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Processo nº 801/93 ACÓRDÃO Nº 367/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A, identificado nos autos, intentou, no Tribunal de Trabalho do Funchal, contra B, Lda., com sede nessa cidade, acção emergente de contrato individual de trabalho, com a forma sumária, pedindo a declaração de nulidade do despedimento decretado pela ré como sua entidade patronal, a reintegração no respectivo posto de trabalho ou o pagamento da legal indemnização, bem como a condenação desta ao pagamento das prestações remuneratórias em dívida, até ao trânsito em julgado da sentença.
Alegou, para o efeito, e em síntese:
a) foi admitido ao serviço da ré, no Hotel C', em 10 de Março de 1972, exercendo as funções de recepcionista;
b) foi despedido em 29 de Maio de
1978, mediante processo disciplinar, sendo, na altura, como era do conhecimento da ré, presidente da direcção do Sindicato dos Profissionais da Indústria Hoteleira e Similares do Distrito do Funchal.
A sociedade demandada contestou, impugnando os factos alegados pelo autor.
Tendo-se procedido à audiência de discussão e julgamento o Senhor Juiz considerou procedente e provada a acção por decisão de
31 de Julho de 1986 (fls. 78 e segs.dos autos principais) e, após declarar nulo e de nenhum efeito, nos termos do artigo 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho, o despedimento efectuado na pessoa do autor, por inexistência de justa causa, condenou a ré:
a) na reintegração do autor no seu posto de trabalho e com a antiguidade devida, em alternativa e cabendo a opção ao trabalhador, com o pagamento da indemnização prevista no artigo 24º, nº 2, do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, e artigo 20º, nº 1, do Decreto nº
372-A/75, 'neste momento 30 (trinta) vezes a quantia correspondente ao salário mensal relativo à categoria do A. na data do trânsito em julgado desta sentença';
b) no pagamento ao autor de todas as prestações salariais contratualmente devidas desde a data do despedimento até à da sentença.
Inconformada, apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 22 de Novembro de 1989 (fls. 189 e segs. dos mesmos autos) alterou a decisão recorrida no que respeita ao cálculo da indemnização por despedimento - o que deve ser considerado até à data da sentença em 1ª instância e não até à data do trânsito em julgado - em tudo o mais confirmando o anteriormente decidido.
Recorreu novamente a ré, agora de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Este Tribunal, por acórdão de 25 de Setembro de
1991, tirado em conferência (fls. 238 e segs.), anulou o acórdão da Relação e ordenou a baixa dos autos a fim de se proceder à sua reforma.
Para o STJ, infringiu-se o dever imposto ao julgador pelo nº 2 do artigo 660º do Código de Processo Civil (CPC) de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, assim se cometendo a dupla nulidade de omissão de pronúncia arguida pela recorrente ao abrigo do disposto nos artigos 668º, nº 1, alínea d), e 716º, nº 1, do Código citado.
A Relação, por acórdão de 19 de Fevereiro de 1992
(fls. 254 e segs.) supriu as omissões de pronúncia detectadas mas manteve o teor do anteriormente decidido quanto ao mérito.
Na sequência de novo recurso da ré, o STJ, por acórdão de 6 de Janeiro de 1993 (fls. 297 e segs.), negou a revista.
Escreveu-se, então:
'[...]têm de considerar-se justificadas as faltas dadas pelo autor ao trabalho, no indicado período, 'ex vi' do preceituado no nº 1 daquele artigo
21º [do Decreto-Lei nº 215-B/75] em virtude de terem ocorrido no desempenho das suas funções de presidente da direcção do aludido Sindicato e haverem sido tempestivamente comunicadas à recorrente pela direcção desse Sindicato.
Devendo considerar-se justificadas essas faltas, o comportamento do autor não assume a natureza de infracção disciplinar, não reveste natureza culposa, por não violar qualquer dever emergente do vínculo contratual. Por isso, não é susceptível de constituir justa causa de despedimento'.
2.- Reagindo ao assim decidido, interpôs a ré recurso para o Tribunal Pleno por considerar estar o acórdão em oposição, quanto à solução da mesma questão fundamental de direito, com o acórdão do mesmo Tribunal proferido no processo 2082 da 4ª Secção, em 24 de Maio de 1989, no domínio da mesma legislação, já transitado em julgado.
Seguiram os autos a legal tramitação, vindo o STJ, por acórdão de 28 de Outubro de 1993 (fls. 73 e segs. dos presentes autos de recurso para o tribunal pleno) a decidir no sentido da inexistência da oposição alegada pela recorrente, julgando, por conseguinte, findo o recurso, nos termos do artigo 767º, nº 1, do CPC.
Nas suas alegações de recurso para o Tribunal Pleno a ré e recorrente suscita duas questões:
a) uma, em que pretende que, 'desde já', o Tribunal Pleno 'declare 'inconstitucional' a interpretação feita no acórdão recorrido do nº 1 do artigo 22º do D.L. 215-B/75, de 30.IV';
b) outra, que reconheça a alegada oposição entre os dois acórdãos, mandando seguir o processo.
Debruçando-se sobre esta última questão, entendeu o STJ constituir jurisprudência pacífica ser indispensável, para haver oposição, que sejam idênticos os factos contemplados nos acórdãos e em ambos a decisão seja expressa. Reconheceu que no acórdão recorrido e no acórdão fundamento se deram soluções opostas mas logo acrescentou que a este último se se deparava uma situação de facto diferente, impossibilitando o tribunal de recorrer ao disposto no artigo 22º, nº 1, citado, razão pela qual decidiu não existir contradição sobre a mesma questão fundamental nos dois acórdãos.
Relativamente à questão de constitucionalidade, considerou o STJ não a poder atender 'por exceder o âmbito e o objecto deste recurso, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 2º do CC e 763º e
768º, nº 3, do CPC, onde os mesmos âmbito e objectivo vêm enunciados'.
E, mais adiante:
'A existência ou não de uma interpretação inconstitucional pelo acórdão recorrido de determinada disposição legal sai do âmbito e objectivo prosseguidos por este tipo de recurso, nomeadamente no caso presente, em que a interpretação preconizada pelo recorrente levaria ter por não aplicável disposição legal, de que ele reconhece a aplicabilidade'
Registe-se que, nesta matéria, a ré suscitara uma questão de inconstitucionalidade assim sumariada nas conclusões sexta e sétima das suas alegações:
'6ª.-[...]o acórdão recorrido, ao interpretar a norma constante do nº 1 do artº 22º do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, no sentido de incluir no 'desempenho das suas funções', nela referido, 'os actos que visem uma melhor preparação do autor, como dirigente sindical, para o eficiente exercício do seu mandato de defesa dos interesses daqueles que representa', fez a aplicação ao caso de uma interpretação da referida norma que é inconstitucional, pois viola o princípio do estado de direito democrá tico e o princípio da liberdade sindical, este último consagrado no artº 55º da Constituição da República;
7ª.-É que a referida interpretação, com que tal norma foi aplicada ao caso implica uma confusão e até uma sobreposição dos interesses e utilidades pessoais dos titulares dos órgãos das associações sindicais a estas últimas, o que é o contrário, quer à capacidade jurídica específica daquelas, enquanto pessoas colectivas, quer aos próprios estatutos, enquanto expressão objectivada e concreta do exercício de uma das vertentes da liberdade sindical
- cfr. artº 55º da Constituição'.
3.- Ainda inconformada recorreu a ré para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição da República (CR) - e, implicitamente, do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº
28/82, de 25 de Novembro - recurso que foi recebido, com efeito suspensivo.
Concluíu do seguinte modo as alegações oportunamente apresentadas:
'1ª- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Janeiro de 1993, interpretou a norma do nº 1 do artº 22º do Dec-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, no sentido de incluir no 'desempenho das suas funções' nela referido,
'os actos que visem uma melhor preparação do autor, como dirigente sindical, para o eficiente exercício do seu mandato de defesa dos interesses daqueles que representa.';
2ª- Mas o sentido interpretativo com que a referida norma veio a ser aplicada é materialmente inconstitucional.
3ª- Pois desrespeita o princípio do Estado de Direito democrático, na medida em que conduz à confusão e até à sobreposição dos interesses e das utilidades pessoais dos titulares dos órgãos da associação sindical com relação aos fins e às competências estatutárias desta última,
4ª- E põe em causa os princípios da segurança e da protecção da confiança na previsibilidade do Direito, dado não ser exigível a qualquer cidadão prever que o referido sentido interpretativo, atribuído à expressão
'desempenho das suas funções', reportada aos membros da direcção das associações sindicais, pudesse vir a ser fixado e aplicado fora e à margem do quadro das competências estatutárias desse órgão ou dos fins e escopos da respectiva associação sindical.
5ª- Além disso, de acordo com o princípio da autoregulamentação, só às associações sindicais cabe definir as competências estatutárias dos respectivos órgãos, estando, portanto vedado, inclusive aos tribunais, acrescentar-lhes actos que manifestamente não constam de tais competências, nem a elas se podem reconduzir.
6ª- Por isso, o sentido interpretativo que foi dado à norma em apreço, ao alargar o desempenho das funções dos directores dos sindicatos a actos que se situam de fora e para além dos fins e das competências que resultam dos estatutos da respectiva associação sindical, está a desrespeitar o princípio da liberdade sindical, na vertente do direito de autoregulamentação interna, que os estatutos das associações sindicais, inequivocamente, exprimem e concretizam, uma vez elaborados e aprovados.
Termos em que Vossas Excelências deverão julgar procedente o presente recurso e, nessa conformidade, declarar inconstitucional o sentido com que o Tribunal recorrido interpretou e aplicou a norma constante do nº 1 do artº 22º do Dec-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, o qual veio a incluir 'no desempenho das suas funções', referido nessa mesma norma, 'os actos que visem uma melhor preparação do autor, como dirigente sindical, para o eficiente exercício do seu mandato de defesa dos interesses daqueles que representa', pois esta interpretação da norma em causa viola os princípios do Estado de Direito democrático e da liberdade sindical, com o que se fará justiça.'
O recorrido, por sua vez, suscitou as questões prévias atinentes aos efeitos do recurso e à admissibilidade deste, além de responder ao fundo da questão, assim concluindo:
'1º- Nada justifica a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, pois a situação dos autos nada tem a ver com a previsão do nº
4 do artigo 78º da Lei nº 28/82.
2º- Sendo tal situação perfeitamente enquadrável no nº 3 do mesmo artigo, deverá ser de imediato alterado o efeito para devolutivo.
3º- A(s) norma(s) constitucionais cuja violação foi invocada no anterior recurso não coincidem com aquelas que são agora invocadas, o que põe em causa a admissibilidade do presente recurso.
4º- O facto de o Supremo Tribunal de Justiça ter interpretado a lei de forma inesperada para a recorrente (mas, em conformidade com o sustentado pelo recorrido...) não constitui violação do estado de direito.
5º- No entender da recorrente, a parte vencida poderia sempre recorrer a este Tribunal invocando que não previa a adopção da tese que fez vencimento na decisão de que recorrem, sendo bem evidente o absurdo de tal posição.
6º- Não se vislumbrando quais os fundamentos com que a recorrente pretende ver reconhecida a invocada violação do artigo 2º da C.R.P..
7º- O Acórdão recorrido não decidiu atribuir novas competências estatutárias ao Sindicato de que o recorrido era dirigente, mas tão somente considerou que a actividade do recorrido se enquadrava nas competências previstas nos respectivos Estatutos.
8º- E, da correcção (ou incorrecção) de tal decisão não cabe aqui e agora apreciar.
9º- Não se vislumbrando em que norma constitucional é que se poderia detectar uma proibição à preparação das pessoas que formam a vontade das pessoas colectivas para melhor exercerem as suas funções.
10º- O douto Acórdão recorrido não violou qualquer princípio ou preceito constitucional, nem das conclusões da recorrente se alcança quais as normas concretas que entende terem sido violadas.'
Ouvida sobre as questões prévias, a recorrente defendeu a sua improcedência.
Após se ter pedido a título devolutivo, para consulta, os autos principais - processo nº 3469, da 4ª Secção do STJ - correram-se os vistos legais cumprindo, agora, apreciar e decidir.
II
1.- A questão prévia da admissibilidade de recurso.
1.1.- O recorrido tem como 'algo duvidosa' a admissibilidade do presente recurso uma vez que se suscitou a questão de inconstitucionalidade tendo em conta o disposto no artigo 55º da CR e o fundamento invocado respeita ao artigo 2º desse texto legal.
Sustenta a recorrente, em resposta, que, ao suscitar a questão de inconstitucionalidade, ou seja, nas alegações para o tribunal pleno, observou ter o acórdão recorrido feito aplicação ao caso de uma interpretação normativa não constitucional, pois que lesante do princípio do Estado de direito democrático, e do princípio da liberdade sindical. Sendo assim, e uma vez que aquele primeiro princípio aflora em vários preceitos constitucionais, sem prejuízo da sua expressa consagração no artigo 2º da CR, defende a recorrente ter suscitado ab initio a inconstitucionalidade relativamente aos dois princípios constitucionais e não somente ao que toca ao artigo 55º citado.
A questão não deixa de apresentar certa pertinência não só porque ao recorrente cumpre indicar a norma - ou normas - ou os princípios constitucionais que considera infringidos pelas normas do direito ordinário, ou pela interpretação que lhes foi dada, como o deve fazer de forma clara e perceptível, de modo a que se possa fixar o objecto do recurso sem equívocos. Como se escreveu em aresto deste Tribunal, o equacionamento das questões a resolver, muito particularmente ao tratar-se de interpretações normativas, deve ser feito em termos tais que, se o Tribunal vier a julgar esse entendimento não conforme à Constituição, 'o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o tribunal recorrido que houver que reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em causa [e pode acrescentar-se, que normas estão em causa] que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei constitucional' (cfr. o acórdão nº 178/95, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Junho último).
1.2.- Como quer que seja, entende-se que não pode conhecer-se do recurso por se não encontrarem reunidos os pressupostos necessários do recurso de constitucionalidade.
Na verdade, assenta este recurso, quando interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da CR e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, na indispensável congregação dos seguintes pressupostos: a) a questão de inconstitucionalidade há-de ter sido previamente suscitada, durante o processo, ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que essa questão respeita; b) a norma impugnada - ou uma certa interpretação dela - deverá ter sido utilizada na decisão recorrida como sua ratio essendi; c) da decisão aplicativa da norma - ou da interpretação questionada - não é, já, admissível recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já se haverem esgotado os que no caso cabiam; d) a suscitação da inconstitucionalidade há-de ter pertencido à iniciativa do recorrente.
No concreto caso, sem necessidade de se aludir, sequer, à problemática decorrente da conceitualização de um recurso como
'recurso ordinário', entende-se, desde logo, ter sido tardiamente - logo, não em tempo útil - suscitada a questão de inconstitucionalidade.
É certo que a interpretação dada pelo acórdão do STJ à norma do nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 215-B/75, impugnada pela recorrente, não podia ser reapreciada por outro Tribunal, não obstante esta o ter tentado, aproveitando-se do recurso para o Pleno, por alegada oposição de acórdãos - questão de que o Pleno não tomou conhecimento por, como se escreveu então, 'a existência ou não de uma interpretação inconstitucional pelo acórdão recorrido de determinada disposição legal sai do âmbito e objectivos prosseguidos por este tipo de recurso [o recurso para o Pleno por oposição de acórdãos] nomeadamente no caso presente, em que a interpretação preconizada pelo recorrente levaria ter por não aplicável disposição legal, de que ele reconhece a aplicabilidade'.
Não obstante, o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade compete ao recorrente que o deverá fazer, na linha da jurisprudência uniformemente reiterada deste Tribunal, durante o processo, entendendo-se como tal que o seja antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a questão para cuja resolução é relevante a norma arguida ou a interpretação que lhe foi dada e se pretende discutir.
Só assim não ocorrerá nos contados casos em que antes de esgotado esse poder, o interessado não tenha tido oportunidade processual de colocar o problema, situações excepcionais ou anómalas em que, por exemplo, uma decisão insólita ou surpreendente lhe coarcte a possibilidade de recorrer. Em princípio, no entanto, têm valimento as considerações tecidas em anteriores acórdãos deste Tribunal - como o nº 479/89, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992 - segundo as quais não pode deixar de recair sobre as partes em juízo 'o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretende socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada)'.
1.3.- Ora, as instâncias interpretaram a norma do nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 215-B/75, no tocante à justificação das faltas dadas pelos membros da direcção das associações sindicais para desempenho das suas funções, num sentido que, desde a sentença do Tribunal de Trabalho do Funchal, mereceu censura à recorrente que se recusa a aceitar uma interpretação, a seu ver extensiva, de modo a abranger seja os actos praticados na chamada vida sindical, seja outras actividades só porque exercidas por quem tem a qualidade de membro de uma direcção sindical.
A formulação legal, para a recorrente, pressupõe uma certa inserção orgânica das funções exercidas, visando a satisfação de exigências da associação sindical, que não modos de satisfação ou realização pessoal do trabalhador que participe nessas actividades.
Nesta perspectiva importaria, fundamentalmente, indagar se, no caso concreto, os actos cuja prática foi invocada como justificação das faltas ao trabalho podem inserir-se nas funções estatutariamente atribuídas ao trabalhador no sindicato, tendo em conta os fins prosseguidos por este último.
Esta tem sido a tese sustentada pela recorrente com o suporte, nomeadamente, de parecer junto aos actos, da autoria de D (fls. 123 e segs. do processo apenso).
Não foi, porém, esse o entendimento seguido pelas instâncias, não aceitando limitar as actividades sindicais, para efeitos de justificação das faltas, ao exercício das competências estatutárias, antes enquadrando essas funções ou actividades sindicais no 'amplo espaço próprio da liberdade da acção sindical', no qual, 'obviamente', se integram, no caso concreto, as actividades em que o autor, ora recorrido, interveio quer no estrangeiro, quer em Portugal, aquando da sua ausência ao serviço (cfr. o acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Novembro de 1989, a fls. 189 e segs. daqueles autos).
É contra este entendimento que a recorrente sempre tem reagido, utilizando, inclusivamente, o recurso previsto no artigo 763º do Código de Processo Civil, sem êxito, no entanto (cfr. acórdão do STJ de 28 de Outubro de 1993, a fls. 73 e segs. destes autos).
E, na defesa do seu ponto de vista, a recorrente tem apelado, no seu arsenal argumentativo, não só à deficiência probatória no tocante à exacta caracterização factual da actuação do recorrido - o que, claramente, não cumpre agora averiguar - como à violação, pelas decisões recorridas, do disposto no artigo 55º da CR, em particular da norma contida no seu nº 6, pondo em causa o princípio constitucional da liberdade sindical - nenhuma das vertentes em que este é desdobrável postula, expressa ou implicitamente, a exigência de se terem por justificadas as faltas ao trabalho dadas pelos membros das direcções sindicais, para a frequência de cursos de formação sindical - e, do mesmo passo, à violação da norma constante do citado nº 1 do artigo 22º.
1.4.- Não colhe, para efeitos de recurso de constitucionalidade, o alegado vício da decisão judicial na medida em que esta se não configure adequadamente constitucional: constitui orientação pacífica da jurisprudência deste Tribunal que o objecto de recurso há-de ser constituído por normas ou uma certa dimensão normativa delas e não decisões judiciais. Neste sentido, por todos, o acórdão nº 178/95, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995.
No entanto, ao recorrer para o Tribunal Constitucional, a recorrente - e bem - atacou a interpretação normativa dada pelo tribunal a quo à norma do nº 1 do artigo 22º.
E, na verdade, o acórdão do Supremo, confirmando as anteriores decisões, dá à norma um sentido algo diferente, de resto mais restritivo, deste modo se alicerçando em fundamentação outra, ao fazer depender a integração da actividade do recorrido como membro da direcção de um sindicato, no 'desempenho das suas funções', da existência de um nexo teleológico entre essa actividade e os fins que a ordem jurídica assinala a essa associação sindical, bem como da ocorrência de um nexo orgânico, de modo a excluir-se a actividade desenvolvida pelo dirigente sindical em nome próprio, ou seja, à revelia da vontade do órgão de que é membro.
Escreveu-se, na sequência, no referido acórdão:
'Deve, [...], concluir-se que por 'desempenho de funções', para efeito do disposto no nº 1 do artigo 22º, do mencionado Dec-Lei nº 215-B/75, se deve considerar 'toda a actividade dos membros da direcção de uma associação sindical adequada a cumprir, directa ou indirectamente, imediata ou mediatamente, os fins da respectiva associação sindical, assumida como tal pela direcção' (Jorge Leite, Rev. Mi. Público, ano 8º, nº 32, pág. 96).
Face a esta conclusão, a actividade desempenhada pelo autor, durante o período em que faltou ao trabalho, não pode deixar de considerar-se como havendo sido realizada no desempenho das suas funções de dirigente sindical. De facto, existe o apontado nexo teleológico, na medida em que aquela actividade visou, essencialmente, uma melhor preparação do autor, como dirigente sindical, para o eficiente exercício do seu mandato de defesa dos interesses daqueles que representava e também se verifica o respectivo nexo orgânico, porquanto se trata de uma actividade de dirigente sindical, enquanto tal, por ter sido determinada pelo órgão de que então fazia parte.
Conforme se prova, foi a direcção do Sindicato que escolheu o autor para a frequência do curso de formação sindical e que comunicou as suas ausências, nos termos do nº 3 do mencionado artº 22º.
Nesta conformidade, têm de considerar-se justificadas as faltas dadas pelo autor ao trabalho, no indicado período, 'ex vi' do preceituado no nº
1, daquele artº 22º, em virtude de terem ocorrido no desempenho das suas funções de presidente da direcção do aludido Sindicato e haverem sido tempestivamente comunicadas à recorrente pela direcção do Sindicato.' (o acórdão está parcialmente publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano I, tomo I - 1993, págs. 217 e segs.).
Trata-se, na verdade, de uma leitura do texto legal não inteiramente compaginável com as interpretações anteriores, pois surpreende-se-lhe maior elasticidade.
1.5.- Resta saber se a interpretação seguida pelo STJ, pelo seu carácter insólito ou sua imprevisibilidade, constitui uma 'situação surpresa', justificativa, em termos de razoabilidade, da dispensa do ónus de prévia invocação.
É que, como, nomeadamente, se ponderou no acórdão nº 479/89, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992,
'não pode deixar de recair sobre as partes o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais (por, outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada).
E isso - acrescentar-se-á - também logo mostra como a simples 'surpresa' com a interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos, certamente, em princípio) a configurar uma dessas situações excepcionais [...] em que seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação 'prévia' da inconstitucionalidade perante o tribunal a quo'.
Esta orientação é a que vem sendo perfilhada pelo Tribunal Constitucional pelo que, à sua luz, deverá ser examinado o caso sub judicio.
Ora, não se tem por insólita nem imprevisível a interpretação dada pelo Supremo, no seu acórdão de 6 de Janeiro de 1993, à norma do nº 1 do artigo 22º em causa.
O próprio aresto acolhe um entendimento doutrinal já então publicado, como houve oportunidade de referir.
E a recorrente não o podia desconhecer. Com efeito, o estudo da Revista do Ministério Público mais não é do que o parecer junto aos autos, por iniciativa do ora recorrido de fls. 147 e fls. 173 dos autos apensos - subscrito por Jorge Leite, Fernando Jorge Coutinho de Almeida, Abílio Vassalo Abreu, Francisco Xavier Liberal Fernandes e Leal Amado.
Aí se encerra a tese que o Supremo acolheu não sem, previamente, se aludir quer à Convenção da OIT nº 135, relativa à protecção e facilidades a conceder aos representantes dos trabalhadores na empresa
(aprovada, para ratificação, pelo Decreto nº 263/76, de 8 de Abril), quer à Recomendação nº 143, que a interpreta e completa, e que inclui, entre as garantias e facilidades a conceder aos representantes dos trabalhadores, a dispensa do tempo necessário para assistir a reuniões, cursos de formação, seminários, congressos e conferências sindicais, a fim de poderem desempenhar eficazmente as suas funções.
Por outras palavras, a interpretação que o STJ adoptou nada teve de inesperado e imprevisível de modo a poder defender-se não ser razoável hipotizá-la. Na verdade, ela mais não foi do que a adopção de uma via argumentativa que, nos próprios autos, fora trazida à colação.
Mas, sendo assim, poderia o suposto vício de inconstitucionalidade ter sido invocado na tramitação normal do processo em causa.
Não se congregam, desse modo, todos os pressupostos do recurso, já enunciados, necessários para conhecer dele no presente caso.
E deixa, também, de ter interesse abordar a questão prévia relativa aos efeitos do recurso.
III
Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Março de 1996
Ass) Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa