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Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal
pronuncia-se no sentido de que 'é evidente a improcedência desta reclamação'.
2. Corridos os vistos, há que decidir.
II. Fundamentos:
3. Uma primeira advertência:
Não obstante o requerimento ter sido autuado no tribunal
a quo como uma única reclamação e, neste Tribunal, ter sido distribuída (como,
de resto, tinha que ser) como se de uma única reclamação se tratasse, a verdade
é que, em direitas contas, são duas as reclamações.
De facto, sendo embora um único despacho reclamado
(despacho de 3 de Outubro de 1994), nele, o juiz decidiu não admitir dois
recursos distintos: um, interposto, em 27 de Maio de 1994, pela referida A.; o
outro, interposto pelo mencionado solicitador B., em 26 de Setembro de 1994.
Vejamos, então, como tudo se passou.
Na acção especial de prestação de contas que a referida
A., patrocinada pelo mencionado solicitador B., propôs contra C., o juiz, com
fundamento em que, na resposta que, entretanto, aquela havia apresentado, se
discutiam 'questões de direito, designadamente a da matéria excepcional alegada
pelo réu na contestação', mandou notificar o 'advogado cujo nome consta da
procuração' junta ao processo, 'para, no prazo máximo de 8 dias, vir aos autos
ratificar todo o processado posterior a fls. 132' [cf. despacho de 18 de Abril
de 1994, a fls. 64 (141 da acção)].
Sendo este despacho notificado ao advogado em causa (D.:
cf. cota de fls. 67v, ou seja, 141v da acção) e não o sendo ao mencionado
solicitador B., veio A. (requerimento de fls. 143 da acção e 68 da reclamação)
requerer a 'nulidade daquele douto despacho [...], decidindo-se pela
legitimidade do solicitador poder discutir questões de direito, por a causa
estar contida dentro da alçada do tribunal e, portanto, não admitir recurso,
pelo que não é obrigatória a constituição de advogado'. E acrescentou que, para
a 'hipótese de ser indeferido o pedido de nulidade requerido [...], desde já se
suscita que há inconstitucionalidade no despacho em análise, na aplicação das
normas contidas nos artigos 32º, 2, 34º e 40º, 1, do Código de Processo Civil e
ainda do disposto no artigo 66º do Estatuto dos Solicitadores'.
O juiz, por despacho de 9 de Maio de 1994, desatendeu a
referida reclamação por nulidades e condenou nas custas do incidente o
subscritor da mesma (ou seja, o solicitador B.). E fê-lo, com fundamento em que
o despacho reclamado 'foi proferido na estrita observância do disposto quer nos
artigos 32º/2 e 40º/1 e 2 do CPCivil, quer no Estatuto dos Solicitadores,
designadamente no artigo 61º/2, do citado DL nº 468/76, de 19 de Junho'.
Notificado este despacho, vieram:
(a). A. interpor recurso para este Tribunal, ao abrigo
da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, 'por
inconstitucionalidade na aplicação das normas dos artigos 32º, 2, 34º, 40º, 1,
do Código de Processo Civil, e 61º, 2, e 66º, alínea g), do Estatuto dos
Solicitadores' (cf. fls. 146 da acção e 71 da reclamação);
(b). e o solicitador B. 'requerer a sua nulidade já que
não encontra suporte legal para que seja o signatário a suportar aquelas
custas', e bem assim (para o caso de este pedido ser indeferido) requerer que
'seja esclarecido de qual a disposição legal em que o mesmo se suporta, para se
ter condenado o signatário nas custas do incidente' (cf. fls. 150 da acção e 75
da reclamação).
O juiz, por despacho de 17 de Junho de 1994, esclareceu
que o despacho reclamado (ou seja: o despacho de 9 de Maio de 1994, que,
desatendendo a reclamação por nulidade apresentada por A., condenou o
solicitador B. em custas) tivera 'como base, além das disposições legais aí
citadas, o disposto no artigo 43º/1 e 2, alínea g) do CC Judiciais'. E 'pelas
mesmas razões e pelo incidente a que voltou a dar causa', condenou, de novo, o
subscritor do requerimento (ou seja, o solicitador referido) em custas.
Nesse despacho, o juiz não se pronunciou sobre o
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, apresentado por A..
Notificado este despacho, o solicitador B., em novo
requerimento, veio dizer: 'porque só agora foi indicada a base legal em que tais
despachos de condenação do requerente se suportam [refere-se aos despachos de 9
de Maio de 1994 e de 17 de Junho de 1994, que o condenaram em custas], só agora
se pode suscitar a inconstitucionalidade na aplicação das bases legais citadas
naqueles despachos, pelo que só agora se requer a nulidade de ambos os despachos
que o condena em custas [sic] com base nesta, por as mesmas não serem aplicadas
ao caso - alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição da República
Portuguesa'. E acrescentou: 'No indeferimento de tal pedido, desde já se
interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea
b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por
inconstitucionalidade na aplicação das normas dos artigos 32º, 2, e 40º, 1 e 2,
do Código de Processo Civil, 61º, 2 do Decreto-Lei nº 468/76, de 19 de Junho, e
artigo 43º, 1 e 2, alínea g), do Código das Custas Judiciais, por violação do
artigo 20º, 1, da Constituição da República Portuguesa'.
O juiz, por despacho de 3 de Outubro de 1994 - depois de
ponderar que, 'no que toca à nulidade dos despachos em questão [refere-se
àqueles em que o referido solicitador foi condenado em custas] [...], entende o
tribunal que os mesmos foram devidamente fundamentados de direito' -, não
admitiu os recursos interpostos, 'por manifestamente ilegal'. E justificou: 'O
artigo 72º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15-11, determina que: 'Podem
recorrer para o Tribunal Constitucional as pessoas que, de acordo com a lei
reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para
dela interpor recurso'. Verifica-se pois que atentos os argumentos amplamente
explanados nos autos e nos despachos postos em crise, o subscritor dos ditos
requerimentos não pode interpor qualquer recurso para esse mesmo alto tribunal'.
A presente reclamação vem, justamente, deste despacho de
inadmissão dos recursos antes interpostos nos autos: um, interposto por A., para
a hipótese de ser desatendida pelo juiz a reclamação por nulidades por ela
apresentada contra o despacho (de 18 de Abril de 1994), que mandou notificar o
advogado por si constituído para que viesse ratificar o processado posterior a
fls. 32 da acção, subscrito pelo solicitador B.; o outro, interposto pelo
solicitador B., para a hipótese de vir a ser desatendida, como sucedeu, a
'renovação' da arguição de nulidades que já antes assacara aos despachos de 9 de
Maio de 1994 e de 17 de Junho de 1994, que o condenaram a si em custas.
São, assim - repete-se -, duas reclamações apresentadas
contra um único e mesmo despacho reclamado (o despacho de 3 de Outubro de 1994):
uma, apresentada por A. contra esse despacho (de 3 de Outubro de 1994), por nele
se não ter admitido o recurso que ela interpusera do despacho de 9 de Maio de
1994; a outra, apresentada pelo solicitador B. contra esse mesmo despacho, por
lhe não ter admitido o recurso que interpôs, para o caso de não ser atendida a
arguição de nulidades que assacou aos despachos de 9 de Maio de 1994 e de 17 de
Junho de 1994, que o condenaram em custas.
Dizendo de outro modo: com a reclamação apresentada, A.
pretende que se admita o recurso que interpusera para este Tribunal, a fim de
ser decidida a questão de constitucionalidade do despacho do juiz, de 18 de
Abril de 1994, 'na aplicação das normas contidas nos artigos 32º, 2, 34º e 40º,
1, do Código de Processo Civil e 61º, 2 e 66º, alínea g) do Estatuto dos
Solicitadores' - uma aplicação que conduziu a que, numa acção em que não é
admissível recurso ordinário, mas em que se discutiam questões de direito, ela
tivesse que ser representada por advogado, para poder pleitear.
O solicitador B. o que pretende, com a reclamação, é que
se admita o recurso interposto para este Tribunal para apreciação da
constitucionalidade 'na aplicação das normas' com base nas quais o juiz, pelos
despachos de 9 de Maio de 1994 e de 17 de Junho de 1994, o condenou em custas
pelos incidentes - normas que ele identificou como sendo as 'dos artigos 32º, 1
e 40º, 1 e 2 do Código de Processo Civil, 61º, nº 2, do Decreto-Lei nº 468/76,
de 19 de Junho, e artigo 43º, 1 e 2, alínea g), do Código das Custas Judiciais'.
4. Uma segunda advertência:
No requerimento de interposição de recurso, não indica
A. as normas ou princípios constitucionais violados - o que o artigo 75º-A da
Lei do Tribunal Constitucional exige -, nem a dimensão normativa (o sentido) dos
preceitos, que ela tem por inconstitucionais, nem tão-pouco as razões por que
entende padecerem eles de tal vício. Mais: nesse requerimento, indica ela uma
norma (a do artigo 61º do Estatuto dos Solicitadores) que não havia indicado
quando suscitou a questão de constitucionalidade.
No requerimento de interposição de recurso, o
solicitador B. também não indica a dimensão normativa dos preceitos, que ele tem
por inconstitucionais, nem as razões por que padecem de tal vício, limitando-se
a dizer, relativamente a todos eles, que violam o artigo 20º, nº 1, da
Constituição.
5. O destino da reclamação:
Pergunta-se então: devem as reclamações ser deferidas?
A resposta será afirmativa, se o recurso que, com cada
reclamação, se pretende ver admitido, o dever ser - o que, naturalmente, reclama
que, quanto a cada um desses recursos, se verifiquem os respectivos
pressupostos.
Pois bem: se este Tribunal apenas houvesse que apreciar
o concreto fundamento que levou o juiz a quo a não admitir os recursos, a
resposta àquela pergunta seria afirmativa quanto a ambas as reclamações.
Na verdade, o fundamento invocado pelo juiz é, ao que
parece, o da ilegitimidade do recorrente B..
Ora, de um lado, não pode negar-se ao referido
solicitador legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional, quando o
recurso vise a decisão de uma questão de constitucionalidade relativa à
aplicação de normas que o juiz invocou para o condenar em custas por incidentes
provocados por requerimentos que subscreveu, sendo um - o de fls. 143 da acção -
subscrito na qualidade de mandatário da autora A., e o outro - o de fls. 150 da
acção -, agindo em nome próprio. Depois, a eventual ilegitimidade do solicitador
não implicava, só por si, que também a sua mandante (A.) carecesse de
legitimidade para recorrer. E, no caso, não carece, pois, pretendendo ela que
este Tribunal decida uma questão de constitucionalidade relativa à aplicação de
normas, feita por despacho judicial, que lhe exigiu que, para estar em juízo,
como autora de uma acção de que não cabe recurso ordinário, mas em que se
discutem questões de direito, esteja representada por advogado, óbvio é o seu
interesse directo na decisão de tal questão (e, assim, a sua legitimidade).
Simplesmente, este Tribunal nas reclamações, tendo nos
autos elementos para isso, deve decidir se sim ou não se verificam os demais
pressupostos do recurso. Exige-o o facto de a decisão que ele vier a proferir,
quando revogue o despacho reclamado, que é um despacho de indeferimento, fazer
caso julgado quanto à admissibilidade do recurso, como prescreve o artigo 77º,
nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional [cf., entre outros, os acórdãos nºs
276/88 (Diário da República, II série, de 20/II/89) e 284/91 (Diário da
República, II série, de 24/X/91).
6. Os pressupostos do recurso:
6.1. Tendo os recursos sido interpostos ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para que os
mesmos devam ser admitidos, é necessário que, entre o mais, se verifiquem os
seguintes pressupostos:
(a). Terem os recorrentes suscitado durante o processo a inconstitucionalidade
das normas que cada um pretende que este Tribunal aprecie;
(b). Terem essas normas sido aplicadas pelas decisões recorridas.
Quanto à aplicação das normas indicadas por cada um dos
recorrentes, pode dizer-se que, de uma maneira ou de outra (salvo a da alínea g)
do artigo 66º do Estatuto dos Solicitadores - e esta era a única alínea que aqui
poderia estar em causa) elas foram aplicadas pelas decisões recorridas, pois que
foi o próprio juiz a quo que as indicou como tendo servido de base ao decidido.
Os recorrentes não suscitaram, porém, a
inconstitucionalidade de normas jurídicas - recte, daquelas que se contêm nos
preceitos que indicaram. Ao menos, não a suscitaram de forma processualmente
adequada.
De facto, os recorrentes, com as fórmulas que
utilizaram, não quiseram, seguramente, dizer que são inconstitucionais as normas
que se contêm nos seguintes preceitos legais:
(a). Artigo 32º, nº 2, do Código de Processo Civil, que reconhece aos
solicitadores competência para, mesmo nos processos em que seja obrigatória a
constituição de advogado, fazerem requerimentos em que não se levantem questões
de direito;
(b). Artigo 40º, nºs 1 e 2, do mesmo Código, que regem para o caso de falta,
insuficiência ou irregularidade de mandato;
(c). Artigo 61º, nº 2, do Decreto-Lei nº 468/76, de 19 de Junho (Estatuto dos
Solicitadores), que dispõe que 'o solicitador exerce o mandato judicial, com as
limitações da lei de processo';
(d). Artigo 66º do mesmo Estatuto, que define os direitos dos solicitadores,
conferindo-lhes a alínea g) o direito de 'alegar oralmente nos processos em que
o patrocínio pode ser exercido' por eles;
(e). Artigo 43º, nºs 1 e 2, alínea g), do Código das Custas Judiciais, que
regula a tributação, entre outros, dos incidentes por nulidade (nº 1) e daqueles
que o tribunal julgue deve tributar [alínea g) do nº 2].
Os reclamantes não discutem, propriamente, a
constitucionalidade das normas que se contêm nos preceitos que enunciam ou uma
certa dimensão normativa dos mesmos (um certo sentido deles). O que discutem é,
mais exactamente, a conformidade constitucional dos despachos do juiz que,
arrimando-se a tais preceitos legais, primeiro, exigiu à reclamante que se
fizesse representar em juízo por advogado (e não por solicitador), e, depois,
condenou o solicitador em custas, por ele ter, em representação da sua mandante,
arguido a nulidade do despacho que fez tal exigência e por, de seguida, haver
invocado a nulidade dessa condenação e perguntado pela base legal da mesma.
Tudo isto - a exigência de intervenção de advogado,
quando, no entender dos reclamantes, à face da lei, bastava que interviesse um
solicitador; e a condenação em custas do solicitador nas circunstâncias
indicadas - é que, segundo o reclamante, viola o direito de acesso aos
tribunais, consagrado no artigo 20º, nº 1, da Constituição.
Que assim é - ou seja: que os reclamante não colocam
questões de inconstitucionalidades normativas, mas antes questões de
inconstitucionalidade dos despachos judiciais que querem impugnar perante este
Tribunal - decorre das seguintes passagens, já atrás transcritas, que, agora, se
recordam;
(a). A reclamante, ao suscitar a questão da inconstitucionalidade disse
expressamente: 'desde já se suscita que há inconstitucionalidade no despacho em
análise, na aplicação das normas contidas nos artigos 32º, 2, 34º, e 40º, 1, do
Código de Processo Civil e ainda do disposto no artigo 66º do Estatuto dos
Solicitadores' (sublinhado acrescentado);
(b). O reclamante, quando suscitou a questão de constitucionalidade, disse
também: 'só agora se pode suscitar a inconstitucionalidade na aplicação das
bases legais citadas naqueles despachos, [...], por as mesmas não serem
aplicadas ao caso'. E, mais adiante, diz recorrer para o Tribunal
Constitucional, 'por inconstitucionalidade na aplicação das normas dos artigos
[...]' (sublinhados acrescentados).
Só que este Tribunal não pode conhecer dessas questões
de constitucionalidade: o controlo de constitucionalidade, que a Constituição e
a lei lhe cometem, é um controlo normativo - um controlo que apenas pode ter por
objecto normas (ou seja, actos do poder normativo público), e não actos de poder
público de outro tipo, como são as decisões judiciais. Entre nós, com efeito, o
sistema de fiscalização de constitucionalidade não consagrou um recurso de
amparo.
O recurso para o Tribunal Constitucional não pode ter
por objecto a inconstitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si
mesmas. O seu objecto hão-de ser as normas a que os outros tribunais recusaram
aplicação, com fundamento na sua inconstitucionalidade, ou que aplicaram, não
obstante o recorrente as haver acusado de inconstitucionalidade, durante o
processo (cf., entre outros, o acórdão nº 192/94, Diário da República, II série,
de 14 de Maio de 1994).
6.2. Se, porém, devesse entender-se que os reclamantes
imputaram o vício de inconstitucionalidade às normas que se contêm nos preceitos
de lei que indicaram - e não aos despachos judiciais de que recorreram - nem por
isso as questões de constitucionalidade se haviam de ter por suscitadas de modo
processualmente adequado.
Na verdade, se aquele vício tivesse sido imputado às
normas em causa, haveria de tê-lo sido, como claramente decorre de quanto se
disse já, apenas a um segmento, a uma certa dimensão normativa - a uma
determinada interpretação delas.
Mas, então, impunha-se que os reclamantes tivessem
indicado - o que não fizeram - o segmento de cada norma, a dimensão normativa de
cada preceito - o sentido ou interpretação, em suma - que eles têm por violador
da Constituição.
De facto, tendo a questão de constitucionalidade que ser
suscitada de forma clara e perceptível (cf., entre outros, acórdão nº 269/94,
Diário da República, II série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se
questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique
esse sentido (essa interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a
julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir,
por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os
outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o
sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a
Lei Fundamental.
Escreveu-se a propósito no acórdão nº 367/94 (Diário da
República, II série, de 7 de Setembro de 1994):
Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um
preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se
faça.
[...] esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de
forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa
apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em
geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o
sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo,
violar a Constituição.
Mas mais: a reclamante, ao colocar a questão de
constitucionalidade, nem sequer indicou a norma ou princípio constitucional que
era infringido pelas normas de direito ordinário que apontou.
Ora - como se sublinhou no já citado acórdão nº 269/94
-, a questão de constitucionalidade só se suscita de forma clara e perceptível,
quando se indica - além da norma (ou segmento dela ou uma dada interpretação da
mesma) que se tem por inconstitucional - também 'o porquê dessa
incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando-[se], ao menos, a norma ou
princípio constitucional infringido'. E acrescentou-se:
Ora, sendo isto assim - e não se vê que possa ser de outro modo, pois que não é
exigível que os tribunais decidam questões (designadamente, questões de
constitucionalidade) sem que as partes lhes indiquem as razões por que entendem
que elas devem ser decididas num sentido, e não noutro -, sendo isto assim,
dizer que determinados preceitos legais 'aplicados ao caso dos autos são
inconstitucionais', sem tão-pouco se indicar a norma ou princípio constitucional
que os mesmos violam, não é suscitar, de modo processualmente adequado, a
questão de constitucionalidade desses preceitos.
7. Síntese final:
Decorre do que se disse que, em direitas contas, o que
os reclamantes pretendem é que este Tribunal aprecie a cosntitucionalidade dos
despachos de que interpuseram recurso, e não propriamente a das normas que os
mesmos aplicaram.
Isso, porém, não é consentido pelo nosso sistema de
controlo de constitucionalidade.
Mas, a entender-se que a inconstitucionalidade foi
imputada às normas indicadas pelos reclamantes (recte, a uma certa interpretação
das mesmas), o certo é que não foram indicados os sentidos desses preceitos que
eles têm por inconstitucionais. Haveria, então, de concluir-se que a questão de
constitucionalidade não foi suscitada de forma clara e perceptível - ou seja:
que o não foi em termos processualmente adequados.
Tudo, pois, converge no sentido de que, se os recursos
houvessem sido admitidos, este Tribunal não poderia deles conhecer. Mas, então,
há que indeferir as reclamações apresentadas contra o despacho que os não
admitiu.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, indeferem-se as reclamações apresentadas e, em
consequência, condena‑se cada um dos reclamantes nas respectivas custas,
fixando-se, para cada um deles, a taxa de justiça em três unidades de conta.
Lisboa, 5 de Abril de 1995
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Luís Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
José Manuel Cardoso da Costa