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Processo n.º 555/11
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos, vindos da Comarca do Baixo Vouga – Ovar – Juízo de Instância Criminal, o aqui reclamante, A., veio interpor recurso do despacho, proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), datado de 23 de dezembro de 2010, ao abrigo da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso de constitucionalidade, considerando-o intempestivo, por ter sido interposto após o prazo de dez dias previsto no artigo 75.º, n.º 1, da LTC, contado a partir do momento em que se tornou definitiva a decisão de 27 de janeiro de 2011, que não admitiu o recurso ordinário interposto do despacho de 23 de dezembro de 2010.
É desta decisão, datada de 18 de maio de 2011, que o recorrente presentemente reclama, apresentando as seguintes conclusões:
“I. O recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido;
II. Mas ao contrário da fundamentação apresentada, o recurso não é extemporâneo, nos termos do artigo 75° da LTC;
III. O Recorrente dirigiu uma reclamação pela não admissão de recurso de um despacho proferido pelo Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para o Pleno das Secções Criminais do STJ;
IV. Essa reclamação mereceu um despacho do próprio Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que não tinha competência legal para o efeito, nem tal era admissível;
V. O Recorrente tentando enquadrar tal conduta em mero lapso e não em denegação de justiça, suscitou nulidades e demais vícios do despacho que não admitiu a reclamação;
VI. Logo, só após a decisão sobre as suscitadas nulidades do despacho que não admitiu a reclamação, é que a mesma poderia se considerar definitiva, nos termos do disposto no n°4 do artigo 425° do CPP;
VII. Mais, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 406° do CPP, a decisão do presidente do tribunal superior é definitiva, quando confirmar o despacho de indeferimento, e não como defende a decisão reclamada após decisão do tribunal recorrido;
VIII. Pelo exposto, o recurso foi atempadamente apresentado pelo Recorrente;
IX. A não admissão do recurso viola, nomeadamente, o disposto nos artigos 69°, 401°, 406°, 425º do CPP e os artigos 2°, 13°, 18°, 20°, 202° a 205°, 209° e 210° da CRP;
Pelo que deve DETERMINAR-SE A ADMISSÃO DO PRESENTE RECURSO INTERPOSTO, PARA APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.”
2. O Ministério Público, no Tribunal Constitucional, defendeu o indeferimento da reclamação, aderindo à fundamentação aduzida no despacho reclamado.
Referiu, nesta sequência, – remetendo para o referido despacho – que, atenta a natureza processualmente não admissível da peça processual apresentada pelo assistente, aqui reclamante, em 9 de março de 2011, a decisão final, relativamente à interposição de recurso do despacho de 23 de dezembro de 2010, foi o despacho de 24 de fevereiro, tendo, deste modo, a decisão recorrida transitado em 14 de março de 2011, ou seja, em data muito anterior à da entrada em Juízo do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Nestes termos, relembrando que constitui jurisprudência assente deste Tribunal Constitucional que um incidente processual anómalo – como o verificado – não tem a virtualidade de suspender ou interromper o prazo de impugnação de decisões judiciais, concluiu pela justeza da decisão reclamada e consequente indeferimento da reclamação.
O Reclamante foi notificado para se pronunciar sobre a possibilidade de a reclamação não ser deferida por a norma indicada não ser ratio decidendi, por falta de suscitação prévia, ou por não ser questionado ou devidamente delimitado um verdadeiro critério normativo, não havendo sido identificado com rigor o objeto do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentos
3. Para apreciar os fundamentos da reclamação e da decisão sobre a qual a mesma recai, torna-se necessário reconstituir a tramitação processual plasmada nos autos, o que passamos a fazer:
Com data de 23 de dezembro de 2010, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu o seguinte despacho:
“Os produtos enviados para apreciação pelo Excelentíssimo Juiz de Instrução Criminal de Aveiro são o resultado da interceção de comunicações (interceções telefónicas e sms) em que intervém o Senhor Primeiro-Ministro.
Vários desses produtos são aliás cópias replicadas de interceções que tinham sido apreciadas juridicamente pelo Presidente do S.T.J.
Na opinião expressa do Senhor Juiz de Instrução Criminal de Aveiro “as aludidas comunicações não apresentam qualquer interesse, remoto que seja, para os presentes autos”.
Uma vez que, controlados um a um todos eles, se confirma que tais produtos são inteiramente estranhos à investigação dos autos a que se referem, aplica-se-lhes o regime fixado no artigo 188, n.°6 do C.P.P.
Deste modo, retomando os fundamentos do despacho de 26 de janeiro de 2010 e de 18 de junho de 2010, ordeno a sua destruição imediata, nos termos do artigo 188, n.°6, al. c), do C.P.P.”
Por tal despacho conter uma remissão integrativa para os despachos de 26 de janeiro e de 18 de junho de 2010, transcrevem-se igualmente os mesmos:
“1. O Senhor Procurador-Geral da República remeteu uma certidão, extraída do inquérito n° 326/08.IJAAVR, da comarca do Baixo Vouga, para ser apreciada a interceção, no âmbito de diligências determinadas naquele inquérito, de uma conversação telefónica em que interveio o Primeiro-Ministro.
Trata-se, de acordo com o que refere o despacho do Senhor Procurador-Geral, de uma comunicação que constitui o produto …, relativo ao alvo …, que ocorreu no dia 6 de agosto de 2009, pelas 11 h e 48 m, e que, segundo os investigadores, foi iniciada por Armando Vara como um tal “Carlos”, que passou o telefone a uma terceira pessoa, que veio a ser identificada como sendo o Primeiro-Ministro.
Tendo-se verificado que na referida conversação intervinha o Primeiro-Ministro, o Senhor Procurador-Geral considera que a respetiva transcrição dependia de autorização do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que não ocorreu, com a consequente nulidade dos atos relativos à gravação e transcrição da conversação — artigos 187°, nºs. 1, 2 e 8 e 188°, 11º, n° 2, alínea b) e 190° do CPP.
2. Nos despachos de 3 de setembro e de 27 de novembro, proferidos sobre requerimentos do Senhor Procurador-Geral, no uso da competência definida no artigo 11º, n° 2, alínea b) do CPP, foi já apreciada a regularidade de comunicações telefónicas em que intervinha o Primeiro-Ministro.
A comunicação que vem agora referida, intercetada, gravada e objeto de relatório a que se refere o artigo 188°, n° 1 do CPP, em condições idênticas às que foram apreciadas nos referidos despachos, terá de ser objeto de solução idêntica.
O Senhor Procurador-Geral não considera que o conteúdo do produto 191 possa ter alguma relação com a matéria investigada no processo de onde foi extraída a certidão, ou que possa constituir conhecimento fortuito nos termos do artigo 187°, n° 7 CPP.
O conteúdo de tal produto cabe, assim, no âmbito do artigo 188°, n° 6, alínea c) do CPP, uma vez que a gravação da conversação, e a indicação de passagens no relatório elaborado, de conteúdo estranho ao processo, afetam direitos e liberdades das pessoas envolvidas, nomeadamente o direito fundamental à palavra e à autodeterminação informacional.
Os respetivos suportes técnicos e os relatórios da conversação que constituem o produto 191 devem, assim, ser destruídos, como determina o artigo 188° n°6 do CPP.
3-Nestes termos, determino a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios que constituem o produto 191 - art. 188° n° 6, alínea c) do CPP.”
**
“Os produtos enviados para apreciação são o resultado da interceção de duas comunicações (sms) em que intervém o Primeiro-Ministro.
O juiz de instrução envia os produtos para apreciação, referindo, contudo, que “não têm qualquer interesse para a investigação em curso”.
Refere, também, que foram conservados “em conformidade com o preceituado no artigo 188, n° 12 CPP”.
Porque tais elementos são inteiramente estranhos à investigação em que foram intercetados, como resulta do seu próprio conteúdo, aplica-se-lhes o regime fixado no art. 188, n°6 CPP.
Deste modo e retomando os fundamentos do despacho de 26 de janeiro de 2010, para situação idêntica, ordeno a sua “destruição imediata”, nos termos do art. 188, n°6, alínea c) CPP. ”
Inconformado, o assistente – aqui, reclamante – interpôs recurso do referido despacho de 23 de dezembro de 2010, para as Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça.
Por despacho de 27 de janeiro de 2011, proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tal recurso não foi admitido, nos seguintes termos:
“Não recebo o recurso interposto pelo assistente A. pelos motivos seguintes:
1.º) tal recurso foi interposto na sequencia do despacho proferido em 28/12/2010 pelo Senhor Juiz do T.C.I.C. que mandava notificar aos intervenientes processuais o despacho proferido por mim em 23/12/2010;
2.º) o despacho do Senhor Juiz do T.C.I.C. foi declarado nulo por incompetência material, por despacho por mim proferido em 27/1/11 já que — à face da lei — àquele magistrado não cabiam poderes legais para determinar a notificação de um despacho que o presidente do S.T.J. não mandara notificar;
3.º) daí que não caiba recurso de despacho não notificável e de quem, por isso, é parte ilegítima para o interpor;
4.º) nunca — de qualquer forma - caberia recurso, neste caso, para as Secções Criminais do S.T.J.;
5.º) por último, e a latere, dir-se-á que não cabe recurso de qualquer despacho do M.ºP.º (maxime do PGR) porque não estamos perante um ato jurisdicional.
Notifique. ”
O assistente apresentou, então, requerimento de arguição de irregularidades, concluindo pela invalidade do referido despacho de não admissão.
Igualmente, reclamou, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal, para o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, do despacho de não admissão do recurso.
Por despacho de 24 de fevereiro de 2011, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a arguição de irregularidades, nos seguintes moldes:
“O assistente, A., vem arguir irregularidades do despacho por nós proferido em 27/1/11 invocando basicamente o seguinte:
a) concorda com o despacho proferido pelo sr. juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (T.C.I.C.) que dá por reproduzido (e de que, aliás, não tínhamos conhecimento sequer);
b) o recurso do assistente foi interposto depois de notificado pelo sr. juiz do T.C.I.C. em obediência ao principio do contraditório e refere-se ao nosso despacho de 23/12/10;
c) a não se admitir o recurso (como não foi por nós) viola-se o princípio do contraditório.
Pede a declaração de invalidade do nosso despacho.
(…)
A competência para validar ou não as escutas em que intervenham (expressão legal) o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro, pertence exclusivamente ao presidente do S.T.J. após a reforma de 2007 (feita na sequência do Pacto para a Justiça) e que foi aprovada parlamentarmente.
Neste processo, o presidente do ST.J. recebeu – desde 5/agosto/2009 até fins de novembro/2010, ou seja no espaço de quase um ano e 4 meses — seis tranches de escutas (…)
Todas essas escutas tiveram lugar na fase de inquérito, ou seja, antes da abertura da instrução a cargo do sr. juiz do T.C.I.C.; significa isto, pois, que tais escutas foram recolhidas numa fase onde não vigorava o princípio do contraditório.
Num terceiro nível, estão as escutas “manifestamente estranhas ao processo” (n.º 6 do art.° 188) e cuja divulgação viola direitos fundamentais do cidadão.
Estas são destruídas de imediato sem serem sequer acedidas seja por quem for.
No caso, tratando-se de escutas do P.M., só o presidente do S.T.J. poderia decidir sobre elas porque só ele (e não o sr. juiz do T.CJ.C.) tinha competência material para as apreciar e decidir do seu destino.
Nos meus despachos de 23/12/10 e 27/1/11 ficou bem claro que se tratava de interceções de comunicações que envolviam aquilo que constituem manifestações de liberdade pessoal no convívio social, envolvendo diálogos ou sms de índole pessoal, alguns entrando mesmo na esfera mais íntima do domínio reservado da vida pessoal.
Nenhuma dessas escutas se reportava (como aliás o sr. juiz de instrução de Aveiro bem sublinhou) à matéria sob investigação; logo, estamos perante escutas que, nos termos do n.° 6 do art. 188, devem ser destruídas de imediato.
Quem tinha competência para ordenar ou não a destruição de escutas era o presidente do S.T.J; quem tinha competência para decidir se elas deviam ou não ser acedidas por alguém era o presidente do S.T.J.; quem tinha competência para ordenar ou não ordenar a notificação do seu despacho era o presidente do S.T.J..
Ao mandar notificar um despacho fora da sua competência, o sr. juiz do T.C.I.C. cometeu um ato totalmente nulo; e daí que o presidente do S.T.J. tenha declarado a nulidade daquele despacho na parte que excede a competência do sr. juiz de 1.ª instância.
Ao vir agora o assistente arguir nulidades de um despacho que nunca lhe deveria ter sido notificado — porque foi notificado na base de um ato nulo — elas não só não podem ser conhecidas pelas razões constantes dos nossos anteriores despachos datados de 18/03/10 e 20/05/10 (falta de legitimidade e de interesse em agir) como também por força deste princípio comezinho: arguem-se aqui nulidades que não podem ser arguidas porque o que lhe subjaz é um zero jurídico.
Daí que, também por isso, se recusa o conhecimento da irregularidade invocada.
(…)
Termos em que:
a) se indefere a arguição de irregularidades do assistente A..”
Quanto à reclamação, por despacho do mesmo dia 24 de fevereiro de 2011, referiu o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça:
“ 1. A. vem, nos termos do art. 405º do CPP, reclamar do despacho de 27/1/2011 que não admitiu o recurso que interpôs do despacho de 23/Dez/2010.
Dirige a reclamação aos “Juízes Conselheiros do Pleno das Secções Criminais”.
2. O requerimento insiste na reposição processual de questão já definitivamente decidida no processo.
Com efeito, e como foi recordado no despacho de 27/1/2011 de que pretende reclamar, foi expressamente decidido por despacho de 15/4/2010, transitado em julgado, que o requerente não tem, como assistente, interesse em agir, relativamente às matérias objeto do despacho de 23/Dez/2010, que lhe são completamente estranhas tanto pessoal, como material, jurídica e processualmente.
O despacho que considerou não existir este pressuposto processual – o interesse em agir (…) – transitado em julgado, resolveu definitivamente no processo a questão sobre a verificação de um dos pressupostos essenciais sobre a existência do direito do assistente à reclamação ou ao recurso com o objeto identificado pelo requerente.
A falta de interesse em agir, definitivamente reconhecida com o trânsito em julgado do despacho de 15/4/2010 é prévia e prejudica toda a restante invocação do requerente.
Não se toma, consequentemente, posição sobre as questões que enuncia – competência e constitucionalidade.
Saliente-se, no entanto, que o meio processual previsto no artigo 405° do CPP supõe uma decisão de não admissão de recurso em tribunal inferior, e é dirigida ao presidente do tribunal superior; o art.º 405 do C.P.P., define a exclusiva competência para decidir a reclamação.
A intervenção processual que o assistente denomina “Reclamação”, com a configuração que apresenta, invocando o art. 405º do CPP, não está prevista nesta disposição, nem é admitida por qualquer outra norma processual, - além de não integrar manifestamente a competência do Pleno das Secções Criminais, nos termos do art. 11.º, n.º 3 do CPP.
E não existe meio processual que envolva a atribuição de competências que não estejam previstas na lei.
De todo o modo, salientar-se-á também que toda a argumentação sobre (in)constitucionalidade parte de evidentes equívocos: o art. 20º da CRP garante o direito ao juiz, mas não o direito ao recurso; e o direito ao recurso como imposição constitucional, está apenas garantido no art. 32º, nº 1 como direito de defesa do arguido, não sendo garantia aplicável ao assistente.”
Notificado de tais despachos, o assistente reagiu de duas formas.
Por um lado, quanto ao despacho relativo às irregularidades, apresentou requerimento, arguindo a nulidade da decisão, “por omissão de pronúncia sobre questões suscitadas”, nos seguintes termos:
“A., Assistente/Recorrente nos autos supra mencionados, notificado através da sua mandatária, da decisão proferida sobre a arguição de irregularidades, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1 - Foi remetido a V. Exa. um requerimento em que o Assistente/Recorrente suscitou diversas irregularidades, cujo teor aqui se dá por reproduzido e que culminou:
Que por inobservância da lei — artigos 161º a 166° do CPC por remissão do artigo 4° do CPP, artigos 411°, 413° e 414º do CPP -, tinha sido violado o princípio da legalidade, o que constituía diversas irregularidades graves e relevantes que se deixaram arguidas para todos os efeitos legais, nos termos conjugados do disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 118° e artigo 123° ambos do CPP, devendo as mesmas serem declaradas por V. Exa. e, em consequência, declarado inválido o despacho proferido e ordenado o cumprimento dos pressupostos legais invocados.
2 - Salvo o devido respeito que é muito e V. Exa. bem o merece, a decisão proferida constituída por 19 folhas, não se pronunciou sobre qualquer uma das diversas irregularidades suscitadas.
3 - Isto é, a decisão em causa em vez de se pronunciar sobre as irregularidades, limitou-se a tecer considerações laterais dirigidas a diversas pessoas singulares com provas dadas de sapiência que só alguns iluminados são detentores e/ou titulares de órgãos de soberania, cujo teor não se comenta por falta de palavras à altura da prosa de V. Exa.
4 - A falta de conhecimento e decisão sobre as irregularidades suscitadas, só pode resultar de um manifesto lapso que urge reparar.
5 - Uma vez que todos os atos decisórios dos juízes devem ser sempre fundamentados de facto e de direito, nos termos do n.° 5 do artigo 97.º do CPP, aguarda-se a decisão sobre as irregularidades.
6 - Para que dúvidas não existam, o Recorrente reitera que alegou as seguintes irregularidades:
a) A falta de criação de processo próprio, com folhas rubricadas e numeradas;
b) A falta de notificação do recurso apresentado aos demais sujeitos processuais, incluindo o MP;
c) A falta do decurso do prazo para as respostas ao recurso, que são de 20 dias, para então se proferir despacho nos termos do n° 2 do artigo 414° do CPP;
7 - A decisão proferida não se pronunciou sobre qualquer uma das irregularidades suscitadas, sendo que o Recorrente a tal tinha direito nos termos da lei.
8- Pelo exposto, a decisão em causa padece de nulidade, por omissão de pronúncia sobre questões suscitadas pelo Recorrente, nos termos do disposto na alínea c) do n° 1 do artigo 379.º do CPP, aplicado extensivamente.
Nestes termos, deverá V. Exa. conhecer da nulidade suscitada e pronunciar-se fundamentadamente sobre cada uma das irregularidades suscitadas.”
Por outro lado, dirigindo-se ao Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, requereu o assistente a declaração de inexistência da decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – que não admitiu a reclamação, apresentada nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal – e o seu desentranhamento, bem como a apreciação da reclamação apresentada.
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 1 de abril de 2011, ordenou o desentranhamento deste último requerimento, nos seguintes termos:
“1. Em intervenção processual que dirige ao “Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça”, o assistente requer que se declare «inexistente» a decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça [que não admitiu uma “Reclamação” dirigida ao Pleno das Secções Criminais, contra o despacho que não admitiu um recurso], e o seu «desentranhamento por ilegal ou qualquer outro vício que julguem adequado».
Requer também que o Pleno «aprecie a Reclamação que lhe foi dirigida».
2. É regra geral da ordenação processual que qualquer requerimento de pretensão impugnatória (reclamação ou recurso dirigido a um órgão ad quem) é apresentado junto do órgão ou entidade que proferiu a decisão impugnada, que tem de se pronunciar sobre a aceitação ou o recebimento da petição.
É, pois, a entidade a quo que primeiramente profere a decisão sobre a admissibilidade e sobre a sequência processual da petição - artigos 405°, n° 1 e 414°, n° 1 do CPP e artigos 684°-B, n° 1 e 685°-C, n°s 1 e 2 do CPC e 4° do CPP.
De acordo com as normas elementares sobre a competência para a aceitação e para decidir sobre a admissibilidade da reclamação, foi proferido o despacho de 24 de fevereiro.
O «papel» agora apresentado é, por isso, processualmente inadmissível, manifestamente anómalo e despropositado e desinserido de um procedimento.
Desentranhe, pois, e devolva ao requerente.
(…)”
No tocante à arguição de irregularidades, por despacho de 1 de abril de 2011, decidiu o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos moldes seguintes:
“1. O assistente vem invocar omissão de pronúncia sobre irregularidades «graves e relevantes» que suscitou, e que não teriam sido apreciadas no despacho de 24 de fevereiro de 2011.
As «irregularidades» alegadas seriam as seguintes (ponto 6 de requerimento):
a) A falta de criação de processo próprio, com folhas rubricadas e numeradas;
b) A falta de notificação do recurso apresentado aos demais sujeitos processuais, incluindo o MP;
c) A falta do decurso do prazo para as respostas ao recurso, que são de 20 dias, para então se proferir despacho nos termos do n°2 do artigo 414° do CPP.
2. O assistente, tenha os direitos que tiver no conteúdo estatutário da sua condição de sujeito processual, só pode atuar processualmente quanto a matérias em que tenha legitimidade e interesse em agir.
Como já foi por várias vezes referido em despachos anteriores, o assistente não tem interesse em agir relativamente às questões específicas e delimitadas decididas no âmbito da competência prevista no artigo 11º, nº 2, alínea b) do CPP, que se referem a matéria que lhe é completamente estranha, tanto pessoal, como material e processualmente.
3. De todo o modo, o que designa como «irregularidades» nas alíneas b) e c) do ponto 6 do requerimento, mesmo se por mera hipótese existissem, não poderiam ser arguidas pelo assistente, mas apenas por quem tivesse legitimidade, que no caso resulta diretamente da lei. A comunicação a que se refere o artigo 413°, n° 1 do CPP, (e o não decurso do prazo do artigo 414°, nº 2), que o assistente diz em falta, seria aos «sujeitos processuais afetados pela interposição do recurso», que não é, manifestamente, o caso do assistente quanto do próprio recurso que interpôs.
O assistente não tem legitimidade para a arguição.
4. O assistente invoca também a «irregularidade» que consistiria na «falta de criação de processo próprio, com folhas rubricadas e numeradas».
É alegação que revela absoluto despropósito e uso desviante da intervenção processual.
Como foi referido, o suporte físico do procedimento constitui uma extensão do processo, integrando-o, organizada para o exercício específico da competência prevista no artigo 11º, nº 2, alínea b) do CPP, com toda a regularidade adequada ao exercício de tal competência - tudo em moldes conforme com a amplitude instrumental permitida pelo artigo 268°, n° 1, alínea f) e n° 4 do CPP.
Improcede a arguição.
(…)”
Em 14 de abril de 2011, o assistente interpôs recurso da decisão de 23 de dezembro de 2010, para o Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
“A., Assistente nos autos supra mencionados, vem ao abrigo do artigo 280.° n.° 1 alínea b) da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 70.° n.° 1 alínea b), 72.° n.º 1 alínea b) e n.º 2, 75.º e 75.°-A todos da Lei 28/82 de 15 de novembro, RECORRER PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da decisão proferida por V. Exa. a 23 de dezembro de 2010, que se pronunciou sobre uma certidão com 3 duplicações de produtos de voz já anteriormente remetidos, 2 novos produtos de voz e 26 novos produtos de SMS de ou para o Arguido Armando Vara, em que intervieram acidentalmente o Sr. Primeiro-Ministro, da qual se recorreu atempadamente e tem sido sucessivamente objeto de reclamação, requerimentos e de despachos, o último dos quais proferido por V. Exa. a 1 de abril de 2011 e notificado a 4, que por terem sido feitas interpretações inconstitucionais, as quais por serem inúmeras melhor se concretizam infra, dos artigos 11 n.º 2 alínea b), 33.º, 69.° n.° 2 alínea c), 188.° n.°s 6 a 12, e 190.° todos do Código de Processo Penal, violaram os artigos 2.°, 13.°, 18.°, 20.°, 32.°, 202.°, 203.° e 210.° da CRP e 6.° da CEDH.
Isto é, o despacho recorrido fez:
Interpretação inconstitucional da alínea c) do n° 2 do artigo 69° do CPP, ao considerar que o Assistente não tinha legitimidade para recorrer, pese embora o despacho lhe ser desfavorável e o afetar, em violação do disposto nos artigos 20° e 32° da CRP e artigo 6º da CEDH (e não se diga que esta matéria foi objeto de decisão transitada em julgado, porque o despacho, os factos e a fase processual são diferentes, sob pena de também assim se cair na mesma interpretação inconstitucional em violação dos mesmos dispositivos legais);
Interpretação inconstitucional dos nºs 6, 7, 9 a 12 do artigo 188.º e 190.º do CPP, em clara violação do artigo 32.º n.ºs 1, 5 e 9 da CRP, ao considerar não ser necessário, em fase de instrução, dar conhecimento prévio ao Assistente e aos Arguidos do teor dos produtos cuja destruição foi ordenada, não lhes permitindo em consequência, exercer o contraditório e/ou o direito previsto no n.º 7 do artigo 188.º do CPP;
Interpretação inconstitucional do artigo 11.º n.º 2 alínea b) do CPP, ao considerar que uma decisão tomada ao abrigo desta competência não é suscetível de recurso, em violação do disposto artigos 2º, 13º, 18º, 20º, 32º, 202º, 203º e 210º todos da CRP;
Interpretação inconstitucional dos artigos 11.° n.º 2 alínea b) e 188º nºs 6, 7, 8 a 12º do CPP, ao considerar que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça para além das competências enumeradas - para autorizar a interceção, a gravação e a transcrição de conversações em que intervenham o primeiro-ministro - as pode estender às de declarar o que tem ou não relevância para um processo judicial em que aliás não intervêm e poder por isso determinar a destruição dos suportes técnicos em causa, sem permitir previamente depois de proferido despacho de acusação, que os sujeitos processuais examinem os mesmos suportes até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, em evidente violação do disposto nos artigos 2º, 13º, 18º, 20º, 32º, 202º, 203º e 210º todos da CRP;
Interpretação inconstitucional dos artigos 11.º n.º 2 alínea b) e 188.º n.ºs 6, 8 a 12º do CPP, ao considerar que os despachos proferidos ao abrigo dessa competência especial não são notificáveis, nem passíveis de recurso, em evidente violação do disposto nos artigos 2º, 13º, 18º, 20º, 32º, 202º, 203º e 210º todos da CRP;
Interpretação inconstitucional do artigo 33º do CPP, ao considerar que o envio para um Tribunal incompetente compromete o conhecimento de um recurso, sem remessa para o eventualmente competente, em violação do disposto nos artigos 2º, 18º, 20º, 32º, 202º, 203º e 210º todos da CRP;
Todas as questões supra enumeradas foram suscitadas pelo Recorrente durante a fase de inquérito, no recurso, no requerimento em que suscitou irregularidades, na reclamação pela não admissão de recurso, no requerimento a solicitar resposta concreta às irregularidades suscitadas, no requerimento a suscitar a inexistência de despacho proferido por quem detinha competência para tanto.
O presente recurso é apresentado, porque o Recorrente considera, legitimamente, ser esse um direito que lhe assiste. Isto porque, o artigo 20º da CRP consagra o direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva, para uma garantia imprescindível da proteção dos direitos fundamentais, inerente ao conceito de Estado de Direito. Sendo inclusivamente um corolário do monopólio da solução de conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimação pública e da proibição da autodefesa. O princípio da efetividade exige, por isso, a existência de tipos de ações e recursos adequados.
Até porque, a doutrina da “Segunda Instância em Matéria Penal” encontra-se expressamente consagrada no nº 5 do artigo l4º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e também no nº 1 do artigo 32º da CRP, desde a Lei Constitucional nº 1/97.
Sentido aliás defendido por acórdãos do Tribunal Constitucional, nomeadamente, os nºs 210/86 e 8/87.
Por outro lado, o artigo 32º da CRP consagra os princípios materiais do processo criminal, sendo frequentemente denominado como a “constituição processual criminal”. O direito ao recurso previsto no nº 1 deste preceito legal traduz-se na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito, quer quanto à matéria de facto. Este direito é aliás uma garantia imprescindível dos direitos fundamentais. O duplo grau de jurisdição é assim tido como direito integrante do núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas.”
Em 18 de maio de 2011, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso de constitucionalidade, proferindo despacho do seguinte teor:
“1. A., assistente, vem em requerimento de 15 de abril de 2011, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho de 23 de dezembro de 2010.
Do despacho de 23 de dezembro de 2010 foi interposto recurso pelo assistente, que não foi admitido por despacho de 27 de janeiro de 2011.
Deste despacho de não admissão reclamou o assistente em 15 de fevereiro de 2011, nos termos do artigo 405° do CPP, mas a Reclamação não foi recebida por impossibilidade legal de Reclamação prevista no artigo 405° do CPP, tal como foi referido no despacho de 24 de fevereiro de 2001, proferido sobre o requerimento do assistente.
Em 9 de março de 2011, o assistente dirigiu um requerimento (ao Pleno da Secções Criminais do STJ), processualmente não previsto e, consequentemente, não admissível, que, por não previsto e, por isso, desinserido de um procedimento, foi mandado desentranhar (despacho de 1 de abril de 2011).
Deste modo, e dada a natureza processualmente não admissível da referida intervenção de assistente de 9 de março de 2011, que foi mandada desentranhar, a decisão final relativamente à interposição de recurso do despacho de 23 de dezembro de 2010, foi o despacho de 24 de fevereiro referido.
Pelo tempo decorrido após a notificação deste despacho, conjuntamente com a natureza não prestável e processualmente irrelevante do requerimento de 9 de março de 2011, o despacho de 23 de dezembro de 2010 transitou em 14 de março de 2011 (despacho de 24 de fevereiro; carta expedida em 25 de fevereiro de 2011).
2. Deste modo, está ultrapassado o prazo de dez dias previsto no artigo 75º, n° 1, da Lei n° 28/82, de 15 de novembro, contado, nos termos do nº 2, a partir do momento em que ficou definitiva a decisão de 24 fevereiro de 2011, que não admitiu recurso ordinário interposto do despacho de 23 de dezembro de 2010.
Assim, por intempestivo, não admito o recuso interposto para o Tribunal Constitucional. ”
4. Nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LTC, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias e interrompe os prazos de interposição de outros que porventura caibam da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção.
O n.º 2 do mesmo normativo estabelece, porém, uma prorrogação, aplicável aos casos em que o recorrente interpôs recurso ordinário, cuja admissibilidade vem a ser recusada, com fundamento em irrecorribilidade da decisão. Nessas situações, o prazo de interposição do recurso de constitucionalidade conta-se a partir do momento em que se torne definitiva a decisão que não admitiu o recurso.
A referida prorrogação não tem, porém, lugar quando a parte acione um meio impugnatório manifestamente inexistente no ordenamento jurídico, anómalo e, como tal, inidóneo para obstar ao trânsito em julgado da decisão proferida.
“A anomalia do ato tem de referir-se, não ao fundamento em que assenta, mas à relação em que esteja com a estrutura ou tramitação do processo” (cfr. J. Alberto dos Reis, in R.L.J., ano 85, p 188).
O Tribunal Constitucional tem entendido que, além da utilização dos meios impugnatórios manifestamente inexistentes no ordenamento processual, igualmente não opera qualquer prorrogação do prazo de interposição do recurso de constitucionalidade a circunstância de o recorrente deduzir falsos incidentes pós-decisórios ou reiteração de pretensões já anteriormente rejeitadas por decisões definitivas.
Tal entendimento assenta no dever de os tribunais obstarem a um uso anormal do processo, garantindo que as manobras dilatórias das partes ou a utilização de meios processuais manifestamente desadequados não causam protelamento indevido ou desvio à tramitação normal dos autos.
É com base neste entendimento que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça profere a decisão reclamada, considerando que a decisão de não admissão do recurso se tornou definitiva com o despacho proferido em 24 de fevereiro de 2011.
Os incidentes processuais subsequentes não foram julgados idóneos a operar a prorrogação do prazo do recurso de constitucionalidade, razão que motivou o indeferimento do mesmo.
5. Vejamos, então, se tais incidentes se podem qualificar como manifestamente inidóneos face à tramitação processual prevista na lei, uma vez que é ao Tribunal Constitucional que incumbe, em última instância, tal apreciação, para efeito de sindicância da tempestividade do recurso interposto.
Em 24 de fevereiro de 2011 o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu dois despachos, relativamente a pretensões apresentadas pelo aqui reclamante.
Notificado de tais decisões, o reclamante veio reagir de duas formas:
Por um lado, invocou a nulidade do despacho proferido sobre a arguição de irregularidades, com base em omissão de pronúncia, alegando que a decisão não se pronunciou sobre cada uma das irregularidades suscitadas.
Por outro lado, em requerimento dirigido ao Pleno das Secções Criminais, peticionou a declaração de inexistência da decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu a reclamação, e o respetivo desentranhamento.
6. No tocante à arguição de nulidade, por despacho de 1 de abril de 2011, refere o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça:
“(…) O assistente, tenha os direitos que tiver no conteúdo estatutário da sua condição de sujeito processual, só pode atuar processualmente quanto a matérias em que tenha legitimidade e interesse em agir.
Como já foi por várias vezes referido em despachos anteriores, o assistente não tem interesse em agir relativamente às questões específicas e delimitadas no âmbito da competência prevista no artigo 11º, nº 2, alínea b) do CPP, que se referem a matéria que lhe é completamente estranha, tanto pessoal, como material e processualmente.”
Reitera, desta forma, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça o sentido da decisão que já havia proferido:
“Quem tinha competência para ordenar ou não a destruição de escutas era o presidente do S.T.J; quem tinha competência para decidir se elas deviam ou não ser acedidas por alguém era o presidente do S.T.J.; quem tinha competência para ordenar ou não ordenar a notificação do seu despacho era o presidente do S.T.J..
Ao mandar notificar um despacho fora da sua competência, o sr. juiz do T.C.I.C. cometeu um ato totalmente nulo; e daí que o presidente do S.T.J. tenha declarado a nulidade daquele despacho na parte que excede a competência do sr. juiz de 1.ª instância.
Ao vir agora o assistente arguir nulidades de um despacho que nunca lhe deveria ter sido notificado — porque foi notificado na base de um ato nulo — elas não só não podem ser conhecidas pelas razões constantes dos nossos anteriores despachos datados de 18/03/10 e 20/05/10 (falta de legitimidade e de interesse em agir) como também por força deste princípio comezinho: arguem-se aqui nulidades que não podem ser arguidas porque o que lhe subjaz é um zero jurídico.
(…)
Termos em que:
a) se indefere a arguição de irregularidades do assistente A..”
Da análise do excerto transcrito da decisão de 24 de fevereiro de 2011 resulta que a mesma expressamente indefere a arguição das irregularidades invocadas pelo reclamante, referindo que estas não podem ser conhecidas, porque têm como base uma notificação nula, por ter sido ordenada por quem não tinha competência para o efeito, remetendo ainda para a fundamentação dos despachos de 18 de março e de 20 de maio de 2010, quanto à falta de legitimidade e interesse em agir do reclamante. É com base na falta destes pressupostos processuais que se recusa o conhecimento de mérito da arguição dos aludidos vícios.
Perante tal fundamentação – e independentemente da adesão à sua validade – a ulterior invocação do vício de omissão de pronúncia, e a consequente pretensão de apreciação especificada das irregularidades invocadas, só pode ser entendida como uma manifestação de discordância quanto à decisão proferida e não como uma verdadeira arguição de nulidade, por omissão de pronúncia.
O facto de o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não obstante reafirmar a falta de legitimidade e interesse em agir do reclamante – obstativas do conhecimento de mérito da arguição das irregularidades – se referir a outras razões que sempre ditariam a improcedência da arguição em análise não altera a essência da ratio decidendi do despacho, nem confere qualquer atendibilidade processual ao requerimento formulado.
De facto, quando o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, depois de reiterar a falta de legitimidade e interesse em agir para a arguição, opta – utilizando a expressão introdutória “de todo o modo”, que claramente indica que a referência que fará é acidental, correspondendo a um mero obiter dictum – por inserir, no seu despacho, a explicação sobre as razões que sempre conduziriam ao insucesso da pretensão do assistente, quanto a cada um dos vícios invocados, não opera qualquer alteração na natureza substancial do requerimento sobre o qual se pronuncia.
Na verdade – repetimos – perante a fundamentação do despacho de 24 de fevereiro de 2011 – e independentemente da adesão à sua validade – a invocação do ulterior vício de omissão de pronúncia, e a consequente pretensão de apreciação especificada das irregularidades invocadas, só pode ser entendida como uma manifestação de discordância quanto à decisão proferida e não como uma verdadeira arguição de nulidade, por omissão de pronúncia.
Assim, teremos de concluir que a denominada “arguição de nulidade por omissão de pronúncia” - correspondendo a uma peça processual que utiliza nomen jurídico processualmente previsto - consubstancia um falso incidente pós-decisório, e, nesse sentido, corresponde a um uso anómalo do processo, inidóneo para permitir a prorrogação do prazo de interposição do recurso de constitucionalidade relativo à decisão de 23 de dezembro de 2010, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, da LTC.
7. Relativamente ao requerimento dirigido ao Pleno das Secções Criminais, cujo desentranhamento foi ordenado pelo despacho de 1 de abril de 2011, há que percorrer o percurso processual que o antecedeu para aferir da sua idoneidade para interromper o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional
O Assistente começou por recorrer para o Pleno das Secções Criminais de despacho proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo da competência que lhe foi recentemente conferida pelo artigo 11.º, n.º 2, b), do Código de Processo Penal, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto.
O recurso foi considerado inadmissível pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
A recorribilidade desta decisão é problemática face, por um lado, à ausência de previsão de órgão com competência para apreciar em recurso estas decisões do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e, por outro lado, ao silêncio da lei, conjugado com o disposto no artigo 399.º, do Código de Processo Penal, aliado ao facto de estarmos perante uma decisão proferida em 1.ª instância, não tendo ainda a doutrina e a jurisprudência disposto do tempo suficiente para indicar uma solução segura desta questão.
Como vimos, o artigo 75.º, n.º 2, da LTC, determina que interposto recurso ordinário que não seja admitido, com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se a partir do momento em que se torne definitiva a decisão que não admitiu o recurso.
Ora, o Assistente reclamou desta decisão para o tribunal para o qual tinha recorrido (Pleno das Secções Criminais), invocando o disposto no artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Penal,
Este preceito dispõe que do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
Apesar das dificuldades resultantes do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça ser presidido precisamente pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 43.º, n.º 1, a), da L.O.F.T.J.), a reclamação para o tribunal de recurso é o meio idóneo, na tramitação processual penal, para impugnar uma decisão de não admissão do recurso proferida pela instância recorrida, não sendo por isso possível considerar manifestamente anómala a reclamação deduzida, pelo que esta obstou a que aquela decisão se pudesse considerar definitiva.
A reclamação foi conhecida pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não a admitiu, por considerar que o Assistente não tinha legitimidade para a formular, uma vez que já havia sido decidida anteriormente a sua ilegitimidade para intervir no incidente de destruição dos registos das escutas telefónicas em causa, e por entender que a mesma não podia integrar o meio impugnatório previsto no artigo 405.º, do Código de Processo Penal, uma vez que não se mostrava atribuída a competência para apreciar os recursos interpostos das decisões do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, proferidas ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 2, b), do Código de Processo Penal.
O Assistente, entendendo que esta decisão tinha sido proferida por órgão sem competência para o fazer, em requerimento dirigido ao Pleno das Secções Criminais, peticionou a declaração de inexistência da decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu a reclamação e a subsequente apreciação desta.
Ora, atendendo a que uma reclamação duma decisão de não admissão do recurso pela instância recorrida deve ser apreciada no tribunal de recurso e não pela própria entidade recorrida e que as decisões a non domino são juridicamente inexistentes, o meio de reação aqui utilizado pelo Recorrente também não é passível de ser qualificado como manifestamente inidóneo face à tramitação processual penal legalmente prevista.
Tendo em atenção que a questão sobre a recorribilidade das decisões proferidas pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, pode considerar-se controversa, verifica-se que as reações adotadas pelo recorrente, na sequência da não admissão do respetivo recurso, se enquadram na lógica da posição defensora daquela recorribilidade, não se revelando completamente estranhas à tramitação processual prevista na lei, nem integrando um uso anormal do processo, do qual resultasse a impossibilidade de determinarem a suspensão do prazo de recurso para o Tribunal Constitucional.
Por estas razões apenas é possível considerar que com o despacho que ordenou o desentranhamento do último requerimento acima referido, proferido em 1 de abril de 2011, é que se consolidou como definitiva a decisão de não admissão do recurso interposto pelo Assistente, pelo que deve considerar-se atempada a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Cumpre agora verificar o preenchimento dos demais requisitos de admissibilidade do recurso constitucional, interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC.
8. Ainda que não se considere o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade extemporâneo, existem outras razões obstativas da sua admissibilidade.
O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência dum objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida.
No caso, o recorrente identifica, como decisão recorrida, o despacho de 23 de dezembro de 2010.
Refere o recorrente que o despacho recorrido fez:
“ Interpretação inconstitucional da alínea c) do n° 2 do artigo 69° do CPP, ao considerar que o Assistente não tinha legitimidade para recorrer, pese embora o despacho lhe ser desfavorável e o afetar, em violação do disposto nos artigos 20° e 32° da CRP e artigo 6º da CEDH (e não se diga que esta matéria foi objeto de decisão transitada em julgado, porque o despacho, os factos e a fase processual são diferentes, sob pena de também assim se cair na mesma interpretação inconstitucional em violação dos mesmos dispositivos legais)”
Ora, da própria enunciação da questão resulta que não é isolado um verdadeiro critério normativo extraível do preceito processual penal identificado.
Na verdade, o recorrente pretende a sindicância, não duma determinada e verdadeira interpretação normativa, mas sim dum concreto e casuístico juízo subsuntivo.
Acresce que o juízo concretamente colocado em crise não foi sequer expresso no despacho recorrido, mas sim no despacho que não admitiu o recurso daquele primeiro, pelo que, ainda que tivesse conseguido isolar um verdadeiro critério normativo, o que não aconteceu, este não teria sido ratio decidendi da decisão recorrida.
Ora, a exigência de que as normas ou interpretações normativas, cuja sindicância é pretendida, sejam efetivamente convocadas, pela decisão recorrida, como fundamento normativo da solução dada ao caso, prende-se com a característica da instrumentalidade, configurada como pressuposto geral de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
Por força de tal característica, considera-se que apenas é admissível o recurso, quando o julgamento da questão de constitucionalidade é suscetível de se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica do caso concreto.
Obviamente, tal suscetibilidade encontra-se liminarmente afastada, quando a decisão recorrida não tenha aplicado as normas que constituem o objeto do recurso.
Assim, por inidoneidade do objeto, sempre estaria prejudicada a admissibilidade do recurso, quanto a esta primeira questão.
Quanto à segunda questão, refere o recorrente que o despacho recorrido fez:
“Interpretação inconstitucional dos nºs 6, 7, 9 a 12 do artigo 188.º e 190.º do CPP, em clara violação do artigo 32.º n.ºs 1, 5 e 9 da CRP, ao considerar não ser necessário, em fase de instrução, dar conhecimento prévio ao Assistente e aos Arguidos do teor dos produtos cuja destruição foi ordenada, não lhes permitindo em consequência, exercer o contraditório e/ou o direito previsto no n.º 7 do artigo 188.º do CPP”
Ora, relativamente a esta questão, verifica-se que a mesma não é tratada na decisão recorrida, sendo outra a decisão que se pronuncia sobre a desnecessidade de notificação aludida.
Acresce que a enunciação da questão, partindo dum leque de preceitos demasiado amplo – que inclui disposições plurinormativas – não cumpre, de forma suficiente, o requisito de delimitação e especificação do critério normativo, cuja sindicância é pretendida.
Assim sendo, também aqui, ainda que o critério normativo houvesse sido corretamente delimitado, que não o foi, ele nunca teria sido ratio decidendi da decisão recorrida.
No tocante à terceira questão, é a mesma indicada nos seguintes termos:
“Interpretação inconstitucional do artigo 11.º n.º 2 alínea b) do CPP, ao considerar que uma decisão tomada ao abrigo desta competência não é suscetível de recurso, em violação do disposto artigos 2º, 13º, 18º, 20º, 32º, 202º, 203º e 210º todos da CRP”
Relativamente a esta questão, igualmente se verifica que não é a decisão recorrida que se pronuncia sobre a irrecorribilidade aludida, pelo que, como nas questões de constitucionalidade anteriores, também aqui falha, desde logo, a identificação dum critério que tivesse sido utilizado como ratio decidendi da decisão recorrida.
Acresce que a interpretação normativa relativa à irrecorribilidade da decisão tomada pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 2, alínea b), do CPP, não assenta, autonomamente, no próprio preceito, número e alínea indicados, que não contêm qualquer referência, donde seja extraível - em termos de existência dum “mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” - disposição normativa sobre tal irrecorribilidade.
Assim, sempre falharia, na delimitação do objeto do recurso, a seleção da concreta conjugação de preceitos, donde se extrairia a interpretação normativa a sindicar.
Relativamente à quarta questão, refere-se à mesma o recorrente, nos moldes seguintes:
“Interpretação inconstitucional dos artigos 11.° n.º 2 alínea b) e 188º nºs 6, 7, 8 a 12º do CPP, ao considerar que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça para além das competências enumeradas - para autorizar a interceção, a gravação e a transcrição de conversações em que intervenham o primeiro-ministro - as pode estender às de declarar o que tem ou não relevância para um processo judicial em que aliás não intervêm e poder por isso determinar a destruição dos suportes técnicos em causa, sem permitir previamente depois de proferido despacho de acusação, que os sujeitos processuais examinem os mesmos suportes até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, em evidente violação do disposto nos artigos 2º, 13º, 18º, 20º, 32º, 202º, 203º e 210º todos da CRP”
A partir da enunciação da questão, constata-se que, ainda que sob uma capa aparentemente abstrata, o recorrente pretende sindicar uma decisão jurisdicional concreta e não um verdadeiro critério normativo, reconduzível a um dos sentidos possíveis imputáveis à literalidade do preceito ou conjugação de preceitos selecionados como suporte da norma ou interpretação normativa a sindicar.
Não tendo o recorrente conseguido isolar um verdadeiro critério normativo, depurado de referências ao caso concreto, sempre seria inadmissível o recurso, nesta parte.
De todo o modo, ainda que o recorrente tivesse logrado apresentar um critério normativo potencialmente sindicável por este Tribunal, sempre se diria que a última parte da formulação evidenciaria que este não foi ratio decidendi da decisão recorrida.
No tocante à quinta questão, é a mesma enunciada da seguinte forma:
“Interpretação inconstitucional dos artigos 11.º n.º 2 alínea b) e 188.º n.ºs 6, 8 a 12 do CPP, ao considerar que os despachos proferidos ao abrigo dessa competência especial não são notificáveis, nem passíveis de recurso, em evidente violação do disposto nos artigos 2º, 13º, 18º, 20º, 32º, 202º, 203º e 210º todos da CRP”
Também quanto a esta questão igualmente se verifica que não é a decisão recorrida que se pronuncia expressamente sobre a não notificação e irrecorribilidade aludidas.
Por outro lado, a interpretação normativa relativa à desnecessidade de notificação e à irrecorribilidade da decisão tomada pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 2, alínea b) e 188.º, n.os 6, 8 a 12, ambos do CPP, não assenta, autonomamente, nos próprios preceitos, números e alíneas indicados, que não contêm qualquer referência, donde seja extraível - em termos de existência dum “mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” - disposição normativa sobre a não notificação e sobre a irrecorribilidade.
Assim, sempre falharia, na delimitação do objeto do recurso, a seleção da concreta conjugação de preceitos, donde se extrairia a interpretação normativa a sindicar. Acresce que, como acima mencionado, não sendo a decisão recorrida que se pronuncia expressamente sobre a não notificação e irrecorribilidade aludidas, esta interpretação não seria sua ratio decidendi.
Finalmente, quanto à sexta questão, é a mesma delimitada nos termos que se reproduzem:
“Interpretação inconstitucional do artigo 33º do CPP, ao considerar que o envio para um Tribunal incompetente compromete o conhecimento de um recurso, sem remessa para o eventualmente competente, em violação do disposto nos artigos 2º, 18º, 20º, 32º, 202º, 203º e 210º todos da CRP”
É de tal forma manifesto que a decisão recorrida não aplica o artigo 33.º do CPP, em qualquer uma das suas dimensões, que se torna insofismável a inadmissibilidade do recurso, nesta parte, por tal interpretação não ser ratio decidendi da decisão recorrida.
Diga-se, aliás, que, quando o recorrente refere as peças processuais em que alegadamente suscitou as questões, sintomaticamente alude a peças posteriores à decisão recorrida, como se constata pela transcrição infra:
“Todas as questões supra enumeradas foram suscitadas pelo Recorrente durante a fase de inquérito, no recurso, no requerimento em que suscitou irregularidades, na reclamação pela não admissão de recurso, no requerimento a solicitar resposta concreta às irregularidades suscitadas, no requerimento a suscitar a inexistência de despacho proferido por quem detinha competência para tanto.”
Nestes termos, não correspondendo nenhuma das normas, cuja sindicância o reclamante pretende, à ratio decidendi da decisão recorrida (a par de outros fundamentos que concorrem para a inadmissibilidade do recurso, para cada uma delas acima individualizado), conclui-se pela inadmissibilidade do recurso e, consequente, pela improcedência da presente reclamação.
III – Decisão
9. Pelo exposto, decide-se:
- julgar inadmissível o recurso de constitucionalidade interposto e, em consequência, julgar improcedente a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de janeiro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro (com declaração de voto) – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Sendo embora relatora, e concordando com a decisão, unânime, de indeferir a reclamação apresentada pelo reclamante do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, bem como com o essencial da fundamentação que a sustenta, ainda assim, teria, desde logo, indeferido a presente reclamação por entender que o recurso de constitucionalidade apresentado é extemporâneo. Apesar de concordar que existem outras razões obstativas à admissibilidade do recurso (e que determinaram o sentido da decisão unânime do pleno da secção), a sua extemporaneidade seria, para mim, razão suficiente para a sua inadmissibilidade, razão pela qual me afasto dos argumentos avançados pela maioria relativamente ao ponto 7. do presente Acórdão.
A meu ver, quando a parte utiliza um meio impugnatório manifestamente inexistente no ordenamento jurídico, anómalo, sendo evidente a sua utilização como desvio à tramitação normal dos autos, este será inidóneo para obstar ao trânsito em julgado da decisão, uma vez que, nesses casos, a prorrogação do prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional não tem lugar (art. 75.º, n.º 2, da LTC).
É ao Tribunal Constitucional que cabe apreciar essa natureza inidónea do meio impugnatório. Entendo eu que a extemporaneidade resultante do uso de reações processuais atípicas ou manifestamente inexistentes no ordenamento processual deve ser também apreciada no contexto da quantidade, da qualidade e da lógica das reações processuais.
Ora, em minha opinião, a decisão recorrida transitou quando se tornaram definitivos os dois despachos de 24 de fevereiro de 2011.
Os incidentes processuais subsequentes não foram, em ambos os casos, considerados idóneos a operar a prorrogação do prazo do recurso de constitucionalidade, havendo ambos transitado, razão suficiente, na minha opinião, para motivar o indeferimento do mesmo.
Assim, no que respeita ao requerimento apresentado pelo reclamante, dirigido ao Pleno das Secções Criminais (ponto em que me afastei da maioria), pedindo, quer a declaração de inexistência da decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu a reclamação, quer o seu desentranhamento, quer a apreciação da reclamação apresentada (neste pedido de apreciação, reiterando o que já anteriormente peticionara), é manifesta a sua natureza processualmente inatendível.
Este requerimento corresponde a um uso anómalo do processo, corporizando uma reação manifestamente inexistente no ordenamento jurídico, sendo inidóneo para permitir a prorrogação do prazo de interposição do recurso de constitucionalidade relativo à decisão de 23 de dezembro de 2010, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, da LTC.
De facto, após o iter processual de requerimentos e despachos descrito no ponto 3. do presente acórdão, tal requerimento só pode ser entendido como resultado da obstinação inconformada do reclamante em insistir em reações processuais dentro da mesma ordem jurisdicional, perante a não admissão do recurso que interpôs.
Deveria, consequentemente, concluir-se, em meu entender, que os despachos de 24 de fevereiro de 2011 – e independentemente da adesão à sua validade – corresponderiam a uma resposta final, compreendida na sequência de várias reações processuais acionadas pelo reclamante. Relativamente ao caso que me afasta da maioria, entendo que o recurso para as Secções Criminais, bem como a reclamação do despacho da sua não admissão, dirigida ao Pleno das Secções Criminais, apesar de serem reações processuais não expressamente previstas na lei, ainda poderiam ser perspetivadas fora do âmbito dos expedientes processuais manifestamente inidóneos ou anómalos, por poder ser discutível a sua admissibilidade face ao teor do art. 405.º do CPP, atenta uma certa lógica do sistema.
No entanto, entendo que não seria já legítimo, após a prolação do despacho de 24 de fevereiro, que restassem dúvidas sobre a definitividade do despacho de 23 de dezembro de 2011, na ordem jurisdicional respetiva. A meu ver, após o despacho de fevereiro, o requerimento apresentado diretamente junto do Pleno das Secções Criminais escapa já, sem qualquer dúvida, ele mesmo, à lógica do sistema. E, um mecanismo não legalmente previsto, só poderia, eventualmente, ter a virtualidade de prorrogar o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional (e só assim ser eventualmente entendido como indispensável para a exaustão necessária de recursos) se, pelo menos, e enquanto, se enquadrasse numa certa lógica do próprio sistema. Quando o mecanismo escolhido está manifestamente fora do quadro de mecanismos legalmente estabelecidos, desde logo porque ele próprio é uma reação fora do sistema, não é admissível que a sua utilização prorrogue o prazo de interposição de recurso de constitucionalidade. Independentemente da validade da decisão de 1 de abril a que o reclamante reage (que o Tribunal Constitucional não avalia), nada justificaria que uma apresentação de requerimento em si mesma anómala pudesse determinar a prorrogação do prazo de recurso (ou, numa outra perspetiva, tal reação - não só não legalmente prevista, como manifestamente anómala - jamais poderia ser exigível para que se pudesse recorrer para o Tribunal Constitucional). Não poderia, assim, ter dúvidas o reclamante de que a utilização deste mecanismo jamais lhe seria indispensável do ponto de vista da exaustão de recursos como condição necessária de recorribilidade para o Tribunal Constitucional.
Não devendo ser reconhecido a ambos os incidentes processuais subsequentes à decisão de 24 de fevereiro de 2011 (e não apenas ao descrito no ponto 6. do presente acórdão) qualquer virtualidade de operar a prorrogação do prazo de interposição de recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC, deveria, a meu ver, concluir-se que, à data de 14 de abril de 2011, já há muito havia terminado o prazo de que o reclamante dispunha para recorrer para o Tribunal Constitucional, relativamente à decisão de 23 de dezembro de 2010.
Assim, improcederia, também (e desde logo) por este motivo, a reclamação.
Catarina Sarmento e Castro