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Procº nº 783/93.
2ª Secção.
Relator:- Consº BRAVO SERRA.
I
1. A. e mulher, B., interpuseram para o Tribunal
Administrativo de Círculo de Coimbra recurso contencioso de anulação do despacho
proferido em 28 de Agosto de 1992 pelo Delegado Regional do Centro do Instituto
do Emprego e Formação Profissional, tendo solicitado a citação daquele Instituto
na pessoa do seu legal representante.
Na resposta apresentada pelo I.E.F.P. foi suscitada, de
entre o mais, a sua ilegitimidade passiva e sustentado que o acto recorrido, por
ser um acto meramente confirmativo de um outro definitivo e executório e que, à
data da interposição do recurso, constituíra já caso resolvido, era
insusceptível de impugnação contenciosa.
2. Por sentença proferida pelo Juiz daquele Tribunal em
3 de Março de 1993, foi o recurso rejeitado, invocando-se, para tanto, em
síntese, que:
- em 1 de Julho de 1992 foi proferido despacho pelo
Delegado Regional do Centro do I.E.F.P., notificado aos ora recorrentes, que,
desse modo, dele tiveram conhecimento e, bem assim, da delegação de poderes que
lhe foi conferida ao abrigo de disposição legal;
por desse despacho discordarem os recorrentes,
reclamaram os mesmos para o Director do aludido Instituto, reclamação que, não
podendo ser perspectivada como um recurso hierárquico necessário e que, por
isso, não paralisou os efeitos do dito despacho, veio, contudo, a ser decidida
em 28 de Agosto de 1992, ao abrigo da citada delegação de poderes, pelo mesmo
Delegado Regional, decisão através da qual foi o mesmo despacho mantido;
- objecto do recurso foi o despacho de 28 de Agosto de
1992, o qual manteve inalterada a anterior decisão, com os mesmos fundamentos,
nada inovando, motivo porque ele somente poderá ser qualificado como um acto
meramente confirmativo, consequentemente insusceptível de recurso contencioso.
3. Não se conformando com a referida sentença dela
recorreram os A. e mulher para o Supremo Tribunal Administrativo, defendo, na
cabida alegação, que o artº 55º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos
era inconstitucional por violação do artigo 268º, números 4 e 5 da Constituição.
4. Aquele Alto Tribunal, por acórdão de 7 de Outubro de
1993, negou provimento ao recurso jurisdicional.
E, no tocante ao problema equacionado no recurso, aqui
se incluindo a invocada inconstitucionalidade do preceito constante do artº 55º
da L.P.T.A., aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, discreteou-se
do seguinte jeito:-
'.............................................
No nosso ordenamento jurídico (art. 55 da LPTA) o acto meramente confirmativo é
fundamento da rejeição do recurso contencioso, mas esta só pode ocorrer quando
se verifique algum dos factos aí previstos.
.............................................. No caso em apreço, o despacho de
1.7.92, como resulta do seu teor e do acima exposto, foi praticado ao abrigo de
competência delegada, válida e eficaz, expressamente nele invocada, sendo uma
estatuição autoritária e impositiva, editada no uso de poderes
jurídico-administrativos e destinada a produzir efeitos jurídicos concretos nas
esferas jurídicas dos recorrentes, impondo-lhes inovatoriamente certos deveres
para com a Administração, sendo, nessa medida, eventualmente lesivo dos seus
direitos ou interesses legalmente protegidos.
É, pois, acto administrativo susceptível de impugnação em recurso contencioso
(art. 268 nº 4 da CRP).
O despacho de 28.8.92, que é objecto do recurso contencioso, manteve
esse despacho de 1.7.92, na sequência da impugnação graciosa do mesmo, que
consistiu em reclamação para a autoridade administrativa que o praticara.
Portanto, limitou-se a manter os efeitos de direito até então produzidos pelo
acto reclamado nas esferas jurídicas dos recorrentes, o que vale por dizer que
nada acrescentou, retirou ou alterou em relação ao conteúdo do acto
administrativo de 1.7.92 e não modificou o ordenamento jurídico, pois não
definiu em termos inovatórios a situação jurídica dos recorrentes, que antes
manteve, tal como se encontrava definida por aquele.
E entre um e outro acto não se alteraram os pressupostos de facto e direito
atendíveis para a definição da situação concreta dos recorrentes.
..............................................
Resulta do art. 55º da LPTA, que, se o recurso contencioso tiver como objecto
acto meramente confirmativo de um acto administrativo anterior e susceptível de
recurso contencioso, para a rejeição do recurso contencioso, por esse
fundamento, basta que o recorrente tenha impugnado graciosamente o acto
administrativo confirmado.
..............................................
Mas aqui chegados, tal como já se referiu, impõe-se decidir se o art. 55 da
LPTA, enquanto consagra a inimpugnabilidade, por meio de recurso contencioso,
dos actos mera- mente confirmativos, viola o disposto nos n.ºs 4º e 5 do art.
368 da CRP, como sustentam os recorrentes.
..............................................
No art. 55 da LPTA apenas se tem em vista esta forma de impugnação - recurso
contencioso - quanto aos actos meramente confirmativos, consignando-se a
rejeição do recurso contencioso desses actos, quando ocorra determinado
condicionalismo.
Logo, uma vez que a rejeição cominada no art. 55 da LPTA se reporta apenas aos
recursos contenciosos, meio de impugnação não incluído no nº 5 do art. 268º da
CRP, nunca aquele preceito pode contender com a garantia neste consagrada.
E, por outro lado, como se disse, no nº 4 do art. 268 da CRP consagra-se para os
interessados o direito de recurso contencioso mas apenas contra actos
administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos.
Portanto, só pode ser objecto de recurso contencioso um verdadeiro acto
administrativo, que assuma carácter lesivo da esfera jurídica do interessado.
Ora, o acto meramente confirmativo de um acto administrativo susceptível de
impugnação contenciosa não é um verdadeiro acto administrativo, pois não contem
uma estatuição autoritária, limitando-se a manter o acto confirmado, onde essa
estatuição se contém; não produz efeitos jurídicos externos numa situação
concreta, como se estabelece no art. 120 do Código de Procedimento
Administrativo, aprovado pelo DL nº 442/ /91, de 15.11, uma vez que apenas
mantém a situação jurídica concreta definida pelo acto confirmado, nada inovando
ou modificando no ordenamento jurídico (...).
De qualquer modo, nesta conformidade, não é lesivo da esfera jurídica de
terceiros, já que, tendo o mesmo conteúdo do acto confirma- do, a eventual lesão
terá ocorrido com a prática deste.
Em conclusão, o acto meramente confirmativo não é abrangido pelo garantia
contenciosa prevista no nº 4 do art. 268 da CRP e, assim, o art. 55 da LPTA não
viola tal norma constitucional.
.............................................'
5. É deste acórdão que vem interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, rematando os recorrentes a alegação por si produzida
com as seguintes conclusões:
'1 - O Artº. 55º da L.P.T.A. é inconstitucional.
2- O Douto Acordão do Supremo Tribunal Administrativo, declarando o Artº. 55º da
L.P.T.A. constitucional e declarando que o acto confirmativo em causa é
irrecorrível viola o disposto nos Nºs. 4 e 5 do Artº. 268º e Nºs. 2 e 3 do Artº.
18º da Constituição da República Portuguesa.
3 - Assim deverá revogar-se o Douto Acordão do S.T.A., a douta sentença
proferida pelo Tribunal Administrativo do Circulo de Coimbra e ordenar-se a
admissão do recurso e termos ulteriores em ordem ao seu julgamento.
4 - O Douto Acordão do S.T.A. viola o disposto nos Artigos 18º, Nºs. 2 e 3 e
268º, Nºs. 4 e 5 da C.R. Portuguesa'.
Por seu turno, o recorrido, na alegação apresentada,
louvou-se no que foi decidido no acórdão recorrido e a oferecer o merecimento
dos autos, propugnando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir.
II
1. A norma arguida de vício de inconstitucionalidade
reza do seguinte modo:
'Artigo 55.º
(Recurso de acto confirmativo)
O recurso só pode ser rejeitado com fundamento no carácter meramente
confirmativo do acto recorrido quando o acto anterior tiver sido objecto de
notificação ao recorrente, de publicação imposta por lei ou de impugnação
deduzida por aquele'.
Anteriormente à vigência do transcrito preceito, a
jurisprudência pacífica do S.T.A. era no sentido de, sendo impugnados actos
confirmativos, dever o recurso ser rejeitado, ainda que os actos confirmados não
tivessem sido notificados ao recorrente.
A norma em crise, pelo contrário, visou consagrar o
dever de, através de recurso contencioso, se tomar conhecimento de actos
meramente confirmativos, caso os actos confirmados não tenham sido notificados
ao recorrente, não tenham sido objecto de publicação imposta por lei ou, ainda,
caso eles não tenham sido objecto de impugnação pelo mesmo recorrente.
Daí que haja de inferir que, em direitas contas, na hipótese de terem ocorrido
aquelas notificação, publicação ou impugnação, não é cabível recurso contencioso
de actos meramente confirmativos de actos anteriores.
Para os recorrentes, o normativo em crise violará a Lei
Fundamental, precisamente porque das garantias consignadas nos números 4 e 5 do
artigo 268º se retirará a não permissão de 'nenhuma restrição ou limitação nem
sequer a actos que sejam confirmativos'.
Vejamos, pois.
2. De harmonia com o aludido nº 4 do artº 268º, aos
interessados é garantido o recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade,
de actos administrativos que lesem os direitos ou interesses legalmente
protegidos, independentemente da forma que tais actos revestam, prescrevendo-se,
por outro lado, no seu nº 5, que os administrados têm a garantia de acesso
justiça administrativa para tutela daqueles direitos e interesses.
Extrair-se-á, porém, da garantia consignada no nº 4 que,
sejam quais sejam a forma e o conteúdo do acto praticado pela Administração,
este será sempre passível de recurso?
2.1. Tendo, como se sabe, sido sublinhado pela doutrina
e pela jurisprudência, designadamente a constitucional, que as referidas
garantias são de considerar como prescrições de conteúdo análogo ao dos
direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados e, por isso,
revestidas das características de directa aplicabilidade e imediata vinculação,
é compreensível o discurso efectuado no aresto ora sob sindicância no ponto em
que fez apelo à interpretação do nº 4 do artigo 268º da Constituição para
realçar que, quando aí se mencionam os actos administrativos, a sua tónica se
deve centrar na produção de efeitos lesivos de direitos ou interesses legalmente
protegidos, após essa interpretação se arrazoando no sentido da caracterização
do acto confirmativo, e isto a fim de se saber se o mesmo tinha a eficácia
lesiva iluminante da estatuição constitucional.
No Estudo e Projecto de Revisão da Constituição da
República Portuguesa de 1976 (291 e segs), Barbosa de Melo, Cardoso da Costa e
Vieira de Andrade, ao proporem que o nº 2 do artigo 269º da versão originária da
Constituição tivesse uma redacção de forma a que nela se expressasse que era
'garantido aos cidadãos o recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade,
contra quaisquer decisões ou deliberações administrativas que lesem os seus
direitos ou interesses legítimos', tiveram em mente que, com essa redacção, se
visaria 'alargar o âmbito desta garantia dos cidadãos em face da Administração',
deixando de se fazer referência à categoria dos actos definitivos e executórios,
não só ('ou não tanto' e 'não só', para se usarem as palavras utilizadas naquele
Estudo) pelas críticas que dogmaticamente poderiam ser feitas a tal referência,
mas também, e primordialmente, porque ela poderia 'levar a uma interpretação
restritiva ou deformante da garantia em causa', e isso pela razão de que haveria
que deixar constitucionalmente consagrado, como garantia mínima, o princípio 'da
sindicabilidade de toda a actividade administrativa' lesiva dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos administrados.
E rematava-se neste particular dizendo que '[a] garantia
funciona, assim, sempre que haja uma lesão efectiva dos direitos ou interesses
legítimos dos administrados, ficando proibida à lei a exclusão de certos actos
ou categorias de actos do seu âmbito ou a limitação abusiva, injustificada ou
desproporcionada deste' (cfr., ainda, Jorge de Miranda em Um Projecto de Revisão
Constitucional que, embora com diferente visão - pois que não colocando o acento
tónico no expurgo da referência à definitividade e executoriedade -, igualmente
vincava a lesão efectiva dos direitos e interesses ou lesão de interesses
legítimos dos cidadãos).
Na versão do Diploma Básico resultante da revisão
operada pela Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, o texto do nº 2 do
artigo 268º abandonou o inciso «definitivos e executórios» anteriormente
empregue no nº 2 do artigo 269º, pelo que as características da definitividade e
executoriedade deixaram de poder ser considerados como pressupostos da
impugnabilidade contenciosa dos actos administrativos, podendo, pois, dizer-se
que, de certo modo, foi acolhida a proposição defendida por Barbosa de Melo,
Cardoso da Costa e Vieira de Andrade (cfr. a intervenção de Rui Machete
transcrita no Diário da Assembleia da República, 2ª Série, 55-RC, de 7 de
Novembro de 1988; cfr., também, António Vitorino e José Magalhães em,
respectivamente, prefácio à edição de 1989, efectuada pela AAFDL, da
Constituição da República Portuguesa, XCIV e XCV, e Dicionário da Revisão
Constitucional, 20, e a anotação elaborada a pags. 939 por Gomes Canotilho e
Vital Moreira na Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, ao nº
4 do artigo 268º).
Daí, contudo, não decorre inelutavelmente que a nova
redacção apresentada pelo nº 4 do artigo 268º tenha a virtualidade de conduzir a
uma asserção de harmonia com a qual ficou consagrada a garantia de recurso
contencioso de todo e qualquer acto praticado pela Administração.
A propósito desta temática escreveu Rogério Soares (in
«O Acto Administrativo», publicado na Scientia Iuridica, XXXIX, 25 e segs.), que
o 'que se tratou foi de dar uma formulação mais correcta e consequente ao texto
constitucional', assim se 'conseguindo uma expressão mais perfeita do princípio
da accionabilidade' e se 'expurgando do texto expressões que nos textos
anteriores seriam menos felizes, ou porque eram pleonásticas, ou porque
porventura aparecessem como injustificadamente limitativas do sentido que sempre
se quis impor à garantia constitucional da accionabilidade' (cfr. Mário Torres
no estudo intitulado «A garantia constitucional do recurso contencioso», na
Scientia Iuridica, XXXIX, 47 e segs, que, porventura, adopta uma postura
eventualmente não coincidente, no sentido de a eliminação do referenciado inciso
ter por fim ampliar o âmbito do recurso contencioso, embora não deixe de
assinalar que o que se pretende com a nova formulação constitucional é que
'todos os actos lesivos, que, mesmo que não sejam definitivos e executórios, são
contenciosamente impugná- veis').
Poderá, neste contexto, dizer-se que, efectivamente, a
garantia hoje consignada no nº 4 do artigo 268º da Constituição - garantia essa
que, como se disse no Acórdão nº 39/88 deste Tribunal (no Diário da República,
1ª Série, de 3 de Março de 1988), expressamente para os actos administrativos
faz valer 'a doutrina geral consignada pela primeira parte do artigo 20º' da Lei
Fundamental - incide, não na caracteriologia que doutrinariamente é conferida a
um concreto acto administrativo, mas sim na circunstância de desse acto
resultarem efeitos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos
administrados.
2.2. Sendo assim, claramente se é conduzido a que, para
efeitos de formulação de um juízo de compatibilidade constitucional, tendo por
parâmetro a referida garantia, haverá que saber se o acto a que se reporta a
norma sub specie - que é inimpugnável em recurso contencioso desde que tenha
sido notificado ao interessado ou objecto de publicação imposta por lei ou de
impugnação deduzida por aquele - pode ser perspectivável como aquela categoria
de actos praticados pela Administração que se encontram cobertos pela dita
garantia, ou seja, como um acto administrativo lesivo de direitos ou interesses
legalmente protegidos.
Como tem sido assinalado pela doutrina e pela
jurisprudência, um acto praticado pela Administração que meramente se confine a
confirmar um outro, nada acrescentando ou retirando a este último, antes se
limitando a reproduzi-lo com base nos mesmos pressupostos de facto e de direito
e desde que em causa se não poste uma situação em que seja exigível um recurso
hierárquico necessário, não é impugnável mediante recurso contencioso (cfr.
Parecer nº 213/80 da Procuradoria-Geral da República publicado no Diário da
República, 2ª Série, de 26 de Maio de 1983, acórdãos do S.T.A. de 13 de Novembro
de 1980 e de 28 de Abril de 1988 em Acórdãos Doutrinais, números 231, 296 e segs
e 320-321, 1053 e segs, e de 15 de Janeiro e 17 de Dezembro de 1991, estes ainda
inéditos; Robin de Andrade, A Revogação dos Actos Administrativos, 1969, 22 a
26, Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª Edição, Tomo I, 452,
Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Vol. I., 346 a 349, Mário
Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Vol. I, 410 a 413, Diogo Freitas do
Amaral, Direito Administrativo, lições policopiadas ao curso de 1988/1989, Vol.
III, 230 e segs. - onde se faz a distinção entre 'actos confirmativos e actos
meramente confirmativos' -, e Bernard Pacteau, Contentieux administratif,
Presses Universitaires de France, 144 e 145).
Na verdade, e seguindo agora Rogério Ehrhart Soares
(Direito Administrativo, lições policopiadas ao ano lectivo de 1977/1978, 76 e
segs., e no já citado estudo «O Acto Administrativo»), 'o acto administrativo é
uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um
agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual
se produzem efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos'. Sendo assim,
o acto meramente confirmativo - isto é, o acto praticado pela Administração que
se reporta 'a um acto administrativo anterior', contendo este último a
«estatuição autoritária» - que simplesmente o repete ou, ainda, que se limita 'a
extrair consequências de uma estatuição anterior', não apresenta, em si,
características de decisão de autoridade e não é, também por si, produtor de
efeitos externos na esfera jurídica do administrado.
Ora, não havendo, por parte do acto meramente
confirmativo, esta produção de efeitos, torna-se claro que não é possível a esse
acto, pela sua própria natureza, concretizar 'um comando perturbador da ordem
jurídica' ou um 'estado de virulência ... actual' (Rogério Soares, cit. «O
Acto...», 34). Daí que o mesmo não tenha a potencialidade de lesar direitos ou
interesses legalmente protegidos do particular.
Significa isto, pois, que não é pela razão de o acto
confirmativo porventura não apresentar características de executoriedade e
definitividade que o mesmo deve ser perspectivável como irrecorrível
contenciosamente (e aqui há que ter em atenção que a garantia constitucional
consagrada no nº 4 do artigo 268º do Diploma Básico se não confina a actos
praticados pela Administração dotados daquelas características - cfr. o que
acima, sobre o ponto, se veio de expôr), mas sim pela circunstância de,
mantendo-se os mesmos pressupostos de facto e de direito, se limitar ele a
manter a decisão de autoridade constante do anterior acto que, este sim, é o que
tem a potencialidade de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos e
que, por isso, é aquele em relação ao qual foi constitucionalmente prescrita a
dita garantia.
Como assinalam G. Canotilho e V. Moreira (ob. cit.,
941), a 'garantia do recurso contencioso dirige-se contra actos que lesem os
direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares', fórmula que
'insinua, desde logo, uma dimensão subjectiva fundamental (...) do recurso
contencioso: o direito ao recurso é um meio de defesa das posições jurídicas
subjectivas'.
Consequentemente, não pode dizer-se que é coberto pela
referida garantia constitucional o acto praticado pela Administração que não
produza a lesão dos mencionados direitos ou interesses.
3. Assentes estes parâmetros e revertendo ao caso em
apreço, em que em causa está um acto praticado na sequência de uma reclamação
facultativa, acto esse que, sem qualquer alteração nos pressupostos de facto e
de direito, meramente se limitou a confirmar a decisão ínsita num anterior acto
administrativo que, na óptica dos ora recorrentes, foi lesivo dos seus
interesses, então há que concluir que do acto referido em primeiro lugar
minimamente não resultou, para os mesmos recorrentes, qualquer alteração ou
lesão respeitantemente à sua situação jurídica, tal como definida foi, através
de uma estatuição de autoridade, pelo segundo dos aludidos actos.
Equivale isto a dizer, em súmula, que a norma constante
do artº 55º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos aprovada pelo D.L.
nº 267/85, não viola a garantia inserta no nº 4 do artigo 268º da Constituição.
4. E não viola também o nº 5 daquele artigo 268º.
Na verdade, aquele preceito - introduzido no texto
constitucional a partir da revisão operada pela Lei Constitucional nº 1/89 -
destinado a especificamente garantir o acesso à justiça administrativa para
tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados,
visou, essencialmente, tornar inquestionável o designado «princípio da plenitude
da garantia jurisdicional administrativa» (cfr. G. Canotilho e V. Moreira. ob.
cit., 937), sem limitar, pois, a garantia ao denominado «recurso contencioso de
anulação».
Ora, justamente porque os interessados, em hipóteses
como a presente, podem desde logo impugnar o acto (que foi entendido como lesivo
dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos) que foi objecto de mera
confirmação por um outro - que, por isso, se não assume como causa necessária
àquela entendida lesão - isso conduz a que, nestes casos, se configure como
lhes estando plenamente aberta a via de recurso à justiça administrativa, pelo
que em nada é afectada a referida garantia constitucional.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, em
consequência se confirmando o acórdão impugnado no tocante à questão de
constitucionalidade nele tratada.
Lisboa, 15 de Março de 1995
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Guilherme da Fonseca
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida