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Proc. nº 802/93
1ª Secção (Plenário)
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I
1. Através do acórdão nº 270/93, da 1ª Secção
deste Tribunal, foi julgada inconstitucional, por violação da alínea q) do nº 1
do art. 168º da Constituição, na versão de 1982, a norma do nº 1 do art. 8º do
Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, interpretada no sentido de que os
'tribunais comuns' aludidos nessa norma eram os tribunais cíveis, quando
estivessem em causa créditos oriundos de relações laborais. Em consequência
deste julgamento de inconstitucionalidade, concedeu o Tribunal Constitucional
provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido do Supremo Tribunal de
Justiça e determinando-se a reforma do mesmo em conformidade com o decidido
sobre a questão de constitucionalidade (a fls. 212 a 232 dos autos).
Remetidos de novo os autos ao Supremo Tribunal
de Justiça, teve vista dos mesmos o representante do Ministério Público, o qual
opinou nos seguintes termos:
' Afigura-se-nos, assim, que a decisão a tomar é a de anular o acórdão deste
S.T.J., pois decidiu com base numa norma ilegal, ou tomar posição sobre qual o
tribunal competente ou ordenar que os autos baixem à 1ª instância para que
decida em conformidade com o acórdão constitucional uma vez que o acórdão da
Relação padece do mesmo vício do acórdão do S.T.J. e é processualmente anterior
e pressuposto do acórdão do Supremo [...].
Quanto à hipótese de se entender poder e dever decidir desde já e
definitivamente no S.T.J., apenas diremos que, após haver conhecimento já de
decisão do T. Constitucional no sentido da inconstitucionalidade do art.8º nº 1
do Dec.-Lei 138/85, [referência a uma declaração, com força obrigatória geral,
de norma inteiramente idêntica de um diploma da mesma data], esta Secção voltou
a decidir pelo menos duas vezes no processo nº 3602 e no nº 3594 no sentido de
que a competência pertence ao tribunal cível fundamentando-se na interpretação
das normas legais anteriores ou independentemente do citado art. 8º nº 1. Isto
é, o S.T.J., nesses acórdãos, chegou à mesma conclusão por via diversa da do
art. 8º nº 1 agora em causa. Afigura-se, no entanto, que da discussão dessa
questão, feita no acórdão do T. Constitucional constante destes autos, a solução
deveria encaminhar-se noutro sentido. No entanto, como se diz no ponto 8. a fls.
230, do acórdão do T. Constitucional, «não cabe a esse Tribunal sindicar a forma
como o S.T.J. chegou ao entendimento de que a jurisdição comum competente seria
a dos tribunais de competência genérica» desde que tal entendimento não assente
no dito nº 1 do art. 8º, o que aí se pressupõe.' (a fls. 239 vº e 240)
Através de acórdão proferido em 20 de Outubro
de 1993, - que operou a reforma determinada pelo acórdão nº 270/93 do Tribunal
Constitucional - o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, com base no nº 4 do art.
43º do Decreto-Lei nº 260/76, negar provimento ao recurso de agravo interposto
do acórdão da Relação, estabelecendo que o Tribunal competente para conhecer da
causa, em razão da matéria, seria o Tribunal Cível de Lisboa (a fls. 242 a 244
dos autos).
Acrescente-se que, no acórdão nº 270/93 do
Tribunal Constitucional, proferido nestes autos a fls. 212 e seguintes dos
mesmos, se afirma expressamente que o nº 4 do art. 43º do Decreto-Lei nº 260/76
se achava revogado desde 1977, 'por força da revogação de sistema operada pela
Lei nº 82/77' (a fls. 230 dos autos).
Notificados deste acórdão, vieram A. e outros
recorrentes interpor recurso de constitucionalidade, nos termos da alínea b) do
nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, através do requerimento de
fls. 247 a 251 vº.
De harmonia com esse requerimento, os autores
recorrentes, depois de historiarem a sucessão de leis aplicáveis ao caso sub
judicio, afirmaram o seguinte:
'18. Os recorrentes pretendem que o Tribunal aprecie a questão da
inconstitucionalidade da norma do nº 4 do art. 43º do Decreto-Lei nº 260/76 de 8
de Abril, questão implicitamente suscitada nas alegações do recurso para o
Tribunal da Relação e explicitamente neste requerimento de interposição deste
recurso para o Tribunal Constitucional.
19. Na petição inicial, os recorrentes suscitaram a questão da
inconstitucionalidade da norma da alínea c) do nº 1 do art. 4º do Dec-Lei
137/85.
Depois, face ao decidido na 1ª instância, suscitam, no recurso
para o Tribunal da Relação, a questão da inconstitucionalidade da norma do nº 1
do art. 8º do mesmo Dec.-Lei, questão que, face ao decidido, mantiveram nas
alegações para o S.T.J., e, depois, no recurso para o Tribunal Constitucional
que julgou esta norma inconstitucional.
20 - As sucessivas decisões proferidas, umas implicitamente (Tribunal de
Trabalho de Lisboa, Tribunal da Relação de Lisboa e Acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça) outra explicitamente (Acórdão do Tribunal Constitucional de fls.
---) consideram revogada a norma do nº 4 do art. 43º do Dec. Lei 260/76.
Este entendimento unânime acerca da revogação desta norma
dispensava naturalmente a parte de suscitar a questão da sua
constitucionalidade; num quadro destes não é possível a aplicação de uma norma
pacificamente considerada revogada, nem é exigível que os recorrentes
representem a possibilidade da sua aplicação pelo Acórdão do S.T.J., ora
recorrido.
21 - «A fiscalização concreta actua sempre mediante recurso para o Tribunal
Constitucional de uma decisão anterior de outro Tribunal, decisão que tenha
versado expressa ou implicitamente a questão da inconstitucionalidade de uma
norma e que a tenha julgado ou não inconstitucional» (cfr. «Constituição da
República Portuguesa Anotada», 2ª Edição, 2º volume, pág. 523 dos Professores
Gomes Canotilho e Vital Moreira).
22 - «O direito anterior à entrada em vigor da Constituição mantém-se desde que
não seja contrário à Constituição ou aos princípios nela consignados» -
preceitua o art. 294º da C.R.P..
23 - «...a questão de saber se uma determinada norma de direito anterior caducou
ou não pressupõe um Juízo de Constitucionalidade material em relação a normas
posteriores à Constituição; só que, no caso do direito anterior, o Juízo de
inconstitucionalidade significa que a norma não pode ter deixado de vigorar a
partir de 25 de Abril» (in casu a partir da publicação da Lei 82/77 de 6 de
Dezembro, que deu cumprimento ao nº 1 do art. 301º da Constituição da República
- na sua versão inicial); «enquanto que, no caso do direito posterior, a norma
inconstitucional não pode ser aplicada por ser inválida desde a origem» (v. nota
prévia à parte IV, 2.4.2.3.)
«Todavia, independentemente das consequências, a verdade é que se
trata de actos de fiscalização de constitucionalidade (art. 277º e seguintes),
deve ter-se também por aplicável às normas anteriores à Constituição, sendo
recorríveis para o Tribunal Constitucional as decisões dos tribunais que decidam
da sua conformidade com a Constituição (cfr. art. 280º) podendo elas ser objecto
de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (art. 281º)»
(«Constituição da República Portuguesa Anotada», 2º volume, 2ª Secção, págs. 575
- Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira).
Nestes termos o recurso deve ser admitido como agravo com efeito
suspensivo, nos termos dos arts. 734º nº 1 al a) e 740º nº 1 do Código de
Processo Civil e nº 4 do art. 78º da Lei 28/82 de 15 de Novembro.' (a fls. 250 a
251 vº dos autos)
Este recurso foi admitido por despacho de fls.
252.
2. Subiram os autos ao Tribunal
Constitucional.
Apresentaram alegações recorrentes e
recorrida.
Os recorrentes formularam 15 conclusões, parte
das quais repete o que se encontrava no aludido requerimento de interposição do
recurso:
'1 - O Douto Acórdão nº 270/93 de 30/03/93 e Proc. nº 240/91 de fls. 212 a 232
do Tribunal Constitucional, que transitou em julgado.
a) - julgou inconstitucional - por violação da alínea q) do nº 1 do art. 168º da
Constituição da República na versão de 1982 - a norma do nº 1 do art. 8º do Dec
Lei nº 137/85, de 3 de Maio, interpretada no sentido de que os Tribunais Comuns
de que aí se fala são os Tribunais Cíveis quando estejam em causa créditos
oriundos de relações laborais.
b) - Em consequência, concedeu provimento ao recurso e revogou o Acórdão
recorrido que deve ser reformado em conformidade com o aqui decidido sobre a
questão de inconstitucionalidade.
2 - Com surpresa, o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de
1993 de fls. 242, não obstante declarar [que] «cumpre decidir de harmonia com o
atrás exposto», acaba por decidir aplicar ao caso vertente o nº 4 do art. 43º
do Dec Lei 260/76 de 8 de Abril...
Só que a norma contida no nº 4 do art. 43º do Dec. Lei 260/76 se
encontra revogada «ex vi» da revogação do sistema operada pela Lei nº 82/77 de 6
Dezembro, a chamada Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, moldando a organização
judiciária herdada do antecedente aos valores da nova Lei Fundamental,
Constituição da República Portuguesa de 25 de Abril de 1976, conforme
determinara no nº 1 do seu art. 301º.
3 - «A legislação anterior especial ou extravagante não pode deixar de se
incluir no âmbito da aplicação da nova disciplina. Nela se subsumiu quando com
ela compatível, mas foi revogada nos casos em que estabelecia disciplina
contrária», como judiciosamente se afirma no Douto Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 270/93 de 3/03/93.
4 - O Acórdão recorrido reconhece que a Lei 82/77 de 6 de Dezembro veio alterar
a Organização Judiciária, e não obstante acabou por aplicar no caso em apreço o
nº 1 do art. 4º do Dec. Lei 260/76 de 8 de Abril.
5 - Em suma a Lei 82/77, reestruturando a organização judiciária, sistematiza e
regula «ex novo» a competência dos Tribunais Judiciais, nos quais inclui os
Tribunais de Trabalho (cfr. Antunes Varela/ Miguel Bezerra/Sampaio e Nora,
Manual de P. Civil, 1985, pág. 53). Esta intenção legislativa de que a Lei nº
82/77 passasse «a ser o único e complexo texto da regulamentação» da orgânica
dos Tribunais Judiciais está já implícita no nº 1 do art. 301º da versão
originária da Constituição «a revisão da legislação vigente sobre a organização
dos Tribunais e o estatuto dos Juízes estará concluída até ao fim da 1ª sessão
legislativa» - conduz ao afastamento da competência fixada no nº 4 do art. 43º
do Dec. Lei 260/76 por virtude da chamada revogação de sistema (art. 7º nº 2 do
C. Civil, e Castro Mendes, Introdução ao estudo do direito, 1984, pág. 116).
Face a esta revogação, a competência material para o conhecimento dos
recursos contra as decisões da Comissão Liquidatária de empresa pública que não
reconheçam créditos reclamados passou a ter que ser fixada de acordo com a Lei
nº 82/77, pelo que, tratando-se de créditos oriundos de relações laborais,
competentes eram os Tribunais de Trabalho.
Com efeito dispõe o art. 66º, alínea b), dessa lei competir aos Tribunais
do Trabalho, em matéria cível, conhecer das questões emergentes de relações de
trabalho subordinado.
6 - [...]
7 - Dando, segundo afirma, cumprimento ao dever de reformar a sua decisão
anterior de acordo com o decidido pelo Tribunal Constitucional, o Supremo
Tribuna de Justiça, veio contudo reiterar o seu entendimento de que para a acção
não é competente o Tribunal de Trabalho, mas sim o Tribunal Cível de Lisboa...
Com o devido e merecido respeito, sem a menor razão.
é que, repete-se, a partir da publicação da Lei 82/77 de 6 de Dezembro
passou ela a «ser o único e completo texto de regulamentação da orgânica dos
Tribunais Judiciais». Esta Lei 82/77 operou uma revogação de sistema que atingiu
o nº 4 do art. 43º do Dec. Lei 260/76 de 8 de Abril na parte em que atribuía aos
Tribunais Comuns, entendidos como Tribunais Cíveis, a competência para conhecer
dos litígios relativos aos créditos não reconhecidos, ou indevidamente graduados
pela comissão liquidatária de empresa publica extinta quando esses créditos
fossem oriundos de relações laborais.
Competentes quanto a tais créditos passaram a ser os Tribunais de
Trabalho «ex vi» da referida Lei 82/77.
8 - [...].
9 - [...].
10 - [...]
11 - Os recorrentes pretendem que o Douto Tribunal Constitucional aprecie a
questão de inconstitucionalidade da norma do nº 4 do art. 43º do Dec. Lei 260/76
de 8 de Abril, questão implicitamente suscitada nas alegações do recurso para o
Tribunal da Relação e também explicitamente no requerimento de interposição
deste recurso.
12 - À data da publicação do Dec. Lei 137/85 de 3 de Maio já se encontrava
revogada a norma de competência constante do nº 4 do art. 43º do Dec. Lei 260/76
de 8 de Abril por força da revogação de sistema, operada pela Lei 82/77 de 6 de
Dezembro - Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais que moldou a organização
judiciária nos valores da nova Lei fundamental (anteriormente estabelecida pelo
Dec. Lei 44.278 de 14 de Abril de 1962).
13 - As sucessivas decisões proferidas, umas implicitamente (Tribunal do
Trabalho de Lisboa, Tribunal da Relação de Lisboa e acórdão de fls. 207-209 do
Supremo Tribunal de Justiça), outra explicitamente (acórdão de fls. 275 e
seguintes do Tribunal Constitucional), consideravam revogada a norma do nº 4 do
art. 43º do Dec. Lei nº 260/76. Este entendimento unânime acerca da revogação
desta norma dispensava naturalmente a parte de suscitar a questão da sua
inconstitucionalidade; isto é, num quadro destes, não é previsível a aplicação
de uma norma pacificamente considerada revogada nem é exigível que o interessado
represente a possibilidade da sua aplicação pelo acórdão de fls. 296-300 do
Supremo Tribunal de Justiça'.
14 - Em suma, encontramo-nos, a nosso ver, perante uma daquelas situações
excepcionais em que a parte foi colhida de surpresa com a aplicação, na decisão
recorrida, de uma norma até então pacificamente considerada como revogada,
situação anómala esta em que é de considerar dispensável, para a admissibilidade
do recurso, a suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade dessa norma.
15 - Nestes termos o aliás douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ao
decidir aplicar a norma do nº 4 do art. 43º do Dec. Lei 260/76 de 8 de Abril,
violou:
a) - a alínea b) do art. 66º da Lei 82/77 de 6 de Dezembro que atribuiu a
competência ao Tribunal de Trabalho para julgar o caso 'sub judice'.
b) - Tal norma encontra-se revogada por força da revogação de sistema operada
pela citada Lei 82/77 de 6 de Dezembro - que teve por objecto dar execução ao
comando contido no nº 1 do art. 301º da Constituição (na sua redacção
originária). A sua edição repercute-se necessariamente em toda a legislação
anterior.
c) - O acórdão recorrido tem o sabor amargo de violação da caso julgado,
porquanto dizendo acatar a decisão do Tribunal Constitucional, que considerou
ser o Tribunal de Trabalho o competente para apreciar e decidir a questão de
nítido conteúdo laboral suscitada nos autos, o Supremo Tribunal de Justiça acaba
por aplicar uma norma revogada por força da alteração do sistema, precisamente a
norma do nº 4 do artigo 43º do Dec. Lei 260/76.
Este entendimento unânime acerca da revogação desta norma, dispensa
naturalmente a parte de suscitar a questão da sua inconstitucionalidade, isto é,
num quadro destes não é previsível a aplicação pelo Supremo Tribunal de Justiça
de uma norma pacificamente considerada revogada.
Assim, o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça violou também o
preceituado no artigo 281º, nº 1, e 2 e artigo 282º da Constituição da República
Portuguesa, na medida em que não acatou a decisão do Tribunal Constitucional,
que considerou ser o Tribunal de Trabalho o competente para apreciar e decidir
esta acção.' (a fls. 260 vº a 265)
Por seu turno a entidade recorrida, B. (EM
LIQUIDAÇÃO), formulou as seguintes conclusões nas suas alegações, sustentando
que não devia conhecer-se do objecto ou do recurso ou, quando assim se não
entendesse, se devia negar provimento ao mesmo:
'1 - No requerimento de interposição de recurso não foi indicada a norma ou
princípio constitucional ou legal violado, nem foi identificada a peça
processual em que os recorrentes haviam suscitado a questão de
inconstitucionalidade ou ilegalidade.
2- Não se alcança dos autos que os recorrentes tenham suscitado durante o
processo a questão de inconstitucionalidade que agora pretendem ver apreciada.
3 - Assim, por falta dos requisitos exigidos para o requerimento de interposição
e dos pressupostos fixados para o efeito, o presente recurso não deveria ter
sido admitido, pelo que dele não deve conhecer-se.
4 - Quando assim se não entenda (o que se coloca como simples hipótese e cautela
de patrocínio), impõe-se reconhecer que o artigo 43º, nº 4, do Decreto-Lei nº
260/76, de 8 de Abril, por ser anterior à Constituição, não pode ter violado a
regra de competência do art. 168º, nº 1, al. q), não sendo, por isso, abrangido
pela decisão que acerca do art. 8º, nº 1 do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio,
havia proferido nos autos este douto Tribunal.
5 - Da aplicação desse preceito do Decreto-Lei nº 260/76 também não decorre
qualquer contradição com a Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro, uma vez que dela não
resulta qualquer intenção revogatória daquele preceito especial.
6 - A subsistência deste mesmo preceito, interpretada nos termos do douto
Acórdão do S.T.J., não fere directa nem indirecta qualquer norma ou princípio da
Constituição ou Lei com valor reforçado.
7 - Também não pode considerar-se violação de caso julgado, como a anterior
decisão deste alto tribunal não tinha apreciado a legalidade constitucional do
artigo 43º, nº 4 do Decreto-Lei nº 260/76.' (a fls. 270 vº a 271 dos autos)
3. Face à questão prévia suscitada pela entidade
recorrida, de não conhecimento do objecto do recurso, foram notificados os
recorrentes para sobre ela se pronunciarem, querendo.
Através do requerimento de fls 273 a 276, os
recorrentes mantiveram que a questão prévia suscitada não podia ser atendida,
repetindo a argumentação anteriormente exposta. Depois de transcreverem largos
passos do acórdão do Tribunal Constitucional nº 270/93, proferido nestes autos,
afirmam os recorrentes:
'Nestas condições era absolutamente imprevisível que o Acórdão recorrido [2º
acórdão do S.T.J.] viesse a aplicar pela 1ª vez nestes Autos o nº 4 do art. 43º
do D/L 260/76, de 8 de Abril, assim violando o princípio consagrado na
Constituição da República Portuguesa que reservou à Assembleia da República a
exclusiva competência para legislar sobre a organização e competência dos
Tribunais conforme alínea q) do nº 1 do art. 168º da Constituição [...].
[... o 2º Acórdão do S.T.J.] acaba surpreendentemente por não
acatar o Acórdão do Tribunal Constitucional, ao aplicar o nº 4 do art. 43º do
Dec. Lei 270/76, revogado pela já referida revogação de sistema, levada a efeito
pela lei 82/77 de 6 de Dezembro que passou a ser o único e completo texto de
regulamentação orgânica dos Tribunais Judiciais [...].
A fiscalização concreta actua sempre mediante recurso para o
Tribunal Constitucional de uma decisão que tenha versado expressa ou
implicitamente da questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma
que tenha aplicado [...].' (a fls. 275 vº e 276 dos autos)
4. Foram corridos os vistos legais na 1ª Secção.
Através de despacho de fls. 280 vº, no visto do
Presidente do Tribunal Constitucional, foi determinado por este, obtida a
concordância do mesmo Tribunal, a intervenção do plenário no julgamento do
presente recurso, nos termos do art. 79º- A da Lei Orgânica respectiva.
Foram dispensados os vistos dos Senhores Juízes
da 2ª Secção, dado que existem também nessa secção processos idênticos ao
presente.
Importa, por isso, conhecer em primeiro lugar da
questão prévia suscitada.
II
5. Poderá o Tribunal Constitucional conhecer do
objecto do presente recurso?
Para responder a esta questão prévia suscitada
pela recorrida, convém relembrar rapidamente as vicissitudes processuais
ocorridas até ao presente.
Para tal, recordam-se sumariamente os termos do
presente processo e a forma como se desenrolou:
- os ora recorrentes propuseram acção no Tribunal de Trabalho de Lisboa, em que
vieram pedir a condenação da sua antiga entidade patronal, B. (em liquidação) e
do Estado português, a pagar-lhes várias quantias, decorrentes de contratos de
trabalho que vinculavam cada um dos autores e a 1ª ré, contratos esses cuja
caducidade foi determinada pelo art. 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº
137/85, de 3 de Maio (diploma que extinguiu esta empresa pública e determinou a
sua liquidação);
- deduzida a excepção de incompetência em razão da matéria pelo réu Estado, veio
o Tribunal de Trabalho no despacho saneador a julgar-se incompetente em razão da
matéria para conhecer dos pedidos formulados pelos ora recorrentes,
interpretando a referência a 'tribunais comuns' na norma sobre competência
judicial constante daquele art. 8º, nº 1, do citado Decreto-Lei nº 137/85, como
querendo significar os tribunais cíveis (de competência genérica); em
consequência os réus foram absolvidos da instância;
- os ora recorrentes impugnaram esta decisão por recurso interposto para a
Relação de Lisboa, mas o seu recurso foi considerado improcedente;
- inconformados, os recorrentes interpuseram recurso do acórdão da Relação para
o Supremo Tribunal de Justiça, mas o mesmo recurso foi julgado improcedente;
- interpuseram então os recorrentes recurso de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 70º da
respectiva Lei Orgânica, sustentando que, como haviam defendido em diferentes
peças processuais anteriores, a interpretação acolhida pelo Supremo Tribunal de
Justiça (e, antes, pelas instâncias) relativamente ao disposto no art. 8º, nº 1,
do Decreto-Lei nº 137/85 era inconstitucional, por violação da alínea q) do nº 1
do art. 168º da Constituição (versão de 1982);
- O Tribunal Constitucional concedeu provimento ao recurso de
constitucionalidade, através do acórdão nº 270/93, julgando inconstitucional o
art. 8º, nº 1, do diploma em causa, na interpretação acolhida na decisão
recorrida do Supremo Tribunal de Justiça. Na fundamentação do acórdão,
considerou-se, de forma expressa, que o nº 4 do art. 43º do Decreto-Lei nº
260/76, de 8 de Abril (diploma que aprovou as Bases Gerais das Empresas
Públicas) se achava revogado desde 1978, por força do disposto na Lei nº 82/77,
de 6 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1977);
- Ao reformar o anterior acórdão revogado pelo Tribunal Constitucional, o
Supremo Tribunal de Justiça continuou a considerar competentes em razão da
matéria para conhecer dos pedidos os tribunais de competência genérica ou
cíveis, e não os tribunais de trabalho, agora por força da aplicação do nº 4 do
art. 43º daquele Decreto-Lei nº 260/76, disposição que considerou estar em
vigor, ao contrário do entendimento perfilhado nesse ponto pelo Tribunal
Constitucional;
- Inconformados uma vez mais, os recorrentes interpuseram segundo recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da
respectiva Lei Orgânica, indicando que pretendiam que fosse julgada
inconstitucional a norma do nº 4 do art. 43º daquele Decreto-Lei nº 260/76, e
alegando que não tinham podido suscitar a questão de inconstitucionalidade dessa
norma durante o processo, porque haviam sido surpreendidos com a sua aplicação
ao caso sub judicio no momento da reforma do acórdão. Daí que tivessem suscitado
a questão de inconstitucionalidade apenas no requerimento de interposição do
recurso.
6. Entende-se que não procede a questão prévia
suscitada pela recorrida.
De facto, os recorrentes interpuseram o presente
recurso de constitucionalidade quando foram notificados do segundo acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, que manteve a decisão de absolvição da instância da
empresa pública demandada e do Estado com fundamento em incompetência em razão
da matéria dos tribunais de trabalho para conhecer deste litígio, atento o
disposto no nº 4 do art. 43º do Decreto-Lei nº 260/76 (acórdão de fls. 242 a 244
dos autos). No Supremo Tribunal de Justiça os recorrentes não tiveram
oportunidade para se pronunciarem sobre o modo por que devia ser feita a reforma
do anterior acórdão desse órgão jurisdicional, revogado pelo Tribunal
Constitucional através do referido acórdão nº 270/93. Tão-pouco os notificou do
teor do parecer exarado pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto a fls. 239 vº e 240
dos autos, quando este teve uma vista dos autos.
Assim sendo, há-de entender-se que, antes da
notificação do segundo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não era exigível
que os recorridos tivessem suscitado a questão de inconstitucionalidade da norma
aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça nesse segundo acórdão, tanto mais que
o próprio Tribunal Constitucional afirmara na fundamentação do acórdão
revogatório que essa norma estava revogada de sistema desde 1978 (ano da entrada
em vigor da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1977).
Em situações deste tipo, o Tribunal
Constitucional tem sustentado que tem de considerar-se haver uma dispensa de
suscitação de questão de inconstitucionalidade durante o processo, entendida
esta locução 'durante o processo' num sentido funcional (cfr., entre outros, os
acórdãos nºs 136/85, 94/88, 391/89, 479/89, 51/90, 439/91, 61/92 e 188/93,
achando-se publicados os três primeiros nos Acórdãos do Tribunal Constitucional,
vols. 6º, pág. 615 e segs, 11º vol., págs. 1089 e segs., 13º vol., tomo II, págs
1367 e segs, o quarto no Boletim do Ministério da Justiça, nº 389, págs. 222 e
segs., o quinto nos Acórdãos cit, vol. 15º, págs. 499 e segs., os sexto e sétimo
no Diário da República, II Série, nº 96-S, de 24 de Abril de 1992 e nº 189 de 18
de Agosto do mesmo ano, e o oitavo ainda se acha inédito. Sobre esta
jurisprudência, veja-se J.M. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em
Portugal, 2ª ed., Coimbra, 1992, pág. 52, nota 5).
Ora, no caso sub judicio, os recorrentes
invocaram que a norma aplicada no segundo acórdão é inconstitucional e, de
facto, não restam dúvidas de que tal norma foi efectivamente aplicada por essa
decisão.
Parece estar, assim, verificado o pressuposto
para interposição do recurso da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, consistente na aplicação pela decisão recorrida da norma
impugnada como inconstitucional, por se considerar, como se viu, haver
dispensa, no caso, da suscitação de questão de inconstitucionalidade antes da
prolação da decisão recorrida.
7. A recorrida suscita ainda a questão prévia de
que não poderia conhecer-se do presente recurso porque os recorrentes não
cumpriram as formalidades impostas pelos nºs 1 e 2 do art. 75º-A da Lei do
Tribunal, não tendo indicado a norma ou o princípio constitucional ou legal
violado, nem a peça processual em que os recorrentes haviam suscitado a questão
de inconstitucionalidade ou de ilegalidade.
Não têm, porém, razão.
Na verdade, os recorrentes não podiam suscitar a
questão de inconstitucionalidade dessa norma durante o processo, como se viu,
por não terem tido oportunidade processual para o fazer, tendo sido
surpreendidos com a aplicação de uma norma que o Tribunal Constitucional havia
considerado revogada no acórdão nº 270/93.
Por outro lado, os recorrentes descreveram
detalhadamente a razão por que iam recorrer, no requerimento de interposição de
recurso, afirmando que a resposta à questão de saber se a norma aplicada estava
ou não em vigor implicaria sempre fazer um juízo acerca da sua
constitucionalidade material, atento o disposto no nº 1 do art. 301º da
Constituição.
Dada a situação que se verificou (decisão do
Supremo Tribunal de Justiça que aplicou uma norma que o acórdão do Tribunal
Constitucional, que determinara a reforma de anterior acórdão desse Supremo
Tribunal, expressamente afirmara estar revogada desde 1978), há-de entender-se
que os recorrentes satisfizeram suficientemente os ónus que sobre eles impendiam
de acordo com nºs 1 e 2 do art. 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
8. Termos em que se desatendem as questões
prévias suscitadas pela recorrida e se passa ao conhecimento do objecto do
recurso.
III
9. Acham-se pendentes alguns recursos de decisões
dos tribunais judiciais, nomeadamente de acórdãos do Supremo Tribunal de
Justiça, em que a tramitação processual é idêntica à dos presentes autos ou em
que, pelo menos, o Supremo Tribunal de Justiça manteve a decisão tomada na
instância recorrida no sentido da absolvição da instância da B. (ou da C., em
situação inteiramente coincidente, dada a perfeita identidade do teor do nº 1 do
art. 8º do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio), aplicando o disposto no nº 4 do
art. 43º do Decreto-Lei nº 260/76 e, por isso, concluindo que os tribunais de
trabalho são incompetentes em razão da matéria para conhecer de litígios deste
tipo.
Num caso idêntico ao presente, mas em que os
recorrentes eram o Ministério Público e um trabalhador - por terem entendido que
o Supremo Tribunal de Justiça desaplicara, com fundamento em
inconstitucionalidade, o art. 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 137/85, aplicado com
interpretação diferente daquela que o Tribunal Constitucional considerara
afectada do vício de inconstitucionalidade e, por isso, sendo os referidos
recursos interpostos ao abrigo da alínea a) do nº 1 do art. 70º da Lei do
Tribunal Constitucional - o Tribunal Constitucional decidiu conceder provimento
aos recursos e revogar o acórdão recorrido, determinando a reformulação do mesmo
'por forma a aplicar no julgamento do recurso a norma do nº 1 do artigo 8º do
Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, com o sentido fixado, ou seja, de que a
expressão «tribunais comuns» constantes de tal norma, deve, após a Lei nº 82/77,
de 6 de Dezembro, e quando estejam em causa créditos oriundos de relações
laborais, entender-se como correspondendo a tribunais de trabalho (acórdão nº
163/95, tirado em plenário do Tribunal nesta data, ainda inédito).
No caso presente, porém, os ora recorrentes não
interpuseram um recurso com base na alínea a) do nº 1 do art. 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, relativamente à desaplicação do nº 1 do art. 8º do
Decreto-Lei nº 137/85.
Ora, o Tribunal Constitucional não pode, ex
officio, alterar o objecto do recurso - isto é, a norma impugnada pelos
recorrentes - dado o que resulta da Constituição e da própria lei (cfr. art.
280º, nº 1, alínea b), da Constituição; arts. 70º, nº 1, alínea b), 71º, nº 1,
79º -C e 80º da Lei do Tribunal Constitucional.
10. Diga-se a propósito que neste caso não se
pode afirmar que o nº 4 do art. 43º do Decreto-Lei nº 260/76 haja sido
repristinado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de um julgamento de
inconstitucionalidade feito pelo Tribunal Constitucional.
De facto, o Supremo Tribunal de Justiça sustenta
que essa norma se manteve sempre e se mantém hoje em vigor no ordenamento
jurídico - por não ter sido revogada de sistema pela Lei nº 82/77, de 6 de
Dezembro, ao contrário do que entendera o Tribunal Constitucional na
fundamentação do acórdão nº 270/93, proferido nestes autos - como norma comum ou
geral a todas as empresas públicas, aplicável quando tenha sido afastada, por
força de um julgamento de inconstitucionalidade, uma norma especial relativa a
certa empresa pública concreta.
Ora, não podendo o Tribunal Constitucional, dada
a limitação dos seus poderes de cognição decorrente da delimitação do objecto do
litígio operada pelos recorrentes no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade e nas alegações do mesmo recurso, apreciar se foi
justificado o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Supremo Tribunal de
Justiça quanto ao nº 1 do art. 8º do Decreto-Lei nº 137/85, em todas as suas
interpretações normativas possíveis, há-de, pois, ater-se à questão de
constitucionalidade suscitada pelos recorrentes no presente recurso.
É o que passa a fazer-se.
11. Dispõe o nº 4 do art. 43º do Decreto-Lei nº
260/76, de 8 de Abril:
'Os credores cujos créditos não hajam sido reconhecidos pelos liquidatários e
incluídos na relação referida no número anterior, ou que não hajam sido
graduados em conformidade com a lei, podem recorrer aos tribunais comuns para
fazer valer os seus direitos'.
Esta norma foi interpretada pelo Supremo
Tribunal de Justiça como significando que a expressão 'tribunais comuns' deve
ser entendida como 'tribunais de competência genérica' ou 'tribunais cíveis
comuns' contrapostos a tribunais do trabalho.
É relativamente à norma aplicada pelo Supremo
Tribunal de Justiça, nessa interpretação que valoriza o elemento histórico - na
verdade, antes da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1977, os tribunais de
trabalho constituíam uma ordem distinta da dos tribunais judiciais, sendo
qualificados como 'especiais' - que se tem de apurar se ocorre alguma
inconstitucionalidade.
Ora, como afirma com razão a recorrida, a
circunstância dessa norma de competência jurisdicional ser anterior à entrada em
vigor da Constituição de 1976 afasta a aplicação das normas constitucionais
desta última sobre repartição de competências entre a Assembleia da República e
o Governo. O Decreto-Lei nº 260/76, oriundo do Governo, foi publicado em 8 de
Abril de 1976, ao passo que a Constituição só começou a vigorar em 25 do mesmo
mês e ano (ex vi art. 312º, nº 3, da versão originária da Constituição).
Não pode, por isso, dizer-se que a norma
aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça haja violado uma norma ainda não
vigente (a alínea j) do art. 167º da versão originária da Constituição). A haver
qualquer inconstitucionalidade orgânica, ela só poderia decorrer da violação de
uma norma constitucional pretérita. Ora, o Tribunal Constitucional tem
repetidamente afirmado que carece de competência para apreciar
inconstitucionalidades de natureza procedimental decorrentes de violações de
Constituições anteriores à de 1976 (por todos, veja-se o acórdão nº 446/91,
publicado no Diário da República, II Série, nº 78, de 2 de Abril de 1994, com
referências à jurisprudência anterior)
Tal invocação de inconstitucionalidade
orgânica não foi, de resto, feita pelos ora recorrentes.
12. Tão-pouco se pode dizer que a norma acima
transcrita e aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão sub iudicio
seja materialmente inconstitucional, devendo ter-se por caducada por força da
entrada em vigor da Constituição (art. 293º, nº 1, da sua versão originária, a
que corresponde, agora, o nº 2 do art. 290º da versão vigente).
De facto, na Constituição de 1976 não aparece
qualquer norma que determine a competência dos tribunais cíveis ou dos tribunais
de competência genérica ou ainda a competência dos tribunais de trabalho. O
legislador ordinário pode, por isso, conformar com elevada margem de liberdade a
atribuição de competência em razão da matéria aos diferentes tribunais da ordem
dos tribunais judiciais.
Ao contrário do que ocorre com os tribunais
judiciais, a Constituição estabelece hoje princípios ou normas de competência
material relativamente aos tribunais administrativos e fiscais (art. 214º, nº 3,
da Constituição), quanto aos tribunais militares (art. 215º, nºs 1, 2 e 3) e
quanto ao Tribunal de Contas (art. 216º, nº 1).
Quanto aos tribunais judiciais, o art. 213º,
nº 1, estabelece que estes 'são os tribunais comuns em matéria cível e criminal
e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais'
E o nº 2 do mesmo artigo admite que, na primeira instância, pode haver
tribunais com competência específica e tribunais especializados para o
julgamento de matérias determinadas.
Em si mesmo considerada, a matéria de créditos
oriundos de relações laborais (por força da extinção da entidade patronal neste
processo) pode ser atribuída pelo legislador, no quadro da Constituição, aos
tribunais de competência genérica, mesmo numa situação de liquidação de uma
empresa pública. O legislador pode optar com grande liberdade entre uma solução
de unidade de foro (do tipo da vigente no processo falimentar) e uma solução de
pluralidade de tribunais competentes, consoante a matéria do litígio. Não há,
assim, razões para afirmar que o nº 4 do art. 43º do Decreto-Lei nº 260/76 - a
supor-se que não está revogado - seja materialmente inconstitucional e haja, por
isso, caducado em 25 de Abril de 1976. De facto, não pode dizer-se que esta
questão de repartição de competência em razão da matéria entre os tribunais
judiciais traduza ou implique qualquer juízo de censura sobre a antiga orgânica
dos tribunais portugueses, anterior à Constituição vigente.
13. Por outro lado, saber se uma norma de
direito ordinário foi ou não revogada de sistema por outra -sendo concebível que
haja diferentes respostas a essa questão, consoante os tribunais que a têm de
apreciar - não envolve uma questão de constitucionalidade, no comum dos casos
(neste sentido, veja-se o acórdão nº 186/92, in Diário da República, II Série,
nº 26, de 18 de Setembro de 1992).
No caso sub judicio, tal questão de revogação
não envolve qualquer juízo de inconstitucionalidade, razão por que não pode este
Tribunal Constitucional sindicar o juízo feito pelo Supremo Tribunal de Justiça
de que a referida norma do Decreto-Lei nº 260/76 ainda se mantém hoje em vigor.
14. Acresce que não se põe no caso sub judicio
- diferentemente do sustentado pelos recorrentes - um problema de violação do
caso julgado, com referência ao acórdão nº 270/93.
Embora na fundamentação do acórdão nº 270/93
se encontre referido que o nº 4 do art. 43º do Decreto-Lei nº 260/76 se acha
revogado de sistema desde 1978, a verdade é que tal afirmação não consta da
parte decisória do acórdão do Tribunal Constitucional nº 270/93 ora em
apreciação, podendo, por isso, o Supremo Tribunal de Justiça aplicar essa norma,
sem pôr em causa o julgamento em matéria de constitucionalidade feito pelo
Tribunal Constitucional.
Se os recorrentes entendiam - ou entendem
ainda - que não houve acatamento da decisão do Tribunal Constitucional, tendo
mesmo havido ampliação da extensão do julgamento de inconstitucionalidade,
deveriam ter interposto recurso nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 70º da
Lei do tribunal Constitucional, como se referiu. De facto, tudo indica que o
Supremo Tribunal de Justiça ampliou o teor do julgamento de
inconstitucionalidade constante do acórdão nº 270/93 - ou a declaração de
inconstitucionalidades, com força obrigatória geral, constante do citado acórdão
nº 151/94. Só que tal questão não pode ser apreciada no presente processo, dada
a diversidade do objecto do recurso.
IV
15. Nestes termos e pelas razões expostas,
decide o Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso.
Lisboa, 29 de Março de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Maria da Assunção Esteves
Maria Fernanda Palma
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Luís Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa