não são passíveis de
expropriação», é invadir a «competência dos tribunais» e não apenas «proceder às
operações materiais exigidas pelo restabelecimento da legalidade».
Neste ponto, e para encurtar razões, acompanho convictamente as declarações de
voto dos Ex.mos Conselheiros Maria Fernanda Palma e Ribeiro Mendes, apontando, e
bem, para a «conclusão de que a norma do artigo 14.º-A da L.B.R.A. é
frontalmente contrária ao disposto nos artigos 205.º, n.º 2, e 206.º da
Constituição» («está em causa uma actividade administrativa que pressupõe a
definição de direitos, numa situação de conflito social com eventual repercussão
jurídica, sem intervenção dos tribunais»).
É que, se o Estado não tiver o direito de disposição, e os bens estiverem na
posse, ainda que sem a correspondente situação jurídica, de pessoas
particulares, é evidente que a Administração, exercendo uma função
administrativa, não tem legitimidade para ordenar a restituição ou entrega ou
ainda a devolução desses bens.
Não pode ignorar-se em tais casos a existência de um conflito, sendo que não se
verifica a presença de relevante interesse público para intervir, antes a
hetero-composição de conflitos de interesses privados.
Assim, tal comportamento da Administração, traduzido na prática de actos
administrativos, irá feri-los necessariamente de invalidade por vício de
usurpação de poder, arrastando a consequência da nulidade (cfr., por exemplo, os
acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de Março de 1983, nos Acórdãos
Doutrinais, n.º 264, p. 1437, e de 11 de Dezembro de 1986, no Boletim, n.º 358,
p. 400).
4 — As dos artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88, na redacção da Lei n.º 46/90,
e que o acórdão trata no seu n.º 15, para concluir que «não violam a
Constituição quer a norma constante da redacção originária da alínea a) do
artigo 18.º, quer as normas dos artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88 na
redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 46/90».
Respeitando aquele artigo 17.º aos chamados indivisos (contitularidades e
heranças indivisas), para tratar aí os quinhoeiros nas propriedades expropriadas
como titulares individualizadas de um direito de reserva (diz o acórdão:
«Coloca-os na posição em que se encontrariam se, à data da expropriação, a
situação não fosse de indivisão e cada interessado tivesse então direito a uma
reserva»), e reportando-se o artigo 18.º ao património das sociedades, para aí
fazer «caber uma reserva múltipla equivalente à soma de várias reservas», é bom
de ver que, talqualmente se posiciona o acórdão, que «tudo reverte para o
conceito legal de latifúndio» ou ainda se reconduz «à questão da determinação do
conceito constitucional de latifúndio — ou melhor, à questão da margem,
reconhecidamente ampla, em que ao legislador é permitido mover-se nesta
matéria».
Mas, se é certo que, nesta matéria, «a fixação da quantificação entra no campo
do poder de conformação do legislador, e só merecerá censura se objectivamente
for conducente à prossecução de objectivos que contrariem a Constituição», não é
menos verdade que, contrariamente ao juízo a que aderiu o acórdão, nada inovando
relativamente ao anterior Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 187/88 —
cuja «orientação aí firmada é de manter» —, a proibição constitucional da
reconstituição do latifúndio, consagrada nos artigos 81.º, alínea h), e 97.º da
Lei Fundamental, sai fortemente atingida (razão têm, pois, os requerentes do
Pedido B, quando, em síntese, sustentam que «as vias abertas pela nova redacção
dos artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, conduzem à
restauração do latifúndio tal como historicamente existiu e, como na prática,
tem estado a suceder»).
E isto quer no aspecto da pura aplicação dos mecanismos permissivos dos artigos
17.º e 18.º, quer no aspecto da conjugação dessa aplicação com a eliminação da
sanção da nulidade cominada para os actos jurídicos que conduzam à reunificação
das reservas atribuídas [anteriores n.º 5 do artigo 17.º e alínea e) do artigo
18.º da Lei n.º 109/88, na sua versão originária].
É de todos sabido, e também sabe o acórdão, o que significa latifúndio, não em
sentido físico — uma muito grande propriedade privada, em suma —, mas no sentido
verdadeiro que é o económico, correspondendo à ideia essencial de propriedade
excessiva («latifúndio é conceito aplicável a uma exploração agrícola que tenha
dimensão excessiva do ponto de vista dos objectivos da política agrícola» —
lê-se no acórdão). «Excessiva num duplo sentido: a) porque proporciona ao
respectivo proprietário rendimento bastante para lhe assegurar amplas
possibilidades de usufruir, sem que para tal se veja obrigado a exercer a função
empresarial, isto é, com recurso a um ou a múltiplos arrendamentos das suas
terras, um nível de vida igual ao das classes mais elevadas da pirâmide social,
e portanto muitíssimo superior ao da grande maioria dos empresários agrícolas na
região; b) porque ultrapassa, em exigências, a capacidade normal de gestão
agrícola de uma pessoa, o que faz com que esta gestão seja deficientemente
exercida, com fraco aproveitamento dos recursos disponíveis e, em particular, da
capacidade produtiva do solo» (cfr. Focus, Enciclopédia Internacional, vol. iii,
p. 288, acrescentando-se ainda: «As estruturas agrárias caracterizadas pelo
predomínio ou pela forte representação da propriedade latifundiária não se
caracterizam, porém, apenas pela extensividade dos sistemas de produção, mas
também pela extrema assimetria económica na repartição do rendimento
social-agrícola, pelo absentismo dos proprietários, pelos contratos mal
equilibrados de arrendamento e de parceria, pelo fraco e descontínuo grau de
emprego da população rural e pelo baixo nível de vida da maioria desta»).
Álvaro Cunhal revela, com números e tabelas referidos às décadas de 1940/1960, e
por distritos do continente, a situação da divisão da propriedade no nosso País,
para constatar que «Portugal é, a um tempo, um país de muito grandes e muito
pequenos proprietários, com predomínio dos muito grandes proprietários»
(Contribuição para o Estudo da Questão Agrária, vol. i, p. 253). E, a
propósito, regista que:
[Mas,] tendo em conta que as áreas médias dos prédios rústicos nos distritos de
Beja e Setúbal são mais elevadas do que respectivamente nos distritos de
Portalegre e Évora; tendo em conta que os maiores latifúndios estão situados no
distrito de Setúbal; tendo em conta que nos distritos de Castelo Branco,
Santarém, Lisboa e Faro e ainda junto do Douro e raia beiroa existem vastas
áreas onde domina a grande propriedade — ao reparar-se que os 1904 maiores
proprietários dos distritos de Évora e Portalegre possuem (sem contar com os
prédios de menos de 60 ha nem com as propriedades em mais de um distrito) mais
de 1 milhão de hectares (quase uma oitava parte do território continental), não
pode deixar de se pensar que menos de 10 000 grandes proprietários (no total de
1 milhão e meio de proprietários) possuem mais de metade das terras de Portugal
continental.
Ora, é uma situação assim figurada que acaba por arrastar a aplicação dos
questionados artigos 17.º e 18.º, em especial com a eliminação agora da sanção
da nulidade que, por cautela, o legislador, e bem, fazia constar da versão
originária daqueles preceitos (a «dinâmica do sistema, doravante entregue ao
jogo da autonomia privada», como lhe chama o acórdão, no ponto 15.3.1).
E, não se diga, como faz o acórdão, que o «latifúndio começa para além da
reserva e esta deve corresponder a uma área suficiente para a viabilidade e
racionalidade da sua própria exploração», pois é claro que o funcionamento dos
mecanismos que os artigos 17.º e 18.º facultam, mesmo considerando para o
património das sociedades o «limite equivalente à área de 4 reservas», vai
necessariamente implicar a multiplicidade de reservas e possibilitar a tal
«propriedade excessiva», que é a nota típica do latifúndio. Este não começa só
«para além da reserva», como se diz no acórdão, é antes preenchido pelas
reservas múltiplas a que se vão arrogar os quinhoeiros e os sócios, contemplados
com as benesses legislativas.
E, também não se desqualifique a tal «dinâmica do sistema, doravante entregue ao
jogo da autonomia privada», por via da eliminação da sanção da nulidade, com a
consideração simplista a que adere o acórdão de que «o Capítulo ii tem natureza
transitória e não aspira a mais do que isso mesmo, ou seja, os artigos 17.º e
18.º inscrevem-se no programa normativo do destino a dar a prédios anteriormente
expropriados (artigo 13.º), localizados na zona de intervenção agrária (corpo do
artigo 11.º), sendo que a nova redacção do artigo 1.º (o artigo 2.º foi
expressamente revogado pelo artigo 3.º da nova Lei) trazida pela Lei n.º 46/90,
vem esclarecer definitivamente a questão». É que, a Lei de Bases da Reforma
Agrária, a de 1988, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 46/90, de 22 de
Agosto, não é em nenhum dos seus capítulos uma lei transitória, é, sim, a lei
disciplinadora, para o presente e para o futuro, do «redimensionamento das
unidades de exploração agrícola» e do destino das áreas expropriadas e
nacionalizadas — com expressa invocação da directiva constitucional da
eliminação dos latifúndios constante do artigo 97.º da Lei Fundamental —,
estabelecendo ainda «os princípios gerais relativos ao uso e mau uso dos solos
agrícolas e ao fomento hidroagrícola» (artigo 1.º, n.º 1). Transitória é tão-só
a «composição da zona de intervenção da reforma agrária (ZIRA), constante do
Decreto-Lei n.º 236-B/76, de 5 de Abril», mantida ainda até à «entrada em vigor
da legislação, de âmbito nacional, que estabelecerá as bases gerais do fomento
agrário e das estruturas agrícolas» (n.º 2), o que significa que se mantêm as
fronteiras de tal zona até que saia nova legislação, que poderá ou não
alterá-las.
Portanto, não tem sentido falar, como faz o acórdão, no esgotamento no tempo da
«aplicação da lei, uma vez terminada a reestruturação fundiária que é objecto do
respectivo Capítulo ii (artigos 11.º a 34.º)», pois o regime jurídico da
propriedade na ZIRA não se vai esgotar no tempo, mesmo no capítulo da
reestruturação fundiária, e terá sempre a presidi-lo a directiva constitucional
do artigo 97.º
Aliás, o acórdão sente a dificuldade, quando reconhece que o «argumento da
possibilidade de reconstituição in futuro dos latifúndios» tem «mais peso» e
poderia «na verdade perguntar-se se tal efeito não se produzirá», mas responde à
pergunta com a consideração da «natureza provisória» do dito Capítulo II, o que
é curto, como que a resposta de «mau pagador» (e tanto parece assim que acaba o
acórdão por introduzir a ideia de «uma hipotética censura por omissão
legislativa», quando a verdadeira censura é de acção legislativa).
Por tudo isto, e talqualmente se exarou no já referenciado voto de vencido que
acompanhou o Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 187/88, esta
«multiplicação de reservas» que se consente às contitularidades e heranças
indivisas contraria um dos objectivos assinalados à política agrícola, ou seja,
precisamente a transferência progressiva da posse útil da terra para aqueles que
a trabalham [a alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º], transferência essa que, nos
termos do n.º 1 do artigo 97.º da Constituição, deve ser obtida «através da
expropriação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas» (cfr. loc.
cit., p. 92).
Daí que o meu juízo seja um juízo de inconstitucionalidade, por violação
daquelas normas constitucionais.
5 — A do artigo 37.º da Lei n.º 109/88, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 46/90, questionada no Pedido B, na base de que aí se estava a privilegiar
«uns determinados beneficiários... em detrimento de outros igualmente previstos
na Constituição», do que «resultaria violação do princípio da igualdade (artigo
13.º da CRP) e do disposto no n.º 2 do artigo 97.º também da CRP».
Contrariamente ao entendimento a que se chegou no acórdão, no seu n.º 17, no
sentido da «não inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 37.º
da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, na redacção da Lei n.º 46/90, de 22 de
Agosto», entendo que ela viola grosseiramente as normas dos artigos 97.º, n.º 2,
e 13.º da Constituição.
Isto porque, e desde logo, como se reconhece no acórdão, imediatamente «ressalta
uma discrepância entre o texto legal e o texto constitucional, na medida em que
este não refere os ‘médios’ agricultores como beneficiários», só que o acórdão
não retira daí as consequências devidas e antes se mete por caminhos tortuosos,
para chegar a um juízo de conformidade constitucional. Quando o verdadeiro
juízo passaria até só pela interpretação declarativa do n.º 2 do artigo 97.º da
Constituição, vedando que, para os efeitos nele previstos, os médios
agricultores constituam categoria autónoma, e daí a desconformidade da norma
questionada com a Constituição.
Neste ponto, e para encurtar razões, acompanho inteiramente as declarações de
voto dos Ex.mos Conselheiros Maria Fernanda Palma e Ribeiro Mendes, convergindo
para a solução da violação frontal da Constituição. — Guilherme da Fonseca.
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 — Embora acompanhando a maior parte das decisões constantes do acórdão,
afastei-me da maioria do Tribunal relativamente ao juízo de não
inconstitucionalidade feito quanto às normas dos artigos 14.º-A e 37.º da Lei de
Bases da Reforma Agrária — L.B.R.A. (Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, na
redacção introduzida pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto).
Passarei a referir brevemente as razões da minha discordância.
2 — A norma do artigo 14.º-A da L.B.R.A.
Na alteração da L.B.R.A. de 1990, foi introduzido um novo artigo, o artigo
14.º-A, que estatui que aos proprietários de prédios meramente ocupados se
aplicam, «com as necessárias adaptações, as disposições relativas ao direito de
reserva, devendo o Estado proceder às desocupações de todas as terras que, em
conformidade com o disposto na presente lei, não são, passíveis de expropriação»
(itálico acrescentado).
Os Deputados signatários do Pedido B (Processo n.º 272/90, que foi incorporado
no Processo n.º 406/88) sustentaram que a norma em causa sofria de
inconstitucionalidade, na medida em que o legislador invade «a competência dos
tribunais, negando-se-lhes a possibilidade de se pronunciarem, em cada caso
concreto, sobre os direitos de propriedade dos prédios ocupados». E, no
respectivo pedido, concluíram que a norma impugnada «atribui à Administração
competências que são indubitavelmente da função judicial contrariando os artigos
205.º e 206.º da Constituição».
A maioria do Tribunal não viu em que medida se podia verificar «invasão da
competência dos tribunais, se se atender a que a Administração actua no
cumprimento da lei e com vista ao restabelecimento de uma situação de
normalidade jurídica» (ponto 14.1 do Acórdão). Depois de interpretar a norma
como atribuindo uma competência às autoridades administrativas do Estado —
interpretação que parece, de um ponto de vista sistemático, a mais adequada,
muito embora se justificasse, em minha opinião, uma interpretação conforme à
Constituição que implicasse a leitura de que a competência era atribuída aos
órgãos judiciais do Estado — considerou que a Administração não ficava
directamente investida no poder de se pronunciar sobre «os direitos de
propriedade dos prédios ocupados», antes devendo, «perante uma ocupação
desprovida de qualquer outro título que não seja o da mera factualidade
contrária à lei» proceder «às operações materiais exigidas pelo restabelecimento
da legalidade», não dirimindo assim, «qualquer conflito de direito tendo por
objecto esses bens».
Em minha opinião, trata-se de uma doutrina perigosíssima, permitindo que o
legislador possa confiar sistematicamente às autoridades policiais a competência
para pôr termo a situações de esbulho entre particulares.
De harmonia com o n.º 2 do artigo 205.º da Constituição, incumbe aos tribunais
«dirimir os conflitos de interesses públicos e privados».
Como referem os comentadores Gomes Canotilho e Vital Moreira, permanece uma
«questão altamente controvertida» a delimitação da reserva de competência
judicial. Em todo o caso, os mesmos constitucionalistas notam que não há
dúvidas nessa delimitação quando se trate de «definição autoritária de conflitos
de interesses privados», pois tal definição cabe iniludivelmente aos órgãos
judiciais, como deverão caber os casos duvidosos, por decorrência de «um
entendimento exigente do princípio do Estado de direito democrático (artigo
2.º)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. revista, Coimbra,
1993, pp. 792-793).
Ora, é bem conhecido que, após a Revolução de Abril de 1974, os camponeses do
Sul do País procederam a ocupações de propriedades rústicas pertencentes a
terceiros, tendo sido criadas explorações agrícolas de tipo cooperativo que se
desenvolveram e em que houve consolidação de situações fácticas de «posse útil
da terra», com duração por vários anos. Deve notar-se que esse movimento
fáctico ou revolucionário de ocupações foi acompanhado por diplomas legais que,
de certo modo, procuraram legalizar algumas dessas situações (nomeadamente, os
Decretos-Leis n.os 406-A/75 e 407-A/75, de 30 de Julho). Entre 1975 e 1988,
sucederam-se igualmente duas leis de reforma Agrária (Lei n.º 77/77, de 29 de
Setembro, vulgarmente conhecida como Lei Barreto; Lei n.º 109/88, de 26 de
Dezembro).
Não pode, face à multiplicidade de situações jurídicas ou fácticas constituídas
à sombra de legislações sucessivas, pretender-se que, em 1990, as autoridades
administrativas, nomeadamente as autoridades policiais, possam proceder às
desocupações de todas as terras, manu militari, que não sejam passíveis de
expropriação e estejam meramente ocupadas, sem que tenham de proceder a
actividades de «definição autoritária de conflitos de interesses provados» entre
proprietários desapossados e exploradores de facto, com posse útil.
Trata-se de uma actividade que implica dirimir conflitos privados, não se vendo
como pode aí haver — tal como sustenta a tese maioritária — simples «operações
materiais exigidas pelo restabelecimento da legalidade». Só juízes
independentes podem interpretar e aplicar a lei aos factos apurados nos
processos intentados pelos proprietários desapossados.
E, como é evidente, a afirmação de que a Administração Pública actua «no
cumprimento da lei» não pode chegar para se considerar que tem a possibilidade
de dirimir quaisquer litígios entre particulares, ainda quando esteja em causa o
asseguramento «da normalidade jurídica» e interesses públicos de boa gestão da
economia agrária. De outro modo, teria de se concluir pela inexistência de uma
imposição constitucional da reserva do juiz.
Tão-pouco se pode argumentar — como se faz na tese maioritária — com que a
expropriação e a atribuição de reservas se fazem através da prática de actos
administrativos. Por um lado, não foi pedida ao Tribunal Constitucional a
apreciação da constitucionalidade de tais soluções legais. Por outro lado, e
decisivamente, o que está em causa é a resolução de litígios sobre a posse de
terras entre privados, em que tem de apurar-se se existe ou não ocupação
titulada, sendo certo que tais situações de ocupação remontam, por vezes, a
longos períodos e em que há, mesmo, explorações agro-industriais, inexistentes
na data do início da situação controvertida.
Daí a conclusão de que a norma do artigo 14.º-A da L.B.R.A. é frontalmente
contrária ao disposto nos artigos 205.º, n.º 2, e 206.º da Constituição.
3 — A norma do n.º 2 do artigo 37.º da L.B.R.A.
O artigo 37.º da versão de 1990 da L.B.R.A. prevê, no seu n.º 1, que os prédios
expropriados ou nacionalizados são entregues em propriedade ou para exploração a
beneficiários aptos a contribuírem para os objectivos da política agrícola, nos
termos da Constituição.
Por seu turno, o n.º 2 deste artigo cria preferências legais relativamente à
entrega a terceiros de prédios expropriados ou nacionalizados pelo Estado:
O Estado privilegia, como beneficiários da entrega prevista no número anterior,
os pequenos e médios agricultores, de preferência integrados em unidades ou
empresas de índole familiar.
Considero que este n.º 2 do artigo 37.º contraria, frontal e iniludivelmente, a
prescrição constitucional constante do artigo 97.º, n.º 2, da Lei Fundamental,
ao menos quando se trate da entrega de prédios expropriados (sendo embora
sustentável que, por analogia, não deva ser outra a solução em caso de entrega
de prédios nacionalizados, dada a substancial identidade das duas situações, no
domínio da Reforma Agrária).
Este preceito constitucional prevê a quem deverão ser entregues as terras
expropriadas, a título de propriedade ou de posse, nos termos da lei:
— a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de exploração
familiar;
— a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores;
— a outras formas de exploração por trabalhadores.
O mesmo texto prevê ainda que a entrega dessas terras antes da outorga da
propriedade plena é feita «sem prejuízo da estipulação de um período probatório
da efectividade e da racionalidade da respectiva exploração».
Face ao grau de concretização desta previsão constitucional, tenho como
indiscutível que o legislador ordinário não pode criar uma preferência nova e
diversa, para efeitos de entrega de terras expropriadas (ou nacionalizadas), a
favor de médios agricultores, por um lado. E, por outro, não pode também
privilegiar arbitrariamente nenhuma das categorias contempladas (pequenos
agricultores; cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores;
outras formas de exploração por trabalhadores, nomeadamente as chamadas
«unidades colectivas de produção»), já que a única preferência
constitucionalmente admitida, no que toca a uma das categorias e dentro dessa
mesma categoria, foi a dos pequenos agricultores integrados em unidades de
exploração familiar.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao comentarem este n.º 2 do artigo 97.º da
Constituição, afirmam que, embora a Lei Fundamental não defina os critérios de
repartição da terra pelas duas categorias reais de beneficiários (trabalhadores
e pequenos agricultores), a liberdade de conformação do legislador deve ser
balizada pelos seguintes critérios constitucionalmente adequados:
a) se a eliminação do latifúndio visa proporcionar o acesso da terra a quem a
trabalha, então hão-de ter preferência os trabalhadores rurais e agricultores
(rendeiros, seareiros) que já estivessem ligados à própria terra nacionalizada;
b) as formas cooperativas e equiparadas permitirão o acesso de maior número de
trabalhadores e agricultores à posse e gestão da terra do que as explorações
individuais, dando assim melhor realização ao referido objectivo constitucional
(Constituição cit., p. 441).
Quanto à categoria de trabalhador rural, a sua definição não suscita dúvidas.
Trata-se dos assalariados, que não possuem terra e que, mediante contrato de
trabalho, desenvolviam a sua actividade em benefício do antigo explorador da
terra expropriada ou nacionalizada ou de outros exploradores privados e que,
individualmente ou em organizações associativas (cooperativas de trabalhadores;
UCP‘s), passaram a trabalhar nesses prédios [cfr. artigo 82.º, n.º 4, alíneas a)
e c), da Constituição].
Mais difícil é a caracterização de pequeno agricultor, uma vez que tem de
admitir-se uma actividade de concretização pelo legislador. Como referem ainda
os mesmos comentadores, a tarefa de densificação pelo legislador não pode,
porém, ser arbitrária, havendo o mesmo legislador de «tomar em conta as
definições correntes na economia agrária» (ob. cit., p. 441).
O que o legislador ordinário, seguramente, não pode fazer é criar uma nova
preferência, em detrimento dos trabalhadores, e a favor dos médios agricultores.
A maioria vencedora não pode escamotear a patente discrepância entre o texto
constitucional e o legal. Para «colocar essa discrepância em termos adequados»
optou, porém, por fazer uma leitura correctiva ou abrogante do texto
constitucional, em benefício do texto legal…
Para sustentar tão estranha operação interpretativa — de atribuição de um
alcance pelo menos tendencialmente parificador dos conceitos de pequeno e médio
agricultor —, a tese maioritária socorreu-se de um pretenso lugar paralelo na
Constituição — o artigo 100.º, n.º 1, preceito que estatui que, na prossecução
dos objectivos de política agrícola, o Estado apoiará preferencialmente «os
pequenos e médios agricultores, nomeadamente quando integrados em unidades de
exploração familiar, individualmente ou associados em cooperativas, bem como as
cooperativas de trabalhadores agrícolas e outras formas de exploração por
trabalhadores». Simplesmente, não demonstrou qual a razão por que o legislador
constituinte se terá exprimido com impropriedade no artigo 97.º, n.º 2, do texto
constitucional, nem explicou por que haviam de ser paralelas as soluções a
perfilhar, no domínio da atribuição em propriedade ou em posse de prédios
expropriados ou nacionalizados (isto é, de prédios do Estado) ou outras, no
domínio da concessão de apoio preferencial (assistência técnica; apoio de
empresas públicas e de cooperativas de comercialização a montante e jusante da
produção; socialização de certos riscos «naturais», estímulos ao associativismo)
pelo próprio Estado a diferentes agentes económicos na agricultura.
Acrescente-se que não é metodologicamente correcto chamar à colação normas
constitucionais sobre benefícios a pequenas e médias empresas, comerciais ou
industriais, — normas que tutelam um propósito antimonopolista do legislador
constitucional, que tem por objectivo «a realização da democracia económica,
social» [artigo 2.º da Constituição; ver ainda os artigos 9.º, alínea d), 80.º,
alíneas a) e e), e 81.º, alíneas e) e f)] — para justificar a opção divergente
do legislador ordinário, quando o próprio legislador constitucional impõe uma
certa opção [artigos 81.º, alínea h), e 97.º, n.º 2]. Nem se vê por que razão
se há-de «relativizar» qualquer discrepância de terminologia…
Diferentemente do que se afirma no texto do acórdão, não deve haver fluidez nem
imprecisão da linha de fronteira entre os conceitos de pequeno e médio
agricultor. Seja como for, a existir tal fluidez ou imprecisão na legislação
ordinária (indica-se o Decreto-Lei n.º 63/89, de 24 de Fevereiro, diploma que
institui os princípios orientadores da entrega para exploração de prédios
expropriados e nacionalizados, onde se equipara o pequeno agricultor a «pequeno
e médio agricultor» — PMA, e cuja apreciação de constitucionalidade não é
objecto deste processo), a mesma não pode servir de alibi ao legislador
ordinário da Lei de Bases de Reforma Agrária para subverter as imposições
constitucionais!
Por estas razões, considerei frontalmente inconstitucional o n.º 2 do artigo
37.º da L.B.R.A. — Armindo Ribeiro Mendes.
DECLARAÇÃO DE VOTO
I
Votei vencida quanto à declaração de não inconstitucionalidade do artigo 14.º-A
da Lei n.º 109/88, na redacção da Lei n.º 46/90, por entender que ele contraria
o artigo 205.º da Constituição, ofendendo a reserva do juiz e da função
jurisdicional.
A violação do citado princípio constitucional resulta de a fórmula legislativa
conceber uma actividade do Estado na prossecução do interesse público — o que
seria próprio da função administrativa —, em situações de conflitualidade de
direitos, envolvendo, nomeadamente, o direito de propriedade, para as quais a
Constituição declara competentes os tribunais.
Como resulta do texto do acórdão, a lei admite que a Administração actue com
fundamento numa qualificação jurídica prévia — o que significa, na situação
concreta, que se permite que sejam tomadas como pressupostos de actuação
valorações de uma situação de conflito de direitos.
Se é indiscutível que a finalidade da actuação concebida pelo legislador não é a
definição de direitos (eventualmente envolvidos num conflito), não é menos
verdade que uma actuação dirigida a realizar o interesse na reposição da
«normalidade jurídica», numa situação de conflito de interesses (no plano social
e jurídico), não pode anteceder a definição dos direitos prevalecentes pelos
tribunais.
Assim, mesmo que a norma do artigo 14.º-A da Lei n.º 109/88 não pretenda
atribuir à Administração os atributos da função jurisdicional, está em causa uma
actividade administrativa que pressupõe a definição de direitos, numa situação
de conflito social com eventual repercussão jurídica, sem intervenção dos
tribunais.
II
Votei igualmente vencida quanto à declaração de não inconstitucionalidade do
artigo 37.º, n.º 2, da Lei n.º 109/88, na redacção da Lei n.º 46/90, na medida
em que tal norma viola frontalmente o disposto nos artigos 97.º, n.º 2, e 13.º
da Constituição, ao excluir as cooperativas de trabalhadores rurais ou de
pequenos agricultores ou outras formas de exploração por trabalhadores da
categoria de beneficiários da entrega para exploração que o Estado privilegia.
A preferência legal quanto aos beneficiários da entrega dos prédios expropriados
não coincide com a preferência constitucional. Admite-se, deste modo, que a
lei infraconstitucional introduza uma discriminação positiva dos pequenos e
médios agricultores em detrimento das organizações de trabalhadores, não
justificada pelos objectivos constitucionais de política agrícola [artigo 86.º,
alínea b)] e, nesse sentido, puramente arbitrária (em violação do artigo 13.º).
É completamente inaceitável, no plano lógico-valorativo, o argumento de que
existe uma graduação no artigo 97.º, n.º 2, da Constituição, que viria em apoio
do regime consagrado no artigo 37.º, n.º 2, da Lei n.º 109/88, isto é, que
autorizaria a concessão de preferência exclusivamente aos pequenos e médios
agricultores.
Na realidade, uma simples enumeração não expressa a primazia do primeiro
elemento, na medida em que é impossível enumerar sem utilizar uma ordem. Da
enumeração não decorre, por conseguinte, uma diferente valoração dos vários
elementos.
Por outro lado, o argumento da graduação (pretensamente literal) é profundamente
contraditório com a inclusão dos médios agricultores entre os beneficiários, já
que eles nem sequer constam daquela enumeração constitucional.
É impossível, assim, afirmar simultaneamente que «é difícil não ver na
enumeração a que procedem estas duas normas uma graduação valorativa que vem em
apoio do n.º 2 do artigo 37.º» e que os médios agricultores podem ser uma
categoria de beneficiários preferidos apesar de o texto constitucional a eles
não se referir, na mesma enumeração do artigo 97.º, n.º 2. Na realidade,
impor-se-á a pergunta: como não ver na exclusão dos médios agricultores da
enumeração constitucional do artigo 97.º, n.º 2, uma preferência valorativa
pelos pequenos agricultores e pelas outras formas de exploração pelos
trabalhadores? — Maria Fernanda Palma.
1 — Acórdão publicado no Diário da República, I Série-A, de 29 de Junho de 1995.