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Processo nº 27/92 ACÓRDÃO Nº 364/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
(Consª Maria Fernanda Palma)
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A, B, C, D, E, F e G, todos funcionários de justiça, interpuseram, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação do despacho do Director-Geral dos Serviços Judiciários que indeferiu os requerimentos por eles apresentados, em 20 de Janeiro e 24 de Fevereiro de 1986.
Nesses requerimentos pediam a correcção para o futuro dos montantes dos seus vencimentos e a determinação do pagamento das diferenças que entendiam ser-lhes devidas em virtude de sucessivos cálculos de actualização com os quais manifestaram desacordo, atendendo à interpretação por eles sustentada para o artigo 83º, nºs. 1 e 4, do Decreto-Lei nº 450/78, de 30 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 1º da Lei nº 35/80, de 29 de Julho.
Com efeito, perante o disposto no nº 4 deste artigo
83º, nos termos do qual 'sempre que o Governo decrete a melhoria de vencimentos do funcionalismo público, será atribuído aos oficiais de justiça o aumento atribuído à letra da categoria da tabela geral da função pública cujo vencimento seja equivalente à sua remuneração global', os recorrentes entendem que a expressão remuneração global deveria ser interpretada no sentido de englobar o vencimento-base ou de categoria e a participação em custas ou vencimento de exercício, e não apenas o vencimento de categoria, como foi defendido pela entidade recorrida.
Com base nessa interpretação, consideram que as actualizações subsequentes dos vencimentos dos oficiais de justiça deveriam ter sido feitas diferentemente e por montantes superiores aos efectivamente praticados, mantendo-se a fórmula do cálculo das remunerações introduzida pela Lei nº 35/80, não obstante a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 385/82, de 16 de Setembro, cujo artigo 154º revogou quer o Decreto-Lei nº 450/ 78, quer a Lei nº
35/80. O nº 1 do artigo 155º do novo diploma expressamente ressalva os efeitos produzidos na vigência dos textos revogados, nesses efeitos incluindo os ora recorrentes os que resultam da interpretação por eles feita quanto ao anterior regime remuneratório.
Prevenindo a hipótese de diferente entendimento, logo os mesmos suscitaram questões, de inconstitucionalidade.
Respeitam estas às normas contidas nos nºs. 1 e 3 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 385/82, a que atribuem vício de inconstitucionalidade formal, orgânica e material como decorre da formulação
última que lavraram, ao concluirem do seguinte modo as suas alegações neste Tribunal:
'1. Os nºs. 1 e 3 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 385/82, de
16 de Setembro, enfermam de inconstitucionalidade formal porquanto, tendo inovado significativamente o regime laboral dos oficiais de justiça, não foram precedidos de consulta à Associação dos Oficiais de Justiça, como mandava o nº 2 do artigo 58º da Constituição (versão de 1976);
2.- Os citados preceitos enfermam também de inconstitucionalidade orgânica, visto que a Lei nº 35/80, de 29 de Julho, possui a natureza de lei de bases, por aditamento à Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro, e versa matéria da competência reservada da Assembleia da República (artigo
167º, alínea j), da Constituição - versão de 1976], motivo pelo qual não podia ser derrogada por um decreto-lei de desenvolvimento;
3.- Se, como entendeu o Supremo Tribunal de Administrativo no Acórdão recorrido, os nºs. 1 e 3 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 385/82, de 16 de Setembro, revogaram o nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/78, de 29 de Julho, com a redacção da Lei nº 35/80, de 29 de Julho, devem os preceitos revogatórios ser considerados materialmente inconstitucionais por violação do princípio do Estado de Direito, concretizado no subprincípio da confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica, por seu turno escorado na proibição constitucional do retrocesso da legislação social.'
2.- O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa negou provimento ao recurso, por sentença de 23 de Fevereiro de 1988, afastando as suscitadas questões de constitucionalidade e não aceitando a interpretação dada pelos recorrentes ao nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/78 (na redacção da Lei nº 35/80).
Inconformados, recorreram os interessados do assim decidido para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), o qual, por acórdão de 5 de Fevereiro de 1991 da Primeira Secção - Segunda Subsecção, confirmou a sentença impugnada, negando provimento ao recurso, ainda que utilizando diferenciada fundamentação.
Assim e nuclearmente - no que ora interessa - o STA aceitou que por remuneração global se entenda não só o vencimento de categoria mas também o de exercício, só que, em sua tese, a aplicação do nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/78 (na redacção da Lei nº 35/80), foi logo afastada pelo artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio, diploma que estabeleceu a primeira actualização de vencimentos da função pública após a ratificação do Decreto-Lei nº 450/78 pela Lei nº 35/80.
Mais considerou o Supremo não valer, quanto à norma do nº 4 do artigo 83º citado, a ressalva de efeitos prevista no nº 1 do artigo
155º do Decreto-Lei nº 385/82.
E teve por improcedentes os argumentos de inconstitucionalidade invocados relativamente a este último diploma legal.
Transcrevem-se, a propósito, as passagens mais pertinentes do acórdão recorrido:
'(...) É a propósito da expressão 'remuneração global' que se levantam as maiores dúvidas neste recurso, pois pode entender-se que, como se faz na sentença recorrida, sem embargo do seu sentido literal, quis o legislador referir-se só ao vencimento de categoria ou, como defendem os recorrentes, pretendeu antes abranger nela a soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício (constituído pela participação em custas).
Na redacção da Lei nº 35/80, o vencimento de exercício (artigo 84º, nº 1) é integrado pela participação em custas, distinguindo-se, pois, do vencimento de categoria referido no artigo 83º, nº 3, do mesmo diploma.
Ora, quando se fala em 'remuneração global', se se atender ao significado corrente da expressão 'global' - tomado em conjunto, em globo -, a ideia que, por isso, naturalmente acode à mente é que o legislador pretendia referir-se a um somatório de parcelas, o qual só pode ser o conjunto das parcelas formadas pelas duas espécies de vencimentos acima consideradas.
O elemento literal conduzir-nos-ia, consequentemente, a um entendimento oposto ao que foi seguido na sentença impugnada. (...)'
Na decisão do Tribunal Administrativo de Círculo -
como na do autor do acto - considerou-se pesarem significativamente as consequências perturbadoras, desajustadas e ilógicas que a interpretação dos recorrentes proporcionaria.
A este respeito, pondera-se no acórdão um pouco mais adiante:
'(...) objecta-se que por efeito do primeiro aumento de vencimentos posterior à lei, calculada a remuneração global, não apenas com base no vencimento de categoria mas antes pela adição a este da participação em custas, como pretendem os recorrentes, os vencimentos de categoria dos oficiais de justiça providos na respectiva carreira deixariam de poder, daí para o futuro, aferir-se por quaisquer letras, tornando inaplicável o nº 1 do citado artigo 83º e criando uma situação de desigualdade em termos remuneratórios entre funcionários pertencentes à mesma categoria consoante o seu provimento fosse anterior ou posterior à entrada em vigor do nº 1 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 385/82, a menos que este diploma se encontre ferido de inconstitucionalidade, o que arredaria qualquer fractura no regime remuneratório instituído por igual disposição do Decreto-Lei nº 450/78; por outro lado, os pressupostos dos aumentos verificados nos vencimentos dos oficiais de justiça ao abrigo deste diploma, interpretando a expressão
'remuneração global' nos moldes defendidos pelos recorrentes, criariam um efeito tão clamorosamente empolador em tais aumentos que de uma forma ostensiva desde logo os distanciava sem justificação dos restantes funcionários públicos da mesma categoria (...).'
Não obstante, mais se observa:
'Mas, apesar de todas estas alegadas incongruências e injustiças, não se encontrará o intérprete preso, por inadmissibilidade da interpretação correctiva, ao significado próprio da expressão 'remuneração global' no sentido de abranger o vencimento de categoria e o vencimento de exercício (participação em custas na definição do nº 1 do artigo 84º) e não apenas o vencimento de categoria?
Cremos que a resposta não poderá deixar de ser afirmativa.
E também temos por indubitável que, no nº 4 do artigo 83º, se quis deixar expressa a determinação de aplicação automática dos aumentos retributivos, sem ser necessário, como até aí, despacho pré vio do Ministro da Justiça com base nas disponibilidades financeiras dos Cofres. (...).
Cremos que só desta maneira se respeitará o princípio consagrado no nº 3 do artigo 9º do Código Civil (...).'
Oportunamente se analisará, no que ora interessa, a fundamentação desenvolvida no acórdão recorrido.
3.- Recorreram os interessados para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Como então se escreveu no respectivo requerimento, o recurso tem por fundamento a aplicação dos nºs. 1 e 3 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 385/82, de 16 de Setembro, não obstante a sua alegada incompatibilidade com o artigo 13º da Constituição (versão de 1976), a alegada violação do princípio que não permite ao decreto-lei de desenvolvimento que contrarie a lei de bases e a alegada incompatibilidade dos aludidos nºs. 1 e 3 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 385/82 com o princípio constitucional da confiança dos particulares nas instituições'.
Recebido o recurso, alegaram os recorrentes, rematando com a enunciação de conclusões, já transcritas.
A entidade recorrida ofereceu o merecimento dos autos.
Corridos os vistos legais e iniciada a discussão do projecto de acórdão apresentado, houve mudança de relator, por vencimento.
Cumpre apreciar e decidir, desde logo delimitando o objecto do recurso para, em momento posterior, cuidar de saber se do mesmo deve ser tomado conhecimento.
II
1.- Delimitação do objecto do recurso
1.1.- Para uma melhor compreensão do objecto do recurso importa aludir ao regime jurídico imediatamente anterior relativo ao sistema remuneratório dos funcionários de justiça e constante do Decreto-Lei nº 450/78, de 30 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 35/80, de 29 de Julho, que o ratificou, com emendas.
O Decreto-Lei nº 450/78 teve por objectivo reestruturar as secretarias judiciais e as carreiras dos funcionários de justiça.
Editado pelo Governo, ao abrigo da alínea c) do nº
1 do artigo 201º da Constituição, no seu capítulo IV cuidava do 'Pessoal' e depois de, designadamente, dispor sobre os quadros dos funcionários de justiça e o dos oficiais de justiça que no primeiro se integra (cfr. os artigos 73º e
74º), dispunha no artigo 83º, sob a epígrafe 'Vencimentos':
'1. Para efeitos de vencimento os funcionários de justiça distribuem-se de acordo com a tabela anexa ao presente diploma.
2.- A tabela referida no número anterior pode ser alterada por decreto dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano e do Secretário de Estado da Administração Pública.'
E acrescentava o artigo 84º, subordinado a epígrafe
'Participação em custas':
'O pessoal do quadro de oficiais de justiça participa em custas nos termos a estabelecer por decreto dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano e do Secretário de Estado da Administração Pública; a participação em custas tem a natureza e o regime de vencimento de exercício.'
Por sua vez, o nº 1 do artigo 85º - Encargos - preceituava serem suportados, pelo Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça os encargos com os vencimentos dos funcionários e com a participação em custas.
Segundo a tabela anexa a que o artigo 83º se referia, os oficiais de justiça - quadro a que pertencem todos os funcionários de justiça recorrentes - escalonavam-se do seguinte modo, considerando as respectivas letras de vencimento:
Secretários de tribunal superior - letra E
Secretário judicial - letra F
Escrivão de direito de 1ª classe - letra H
Escrivão de direito de 2ª classe - letra j
Escrivão adjunto - letra M
Oficial de diligências - letra R
Escriturário judicial - letra R.
A participação em custas aludida no artigo 84º do Decreto-Lei nº 450/78 (e no seu artigo 161º) veio a ser fixada pelo Decreto Regulamentar nº 42/79, de 17 de Agosto, assente num critério percentual, variável consoante o tipo de tribunais ('o grupo de tribunais') e a categoria profissional do funcionário respectivo.
A Lei nº 35/80 veio, no entanto, ao ratificar o texto de 1978, introduzir alterações em numerosos preceitos do diploma, nomeadamente no tocante ao artigo 83º que, mantendo o nº 1 da redacção primitiva, passou a dispor na parte restante (alterando o nº 2 e aditando os nºs. 3, 4 e 5):
'[...]2.- Os escrivães de 1ª classe dos tribunais superiores auferem o vencimento correspondente ao cargo de secretário judicial.
3.- A tabela referida no nº 1 pode ser alterada por decreto-lei dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano e do Secretário de Estado da Administração Pública e constitui, para os oficiais de justiça, o respectivo vencimento de categoria.
4.- Sempre que o Governo decrete a melhoria dos vencimentos do funcionalismo público, será atribuído aos oficiais de justiça o aumento atribuído à letra da categoria da tabela geral da função pública cujo vencimento seja equivalente à sua remuneração global.
5.- Sempre que um funcionário seja promovido a uma categoria superior ou transferido, terá direito a receber o vencimento correspondente à anterior categoria ou lugar até tomar posse da nova categoria ou lugar.'
E, por seu turno, passou o artigo 84º a ter a seguinte redacção:
'1.- O pessoal do quadro de oficiais de justiça participa em custas nos termos a estabelecer por decreto-lei dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano e do Secretário de Estado da Administração Pública; a participação em custas constitui o vencimento de exercício do respectivo pessoal.
2.- O decreto-lei referido no número anterior não poderá fixar quantia inferior à que já é atribuída para os mesmos fins.'
Também, na tabela anexa, as letras de vencimento dos oficiais de justiça sofreram alteração, passando a ser assim:
Secretários de tribunal superior - letra D
Secretário judicial - letra E
Escrivão de direito de 1ª classe - letra G
Escrivão de direito de 2ª classe - letra I
Escrivão adjunto - letra L
Oficial judicial - letra N
Escriturário judicial - letra N.
1.2.- O Decreto-Lei nº 385/82 veio, por sua vez, alterar a disciplina jurídica assim instituída, revogando, designadamente, o Decreto-Lei nº 450/78 e a Lei nº 35/80 (artigo 154º) reconhecendo o respectivo preâmbulo que algumas alterações, menos felizes, dos textos revogados, 'não contribuiram para a harmoniosa e eficiente gestão dos serviços e do respectivo pessoal', o que é ilustrado, entre outros exemplos, com 'a incorrecta redacção conferida ao nº 4 do artigo 83º'.
Entre os objectivos que se pretende alcançar - lê-se ainda no mencionado relatório preambular - cita-se a moralização das remunerações dos oficiais de justiça por forma a que, independentemente do tribunal onde prestam serviço, os funcionários de uma categoria superior nunca venham a receber vencimento inferior ao auferido por outros de categoria mais baixa, sem prejuízo das situações jurídicas já constituídas.
Nos artigos 83º e 84º do novo texto define-se o regime remuneratório dos funcionários de justiça.
E diz-nos o artigo 83º, sobre 'Vencimentos', nos nºs. 1 e 3, ora em sindicância:
'1.- Para efeitos de vencimento, os funcionários de justiça distribuem-se de acordo com a tabela anexa ao presente diploma.
-----------------------------------
3.- A tabela referida no nº 1 constitui, para os oficiais de justiça, o vencimento de categoria.
---------------------------------.'
Do artigo 84º - 'Participação em custas e remunerações acessórias' - interessa, por sua vez, respigar os seus nºs. 1 e
3:
'1.- O pessoal do quadro dos oficiais de justiça participa em custas em termos a estabelecer por decreto-lei [viria a ser o Decreto-Lei nº
386/82, de 16 de Setembro]; a participação em custas constitui o vencimento de exercício.
-----------------------------------
3.- Da soma dos vencimentos de categoria e de exercício não pode resultar quantia superior à remuneração global atribuída ao funcionário da categoria ou classe imediatamente superior.
---------------------------------.'
De acordo com o nº 1 do artigo 155º, o Decreto-Lei nº 385/82 entrou em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação
(Setembro de 1982), 'ressalvando-se os efeitos produzidos na vigência do Decreto-Lei nº 450/78, de 30 de Dezembro, e da Lei nº 35/80, de 29 de Julho', produzindo o disposto nos artigos 83º e 84º, à excepção do seus nºs. 4, efeitos desde 1 de Junho de 1982 (nº 3 do mesmo preceito).
Quanto à tabela anexa, a que se refere o artigo 83º verifica-se, confrontada com a anterior, manter-se o escalonamento nas letras,
à excepção da categoria de escrivão-adjunto, que da letra L saltou para a letra K.
1.3.- No critério dos recorrentes, por remuneração global, tal como entendida deve ser ao ser usada pelo nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº
450/78, na redacção da Lei nº 35/80, deve considerar-se o somatório do vencimento-base, o vencimento da categoria, com a participação em custas, o vencimento de exercício.
Nesta leitura, somadas as duas parcelas, apurar-se-ia qual a letra da tabela geral da função pública, com 'vencimento' anterior a uma actualização, que mais se aproximasse da remuneração global da respectiva categoria dos oficiais de justiça (à entrada em vigor da Lei nº
35/80 o regime geral de vencimento da função pública era o resultante do Decreto-Lei nº 200-A/80, de 24 de Junho); num segundo momento, verificar-se-ia qual o montante do aumento atribuído a essa letra da tabela geral da função pública no subsequente diploma de actualização de vencimentos do funcionalismo público (no caso foi o resultante do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio); por último, esse aumento seria somado ao anterior vencimento de categoria da respectiva categoria dos oficiais de justiça e assim se obteria o seu novo vencimento de categoria, a que acresceria ainda a participação em custas, calculada através de uma percentagem sobre o novo vencimento de categoria, já determinado pela forma descrita.
A interpretação sugerida pelos recorrentes implica que os vencimentos de categoria dos oficiais de justiça, após a actualização dos vencimentos do funcionalismo público operada pelo Decreto-Lei nº 110-A/81, passassem a ser efectivamente superiores ao que resultaria da aplicação da tabela anexa ao Decreto-Lei nº 450/78, alterada pela Lei nº 35/80, diferença que mais reforçada seria, ainda, com o subsequente diploma de actualização de vencimentos do funcionalismo público, o Decreto-Lei nº 15-B/82, de 20 de Janeiro.
Ilustrando com um exemplo, tomando para referência o vencimento de categoria do escrivão de direito de 1ª classe: na vigência da Lei nº 35/80 e antes da actualização levada a efeito pelo Decreto-Lei nº
110-A/81, esse vencimento era de 21.100$00; após a actualização, esse vencimento, na interpretação dos recorrentes, passou a ser de 25.200$00, ou seja, superior aos 24.300$00 resultantes da singela aplicação da tabela introduzida pela Lei nº 35/80, que a entidade recorrida defende; na vigência do novo regime de vencimentos da função pública que àquele sucedeu, o do Decreto-Lei nº 15-B/92, e imediatamente antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 385/82, o vencimento da mesma categoria de escrivão passaria a ser de 28.500$00, na tese dos recorrentes, ou de 26.900$00, na interpretação da entidade recorrida.
Com o novo estatuto remuneratório dos oficiais de justiça que o Decreto-Lei nº 385/82 acolheu, resultaria, na verdade e segundo a interpretação defendida pelos recorrentes, serem os respectivos vencimentos de categoria constantes da tabela anexa ao diploma inferiores aos vencimentos de categoria anteriormente devidos e daí o concluir-se por uma efectiva redução ou diminuição dos vencimentos de categoria devidos aos oficiais de justiça.
Essa consequência só não ocorreria se, como sustentam os recorrentes, se entender que o regime remuneratório anterior subsistiu após a entrada em vigor do novo regime remuneratório instituído pelo Decreto-Lei nº 385/82 (1 de Junho de 1982, nos termos do seu artigo 155º, nº 3), continuando a valer para os oficiais de justiça providos nas respectivas categorias antes dessa data, tese que o nº 1 do artigo 155º do novo diploma, já transcrito, permite defender. Esses mesmos oficiais de justiça beneficiariam, aliás, dos sucessivos aumentos do funcionalismo público sempre de acordo com as regras extraídas de semelhante interpretação.
De outro modo, qualquer sucessão de regimes remuneratórios importaria uma situação não constitucionalmente compaginável: o novo regime contemplaria vencimentos de categoria inferiores aos vencimentos de categoria devidos de acordo com o primeiro desses regimes.
Assim, a tese dos recorrentes assenta em dois pressupostos interpretativos: a) que a expressão remuneração global utilizada pelo nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/78, após a redacção da Lei nº
35/80, englobe o vencimento-base e a participação em custas; b) que a norma revogatória geral do artigo 154º do Decreto-Lei nº 385/82 seja interpretada no sentido de abranger plenamente o anterior estatuto remuneratório dos oficiais de justiça, sem que se lhe aplique a ressalva de efeitos operada pelo nº 1 do artigo 155º do mesmo diploma, e, consequentemente, que se entenda ser aplicável o artigo 83º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/82 a todos os oficiais de justiça, a partir da sua entrada em vigor.
1.4.- Chegados a este ponto, torna-se possível determinar claramente as normas que integram o objecto do recurso, quais sejam as dos nºs. 1 e 3 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 385/82, de 16 de Setembro.
Com efeito, as questões de constitucionalidade suscitadas pelos recorrentes subentendem a aplicação pela decisão recorrida daquelas normas, na interpretação segundo a qual o regime remuneratório do vencimento de categoria dos oficiais de justiça daí decorrente se aplica a todos os oficiais de justiça, a partir da data da sua entrada em vigor.
2.- Dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
2.1.- Não obstante a delimitação do objecto do recurso tal como se deixou recortada, importa saber se as normas nele integradas, cuja conformidade constitucional se põe em causa, foram objecto de efectiva aplicação por banda da decisão recorrida.
Na verdade, entre os pressupostos do recurso de constitucionalidade tendo por base a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82 avulta o da efectiva aplicação pela decisão recorrida da norma, ou normas, ou da interpretação normativa a respeito das quais se suscita a questão de constitucionalidade. De acordo com a jurisprudência largamente firmada deste Tribunal, torna-se necessário para que de uma dada decisão se possa recorrer que esta se tenha servido de uma dada norma ou sua interpretação como seu determinante fundamento legal, como sua ratio decidendi (citem-se, inter alia, os acórdãos nºs. 82/92, 120/92, 169/92 e 367/94, publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992, os dois primeiros, 18 de Setembro seguinte o terceiro, e 7 de Setembro de 1994, o último).
2.2.- Ora, considera-se que o acórdão recorrido não aplicou as normas impugnadas - ou uma sua interpretação - como suporte da decisão.
O que, por outras palavras, vale dizer não ser possível conhecer do recurso de constitucionalidade, por ausência de um dos seus pressupostos, de indispensável verificação.
Justifica-se.
2.2.1.- O Tribunal a quo entendeu, em termos ora insindicáveis, que vencimento de categoria e vencimento de exercício se integram na expressão
'remuneração global' constante do nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/78, na redacção do artigo 1º da Lei nº 35/90, pese embora o eventual ilogismo decorrente de semelhante interpretação, como explicitamente reconhece. E mais entendeu que esse preceito determinou a aplicação automática dos aumentos retributivos, sem necessidade, como sucedia até então, de despacho prévio do Ministro da Justiça baseado nas disponibilidades financeiras momentâneas dos Cofres.
Ora, perante a primeira actualização de vencimentos surgida após a ratificação do diploma de 1978 pela Lei nº 35/90, ou seja, face ao Decreto-Lei nº 110-A/81, a decisão recorrida considerou essa aplicação automática dos aumentos retributivos como 'obliterada pelo legislador governamental' (sublinhado agora), na medida em que o nº 2 do artigo 1º do texto de 1981, após o nº 1 fixar a nova tabela de vencimentos da função pública, estabeleceu:
'2.- O disposto no número anterior será aplicável, na medida das respectivas disponibilidades financeiras, ao pessoal cujas remunerações são asseguradas pelos Cofres Gerais dos Tribunais e dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça, mediante despacho do Ministro da Justiça'.
No acórdão, já parcialmente transcrito, mais se observou, a este preceito:
'[...]E idêntico procedimento se seguiria, no ano seguinte, por força do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 15-B/82, de 20 de Janeiro, também derrogatório do citado nº 4 do artigo 83º da Lei nº 35/80, que aliás viria a ser revogada pelo Decreto-Lei nº 385/82, de 16 de Setembro, sem exclusão dos preceitos inovatórios daquele diploma [...]'.
O mesmo viria a suceder, de resto, com os subsequentes diplomas de actualização de vencimentos - e o acórdão cita, ainda, os Decretos-Leis nºs. 106-A/83, de 18 de Fevereiro, 57-C/84, de 20 de Fevereiro, e 20-A/86, de 13 de Fevereiro - sempre que se estabelece a aplicação dos aumentos remuneratórios ao pessoal pago pelos Cofres Gerais dos Tribunais, fazendo, na expressão do acórdão, 'letra-morta da actualização automática prevista no citado preceito do Decreto-Lei nº 450/78 ou Lei nº
35/80'.
E, a rematar os seus considerandos, mais se escreveu no acórdão:
'Em resumo, na interpretação que consideramos correcta por mais próxima do texto legal e dos desígnios legiferantes, o nº 4 do artigo 83º da Lei nº 35/80 estabeleceu que, na subsequente melhoria dos vencimentos do funcionalismo público, a actualização dos vencimentos dos oficiais de justiça far-se-ia automaticamente por aumento igual ao que fosse atribuído aos funcionários públicos com vencimento igual (letra da respectiva categoria) à remuneração global dos primeiros (soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício, calculados nos termos da referida Lei); todavia, esse regime não viria a ter aplicação por se ter frustrado por efeito do próprio diploma que decretou a primeira melhoria de vencimentos posterior à referida Lei nº 35/80 - o Decreto-Lei nº 110-A/81, acima referido, o qual, recusando a aplicação automática dos aumentos, fê-la antes depender, tal como anteriormente, de despacho ministerial na medida das disponibilidades financeiras dos Cofres' (sublinhado agora).
2.2.2.- As passagens transcritas são suficientemente impressivas para delas se colher que as normas questionadas, na interpretação posta em crise, não foram aplicadas pelo Supremo: o regime nelas previsto não veio a ter aplicação dado que o Decreto-Lei nº 110-A/81 o obliterou - ou seja, o suprimiu, o apagou, o extinguiu.
Nesta leitura, a norma contida no nº 4 do artigo
83º do Decreto-Lei nº 450/78, com a redacção da Lei nº 35/80, foi afastada pelo nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 110-A/81, antes, por conseguinte, da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 385/82 e da aplicação da norma revogatória geral do artigo 154º deste diploma.
É certo que o Supremo não se dispensou de se pronunciar sobre o que se poderá designar por aspectos de constitucionalidade da questão suscitada, nomeadamente quando alude à ressalva, por força do nº 1 do artigo 155º do Decreto-Lei nº 385/82, dos efeitos produzidos na vigência dos diplomas de 1978 e 1980. A este propósito, e designadamente, entendeu não abranger essa ressalva, necessariamente, os efeitos remuneratórios resultantes da aplicação do novo regime, pois desde logo importaria demonstrar que terá sido essa a intenção do legislador, parecendo-lhe que, com a ressalva, se terá pretendido aludir a outros efeitos que não os pretendidos pelos recorrentes - caso da participação em custas, nos termos previstos no artigo 84º. E é certo, também, que, na sequência, o acórdão considerou que o Decreto-Lei nº 385/82
'não ofendeu qualquer norma da Lei Fundamental, designadamente o seu artigo
115º, nº 2, nem invadiu a esfera de competência reservada da Assembleia da República', ou, tão pouco, sob o ponto de vista material, 'os princípios protectores da confiança nas instituições e da igualdade dos cidadãos' terão sido ofendidos pelos nºs. 1 e 3 do artigo 83º deste último diploma.
No entanto, todo o desenvolvimento argumentativo tecido nesta perspectiva não passa, na verdade, de um conjunto de obiter dicta., irrelevantes - nessa medida - perante os termos em que a questão foi equacionada e decidida: antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 385/82 e da oportunidade de aplicação da norma revogatória geral nele contida e das ressalvas no mesmo contempladas, o nº 4 do artigo 83º do texto de 1980 foi revogado pelo nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 110º-A/81.
Assim, o Supremo, sem abdicar de trazer à colação as normas do Decreto-Lei nº 385/82 e de sobre elas, nomeadamente, ponderar vertentes de constitucionalidade, não se fundamentou nelas para sustentar a decisão de não provimento do recurso: foram essas normas invocadas adjuvantemente, após se ter assente o afastamento pelo Decreto-Lei nº 110-A/81 da norma do artigo 83º, nº 4, do texto de 1978 alterado em 1980 e foi com esse fundamento decisivo que se manteve a anterior decisão, sem prejuízo da diferente via utilizada, e, nessa medida, o despacho impugnado.
Tanto bastará para se concluir, consequentemente, não ter o aresto recorrido aberto a via do recurso de constitucionalidade.
III
Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelos recorrentes com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Março de 1996
Ass) Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Dinis
Vitor Nunes de Almeida
Maria Fernanda palma (vencida nor termos da declaração junta)
Maria da Assunção Esteves (vencida, nos termos da declaração de voto da Exmª Conselheira Fernanda Palma)
Armindo Ribeiro mendes (vencido, nor termos da declaração de voto da Ex.mª Conselheira Fernanda Palma)
José Manuel Cardoso da Costa Proc. nº 27/92 Consª. Maria Fernanda Palma Declaração de voto
Sendo, originariamente, a relatora do presente processo, propugnei que se conhecesse o recurso - e por isso votei contra o presente Acórdão -, pelas seguintes razões:
1. O presente recurso tem por objecto, segundo os recorrentes, a questão da constitucionalidade das normas constantes dos nºs 1 e 3 do artigo
83º do Decreto-Lei nº 385/82, de 16 de Setembro, por tais normas, para além de padecerem de inconstitucionalidade formal e orgânica, terem 'piorado substancialmente o processo de actualização dos vencimentos dos oficiais de justiça' e imporem 'vencimentos inferiores à remuneração global a que, até então, tinham direito', violando, desse modo, o princípio da protecção da confiança.
Este diploma (entretanto já revogado pelo Decreto-Lei nº
376/87, de 11 de Dezembro) regia a organização das secretarias judiciais e continha o estatuto dos funcionários de justiça, vindo substituir em bloco o anterior regime constante do Decreto-Lei nº 450/78, de 30 de Dezembro (com as alterações introduzidas pela Lei nº 35/80, de 29 de Julho), conforme decorre da norma revogatória do artigo 154º do referido Decreto-Lei nº 385/82.
Nos artigos 83º e 84º do Decreto-Lei nº 385/82 definia-se o regime remuneratório dos funcionários de justiça, e, especificamente, dos oficiais de justiça, daí resultando que o vencimento destes tinha, essencialmente, duas componentes: o vencimento stricto sensu, vencimento-base ou vencimento de categoria, a que se referia o artigo 83º, e a participação em custas ou vencimento de exercício, a que se reportava o artigo 84º.
As normas cuja inconstitucionalidade é suscitada constam do artigo 83º, referente ao vencimento-base, e dispõem o seguinte:
'Artigo 83º
(Vencimentos)
1 - Para efeitos de vencimento, os funcionários de justiça distribuem-se de acordo com a tabela anexa ao presente diploma.
(...)
3 - A tabela referida no nº 1 constitui, para os oficiais de justiça, o vencimento de categoria.
(...)'
A tabela anexa ao Decreto-Lei nº 385/82 continha uma grelha de categorias profissionais dos funcionários de justiça a que se fizeram corresponder determinadas letras de vencimento, equivalentes às letras de vencimento do funcionalismo público. Dessa tabela interessa considerar a parte respeitante aos oficiais de justiça, por os recorrentes pertencerem todos ao quadro dos oficiais de justiça:
'Tabela a que se refere o artigo 83º
Categorias: Letras
de vencimento
Oficiais de justiça
Secretário de tribunal superior D Secretário judicial
E Escrivão de direito de 1ª classe G Escrivão de direito de 2ª classe I Escrivão adjunto
K Oficial judicial N Escriturário judicial N'
As inconstitucionalidades suscitadas quanto ao regime descrito, relativo ao vencimento de categoria dos oficiais de justiça, só poderiam ser averiguadas por referência ao regime remuneratório anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 385/82. As questões levantadas fazem sentido a partir de uma certa interpretação do regime remuneratório anterior, sustentada pelos recorrentes, segundo a qual esse regime conferia aos oficiais de justiça o direito a uma remuneração superior à que lhes passaria a caber a partir da entrada em vigor do regime consagrado no Decreto-Lei nº 385/82.
O regime geral do estatuto dos funcionários judiciais constava anteriormente do Decreto-Lei nº 450/78, de 30 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 35/80, de 29 de Julho. Ora, no Decreto-Lei nº 450/78 previa-se, igualmente, que a remuneração dos oficiais de justiça envolvia, no essencial, duas componentes: o vencimento proprio sensu, a que se referia o artigo 83º (e que o nº 3 deste artigo, introduzido pela Lei nº 35/80, veio designar como vencimento de categoria), e a participação em custas ou vencimento de exercício, a que se reportava o artigo 84º e que veio a ser concretizada pelo Decreto Regulamentar nº 42/79, de 17 de Agosto, com base num critério de valor percentual, variável segundo o tipo de tribunal e a categoria do funcionário, a aplicar sobre o vencimento de categoria.
Quanto ao vencimento de categoria, dizia-se no nº 1 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/78, que permaneceu inalterado com a Lei nº
35/80, o seguinte:
'Artigo 83º
(Vencimentos)
1 - Para efeitos de vencimento os funcionários de justiça distribuem-se de acordo com a tabela anexa ao presente diploma.
(...)'
Na referida tabela anexa os oficiais de justiça escalonavam-se do seguinte modo:
'Tabela a que se refere o artigo 83º
Categorias: Letras
de vencimento
Oficiais de justiça
Secretário de tribunal superior E Secretário judicial
F Escrivão de direito de 1ª classe H Escrivão de direito de 2ª classe J Escrivão adjunto
M Oficial de diligências R Escriturário judicial R'
A Lei nº 35/80 veio introduzir alterações a esse artigo
83º e à aludida tabela anexa. Assim, para além do mencionado nº 3, que veio explicitar a ideia, já evidenciada pela articulação do nº 1 do artigo 83º com o artigo 84º, de que 'a tabela referida no nº 1 (...) constitui para os oficiais de justiça, o respectivo vencimento de categoria', foi introduzido um nº 4 no artigo 83º, com a seguinte redacção:
'Artigo 83º
(Vencimentos)
(...)
4 - Sempre que o Governo decrete a melhoria de vencimentos do funcionalismo público, será atribuído aos oficiais de justiça o aumento atribuído à letra da categoria da tabela geral da função pública cujo vencimento seja equivalente à sua remuneração global.
(...)'
Por sua vez, foram alteradas na tabela anexa as letras de vencimento dos oficiais de justiça, passando aquela tabela a ter a seguinte configuração:
'Tabela a que se refere o artigo 83º
Categorias: Letras
de vencimento
Oficiais de justiça
Secretário de tribunal superior D Secretário judicial
E Escrivão de direito de 1ª classe G Escrivão de direito de 2ª classe I Escrivão adjunto
L Oficial judicial N Escriturário judicial N'
Do confronto entre o regime dos vencimentos de categoria dos oficiais de justiça resultante da tabela anexa referida no nº 1 do artigo
83º do Decreto-Lei nº 450/78, após a alteração efectuada pela Lei nº 35/80, e idêntico regime de vencimentos resultante da tabela anexa referida no nº 1 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 385/82 (e sem tomar por ora em consideração o disposto no nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/78), verifica-se que não houve qualquer alteração no sentido de um abaixamento na escala das letras de vencimento dos oficiais de justiça: as letras previstas na tabela anexa ao Decreto-Lei nº 385/82 são as mesmas da tabela anexa ao Decreto-Lei nº 450/78, após as alterações introduzidas pela Lei nº 35/80, com a única excepção da categoria de escrivão-adjunto que subiu uma letra - da letra L para a letra K.
Isto significa que, na hipótese de o nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/78 não ser interpretado como o fazem os recorrentes, não terá havido qualquer diminuição dos vencimentos de categoria dos oficiais de justiça na passagem do regime do Decreto-Lei nº 450/78 (alterado pela Lei nº
35/80) para o regime do Decreto-Lei nº 385/82. E, nesse caso, não teria qualquer utilidade a apreciação das inconstitucio-nalidades suscitadas, na medida em que se visa, em última linha, que se continue a aplicar aos recorrentes o regime remuneratório anterior, por ser alegadamente mais favorável.
Porém, os recorrentes sustentam uma determinada interpretação do nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/78 (introduzido pela Lei nº 35/80), de que resulta um modo de cálculo dos vencimentos de categoria que permite obter, a partir da primeira actualização de vencimentos do funcionalismo público após a entrada em vigor da Lei nº 35/80, montantes desses vencimentos de categoria superiores aos que correspondem às letras de vencimento constantes da tabela anexa ao respectivo diploma.
Assim, interpretando a expressão remuneração global como o fazem os recorrentes - isto é, no sentido de englobar o vencimento-base ou de categoria e a participação em custas ou vencimento de exercício -, o cálculo da actualização do vencimento de categoria dos oficiais de justiça far-se-ia do seguinte modo: somar-se-ia o vencimento de categoria ao montante da participação em custas; depois ver-se-ia qual a letra da tabela geral da função pública 'cujo vencimento', no regime anterior à respectiva actualização (à entrada em vigor da Lei nº 35/80, esse regime geral de vencimentos da função pública era o resultante do Decreto-Lei nº 200-A/80, de 24 de Junho), mais se aproximasse da
'remuneração global' da respectiva categoria de oficiais de justiça; em seguida, verificar-se-ia qual o montante do 'aumento atribuído' a essa letra da tabela geral da função pública no subsequente diploma de actualização de vencimentos do funcionalismo público (o primeiro diploma de actualização após a entrada em vigor da Lei nº 35/80 foi o Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio); por fim, esse aumento seria somado ao anterior vencimento de categoria da respectiva categoria de oficiais de justiça e obter-se-ia o seu novo vencimento de categoria, a que acresceria ainda a participação em custas, calculada através de uma percentagem sobre o novo vencimento de categoria já determinado pela forma acima referida.
Nesta interpretação, os vencimentos de categoria dos oficiais de justiça teriam passado, após a actualização dos vencimentos do funcionalismo público efectuada pelo Decreto-Lei nº 110-A/81, a ser efectivamente superiores ao que resultaria da singela aplicação da tabela anexa ao Decreto-Lei nº 450/78 (alterada pela Lei nº 35/80). E tal diferença teria sido reforçada com o subsequente diploma de actualização de vencimentos do funcionalismo público (Decreto-Lei nº 15-B/82, de 20 de Janeiro).
Tomando como exemplo o vencimento de categoria do escrivão de direito de 1ª classe, verificar-se-ia o seguinte: esse vencimento, na vigência da Lei nº 35/80 e antes da actualização operada pelo Decreto-Lei nº
110-A/81, era de 21.100$00; após a actualização, esse vencimento teria passado a ser, na interpretação dos recorrentes, de 25.200$00, ou seja, superior aos
24.300$00 resultantes da singela aplicação, sustentada pela entidade recorrida, da tabela introduzida pela Lei nº 35/80; e, imediatamente antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 385/82, sendo vigente o regime de vencimentos da função pública constante do Decreto-Lei nº 15-B/82, o vencimento de categoria do escrivão de direito de 1ª classe seria, na interpretação dos recorrentes, de
28.500$00, enquanto na interpretação da entidade recorrida seria de 26.900$00.
Assim, perante o novo estatuto remuneratório dos oficiais de justiça introduzido pelo Decreto-Lei nº 385/82, verifica-se que os respectivos vencimentos de categoria resultantes da tabela anexa a tal diploma, e a que se refere o nº 1 do seu artigo 83º, resultariam inferiores aos vencimentos de categoria anteriormente devidos, segundo a interpretação desse anterior regime defendida pelos recorrentes: nessa medida, teria havido uma efectiva redução ou diminuição dos vencimentos de categoria devidos aos oficiais de justiça.
Com efeito, retornando ao exemplo do vencimento de categoria do escrivão de direito de 1ª classe, recorde-se que esse vencimento, imediatamente antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 385/82, era, na interpretação dos recorrentes, de 28.500$00. Ora, pela aplicação da tabela anexa ao Decreto-Lei nº 385/82, tal vencimento passou a ser de 26.900$00, ou seja, inferior ao anteriormente devido segundo aquela interpretação.
Essa consequência só não ocorreria se se entendesse, como sustentaram ainda os recorrentes, que o regime remuneratório anterior subsistiu após a entrada em vigor do novo regime remuneratório instituído pelo Decreto-Lei nº 385/82 (em 1 de Junho de 1982 - artigo 155º, nº 3, desse diploma), continuando a valer o regime anterior para os oficiais de justiça providos nas respectivas categorias antes daquela entrada em vigor, o que poderia ter apoio legal no nº 1 do artigo 155º do Decreto-Lei nº 385/82:
'Artigo 155º
(Entrada em vigor)
1 - O presente diploma entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação, ressalvando-se os efeitos produzidos na vigência do Decreto-Lei nº 450/78, de 30 de Dezembro, e da Lei nº 35/80, de 29 de Julho.
(...)'
Por esta via, os oficiais de justiça beneficiariam dos sucessivos aumentos do funcionalismo público (Decretos--Leis nºs 106-A/83, de
18 de Fevereiro, 57-C/84, de 20 de Fevereiro, 40-A/85, de 11 de Fevereiro,
20-A/86, de 13 de Fevereiro, e subsequentes) sempre segundo as regras de cálculo decorrentes da aludida interpretação do nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº
450/78, na redacção da Lei nº 35/80.
Porém, desde que prevaleça a interpretação de que a norma revogatória geral constante do artigo 154º do Decreto-Lei nº 385/82 abrange o anterior estatuto remuneratório dos oficiais de justiça e que a este não se aplica a ressalva de efeitos operada pelo citado nº 1 do artigo 155º (o mesmo é dizer: desde que se entenda que o regime remuneratório resultante do artigo 83º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/82 vale para todos os oficiais de justiça), ressurgirá a situação acima equacionada: teria havido uma sucessão de regimes remuneratórios em que o segundo contemplaria vencimentos de categoria inferiores aos vencimentos de categoria devidos de acordo com o primeiro. E, nesse contexto, recolocar-se-iam plenamente as questões de constitucionalidade suscitadas.
2. Em suma, as questões de constitucionalidade só se colocam, e apenas têm interesse e utilidade para os recorrentes, na exacta medida em que se verifiquem dois pressupostos interpretativos:
a) que a expressão remuneração global utilizada no primitivo regime remuneratório (artigo 83º, nº 4, do Decreto-Lei nº 450/78, na redacção da Lei nº 35/80) seja interpretada no sentido de englobar o vencimento-base e a participação em custas;
b) que a norma revogatória geral do artigo 154º do Decreto-Lei nº 385/82 seja interpretada no sentido de abranger plenamente o anterior estatuto remuneratório dos oficiais de justiça, sem que se lhe aplique a ressalva de efeitos operada pelo nº 1 do artigo 155º do mesmo diploma, e, consequentemente, que se entenda ser aplicável o artigo 83º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/82 a todos os oficiais de justiça, a partir da sua entrada em vigor.
Importa, assim, averiguar se a decisão recorrida assentou nestes pressupostos interpretativos e se, nesse contexto, fez efectiva aplicação das normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada. Concluindo-se que a decisão se apoiou em tais pressupostos, o Tribunal Constitucional deveria partir dessa interpretação do grupo normativo em que se inserem as normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada e nessa base apreciar as respectivas questões de constitucionalidade, sem necessidade de averiguar qual a interpretação mais correcta das normas em causa.
Com efeito, se é certo que este Tribunal pode interpretar as normas de direito infraconstitucional e impor essa interpretação no processo quando nela se funde o juízo de constitucionalidade (cf. artigo 80º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional), tal actividade interpretativa não deve ocorrer quando outra interpretação da norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada determinar a não aplicação ao caso concreto dessa mesma norma pelo tribunal recorrido. Nesse caso, deixaria de ser possível formular um juízo de constitucionalidade sobre a norma, pois o Tribunal Constitucional estaria já a sindicar, fora das suas atribuições, a aplicação do direito ordinário feita pelo tribunal recorrido. É o que sucederia no caso dos autos se, nessa eventual tarefa hermenêutica, viesse a ser acolhida a interpretação do direito ordinário sustentada pelos recorrentes perante os tribunais administrativos e que conduziria, como se viu, à não aplicação ao caso concreto das normas dos nºs 1 e
3 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 385/82, por força do artigo 155º, nº 1, do mesmo Decreto-Lei.
3. Analisando a decisão recorrida, conclui-se que se partiu efectivamente dos pressupostos interpretativos assinalados.
Por um lado, o Supremo Tribunal Administrativo aceitou a interpretação segundo o qual a expressão remuneração global, utilizada no nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/78, na redacção da Lei nº 35/80, engloba o vencimento-base e a participação em custas, com os argumentos de que o intérprete não pode fazer interpretação correctiva e de que da letra do preceito não se pode extrair interpretação diversa, contrariando assim os entendimentos do Tribunal Administrativo de Círculo e da autoridade recorrida.
Por outro lado, ao dizer-se que 'parece ter sido realmente intenção do legislador de 1982 instituir um novo regime remuneratório aplicável a todos os funcionários daí para o futuro' e que 'a ressalva dos efeitos produzidos na vigência do Decreto-Lei nº 450/78 (...) e da Lei nº 35/80
(...) operada por força do nº 1 [do artigo 155º] do Decreto-Lei nº 385/82, não abrange (...) os efeitos remuneratórios resultantes da aplicação do novo regime estabelecido naquela lei', afigura-se seguro que o Supremo Tribunal Administrativo considerou que o regime remuneratório instituído pelo Decreto-Lei nº 385/82 se aplicou a todos os funcionários judiciais a partir da sua entrada em vigor, sem que valesse nesse domínio a ressalva de efeitos operada pelo nº 1 do artigo 155º desse diploma.
Note-se, porém, que o Supremo Tribunal Administrativo inseriu neste ponto, e no plano argumentativo, um novo elemento, aparentemente perturbador: veio dizer que a aplicação do nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº
450/78 foi 'obliterada' pelo nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio (no qual se determina que 'o disposto no número anterior' - isto é, a indicação da nova tabela de vencimentos do funcionalismo público - 'será aplicável, na medida das respectivas disponibilidades financeiras, ao pessoal cujas remunerações são asseguradas pelos Cofres Gerais dos Tribunais e dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça, mediante despacho do Ministro da Justiça'). Isto parece sugerir que se entendeu ter sido o nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/78 revogado pelo citado nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 110-A/81, antes mesmo da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 385/82 e da aplicação da norma revogatória geral do artigo 154º deste diploma. Nesta hipótese, poderia pretender-se que a norma aplicada pela decisão recorrida para sustentar a decisão de não provimento do recurso teria sido o mencionado nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 110-A/81, em relação ao qual não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade, e não o artigo 83º, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº 385/82, esse sim objecto de arguição de inconstitucionalidade - e daí deduzir a impossibilidade de conhecer o objecto do presente recurso.
Contudo, não é correcto tal ponto de vista. A decisão de não provimento do recurso administrativo implica a manutenção do despacho de indeferimento da autoridade recorrida e a consequente não anulação dos sucessivos actos de processamento de vencimentos. Ora, de acordo com o procedimento seguido pela autoridade recorrida, os actos de processamento de vencimentos posteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 385/82, foram necessariamente praticados ao abrigo deste diploma. Deste modo, a confirmação de tais actos pela decisão recorrida significa que foi efectivamente aplicado, nessa decisão, o regime remuneratório decorrente do artigo 83º, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº 385/82. Assim, o facto de já ter sido revogado anteriormente o nº 4 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 450/70 não impediria que a aplicação dos nºs 1 e 3 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 385/82 viesse gerar os problemas de constitucionalidade referidos.
Foram, consequentemente, aplicadas na decisão recorrida as normas constantes do artigo 83º, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº 385/82, na interpretação segundo a qual o regime remuneratório do vencimento de categoria dos oficiais de justiça daí decorrente se aplica a todos os oficiais de justiça a partir da sua entrada em vigor. Diferentemente do que se sustenta no presente Acórdão do Tribunal Constitucional, as menções ao artigo 83º, nºs 1 e 3, não constituem um conjunto de irrelevantes obiter dicta. Na verdade, só se pode concluir que o tribunal a quo aplicou as normas em crise, uma vez que confirmou o acto recorrido sem, clara e inequivocamente, ter afastado a respectiva fundamentação.
Por conseguinte, o Tribunal Constitucional deveria ter apreciado as questões de constitucionalidade suscitadas.
Maria Fernanda Palma