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Processo n.º 873/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e outros e recorridos B. e outra, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 8 de junho de 2011 e do acórdão de 10 de novembro de 2011.
2. Pela Decisão Sumária n.º 18/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«1. De acordo com o disposto no artigo 70.º, n.ºs 2 e 3, da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 deste artigo apenas cabe de decisões que não admitam recurso ordinário, sendo equiparadas a recursos ordinários as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.
Este requisito do esgotamento dos meios impugnatórios não pode dar-se por verificado nos presentes autos no que se refere ao despacho de 8 de junho de 2011, o que obsta ao conhecimento do objeto do recurso interposto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
O despacho de não admissão do recurso de revista era ainda passível de reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, meio impugnatório de que os recorrentes se socorreram.
2. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que não se pode dar por verificado nos presentes autos, o que obsta ao conhecimento do objeto do recurso interposto do acórdão de 10 de novembro de 2011.
O recorrente pretende a apreciação de norma do artigo 1352.º, n.º 1, do Código Civil.
Sucede, porém, que o tribunal recorrido não aplicou, como razão de decidir, qualquer norma reportada a este preceito legal, que dispõe sobre obras defensivas das águas. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu apenas se o recurso de revista interposto pelos recorrentes era admissível com fundamento em violação de caso julgado.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).»
3. Da decisão sumária vêm agora os recorrentes reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando os seguintes argumentos:
«(…) dá aqui por integralmente reproduzido o requerimento de interposição de recurso já apresentado, no qual suscita:
a) A inconstitucionalidade da interpretação implicitamente dada ao artigo 1352º n.º 1 do Código Civil, no sentido de que o dono do prédio onde existam obras defensivas para conter as águas é obrigado a fazer os reparos precisos, mesmo que não seja responsável por qualquer desvio artificial das águas;
b) A inconstitucionalidade da interpretação dada implicitamente pela sentença da 1ª Instância, que as demais instâncias confirmaram, ao artigo 802º do Código de Processo Civil, no sentido de que é admissível executar a sentença, independentemente de prévia definição das ações a empreender, mesmo que a condenação não seja certa, nem líquida, face ao título.
As citadas interpretações violam não apenas o caso julgado formado pela decisão exequenda, que apenas condena em ações indefinidas, como os artigos 20º (acesso a tutela jurisdicional efetiva), 22º (responsabilidade de entidades públicas por ações ou omissões), 161º alínea c) (violação de lei aprovada pela Assembleia da República).
Ao vindo de expor acresce que os dois fundamentos invocados pela Exma. Relatora no sentido da rejeição liminar do recurso resultam, ao ver dos recorrentes, de manifesto equívoco, já que:
a) Não é exato que não tenham sido esgotados os meios impugnatórios, uma vez que o despacho de não admissão de recurso de revista foi objeto de reclamação para a conferência, que produziu Acórdão definitivo, mantendo a decisão do relator, contra o suposto na afirmação daquele douto despacho, segundo o qual “o despacho de não admissão de recurso de revista era ainda passível de reclamação para a conferência”;
b) Não é exato haver disparidade entre o objeto de recurso para o Tribunal Constitucional (a apreciação da aplicação implícita dada pelas instâncias ao artigo 1352º n.º 1 do Código Civil) e a decisão do Supremo, pela razão de este último Tribunal ter decidido que o recurso não era admissível por violação de caso julgado, pois a violação do caso julgado consistiu, ao ver dos recorrentes, precisamente no facto de ter sido admitida a execução de uma sentença sem condenação em ações efetivas, por aplicação, ao menos implícita, daquela norma do artigo 1352º do Código Civil.
Termos em que muito respeitosamente requerem seja admitida a reclamação, com a consequência de se julgar que o recuso interposto é admissível.»
4. Notificados, os recorridos não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O Tribunal decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto do despacho do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2011, por não se poder dar como verificado o requisito do esgotamento dos meios impugnatórios (artigo 70.º, n.ºs 2 e 3, da LTC); bem como do recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de novembro de 2011, por o tribunal recorrido não ter aplicado, como ratio decidendi, norma reportada ao artigo 1352.º, n.º 1, do Código Civil (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
Face ao conteúdo da presente reclamação, importa começar por esclarecer que do requerimento de interposição de recurso não consta qualquer pedido de apreciação de norma reportada ao artigo 802.º do Código de Processo Civil (cf. fl. 181 e s.).
2. No que se refere àquele despacho, os reclamantes vêm agora sustentar que foram esgotados os meios impugnatórios, uma vez que até reclamaram para a conferência.
O argumento não procede porquanto a decisão de não tomar conhecimento do recurso quanto ao despacho de 8 de junho 2011, não se ficou a dever à ausência de impugnação do mesmo, mas tão só à circunstância de tal despacho não configurar uma decisão definitiva do tribunal recorrido, na aceção dos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º da LTC. Há que confirmar, por isso, nesta parte, a decisão reclamada.
3. Relativamente ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de novembro de 2011, argumentam agora os reclamantes que não há disparidade entre a norma que constitui o objeto de recurso para o Tribunal Constitucional e aquela que foi aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça, “pela razão de este último Tribunal ter decidido que o recurso não era admissível por violação de caso julgado, pois a violação do caso julgado consistiu, ao ver dos recorrentes, precisamente no facto de ter sido admitida a execução de uma sentença sem condenação em ações efetivas, por aplicação, ao menos implícita, daquela norma do artigo 1352.º do Código Civil”.
Não assiste razão aos reclamantes, justificando-se, também nesta parte, a confirmação da decisão que é objeto da presente reclamação. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça limitou-se a averiguar se havia “qualquer violação de caso julgado, nomeadamente o formado pela decisão exequenda”, por referência ao artigo 494.º do Código de Processo Civil, tendo em vista a admissibilidade do recurso de revista (fl. 175 e s.). Não tendo aplicado como razão de decidir, sequer implicitamente, qualquer norma de direito substantivo atinente a obras defensivas das águas.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 15 de fevereiro de 2012.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.