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Procº nº 508/94.
2ª Secção.
Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de
Justiça e em que figura como recorrente a Caixa Geral de Depósitos, S.A.,
concordando-se, no essencial, com a exposição lavrada pelo relator e ora de fls.
312 a 326, que aqui se dá por reproduzida, tendo em conta as razões aduzidas no
Acórdão nº 516/93, publicado na 2ª Série do Diário da República de 19 de Janeiro
de 1994, decide-se - não julgando inconstitucional a norma constante do § 2º do
artº 4º do Decreto-Lei nº 33.276, de 24 de Novembro de 1943, na parte em que
determina que nos processos onde a Caixa Geral de Depósitos seja reclamante, o
juiz não mandará anunciar a abertura da praça ou proceder à abertura das
propostas sem se assegurar que o Ministério Público transmitiu à administração
daquele instituição de crédito o dia designado para a realização daqueles actos
(pois que foi nesta dimensão que tal norma foi aplicada) - conceder provimento
ao recurso, assim se determinando a revogação do acórdão sob censura, a fim de o
mesmo ser reformado em consonância com o presente juízo sobre a questão de
constitucionalidade.
Lisboa, 15 de Março de 1995
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Guilherme da Fonseca
Luís Nunes de Almeida
Procº nº 508/94.
2ª Secção.
1. Nos autos de execução ordinária pendentes pelo 3º
Juízo do Tribunal de comarca de Almada e que foram instaurados pelo então
denominado banco A., contra B., C., D. e mulher, E., F. e mulher, G., e H., foi
penhorada a fracção autónoma, designada pela letra «---», correspondente ao
-----º andar, do prédio urbano sito no Lote ------- da Quinta do ---------, em
------------, --------, fracção essa sobre a qual recaía uma hipoteca
constituída a favor da então denominada Caixa Geral de Depósitos, Crédito e
Previdência, garantia que se encontrava descrita na Conservatória do Registo
Predial do ---------- sob o nº ---------7, do Livro ---------.
Cumprido o artº 864º do Código de Processo Civil, veio o
Ministério Público, em 15 de Fevereiro de 1988, reclamar o quantitativo global
de Esc. 2.146.025$00, correspondentes a Esc. 1.400.000$00 referente a um mútuo,
garantido por hipoteca, que a Caixa Geral de Depósitos concedera aos executados
F. e mulher para aquisição da dita fracção, e Esc. 764.025$00 a título de juros
sobre a quantia mutuada.
Prosseguindo o processo seus termos, foi proferido
despacho designando o dia 3 de Maio de 1989 para se proceder à venda, em hasta
pública, da referida fracção, o que, além de a outros, foi notificado ao
Ministério Público em 3 de Fevereiro daquele ano.
No indicado dia 3 de Maio foi, por I. e J., arrematada
aquela fracção.
Após ser efectivada a arrematação, veio a Caixa Geral de
Depósitos fazer juntar aos autos, em 27 de Março de 1992, requerimento por
intermédio do qual solicitou que fosse declarada a nulidade da venda, de que só
então teria tido conhecimento, com anulação de todo o processado subsequente, e
isto em virtude de tal instituição de crédito não ter sido notificada do
despacho que aquele acto determinou, além de não se ter tido em consideração o
prescrito no nº 3 do artº 18º do Decreto-Lei nº 693/70, de 31 de Dezembro, e no
artº 4º do Decreto-Lei nº 33.276, de 24 de Novembro de 1943, em vigor por força
do nº 1 do dito artº 18º.
Por despacho de 9 de Junho de 1992, o Juiz do aludido 3º
Juízo indeferiu o peticionado pela Caixa Geral de Depósitos, o que motivou que
esta do mesmo agravasse para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de
23 de Março de 1993, negou provimento ao recurso.
Novamente inconformada, recorreu a Caixa Geral de
Depósitos para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 22 de
Outubro de 1994, confirmou o acórdão recorrido.
De entre o mais, nesse aresto foi consignado:
'.............................................
Se e enquanto a Caixa Geral de Depósitos não constituísse procurador
que, especificamente, a representasse nos autos, ela estava a ser - e esteve a
ser - representada pelo Ministério Público.
Ora, face ao que se lê no nº 3 supra, a data da arrematação foi
notificada à ora recorrente; e isso ocorreu em 3/2/89, bem longe, ainda da
arrematação.
Como a recorrente filia a sua tese na falta de notificação e essa
situação se não verifica, tem de naufragar a tese por ela sus- tentada.
Não se conhece nenhum preceito legal que consinta - e muito menos que
imponha - que, para os actos surgidos no decurso do processo executivo,
simultaneamente se notifique o re- presentante legal da Caixa Geral de Depósitos
(no caso concreto o Magistrado do Ministério Público, mas que até poderia ser
um procurador especificamente nomeado) e ela
própria;.......................................
O legislador, de resto, teve o cuidado de definir com clareza os
limites que quis que existissem quanto à representatividade do Ministério
Público relativamente à Caixa Geral de Depósitos - veja-se o nº 3 do art. 156
atrás transcrito; para além daquelas restrições (de menção aliás desnecessária -
art. 37 nº 2 do C.P.Civil - ) é, no âmbito processual, plena a
representatividade da Caixa Geral de Depósitos quando exercida pelo Ministério
Público.
Porque não existe a invocada nulidade - que teria consistido na falta
da notificação da venda - desinteressa apreciar a problemática adrede suscitada
pela recorrente, nomeadamente se ela, a existir, teria carácter processual ou
substantivo; mas convirá precisar que a situação verificada nas decisões que a
recorrente invoca e de que se louva - ... - não é a mesma que aqui existe: é
que, lá, a venda não foi mesmo notificada ao Ministério Público.
Tendo presente as conclusões da alegação da recorrente, importará
referir que, efectivamente, no art. 4 do D. Lei 33276 se lê:
...................................
...................................
Agora já não está em causa a problemática da notificação do despacho
que ordenou a ar- rematação, mas algo mais, uma questão diferente. Segundo este
§ 2º o juiz, mesmo depois de saber que o despacho fora notificado ao
representante da Caixa Geral de Depósitos teria ainda de certificar-se se o
facto foi comuni- cado à Administração dela, não podendo ordenar o
prosseguimento do processo enquanto não tivesse a certeza que a comunicação fora
feita à Administração, o que vale por dizer, enquanto não tivesse a certeza que
a Administração recebera a comunicação, pois, em rigor, só então se poderia
dizer que estaria seguro que «se realizou a comunicação...
Trata-se de uma imposição que, no mínimo é insólita quer para a
magistratura judicial, quer para a magistratura do Ministério Público; para
aquela porque, não competindo ao juiz - no caso em apreço - a efectivação de tal
comunicação, a indagação representaria, fatalmente, uma intromissão na esfera de
competência alheia o que, a ser admissível, nunca prestigiaria nem nobilitaria;
para a magistratura do Ministério Público porque não se vê como poderia
concretizar-se tal indagação uma vez que essa magistratura é paralela e
independente da magistratura judicial - art 54 da Lei 47/86 de 15/10.
Até parece que, ao fim e ao cabo, o que ali se determina é que o
juiz, antes de mandar anunciar a abertura da praça ou antes de proceder à
abertura das propostas terá, sempre, de contactar a administração da ora
recorrente para dela obter a declaração sobre se aquela comunicação foi mesmo
realizada. Pensamos que, achar-se estabelecida, esta se- ria uma situação que,
ostensivamente, afrontaria a dignidade e a independência do exer- cício da
magistratura judicial pois que, além de materializar uma clara subserviência do
poder judicial até estaria a propiciar que um litigante o instrumentalizasse,
uma vez que teria de agir de acordo com a informação que a Administração da
Caixa achasse por bem transmitir-lhe... Estar-se-ia a conceder à entidade
recorrente e relativamente aos demais litigantes, um privilégio especialíssimo
para que se não encontra justificação satisfatória pois que, até onde temos
conhecimento, nem ao próprio Estado ele foi concedido.
Depois: o D.Lei 33276 surgiu em 1943 e, de então para cá , muita
alteração ocorreu, até mesmo no âmbito da leitura e compreensão de princípios
que uma sociedade, então como hoje, se propõe atingir.
Pensamos que aquele §2º do art.4 do D.Lei 33276, por violar o
preceituado nos arts 13 e 206 da Constituição da República, não tem que ser
cumprido pelos juízes- art. 207 da Lei Fundamental.
.............................................' .
É do acórdão de que acima se encontra transcrita parte
que vem interposto, somente pela Caixa Geral de Depósitos (e não também pelo
Ministério Público, não obstante o disposto no nº 3 do artigo 280º da
Constituição e no nº 3 do artº 72º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), o
presente recurso para o Tribunal Constitucional.
2. A questão a decidir, cingir-se-á, pois, à de saber se
é (ou não) inconstitucional a norma ínsita no mencionado § 2º do artº 4º do D.L.
nº 33.276, na parte em que determina que nos processos em que a Caixa Geral de
Depósitos ou alguma das suas instituições anexas sejam reclamantes, '[o] juiz
não mandará anunciar a abertura da praça ou proceder à abertura das propostas
sem se assegurar que se realizou' a comunicação - a que se reporta o corpo desse
artigo - que ao Ministério Público se impõe transmitir à administração da citada
instituição de crédito sobre o dia designado para a arrematação.
Na realidade, não está aqui em causa decidir da questão
da compatibilidade ou incompatibilidade com a Lei Fundamental de quaisquer
outras normas, e designadamente da que se encontra no nº 3 do artº 18º do D.L.
nº 693/70, que estatuam no sentido de fulminar com a anulabilidade a venda que
não seja precedida de notificação, à Caixa Geral de Depósitos, do despacho que a
ordenou, e isto tendo em conta o que foi, no particular em causa, decidido pelo
acórdão prolatado no Supremo Tribunal de Justiça (recorde-se que nesse aresto se
concluiu - mal ou bem não importa agora - que a notificação do dia designado
para a realização da venda foi notificada à Caixa). E, igualmente, não está em
causa decidir da (in)constitucionalidade de uma interpretação de normas (tal
como a do indicado nº 3 do artº 18º) de onde resulte que à Caixa Geral de
Depósitos é lícita a invocação da nulidade da venda em prazos diferentes
daqueles consignados nos artigos 153º e 205º do Código de Processo Civil.
3. Ora, uma tal questão, assim delimitada, é de
perspectivar como simples - e daí a feitura, ao abrigo do nº 1 do artº 78º-A da
Lei nº 28/82, desta exposição -, e isto pela razão segundo a qual sobre ela já
teve este Tribunal, através da sua 2ª Secção, ocasião de se pronunciar.
Efectivamente, fê-lo no seu Acórdão nº 516/93, publicado
na 2ª Série do Diário da República de 19 de Janeiro de 1994.
Aí, inter alia, foi dito:-
'............................................
Do preceito acabado de transcrever [reportava--se ao artº 4º. do D.L. nº 33.276]
resulta que, se a Caixa Geral de Depósitos tiver reclamado um crédito num
processo de execução, em que tenha sido penhorado um imóvel, ordenada a venda do
mesmo em hasta pública, o despacho que designar dia para a arrematação deve ser
notificado ao Ministério Público, no prazo máximo de 24 horas, para que este
comunique tal facto, à Caixa, indicando-lhe o número de descrição, na
Conservatória, do imóvel a pracear e o respectivo artigo matricial, e bem assim
o encargo que sobre ele recai e o valor por que será posto em praça.
O juiz não mandará anunciar a abertura da praça sem se assegurar de
que o Ministério Público procedeu a tal comunicação. Na acta, far-se-á menção
expressa dessa circunstância.
O referido artigo 4º do Decreto-Lei nº 33.276 foi expressamente
mantido em vigor pelo artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 693/70, de 31 de
Dezembro, que, no que aqui importa, preceitua:
1. Mantém-se em vigor [...] a seguinte legislação respeitante a execuções por
dívidas à Caixa:
Os artigos 4º [...] e seus parágrafos do Decreto-Lei nº 33.276, de
24 de Novembro de 1943.
..............................................
A falta de notificação à Caixa do despacho que ordenar a venda do
imóvel importa a anulação da venda que dele se fizer.
Preceitua, na verdade, o nº 3 do citado artigo 18º do Decreto-Lei nº
693/70, de 31 de Dezembro:
O despacho que ordene a venda em processos em que a Caixa Geral de Depósitos
seja exequente ou reclamante ser-lhe-á sempre notificado, e a falta dessa
notificação importará a anulação da mesma venda.
7. Pergunta-se então: a norma do § 2º do artigo 4º do Decreto-Lei nº
33.276, de 24 de Novembro de 1943 - que dispõe que o juiz não mandará anunciar a
abertura da praça para venda de imóvel, em execução em que a Caixa tenha
reclamado um crédito, sem se assegurar de que o Ministério Público lhe
comunicara a data da mesma, acompanhando essa comunicação dos elementos atrás
referidos - será inconstitucional (..), por violar os artigos 205º, 206º, 221º,
nº 2, e 13º, todos da Constituição da República? ...................
..............................................
8. A norma do § 2º do artigo 4º do Decreto-Lei nº 33.276 em confronto
com os artigos 205º e 221º, nº 2, da Constituição:
O artigo 205º da Constituição atribui a 'competência para administrar
a justiça' aos tribunais (nº 1), os quais são órgãos de soberania incumbidos de
'assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos
de interesses públicos e privados' (nº 2).
..............................................
É óbvio que aos juízes não cumpre fiscalizar os actos do Ministério
Público, ... E óbvio é também que este goza de 'autonomia nos termos da lei'.
A autonomia de que goza o Ministério Público, conforme este Tribunal
acentuou no acórdão nº 254/92 (Diário da República, I série-A, de 31 de Julho de
l992), não significa, obviamente, independência, mas impõe ao legislador a
adopção de medidas que impeçam que ele 'seja transformado em instrumento do
poder político', organizando-o 'de forma a assegurar-se a sua 'isenção e
imparcialidade''.
Não se vê, porém, que o citado § 2º do artigo 4º belisque a garantia
constitucional da autonomia do Ministério Público ou ofenda o nº 1 do artigo
205º da Constituição.
De facto, o juiz, ao assegurar-se de que o Ministério Público fez à
Caixa a comunicação a que se refere o corpo do dito artigo 4º (indicando-lhe,
designadamente, a data da praça a que vai o imóvel, dado em hipoteca para
garantia do crédito que ela reclamou na execução, para aí ser vendido), não está
a exercer qualquer competência de fiscalização dos actos do Ministério Público.
Está, isso sim, a verificar o cumprimento da lei.
O juiz, ao verificar se foi ou não cumprida uma formalidade
(comunicação à Caixa do despacho que ordenou a venda do imóvel penhorado em
hasta pública) que, se omitida, importa a anulação da venda que vier a ser feita
(cf. artigo 18º, nº 3, do citado Decreto-Lei nº 693/70), não faz coisa
substancialmente muito diversa do que faz quando, numa acção declarativa,
constatando que o réu não deduziu qualquer oposição, não constituiu mandatário,
nem interveio de qualquer outra forma no processo, verifica se a citação foi ou
não feita com as formalidades legais, a fim de a mandar repetir quando encontrar
irregularidades (cf. artigo 483º do Código de Processo Civil).
Por outro lado, essa verificação, feita pelo juiz, da observância
pelo Ministério Público de uma obrigação que a lei lhe impõe não representa
qualquer intromissão inconstitucional no exercício das respectivas funções.
Para assim se concluir, bastará pensar em que também não é
inconstitucional a norma do artigo 205º, nº 2, do Código de Processo Civil, da
qual decorre o dever de o juiz não prosseguir com a praça quando se der conta de
que algum credor que, devendo ser notificado do despacho que a designou, o não
foi, em violação do artigo 882º, nº 2, do mesmo Código. Tal como o não seria a
lei impusesse ao juiz o dever de verificar se o advogado do exequente (o do
executado ou o de um outro qualquer credor) tinha comunicado a data da praça ao
seu constituinte: neste último caso, estar-se-ia, é certo, a impor ao juiz que
assumisse, na medida indicada, a tutela do interesse de particulares. A norma
que tal impusesse não consagrava, porém, qualquer intromissão inconstitucional
do juiz na autonomia das partes.
Sobre este ponto resta acrescentar que a garantia constitucional da
autonomia encontra a sua real justificação na necessidade que há de o Ministério
Público exercer, com distanciação em relação ao poder político, a sua função
típica de defender a sociedade contra a violação de bens jurídicos essenciais ao
viver comunitário - a função, portanto, de 'exercer a acção penal'. Aí, com
efeito, o Ministério Público tem que agir como verdadeiro órgão de justiça, e
não como uma parte (entendida esta expressão no sentido de entidade empenhada no
triunfo de uma acusação Há-de, por isso, 'colaborar com o tribunal na descoberta
da verdade e na realização do direito', decidindo-se e orientando-se por
'critérios de estrita objectividade' (cf. o artigo 53º do Código de Processo
Penal). À sua actuação há-de presidir sempre - no dizer de FIGUEIREDO DIAS - uma
'incondicional intenção de verdade e de justiça' (cf. Sobre os sujeitos
processuais no novo Código de Processo Penal, in Jornadas de Direito Processual
Penal - o Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1988, págs. 25 e 31).
No caso da norma em apreço, porém, o Ministério Público intervém num
processo cível em representação da Caixa Geral de Depósitos, que o mesmo é dizer
para defesa de interesses que a lei lhe determina que defenda (como consente o
artigo 221º, nº 1, da Constituição). Em tais processos, o Ministério Público
representa um interessado que aí (ao menos, segundo certa jurisprudência),
assume a posição de parte principal (cf. acórdão da Relação do Porto, de 9 de
Novembro de 1973, cujo sumário se acha publicado no Boletim do Ministério da
Justiça, nº 231, p. 210); e, por isso, não necessita de muito mais (ou de muito
diferente) autonomia daquela de que precisa qualquer advogado em relação ao
respectivo representado.
9. A norma do § 2º do artigo 4º do Decreto-Lei nº 33.276 e o artigo
206º da Constituição:
No artigo 206º da Constituição, consagra-se o princípio da
independência dos tribunais (e dos respectivos juízes) - o que significa que os
tribunais são independentes dos demais poderes do Estado e independentes entre
si (salvo, naturalmente, o dever de acatamento das decisões proferidas em via de
recurso, por tribunais superiores). E significa, bem assim, como este Tribunal
sublinhou no seu acórdão nº 135/88 (Diário da República, II série, de 8 de
Setembro de 1988) e repetiu no acórdão nº 52/ /92 (Diário da República, I
série-A, de 14 de Março de 1992), que o juiz, ao 'dizer o Direito' o deve 'fazer
sempre esforçando-se por se manter alheio - e acima - de influências
exteriores', sujeito apenas à lei e aos ditames da sua consciência. É a
independência vocacional que, como então se pôs em destaque, é sobretudo, uma
responsabilidade, um dever ético-social, 'que terá a 'dimensão' ou a 'densidade'
da fortaleza de ânimo, do carácter e da personalidade moral de cada juiz'.
Independência vocacional, que o ordenamento jurídico há‑de promover e facilitar,
desde logo, rodeando o desempenho do cargo de juiz 'de cautelas legais
destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na
objectividade da jurisdição', pois, 'quando a imparcialidade do juiz ou a
confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o
juiz não está em condições de 'administrar justiça''. É iudex inhabilis (cf.
citado acórdão nº 135/ /88).
'A imparcialidade da jurisdição - escreveu-se no citado acórdão nº
52/92 - não é só a imparcialidade subjectiva. É também a imparcialidade
objectiva que deve ser assegurada antes e durante o julgamento'.
Ora, não se vê em que é que a independência dos juízes e dos
tribunais possa ser atingida pela norma do § 2º do artigo 4º do Decreto-Lei nº
33.276.
10. O princípio da igualdade e as normas do § 2º do artigo 4º do
Decreto-Lei nº 33.276 e do nº 3 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 693//70:
O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição,
exige se trate por igual o que for essencialmente igual e diferentemente o que
diferente for. Não proíbe ao legislador que estabeleça distinções de tratamento;
veda-lhe tão- só que o faça sem ter fundamento material para tanto. O que a
ideia de igualdade não suporta é o arbítrio, a discriminação, as distinções
irrazoáveis, porque carecidas de justificação racional.
Esta ideia de igualdade vale, naturalmente, no domínio da jurisdição,
pois que também esta função do Estado se lhe encontra vinculada. Para além de
deverem poder aceder ao tribunal em condições de igualdade (cf. artigo 20º, nº
1, da Constituição), as partes num processo cível devem ser colocadas 'em
perfeita paridade de condições, disfrutando, portanto, idênticas possibilidades
de obter a justiça que lhes seja devida' (cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções
Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1956, pág. 365).
É o princípio da igualdade das partes no processo ou da igualdade de
armas, cuja observância se impõe para que o processo seja um processo
equitativo.
..............................................
10.1. Pois bem: independentemente da questão de saber se o despacho
judicial que, numa execução, ordene a venda dos bens penhorados cumpre a lei
'logo que determine a venda de tais e tais bens' e 'indique a respectiva
modalidade', sem necessidade de mencionar a data, a hora e o local dessa venda
(cf., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Junho de
1970, publicado na Revista dos Tribunais, ano 88º, pág. 350) ou se, pelo
contrário, tal despacho tem que indicar também o dia, a hora e o local da venda,
uma coisa é certa: a dimensão normativa do § 2º do artigo 4º do Decreto-Lei nº
33.276 e do nº 3 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 693/70, que aqui está em causa,
não tem a ver com essa questão.
Tais normas, na verdade, foram aplicadas no caso sub iudicio, tão-só
enquanto nelas se determina que, se a Caixa for um dos credores a notificar da
venda, o despacho que a ordenar (deva o seu conteúdo ser um ou outro dos
apontados) tem que ser‑lhe comunicado (notificado, diz o nº 3 do artigo 18º),
não obstante dele se haver notificado o Ministério Público (no caso sub iudicio,
recorda-se, não foi comunicado à Caixa o despacho que ordenou a venda).
Esta é, pois, a única dimensão normativa dos aludidos preceitos
legais que aqui tem que ser avaliada à luz do princípio da igualdade das partes
no processo.
Prosseguindo, então.
As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa
dos seus mandatários judiciais. Apenas quando a notificação se destine a chamar
a parte para a prática de acto pessoal é que - além de ser notificado o
mandatário - se expede também pelo correio um aviso à própria parte (cf. artigo
253º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Esta disciplina legal repousa na ideia (certa) de que, se, por
exemplo, numa execução, o juiz ordena a venda dos bens penhorados em hasta
pública, designando dia e hora para a respectiva praça, os mandatários do
exequente, do executado e dos credores reclamantes de créditos com garantia
sobre esses bens, ao serem dele notificados (nos termos das disposições
conjugadas do artigo 882º, nº 2, e do artigo 253º, nº 1, ambos do Código de
Processo Civil), se apressarão a dar conhecimento do facto aos respectivos
mandantes. A estes, com efeito, é que, em última análise, interessa saber que
foi marcada a praça, e a lei está, naturalmente, empenhada em que os reais
interessados nos processos saibam o que neles se passa.
É a esta luz e tendo em conta a importância que tem a marcação de uma
praça em que vão ser vendidos, em hasta pública, bens que garantem créditos por
si concedidos, que há-de ser lida a obrigação (imposta ao Ministério Público
pelo artigo 4º, e seu § 1º, do citado Decreto-Lei nº 33.276) de comunicar à
Caixa tal facto nos termos sobreditos.
Do que, na realidade, se trata é de impor ao Ministério Público que
adopte para com a Caixa, cuja representação assumiu no processo, o comportamento
que é comum o mandatário ter com o seu representado.
É esta uma cautela que se compreende, pois o Ministério Público,
devendo, embora, assumir a representação da Caixa na execução (cf. artigo 156º,
nº 1, do Regulamento da Caixa, aprovado pelo Decreto nº 694/70, de 31 de
Dezembro), não se relaciona com ela com a mesma naturalidade e com a mesma
facilidade com que um advogado se relaciona com o credor que o constituiu seu
mandatário no processo. E, depois, esse encargo de representar a Caixa pode
cessar em qualquer momento: basta que esta decida fazer-se representar por
advogado (cf. citado artigo 156º, nº 4).
Este quadro de circunstâncias explica que a lei imponha ao juiz que,
antes de mandar anunciar a abertura da praça, se assegure de que o Ministério
Público comunicara à Caixa o despacho que ordenara a venda em hasta pública.
A norma do § 2º do artigo 4º do Decreto- -Lei nº 33.276, ao impor
esse encargo ao juiz, consagra, é certo, uma solução especial para o credor
Caixa Geral de Depósitos (diferente, por isso, do regime comum aplicável à
generalidade dos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a
pracear).
Essa diferenciação de tratamento, privilegiando o credor Caixa Geral
de Depósitos, não é, porém, irrazoável, nem arbitrária, pois tem fundamento
material e não se vê que desiquilibre a relação processual entre os credores ou
entre o credor Caixa e o exequente ou o executado, por forma a dever concluir-se
que o processo deixou de ser um processo equitativo (o arrematante, no momento
de actuação do comando legal sob exame, ainda não interveio no processo).
Sendo isto assim, a norma do § 2º do artigo 4º do Decreto-Lei nº
33.276, de 24 de Novembro de 1943, não viola o princípio da igualdade das partes
na execução.
.............................................'
4. O juízo sobre a questão de inconstitucionalidade da
norma ora em apreço efectuado no Acórdão nº 516/93 continua a convencer o ora
relator, que também foi subscritor daquele aresto.
Consequentemente, propugna-se por se dever conceder
provimento ao recurso, assim se determinando que o acórdão recorrido seja
reformulado em consonância com o juízo de compatibilidade constitucional da
norma do § 2º do artº 4º do D.L. nº 33.276, na assinalada dimensão.
Cumpra-se a parte final do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº
28/82.
Lisboa, 6 de Dezembro de 1994.