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Processo n.º 884/2011
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão, da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer das questões de constitucionalidade apontadas no seu requerimento de interposição de recurso.
2. Refutando esta decisão de não conhecimento do objeto do recurso, assim argumentou o reclamante:
“(...)
1.º O Recorrente, ora Reclamante, intentou recurso constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70 n.º 1, al. b) da Lei 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação, do Ac. do Supremo Tribunal de Administrativo, de 4 de outubro de 2011, pretendendo a apreciação da ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo 46º, em especial dos n.º4 e 5, do DL n.º 503/99, de 20 de novembro, “(…) quando interpretados no sentido de que abarcam quaisquer danos, não distinguindo entre danos que foram ou não peticionados em ação de responsabilidade civil anterior ou que tenham sido objeto de negociação amigável, devem ser considerados ilegais e inconstitucionais conforme melhor se explicitará infra”.
E, no requerimento de interposição do Recurso dizia-se, com interesse para a questão:
“(…)interpretar-se tais normas no sentido supra exposto, configura violação de um dos mais elementares direitos à sobrevivência, designadamente o direito universal e fundamental à segurança social, previsto e expressamente consagrado no artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa.
(…) Na verdade, conforme referido pelo aqui recorrente ao longo de todas as suas peças processuais e, em especial em sede de Contra Alegações apresentadas no âmbito do Recurso de Revista Excecional referido supra “(…) no caso sub iudice a questão relevante era a da ilegalidade e inconstitucionalidade da suspensão no caso concreto, do pagamento de pensão de invalidez com fundamento, em especial, no n.º 5 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de novembro (…)””
2.º Todavia, foi entendimento do Exm.º Juiz Conselheiro Relator não tomar conhecimento do recurso constitucional, apresentado pelo ora Reclamante. Com efeito, pode ler-se na decisão sumária, supra referida, que,
3.º “… o que o recorrente acaba por discutir, no recurso de constitucionalidade, é a correção do juízo feito pelo acórdão recorrido, em sentido afirmativo, sobre a questão de saber se a transação homologada judicialmente abarca todos os danos sofridos pelo recorrente por força do acidente, juízo esse suportado normativamente no entendimento do tribunal recorrido de que o objeto da transação judicial não está vinculado(…). Vistas as coisas por este ângulo em que o recorrente coloca a questão, é-se forçado a concluir que as normas cuja constitucionalidade pretende ver apreciada (n.ºs 4 e5 do DL n.º 503/99, de 20 de novembro) nem sequer constituíram fundamento normativo do decidido (…).”
4.º Ora, é com este, aliás, douto entendimento que o Reclamante se não pode conformar. Com efeito,
5.º é convicção do Reclamante que se verificam no caso sub júdice, os pressupostos necessários para o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso. Vejamos,
6.º é o artigo 70º n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, que estipula quais as decisões que podem ser objeto de recurso, sendo que a al. b) determina que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões proferidas pelos tribunais “que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;” e, por outro lado,
7.º o n.º 2 do mesmo artigo prevê que “os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitem recurso ordinário, por a lei não o prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência”.
8.º Assim e nestes termos, deverá o recurso interposto pelo ora Reclamante ser objeto de conhecimento do Tribunal Constitucional, porquanto o Reclamante invocou a ilegalidade e inconstitucionalidade da interpretação do artigo 46º, principalmente, a dos n.ºs 4 e 5, do DL n.º 503/99, de 20 de novembro, em todas as instâncias mediante as diversas peças processuais.
9.º Na verdade, o Reclamante invocou tal ilegalidade e inconstitucionalidade desde o início do processo, por intermédio da petição inicial, que correu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, sob o n.º 1099/08.7 BECBR, nas alegações de Recurso para o Tribunal Central Administrativo – Norte, bem como nas contra alegações do Recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal Administrativo, que correu na 1ª secção – 2ª subsecção n.º 244/11.
10.º Com efeito, o Reclamante sempre defendeu que os n.º 4 e 5 do artigo 46º do DL n.º 503/99, de 20 de novembro, não tem aplicação ao caso, porquanto, por um lado, nunca os danos futuros foram peticionados pelo Reclamante, ao longo do processo, e, por outro lado, não foram considerados na transação celebrada.
11.º Foi reiterado o entendimento do Reclamante, ao longo de todo o processo, que os números 4 e 5, daquele artigo, “quando interpretados no sentido que abarcam quaisquer danos, não distinguindo entre danos que foram peticionados ou não peticionados em ação de responsabilidade civil anterior ou que tenham sido objeto de negociação amigável, devem ser ilegais e inconstitucionais”. Sendo que,
12.º no requerimento de interposição do requerimento do recurso para este Tribunal, na esteira do que foi reiteradamente defendido, colocou-se mais uma vez em causa que “ interpretar-se tais normas no sentido exposto, configura violação de um dos mais elementares direitos à sobrevivência, designadamente o direito universal e fundamental à Segurança Social…”.
13.º Sendo forçoso concluir que o Reclamante pretende, com o presente recurso constitucional, contraditar a interpretação vertida no Acórdão recorrido sobre os invocados preceitos legais, isto é, visa-se a inconstitucionalidade da interpretação que entende que as referidas normas abarcam quaisquer danos, independentemente de terem ou não sido peticionados em ação de responsabilidade civil, ou pelo menos, de terem sido objeto de transação homologada por sentença.
Ora, as questões da inconstitucionalidade são tratadas pelo Acórdão recorrido designadamente a fls. 10, 11 e 14 a 18, não tendo, no entanto, obtido acolhimento a invocação da inconstitucionalidade.
14.º De facto, o Reclamante sempre contraditou tal interpretação e já esgotou todos os meios ordinários de recurso, pelo que deverá o presente recurso de constitucionalidade ser objeto de conhecimento perante o Tribunal Constitucional, porquanto estão verificados os pressupostos da al. b) do n.º1 e o n.º 2 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
15.º Assim e salvo o devido respeito por melhor opinião, não está em causa o artigo 1248.º n.º 1 do C.C., pese embora este tenha sido referido pelo Supremo Tribunal Administrativo, a verdade é que não esteve na base da ação, pelo que, não foi invocado no acórdão recorrido e muito menos se colocou a questão da inconstitucionalidade daquele artigo e, no modesto entendimento do Recorrente não tinha que ser. Isto porque,
15.º o Reclamante invocou sempre a inconstitucionalidade dos n.ºs 4 e 5 do artigo 46.º do DL n.º 503/99, de 20 de novembro se feita num determinado sentido. Ora,
16.º se tal interpretação for julgada procedente são inúteis as considerações vertidas no Acórdão recorrido sobre a transação, porquanto,
17.º se se declaram inconstitucionais os n.ºs 4 e 5 do artigo 46.º do citado DL n.º 503/99 se interpretados que as referidas normas abarcam quaisquer danos, independentemente de terem ou não sido peticionados na ação, então a questão da transação é irrelevante, porquanto, tais danos não foram peticionados.
18.º De resto, mesmo que se levantasse a questão da inconstitucionalidade do artigo 1248.º, n.º 1 do C.C., tal só poderia ser feito perante este Tribunal perante esta interpretação que dele fez o STA e que viola, porventura os n.ºs 1 (1.ª parte) e 4 (2.ª parte) do artigo 20.º da Lei Fundamental na medida em que, em especial, tal interpretação conduz à violação de direitos e interesses legalmente protegidos do reclamante (em especial quanto ao objeto do processo) conduzindo a um processo não equitativo (n.º 4, 2.ª parte).
19.º Seja como for, entende o Reclamante que os pressupostos de interposição do Recurso para o Tribunal Constitucional estão verificados, pelo que, a reclamação será procedente e,
20.º o princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da Lei Fundamental será assegurado.
21.º Pelo que se conclui, na esteira de Fernando Amâncio Ferreira, “ em obediência ao princípio da congruência, o TC não pode pronunciar-se sobre objeto processual distinto do proposto pelo recorrente, de forma a haver correlação entre a pretensão deste e a decisão a proferir. O TC deve somente apreciar o pedido. Dito de outra forma: o TC deve apreciar a constitucionalidade ou a legalidade de todas as normas incluídas no requerimento de interposição de recurso, desde que consideradas na decisão recorrida (…)”,in Manual de Recursos em Processo Civil, pág. 468.
22.º Assim, porque tais normas foram consideradas no Acórdão recorrido, porque a sua inconstitucionalidade foi sempre invocada, é imperioso concluir - se que o Tribunal Constitucional deverá tomar conhecimento da questão levantada pelo Reclamante, sobre a inconstitucionalidade da interpretação feita no Acórdão Recorrido quanto aos n.ºs 4 e 5 do art. 46º do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.
3. Notificada para o efeito, a Caixa Geral de Aposentações respondeu à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento.
II. Fundamentação
4. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“(...)
1. A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de outubro de 2011, pretendendo que se “aprecie a ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo 46.º, em especial dos n.os 4 e 5 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro”, por violação do “direito universal e fundamental à Segurança Social consagrado no art.º 63.º da Constituição da República Portuguesa”.
2. O ora recorrente intentou, perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAFC), contra a Caixa Geral de Aposentações (CGA) ação administrativa especial para impugnação do despacho desta entidade de 1/7/2008, pedindo a sua anulação da parte em que determina que “a pensão que lhe foi fixada só irá ser abonada depois de esgotada a quantia de 40.000,00 Euros” e a condenação da mesma CGA a reconhecer o direito a essa pensão e a pagar-lhe as mensalidades da mesma que não lhe pagou, desde 20/09/2007, com juros de mora à taxa legal.
3. O TAFC julgou improcedente a ação e absolveu a entidade demandada do pedido.
4. Não se tendo conformado com esta decisão, o ora recorrente recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), tendo este Tribunal concedido provimento ao recurso e julgado procedente a ação, condenando a CGA a pagar ao autor as mensalidades que lhe são devidas a título da pensão que lhe foi fixada, desde 20/09/2007 e com juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data em que lhe deveria ter sido paga cada uma das mensalidades até à data em que efetivamente o for.
5. Do Acórdão proferido por este Tribunal recorreu, desta vez, a CGA para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), escudando-se no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (recurso excecional de revista). Admitido o recurso e julgado o mesmo, o STA concedeu-lhe provimento, revogando o acórdão recorrido e mantendo a decisão da 1.ª instância.
Para assim decidir, considerou o acórdão ora recorrido que as partes não estão impedidas legalmente de, em transação judicial efetuada no processo de indemnização instaurado no tribunal judicial, dispor sobre direitos diversos dos do pedido; que, no montante indemnizatório acordado na transação efetuada entre o demandante e a Companhia de Seguros na ação intentada perante o Tribunal Judicial da Lousã, “estão englobados todos os danos, seja qual for a sua natureza ou atualidade, sem exclusão de nenhuns”; que “uma vez que o recorrido já recebeu a indemnização acordada por todos os danos sofridos no acidente, então tem pleno cabimento a aplicação do estatuído no n.º 4 do art.º 46.º do DL. n.º 503/99” e, finalmente, que “estando englobados todos os danos, sem especificar parcelarmente o quantitativo de cada um”, havia a demandada que lançar mão da presunção contida no n.º 5 do mesmo artigo.
6. É desta decisão que, através do extenso requerimento constante dos autos, vem interposto o presente recurso. Conquanto este tenha sido admitido pelo Tribunal a quo, o certo é que essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, como decorre do art.º 76.º, n.º 3, da LTC. E porque se verifica uma situação que se enquadra na hipótese recortada no n.º 1 do art.º 78.º-A da mesma LTC, passa a decidir-se imediatamente.
7. O objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 280º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC, é, não obstante o mesmo ser interposto de decisão judicial, a questão de inconstitucionalidade de norma(s) que tenham constituído a ratio decidendi ou fundamento normativo do aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade que é exigido pela natureza instrumental (e incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra desenhado no nosso sistema constitucional – de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais –, bem como pela natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição revista, 2007, pp. 31 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de outubro de 2000).
Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado.
Deste modo, sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se no recurso de constitucionalidade a decisão judicial em sim mesma, quer no que importa à eventual aplicação que a mesma faça, diretamente, de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que respeita ao modo como a mesma determinou o direito infraconstitucional e subsumiu a ele as circunstâncias concretas do caso.
8. Ora, se perpassarmos o requerimento de interposição de recurso constata-se que o recorrente se apresenta, aqui, a contraditar a correção do juízo feito pela decisão ora recorrida no sentido de que, no montante da indemnização que foi acordada entre o ora recorrente e a Companhia de Seguros, na transação lavrada no processo judicial por acidente de viação intentado perante o tribunal de comarca, foram abrangidos todos os danos, sejam eles ou não danos patrimoniais futuros, e que, dado o facto de não se ter especificado parcelarmente o quantitativo de cada dano, havia que recorrer-se à presunção estabelecida no n.º 5 do art.º 46.º do DL. n.º 503/99, de 20 de novembro, como fizera a decisão administrativa impugnada.
Objeta o recorrente que as normas dos n.ºs 4 e 5 do art.º 46.º do DL. n.º 503/99, “no caso sub judice, não têm aplicação, uma vez que tais danos patrimoniais futuros não foram peticionados pelo Recorrente/beneficiário e nem foram tidos em consideração na transação celebrada no âmbito do Processo de Responsabilidade Civil que correu termos no Tribunal Judicial da Lousã” e que “assim, dever-se-á concluir que a presunção inserta no n.º 5 do art.º 46.º do DL. n.º 503/99, de 20 de novembro não pode ter aplicação no caso concreto já que não se pode presumir o valor referente a danos patrimoniais futuros que não foram peticionados, nem tomados em consideração na transação homologada por sentença de 18/01/2007”.
Nestes termos, o que o recorrente acaba por discutir, no recurso de constitucionalidade, é a correção do juízo feito pelo acórdão recorrido, em sentido afirmativo, sobre a questão de saber se a transação homologada judicialmente abarcara todos os danos sofridos pelo recorrente por força do acidente, juízo esse suportado normativamente no entendimento do tribunal recorrido de que o objeto da transação judicial não está vinculado, extensiva ou intensivamente, ao pedido efetuado na ação onde a mesma é celebrada.
Vistas as coisas por este ângulo em que o recorrente coloca a questão, é-se forçado a concluir que as normas cuja constitucionalidade pretende ver apreciada (n.os 4 e 5 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro) nem sequer constituíram o fundamento normativo do decidido quanto à matéria de saber se a transação englobara todos os danos sofridos no acidente.
O fundamento do acórdão, quanto a este juízo, radica antes no seu entendimento de que a configuração normativa da transação constante do artigo 1248.º, n.º 1, do Código Civil não impede que possam ser envolvidos direitos diversos do direito controvertido (constante do pedido).
Assim sendo, pretendendo controverter esse dado da decisão recorrida, teria o recorrente de ter não só suscitado atempadamente, nas alegações para o tribunal recorrido, a questão de constitucionalidade daquele artigo 1248.º, n.º 1, do Código Civil, na aceção tomada pelo acórdão agora recorrido, como, depois, abrangê-lo no objeto do recurso de constitucionalidade.
De tudo resulta que o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento do recurso.
(...)”.
5. Como pode constatar-se a partir do relatado, a presente reclamação não apresenta nenhum argumento que logre refutar o decidido, deixando claro, ao invés, a procedência dos argumentos com base nos quais não se tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade.
Tal como resulta do requerimento de interposição de recurso, o Reclamante sustenta que os n.os 4 e 5 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, não se aplicariam ao seu caso concreto, “porquanto, por um lado, nunca os danos futuros foram peticionados pelo Reclamante, ao longo do processo, e, por outro lado, não foram considerados na transação celebrada”, considerando, por isso, que tais preceitos “quando interpretados no sentido de que abarcam quaisquer danos, não distinguindo entre danos que foram ou não peticionados em ação de responsabilidade civil ou que tenham sido objeto de negociação amigável, devem ser considerados ilegais e inconstitucionais”.
Ora, como se julgou na decisão reclamada, é manifesto que a discordância do recorrente não resulta do facto da norma em causa poder abarcar, em abstrato, na sua previsão, a consideração de danos futuros, mas sim para com o facto de considerar, casuisticamente, que inexistia acordo quanto a esses danos, daí reclamando a inaplicabilidade do preceito, por aqueles não terem sido peticionados ou, na sua perspetiva, incluídos na transação.
Nesta ótica, ainda que sob a veste da formulação formal de um critério normativo, o que o recorrente contesta não é mais do que a mera aplicação da lei ao caso concreto no que tange com a definição da situação de facto integradora – ou não – da hipótese normativamente regulada.
Contudo, essa questão de “ilegalidade e inconstitucionalidade”, não sendo admissíveis entre nós os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, exorbita da esfera de competência cognitiva desta instância jurisdicional.
Ao exposto, acresce ainda que os n.os 4 e 5 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, não foram aplicados na aceção contestada pelo recorrente – como englobando todos os danos, mesmo que não peticionados ou objeto de transação –, tendo o tribunal recorrido dado por assente que a transação celebrada abrangia todos os danos, independentemente da sua natureza ou atualidade.
Quanto a esta questão, pode colher-se o que consta do seguinte excerto da decisão do Supremo Tribunal Administrativo:
“(...)
Apesar de na petição inicial o ora recorrido não pedir indemnização quanto a danos patrimoniais futuros, nada impede que este tipo de danos não possam ser englobados na transação efetuada. Tal é permitido pelo n.º 2 do supra referido art.º 1248.º que permite constituir, modificar ou extinguir direitos diversos do direito controvertido, apenas tendo de se respeitar os limites impostos no artigo 1249.º do CC. Assim, quando o lesado, ora recorrido, na transação se declara ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente mediante a quantia proposta e entregue pela companhia seguradora, tem de entender-se que estão englobados no montante indemnizatório todos os danos, seja qual for a natureza ou atualidade, sem exclusão de nenhuns.
Ora tendo, uma vez que o recorrido já recebeu a indemnização acordada por todos os danos sofridos no acidente, então tem pleno cabimento a aplicação do estatuído no n.º 4 do DL. N.º 503/99, ou seja, uma vez que o sinistrado já foi indemnizado pela Companhia de Seguros, não há pagamento das prestações da responsabilidade da CGA, até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros.
(...)”.
O reclamante, quanto a este ponto, apenas ao contestar a decisão sumária é que afirma que a interpretação dada pelo Tribunal recorrido ao disposto no artigo 1248.º do Código Civil padece igualmente de inconstitucionalidade, sendo que esta só poderia ter sido alegada já perante o Tribunal Constitucional.
Todavia, independentemente de não ser exato que a questão não pudesse ter sido alegada perante o Tribunal recorrido em resposta às alegações da então recorrente CGA – nas quais se referiu que o acordo transacional ressarcia todos os danos decorrentes do acidente –, a verdade é que o recorrente não incluiu tal matéria no recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional e, como tal, dela não se podia ter conhecido.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 9 de março de 2012. – J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.