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Processos: n.os 206/94 e 241/94.
Requerente: Procurador-Geral Adjunto.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1 — O Procurador-Geral Adjunto em exercício junto deste Tribunal veio, como
representante do Ministério Público e com base nos artigos 281.º, n.º 3, da
Constituição e 82.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, solicitar que este
órgão de administração de justiça apreciasse e declarasse, com força obrigatória
geral, a inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) do n.º 1 do
artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 137/85, de 3 de Maio, enquanto determina que a
extinção da CTM — Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, E.P., implica a
extinção, por caducidade, dos contratos de trabalho em que aquela empresa seja
parte.
Alicerçou o requerente o seu pedido na circunstância de a dita norma ter já sido
julgada inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 3, 168.º, n.º 1,
alínea b), e 53.º da Lei Fundamental, através dos Acórdãos n.os 258/92, 353/94 e
354/94, deste Tribunal.
2 — Posteriormente, apresentou novo pedido, invocando as mesmas qualidade e
normas constitucional e legal, desta feita incidindo a sua solicitação no
sentido de ser declarada, com força obrigatória geral, a estatuição constante da
alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 138/85, de 3 de Maio,
enquanto determina que a extinção da CNN — Companhia Nacional de Navegação,
E.P., acarreta a extinção, por caducidade, dos contratos de trabalho em que essa
empresa seja parte.
Este pedido suportou-se no facto de a dita norma ter já, por este Tribunal, sido
explicitamente julgada inconstitucional, por violação do disposto nos artigos
18.º, n.º 3, 168.º, n.º 1, alínea b), e 53.º, todos da Constituição, o que foi
feito por intermédio dos Acórdãos n.os 81/92, 380/94 e 408/94, também deste
Tribunal.
3 — Ouvido o Primeiro-Ministro, para os efeitos do artigo 54.º da Lei n.º 28/82,
veio ele apresentar resposta dirigida unicamente ao primeiro dos indicados
pedidos.
Por despacho de 11 de Outubro de 1994, proferido de harmonia com o comando
constante do n.º 1 do artigo 64.º daquela Lei pelo Presidente deste Tribunal,
foi determinada a incorporação dos autos que se reportavam ao segundo pedido no
processo referente ao primeiro, tendo em conta que o conteúdo normativo dos
preceitos em causa era, em tudo, idêntico.
4 — Embora a resposta do Primeiro-Ministro, acima aludida, se dirija à
solicitação de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral
da norma, já identificada, do Decreto-Lei n.º 137/85, haverá que ter em conta,
tocantemente ao segundo pedido, a argumentação ali produzida, e isso,
precisamente, tendo em conta que aquela norma e aqueloutra do Decreto-Lei n.º
138/85 contêm idêntica prescrição, variando unicamente no respectivo universo de
aplicação (a primeira dirige-se aos contratos de trabalho em que seja «parte» a
CTM, enquanto que a segunda visa os contratos de trabalho em que seja «parte» a
CNN).
Nessa resposta, defende a entidade requerida que deve o pedido ser tido por
improcedente e, assim se não entendendo, ou seja, se o Tribunal vier a declarar
a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, deveria o mesmo, tendo em
atenção razões de interesse público e equidade, fixar os efeitos de tal
declaração de molde a não implicar o pagamento dos salários dos trabalhadores
que seriam abrangidos pela norma em crise relativamente ao período de tempo
compreendido entre a data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 137/85 e a data
da declaração de inconstitucionalidade.
4.1 — Em síntese, as razões que conduziram o Primeiro-Ministro a propugnar pela
improcedência do pedido podem ser alinhadas do seguinte modo:
a) nos arestos, prolatados por este Tribunal e que fundamentou(aram)
o(s) pedido(s), a(s) norma(s) em questão foi(foram) julgada(s)
inconstitucional(ais) com base na consideração de que ela(s), necessariamente,
importava(m) a extinção dos contratos de trabalho em que fosse(m) contraente(s)
a CTM (e a CNN), sem que aos respectivos trabalhadores fosse conferido o direito
a qualquer indemnização, o que redundava numa alteração ao ordenamento jurídico
vigente à data da edição do(s) diploma(s) em que tal(tais) norma(s) se
inseria(m), já que o regime constante de tal ordenamento, ou seja, aquele que
resultou da alteração introduzida no Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho,
pelo Decreto-Lei n.º 84/76, de 28 de Janeiro, prescrevia que o encerramento de
uma empresa tinha deixado de provocar a caducidade dos contratos de trabalho que
a vinculavam, passando unicamente a consentir que a entidade patronal
desencadeasse o processo de despedimento colectivo;
b) na sequência dessa postura, concluiu-se nos ditos arestos que a(s)
norma(s) em causa inovou(aram) quanto ao falado regime — que se insere em
matéria de «direitos, liberdades e garantias» — pelo que, integrando-se
tal(tais) norma(s) em diploma(s) emitido(s) pelo Governo que, então e para tal
fim, se não encontrava munido da adequada credencial parlamentar, era(m) a(s)
mesma(s) de considerar como organicamente inconstitucional(nais), e isto para
além de se não revestir(em) ela(s) do carácter de generalidade e abstracção que,
nos termos da Lei Fundamental, deve ser exigido às leis restritivas daqueles
direitos, liberdades e garantias;
c) não deviam subsistir dúvidas de que, em face «da forte tutela que o
ordenamento oferece à posição do trabalhador, nomeadamente em matéria de
estabilidade do vínculo laboral», devia ser considerada como «expressão dessa
realidade» «a configuração de casos de impossibilitação lícita da prestação
laboral por motivo não imputável ao trabalhador como um dano que o constitui na
titularidade de um direito de indemnização», como sucede nos casos de
despedimento colectivo e de extinção do posto de trabalho;
d) daí que, perante aquela forte tutela, se devesse «concluir que,
mesmo no caso de caducidade do contrato de trabalho, decorrente de vicissitudes
situadas na órbita da empresa, isto é, na esfera normal de risco da actividade
empresarial», ocorriam ou podiam ocorrer «danos ressarcíveis»;
e) precisamente por isso é que a legislação laboral portuguesa sempre
previu «terem os trabalhadores direito a indemnização nos casos de caducidade
dos respectivos contratos de trabalho em virtude de encerramento da empresa»,
como se prescreveu «na Lei n.º 1952, de 10 de Março de 1937, no Decreto-Lei n.º
47 032, de 27 de Maio de 1966, no Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de
1969, e no Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho (pelo menos até à entrada em
vigor do Decreto-Lei n.º 84/76, de 28 de Janeiro)», e igualmente hoje ocorre em
face das disposições do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de
Fevereiro;
f) simplesmente — e nesse ponto que residiu a incorrecção das decisões
tiradas pelo Tribunal Constitucional — nas mesmas partiu-se de «premissas
erróneas»;
g) é que, em primeiro lugar, nos Acórdãos que assim decidiram partiu-se
do princípio de que, após a alteração do Decreto-Lei n.º 372-A/75 efectuada pelo
Decreto-Lei n.º 84/76, «se introduziu uma radical alteração do direito» até
então vigente, «no que respeita aos efeitos do encerramento da empresa nos
contratos de trabalho e subsequentemente, quanto ao direito dos trabalhadores a
indemnização em caso de cessação dos respectivos contratos de trabalho provocada
por encerramento definitivo da empresa»; e, em segundo lugar, teve-se como
certa, embora não «expressamente afirmada», a «asserção de que a caducidade do
contrato de trabalho não pode dar origem a ressarcimento dos danos a que
eventualmente dê causa»;
h) todavia, nada permitia interpretar a(s) norma(s) sindicada(s) no
sentido de ela(s) «negar[em] aos trabalhadores o direito à indemnização pela
cessação do contrato de trabalho»;
i) na realidade, pesasse «embora o sobressalto causado pela confusão
terminológica provocada pela entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 84/76», mesmo
após essa vigência e até ao início da do Decreto-Lei n.º 64-A/89, deveria
considerar-se que não estava proscrita «(porque seria impossível fazendo) a
caducidade enquanto forma de ineficácia do contrato de trabalho motivada pela
extinção da empresa, independentemente da vontade do seu titular, ou impedir a
ressarcibilidade de danos provocados por esses casos de caducidade não
recondutíveis aos esquemas de despedimento colectivo introduzidos» por aquele
Decreto-Lei n.º 84/76, cujo objectivo foi o de «disciplinar minuciosamente a
hipótese de encerramento da empresa decidida pelo empregador, sujeitando-a aos
mecanismos complexos e à bateria de garantias formais do despedimento
colectivo»;
j) assim sendo, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 84/76,
resultou uma «lacuna» — a não previsão da caducidade dos contratos de trabalho
derivada da extinção da empresa não imputável à vontade do empregador — cuja
integração só poderia ser feita «na linha da tradição legislativa anterior» e
que era, justamente, a de, de um lado, aceitar-se a existência dessa caducidade
naqueles casos e, de outro, a ressarcibilidade dos danos advindos para os
trabalhadores em consequência da caducidade dos respectivos contratos de
trabalho;
l) ora, se a extinção da CTM (e CNN) devia, «de forma indubitável, ser
qualificada como uma hipótese de caducidade» — já que derivava do «princípio da
incindibilidade entre o contrato de trabalho e a[s] empresa[s]» e que o
encerramento desta(s) implicava «o inelutável efeito extintivo das relações
laborais» — e se tal extinção resultou «imediata e automaticamente de facto
jurídico estranho à vontade de qualquer das partes», por isso que foi
determinada «por acto legislativo do Governo», então a(s) estatuição(ões)
determinada(s) pela(s) norma(s) sob censura em nada inovou(aram) relativamente
ao regime então vigente que, impondo a integração da assinalada lacuna, admitia
a caducidade dos contratos laborais em caso de extinção de empresa não imputável
ao empregador, com a consequente ressarcibilidade dos danos causados aos
trabalhadores pela referida caducidade;
m) por consequência, deveria(am) a(s) norma(s) em apreço, ser
interpretada(s) deste jeito, em conformidade com a Constituição.
4.2 — No que tange à já acima focada pretensão deduzida pelo Primeiro-Ministro
no sentido de utilizar este Tribunal a faculdade consagrada no n.º 4 do artigo
282.º do Diploma Básico, refere o mesmo que, na hipótese de vir a ser declarada
a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, isso implicaria que os
contratos de trabalho abrangidos pela(s) norma(s) em causa se devessem
considerar eficazes, o que consequenciava o desencadeamento, para a respectiva
cessação, «do mecanismo adequado previsto no ordenamento, nomeadamente o
despedimento colectivo», o que conduziria «a situações de manifesto
enriquecimento, jurídica e socialmente» injustificadas, assim ocorresse «a
necessidade de pagamento, não apenas da indemnização», «mas dos salários
relativos ao período de tempo entretanto ocorrido, ou seja, cerca de 10 anos», o
que não seria desejável por razões de interesse público e de equidade.
II
1 — É o seguinte o teor dos normativos ora em apreciação:
Decreto-Lei n.º 137/85, de 3 de Maio
Artigo 4.º
1 — A extinção da CTM implica:
a)
.........................................................................................
b)
.........................................................................................
c) A extinção por caducidade de todos os contratos de trabalho em
que seja parte a CTM, com excepção dos outorgados com pessoal de mar embarcado,
os quais se extinguirão imediatamente após o respectivo desembarque no porto
nacional de destino, sem prejuízo do direito aos salários e outras remunerações
em dívida à data da extinção do contrato de que se trate.
2 —
.........................................................................................
3 —
.........................................................................................
4 —
.........................................................................................
Decreto-Lei n.º 138/85, de 3 de Maio
Artigo 4.º
1 — A extinção da CNN implica:
a)
.........................................................................................
b)
.........................................................................................
c) A extinção por caducidade de todos os contratos de trabalho em
que seja parte a CNN, com excepção dos outorgados com pessoal de mar embarcado,
os quais se extinguirão imediatamente após o respectivo desembarque no porto
nacional de destino, sem prejuízo do direito aos salários e outras remunerações
em dívida à data da extinção do contrato de que se trate.
2 —
.........................................................................................
3 —
.........................................................................................
4 —
.........................................................................................
Poderá dizer-se que nos Acórdãos lavrados por este Tribunal e que suportaram os
formulados pedidos — que, recorde-se, tomaram, quanto ao primeiro, os n.os
258/92 (publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Novembro de 1992),
353/94 (publicado no mesmo jornal oficial e Série, de 6 de Setembro de 1994) e
354/94 (este ainda inédito) e, quanto ao segundo, os n.os 81/92 (publicado na II
Série do Diário da República, de 18 de Agosto de 1992), 380/94 e 408/94 (ambos
ainda inéditos) — foi, em súmula, perfilhado (e em alguns por maioria) o
seguinte entendimento:
que das normas agora sub iuditio resultava que, por força da extinção das
empresas públicas CTM e CNN, eram de considerar extintos, «sem necessidade de
qualquer processo ou outra formalidade, todos os contratos de trabalho
celebrados» por essas empresas «com os seus trabalhadores, cessando, em
consequência, qualquer obrigação» das mesmas «para com eles (salvo,
naturalmente, a obrigação de lhes» pagarem «os salários já vencidos)» (estão
aqui utilizadas, em itálico, as palavras do Acórdão n.º 353/94);
nos termos da lei geral em vigor ao tempo da edição dos Decretos-Leis n.os
137/85 e 138/85 — ou seja, nos termos constantes do artigo 8.º do Decreto-Lei
n.º 372-A/75, de 16 de Julho, após ter sido, pelo Decreto-Lei n.º 84/76, de 28
de Janeiro, revogado o seu artigo 29.º — a caducidade do contrato de trabalho,
decorrente do encerramento de uma empresa, não conferia aos trabalhadores o
direito a receber qualquer indemnização, por isso que tal encerramento apenas
passou «a consentir que a entidade patronal desencadeasse o processo próprio do
despedimento colectivo», que impunha a conferência de indemnização aos
«trabalhadores que viram os seus contratos de trabalho cessar» (idem);
efectivamente, ainda que se admitisse que aquele artigo 8.º não esgotava «em
absoluto os casos de caducidade do contrato de trabalho, ainda assim as
possibilidades de agenciar outros» eram «reduzidas», porquanto, de uma parte,
esses casos teriam «de caber dentro dos casos definidos ‘nos termos gerais de
direito’, e», de outra, «tendo em conta o seu regime gravoso para o trabalhador,
a caducidade» devia «ser excepcional» e, porque atentatória da «regra geral de
estabilidade do emprego», constitucionalmente consagrada, não seria «lícito o
recurso à analogia para alargar o seu regime a situações não previstas na lei»,
até porque nenhuma existia de onde decorresse a atribuição, à extinção de uma
empresa, da «caducidade dos contratos de trabalho dos respectivos
trabalhadores», sendo certo que os diplomas cujas normas ora se encontram em
crise não podiam ser considerados como uma dessas leis, já que eles foram os
próprios criadores do evento extintivo e, simultaneamente, os atribuidores do
efeito da caducidade (em itálico palavras do Acórdão n.º 81/92);
apresentava, no mínimo, «algumas dificuldades» sustentar que a extinção dos
contratos de trabalho decorrente da extinção da empresa empregadora se
enquadrava no conceito de «impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva,
de o trabalhador prestar o seu trabalho e de a empresa o receber», usado na
alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, como causa de
caducidade do contrato pois que, para além da circunstância de a previsão de o
encerramento da empresa como causa de caducidade do contrato de trabalho, tal
como constava da norma do n.º 2 do artigo 29.º da primitiva versão daquele
diploma, ter deixado de vigorar com a revogação operada pelo Decreto-Lei n.º
84/76, a verificação da aludida «impossibilidade» pressupunha «que ambos os
contraentes a» conheciam ou deviam conhecer (do Acórdão n.º 353/94);
poderia, desta sorte, dizer-se que o ordenamento jurídico nacional, aquando da
edição dos diplomas onde se inserem as normas sub specie, não previa como forma
directa de extinção dos contratos de trabalho o encerramento definitivo da
empresa empregadora e, sendo assim, tais normas vieram, alterando a
regulamentação geral anterior e regendo de forma inovatória, a consagrar essa
nova forma de extinção, sem prever o pagamento de qualquer indemnização aos
trabalhadores da CTM e CNN, sendo que tão-só para estes se dirigiam as
estatuições nelas ínsitas;
por intermédio do artigo 53.º da Constituição garante-se aos trabalhadores a
estabilidade no emprego, visto que este não só é uma forma «de angariação de
meios para prover ao seu sustento e ao da sua família, como uma ocasião capaz de
lhe permitir a sua realização pessoal através do seu trabalho», ao que acresce
que, extinguindo-se o contrato de trabalho por causa não imputável ao
trabalhador, dada a afectação dos «interesses ligados à estabilidade do vínculo
laboral», sempre seria imposto pelo princípio de justiça que deflui da ideia de
Estado de Direito que seja o mesmo trabalhador indemnizado pela perda do seu
posto de trabalho (em itálico, expressões do Acórdão n.º 353/94), razões pelas
quais era de concluir pelo ferimento daquela disposição da Lei Fundamental;
sendo a matéria em causa inserível nos «direitos, liberdades e garantias dos
trabalhadores» e, consequentemente, estando «integrada no âmbito específico da
reserva de competência legislativa da Assembleia da República, só sendo
susceptível de ser regulada mediante lei geral e abstracta» (do Acórdão n.º
258/90), e ponderando que o Governo se não encontrava munido de adequada
credencial parlamentar para editar os normativos em causa constantes dos
Decretos-Leis n.os 137/85 e 138/85, igualmente haveria de concluir-se pela
ofensa dos artigos 18.º, n.º 3, e 168.º, n.º 1, alínea b), do Diploma Básico.
2 — A argumentação, acima sintetizada — que foi, de um modo geral, carreada aos
arestos já mencionados e, bem assim, em alguns outros entretanto lavrados neste
Tribunal — é questionada pelo Primeiro-Ministro nos moldes que, também acima, se
deixaram delineados.
Todavia, entende o Tribunal que tal argumentação não é, no que ora releva, ou
seja, na apreciação da compatibilidade constitucional das normas em questão — e
só destas —, susceptível de ser posta em causa pelas considerações que se
extraem da resposta do Primeiro-Ministro.
2.1 — Na verdade, não podendo desde logo afirmar-se que seja de todo em todo
incurial uma interpretação segundo a qual o ordenamento jurídico vigente em Maio
de 1985 no que tange ao regime de cessação do contrato individual de trabalho,
não impedia que o mero encerramento da empresa empregadora desse lugar a
caducidade das relações laborais com os respectivos trabalhadores e, operada
esta, o «direito» a eles serem indemnizados, já que o que o Decreto-Lei n.º
84/76 verdadeiramente veio a consagrar foi, e tão somente, uma disciplina
minuciosa das hipóteses de encerramento da empresa decidida pelo empregador não
impedindo isso a ressarcibilidade dos danos causados pela perda do vínculo
laboral, dois aspectos são, porém, inquestionáveis. O primeiro reside em tal
interpretação se dirigir, obviamente, ao dito ordenamento e não às normas em
apreciação, sendo que o respectivo teor literal se apresenta, em face do teor
literal das demais normas daquele ordenamento (maxime, o que se consagrava no
artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75 e após ter sido revogado pelo Decreto-Lei
n.º 84/76 o seu artigo 29.º), manifestamente diverso.
Sequentemente, não se poderá propugnar por uma admissibilidade de interpretação
das normas em causa em conformidade com a Constituição, já que o que, então e em
verdade, estaria em apreço seria uma interpretação conforme à Lei Fundamental,
não daquelas normas mas, isso sim, do ordenamento geral regente da cessação do
contrato de trabalho, o que, como é claro, não é o objecto do vertente processo.
O segundo aspecto que se não pode escamotear e ao qual deve ser sensível este
Tribunal, é que inúmeras foram as decisões judiciais (o que, aliás, é facilmente
constatado pelos recursos de fiscalização concreta já decididos por este órgão
de administração de justiça) e as posições assumidas por vários operadores do
direito, nas quais se fizeram uma interpretação e aplicação das normas em apreço
no sentido de instituírem uma forma de cessação dos contratos de trabalho não
prevista no ordenamento jurídico então em vigor — a caducidade derivada do
encerramento da empresa empregadora — cessação essa da qual, mesmo não sendo
imputável à entidade empregadora, não derivava o «direito» de indemnização para
os trabalhadores por ela abrangidos. E, mesmo nos casos submetidos à apreciação
dos tribunais em que estes tomaram decisões no sentido de, não obstante terem as
normas constantes dos Decretos-Leis n.os 137/85 e 138/85 estabelecido a
caducidade imediata dos contratos de trabalho que ligavam as CTM e CNN aos seus
trabalhadores, deverem estes ter direito a receber uma indemnização (ver, verbi
gratia, o acórdão da Relação de Lisboa de 3 de Julho de 1991 e a anotação levada
a efeito por Bernardo da Gama Lobo Xavier e António Nunes de Carvalho na Revista
de Direito e Estudos Sociais, ano xxxiv, vii da 2.ª série, n.os 1 e 2, pp. 67 e
segs.), o que é certo é que não foi por via interpretativa do que directamente
se consagrava naquelas normas que se chegou às decisões de imposição
indemnizatória, mas sim por se ter adoptado o entendimento de que da lei geral
que ao tempo regia os despedimentos (recte, os casos de cessação dos contratos
de trabalho) não resultava que a caducidade era «incompatível com o direito de
indemnizar»; trataram-se, ao fim e ao resto, de decisões interpretativas do
regime jurídico geral e não, directamente, das normas ora em questão.
Em face do exposto, continua a entender-se que as normas em causa, consignando
uma nova causa de extinção do contrato individual de trabalho e, do mesmo passo,
ao não preverem o «direito» dos trabalhadores das CTM e CNN que perderam o seu
posto de trabalho em consequência da extinção daquelas empresas, a perceberem
qualquer indemnização, violam o direito à segurança no emprego estabelecido no
artigo 53.º da Constituição, além de, dispondo elas unicamente para aqueles
trabalhadores e estatuindo sobre matéria de «direitos, liberdades e garantias»
sem que o Governo dispuzesse de autorização legislativa, igualmente violarem os
artigos 18.º, n.º 3, e 168.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Diploma Fundamental.
III
1 — Como se referiu já, o Primeiro-Ministro, na sua resposta, defendeu que, na
hipótese de este Tribunal vir a declarar a inconstitucionalidade com força
obrigatória geral das normas em causa, razões de interesse público e equidade
imporiam que os efeitos da inconstitucionalidade fossem fixados de sorte a não
implicar o pagamento dos salários que seriam devidos aos trabalhadores
abrangidos por aquelas normas no que tange ao período de tempo decorrido entre a
entrada em vigor dos Decretos-Leis n.os 137/85 e 138/85 e a data da declaração
de inconstitucionalidade.
Vejamos se poderá proceder uma tal perspectiva.
2 — O raciocínio que conduz à consideração da invalidade constitucional das
normas sub specie, acima sumulado, funda-se não só na circunstância de as mesmas
não prescreverem o «direito» dos trabalhadores das CTM e CNN a perceberem uma
indemnização em consequência da cessação dos seus postos de trabalho advinda da
extinção daquelas empresas, mas também no facto de esses normativos terem vindo
a consagrar uma nova forma de cessação da relação laboral não prevista no
ordenamento jurídico em vigor à data da edição dos diplomas onde se inseriam as
referidas normas.
É que se considerou que se extrai do artigo 53.º da Constituição o «direito à
segurança no emprego» — emprego que, além do mais, é um instrumento de
realização pessoal do trabalhador que tem, ele próprio, «direito ao trabalho».
Ora, seja qual for a solução que porventura seja dada aos efeitos da declaranda
inconstitucionalidade com força obrigatória geral quanto à manutenção ou não
manutenção dos contratos de trabalho em que as empresas extintas pelos
Decretos-Leis n.os 137/85 e 138/85 foram outorgantes — questão que cumprirá aos
tribunais judiciais decidir — o que é certo é que este Tribunal não vislumbra a
existência de fortes razões de interesse público, equidade ou segurança que
aconselhem a limitação de efeitos no sentido propugnado pelo Primeiro-Ministro.
IV
Neste contexto, com base em violação dos artigos, 18.º, n.º 3, 53.º e 168.º, n.º
1, alínea b), da Lei Fundamental, declara-se, com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade das normas constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º
do Decreto-Lei n.º 137/85, de 3 de Maio, e da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º
do Decreto-Lei n.º 138/85, da mesma data.
Lisboa, 28 de Março de 1995. — Bravo Serra (com a declaração de voto junta) —
Armindo Ribeiro Mendes — Antero Alves Monteiro Diniz — Maria Fernanda Palma —
José de Sousa e Brito — Luís Nunes de Almeida — Maria da Assunção Esteves —
Alberto Tavares da Costa — Guilherme da Fonseca — Fernando Alves Correia
(com declaração de voto idêntica à do Ex.mo Conselheiro Relator) — Messias Bento
(com declaração de voto idêntica ao do Ex.mo Conselheiro Bravo Serra) — Víctor
Nunes de Almeida (vencido, conforme declaração que junta) — José Manuel Cardoso
da Costa.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Tenho para mim que da declaração de inconstitucionalidade — ora operada pelo
Acórdão de que a presente declaração faz parte integrante — unicamente poderá
resultar a obrigação de aos trabalhadores das extintas empresas públicas CTM e
CNN (que em virtude de tal extinção viram cessados os contratos de trabalho que
a elas os vinculavam) ser pago um quantitativo indemnizatório de montante
idêntico àquele que perceberiam caso tivesse sido adoptado o procedimento do
despedimento colectivo.
A isso conduzem, de facto, razões de justiça.
Na realidade, em virtude da cessação dos respectivos contratos, deixaram os
aludidos trabalhadores de prestar o seu labor às empresas públicas extintas
pelos diplomas onde se inserem as normas em apreço, razão pela qual se depara
como justo e se anteolha como razoável que, no cálculo da indemnização, se não
computem quaisquer compensações fundadas directamente numa contrapartida de um
trabalho que, de modo efectivo, não foi prestado.
De outro lado, no meu modo de ver, residindo a razão porventura mais saliente
que conduziu ao juízo de inconstitucionalidade na circunstância de as normas em
crise, ao prescreverem a caducidade dos contratos de trabalho, não terem
estatuído que aos respectivos trabalhadores fosse conferida uma indemnização
semelhante àquela que lhes seria devida caso houvesse lugar a um despedimento
colectivo (que era o instrumento legal que na época haveria de lançar mão),
torna-se para mim claro que, se tais normas tivessem disposto nesse sentido, não
seriam elas passíveis da censura jurídico-constitucional que sofreram. E, nessa
hipótese, nítido seria que a indemnização haveria de ter um conteúdo em tudo
semelhante à que seria devida por aqueles casos e cujo cômputo se afigura justo.
A estas razões de justiça há que aditar uma outra que se prende com a própria
segurança.
Efectivamente, podendo-se pôr a hipótese de virem a ser perfilhados
entendimentos (tenha-se em conta o discurso argumentativo utilizado pelo
Primeiro-Ministro para fundamentar o pedido de limitação de efeitos) de harmonia
com os quais na indemnização se haviam ainda de considerar compensações de outro
tipo, um tal posicionamento, levado à prática, redundaria decerto no surgimento
de situações que, embora substancialmente idênticas, sofreriam divergente
solução, o que é algo que se deverá evitar por razões de segurança.
Perante este circunstancionalismo, penso que as razões de justiça e de segurança
que deixei alinhadas deveriam conduzir o Tribunal a limitar os efeitos da
presente declaração por forma a ficar claro que a inconstitucionalidade ora
declarada tem como efeito reconhecer aos trabalhadores das extintas empresas
públicas CTM e CNN o direito de receberem indemnização idêntica à que lhes teria
paga se tivesse sido adoptado o processo de despedimento colectivo. — Bravo
Serra.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Discordei do entendimento da maioria pelas razões que constam da declaração de
voto que formulei a propósito do Acórdão n.º 81/92 e que dou aqui por
reproduzidas (cfr. Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992).
Consciente da sua pertinência, limito-me a retomá-las agora de forma sucinta e
com a convicção de que a solução que então defendi sobre a questão de
constitucionalidade que vem posta ao Tribunal se impõe com a força da evidência.
Na verdade, com a extinção das duas empresas públicas CTM e CNN, gerou-se uma
situação em tudo semelhante, do ponto de vista da subsistência das relações
laborais, àquela que ocorre com a perda de objecto da actividade de qualquer
empresa, seja ela ou não seja uma pessoa colectiva. É patente que, com a
extinção, cessa a personalidade jurídica da entidade empregadora, que, quanto à
CTM e à CNN, continuou a existir apenas na dimensão restrita e muito sui generis
que permitiu a uma entidade terceira — a Comissão Liquidatária — proceder à
liquidação dos respectivos patrimónios.
Não oferecendo dúvidas a legitimidade constitucional da extinção, as
consequências que da mesma derivaram para as referidas empresas públicas
enquanto tais, foram necessariamente a impossibilidade superveniente, absoluta e
definitiva de os trabalhadores prestarem o seu trabalho e de as empresas o
receberem. Tanto é dizer que as normas questionadas não inovaram relativamente
ao preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei dos Despedimentos.
Tanto é dizer que a cessação dos contratos de trabalho não tem aqui qualquer
espécie de autonomia e não passa da execução da decisão de extinguir as
empresas. Com a introdução, neste caso, da figura da «caducidade» dos contratos
de trabalho, o legislador não visou mais do que qualificar, com mera eficácia
doutrinal, uma causa de extinção dos contratos de trabalho.
Do exposto resulta, para mim de forma clara que não é admissível, no caso, a
violação dos artigos 18.º, n.º 3, 53.º e 168.º, alínea b), da Constituição.
Na verdade, a situação real e concreta de extinção da empresa não cabe no campo
de aplicação do referido artigo 53.º, visto que a garantia da proibição do
despedimento sem justa causa pressupõe a continuação da existência da entidade
empregadora. Só assim poderá esta voltar a receber o trabalhador e ou
indemnizá-lo pelo ilícito praticado.
Afastando-se deste entendimentos, a tese que fez maioria no acórdão decidiu
declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do artigo 4.º,
n.º 1, alínea c), dos Decretos-Lei n.os 137/85 e 138/85, ambos de 3 de Maio, sem
efectuar qualquer restrição de efeitos. Tendo ficado também vencido quanto a
este aspecto, adiro, nesta parte, ao conteúdo do voto de vencido do relator,
Conselheiro Bravo Serra, pois não me parece legítimo que por força da declaração
de inconstitucionalidade em causa, aos trabalhadores da CTM e CNN possam vir a
ser reconhecidos mais direitos do que os que resultariam de ser aplicada ao caso
doutrina idêntica à que se poderia extrair das normas que ao tempo regulavam a
matéria de indemnização por despedimento colectivo motivado pelo encerramento da
empresa, como mais explicitamente decorre da referida declaração de voto e está
na linha do pensamento subjacente ao primeiro dos acórdãos que sobre esta
questão este Tribunal proferiu (o Acórdão n.º 81/92, citado). — Vítor Nunes de
Almeida.
(1)- Acórdão publicado no Diário da República, I Série-A, de 8 de Maio de 1995.