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Proc. nº 393/93
1ª Secção
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. e mulher, B., residentes habitualmente na
cidade de Paris, em França, vieram propor, em Setembro de 1991, no Tribunal
Judicial de Braga, acção de despejo contra C. e mulher, D., residentes no
-----------------, nº --------, ---------, em ---------------s, da cidade de
-------------, invocando que os réus, o marido na sua qualidade de arrendatário
do andar onde habita o seu cônjuge, e esta última, a mulher, jamais haviam pago
as rendas actualizadas através de correcção extraordinária de rendas determinada
pela Lei nº 46/85, de 20 de Setembro, limitando-se a depositar as rendas não
actualizadas. Invocaram ainda que o réu marido, único arrendatário, deixara de
habitar no andar arrendado desde Julho de 1991 quando se separara de facto do
cônjuge, pelo que existia fundamento de despejo, dado a posição de arrendatário
ser incomunicável inter-vivos. Atribuíram à acção o valor de 475.709$00, verba
que incluía, além das rendas vencidas e não pagas, as comparticipações nas
despesas de condomínio, estipuladas contratualmente, verbas estas relativamente
às quais pediram a condenação de ambos os réus.
A acção foi contestada apenas pela ré mulher,
invocando esta erro na forma do processo e apresentando defesa por impugnação.
Requereu a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa
total de preparos e do pagamento das custas. Fez, além disso, depósito
condicional da diferença entre os montantes anteriormente depositados e os
exigidos pelos senhorios.
Houve resposta à contestação. Foi concedido o
benefício de apoio judiciário e convocada tentativa de conciliação.
Através de saneador-sentença, foi julgada
improcedente a acção de despejo, com fundamento na cessação no decurso de acção
da situação de mora através dos depósitos feitos. A ré veio, também, a ser
absolvida dos restantes pedidos formulados pelos autores.
Inconformados, interpuseram os mesmos autores
recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, bem como a ré, na
parte em que ficou vencida. Por acórdão de 19 de Novembro de 1992, a decisão da
primeira instância veio a ser revogada, concedendo-se parcial provimento ao
recurso dos autores e de ré e decretando-se o despejo da ré do arrendado.
Notificada deste acórdão, veio a ré interpor
recurso do mesmo para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando que, embora o
valor da acção fosse inferior ao da alçada do Tribunal da Relação, devia ser
admitido tal recurso, por estarem 'em causa princípios e direitos fundamentais
dos cidadãos, consignados na Constituição da República Portuguesa, o princípio
da igualdade e da não discriminação no acesso ao direito e aos tribunais
previstos nos arts. 13º e 20º e o direito à habitação previsto no art. 65º '(a
fls. 126). No requerimento de interposição do recurso, a ré suscitou a questão
de inconstitucionalidade do disposto no art. 57º, nº 1, do Regime do
Arrendamento Urbano (R.A.U.), bem como do art. 678º, nº 1, do Código de Processo
Civil, no que respeita às acções de despejo, atenta a regra de determinação do
valor destas acções, considerando que tais normas violavam o disposto no art.
65º da Constituição, bem como o princípio da não discriminação 'consagrado nos
arts. 13º, 18º e 29º da Constituição'.
Na mesma altura, veio a ré dar conhecimento aos
autos de que o réu marido tinha proposto contra ela acção de divórcio litigioso
na comarca de ---------------, acção que ela não contestara, limitando-se a
deduzir por apenso o incidente de atribuição do arrendamento da casa de morada
de família previsto no art. 1793º do Código Civil, pedindo simultaneamente a
suspensão da instância da acção de despejo.
O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não
foi admitido por despacho do relator, por este entender que as normas impugnadas
não sofriam de inconstitucionalidade, como tinha sido reconhecido em diversas
decisões do Tribunal Constitucional. Igualmente foi denegado o pedido de
suspensão da instância (despacho de fls. 139 e 140 dos autos).
Deste despacho de não admissão do recurso,
deduziu a ré reclamação para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao
abrigo dos arts. 688º e 689º do Código de Processo Civil. A decisão do relator
foi confirmada pela conferência (acórdão de 21 de Janeiro de 1993).
A reclamação foi indeferida por despacho do
presidente do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 48 vº, proferido em 10 de
Março de 1993. Aí se pode ler:
'Nas acções de despejo á admissível recurso para o Tribunal da Relação
independentemente do valor da acção.
Já o recurso para o S.T.J. está sempre dependente do valor da
alçada ou de sucumbência - art. 668º e 980º do C.P.C. e art. 57º do R.A.U..
O presente recurso situa-se dentro da alçada do Tribunal da
Relação.
Não se vê em que consista a inconstitucionalidade das normas
indicadas, já que o princípio da igualdade é sempre determinado pelo da
desigualdade. E a alçada, mais do que norma imperativa, é norma que estabelece
os graus de jurisdição'.
Tendo o apenso de reclamação baixado à Relação do
Porto, foi notificado aquele despacho à reclamante. Esta veio interpor, através
do requerimento de fls. 195, recurso para o Tribunal Constitucional do despacho
do presidente do Supremo Tribunal Justiça, ao abrigo do art. 70º, nº 1, alínea
b), da Lei do Tribunal Constitucional, indicando que os arts. 678º, nº 1, do
Código de Processo Civil e 57º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano violam
'os arts. 13º, nº 2, da Constituição e o princípio constitucional da não
discriminação'.
Os autos foram remetidos ao presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, o qual admitiu o recurso por despacho de fls. 197,
ordenando que o mesmo subisse nos próprios autos e com efeito suspensivo.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Apenas apresentou alegações a recorrente, onde
formulou as seguintes conclusões:
'1ª Na presente acção está em apreciação a subsistência de um contrato de
arrendamento e o direito à habitação.
2ª Ao legislar, o legislador ordinário está obrigado a respeitar as normas e
os princípios constitucionais.
3ª Um dos princípios basilares da C.R.P. é o princípio da não discriminação, de
que os seus arts. 13º e 20º são clara expressão.
4ª Todos os cidadãos são iguais perante a lei, a todos sendo assegurado o
acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legítimos.
5ª O direito à habitação e a protecção legal a dispensar aos arrendatários estão
constitucionalmente garantidos no art. 65º da C.R.P., não podendo meros
critérios de valor estabelecer formas discriminatórias no regime de acesso aos
Tribunais, inclusivamente através dos recursos, e ficando a admissão destes
dependente do valor das respectivas rendas.
6ª Para, de algum modo, minimizar essa discriminação, o art. 57º, nº 1 do
Dec.-Lei nº 321-B/89 estabelece que a acção de despejo admite sempre recurso
para a relação, independentemente do valor da causa.
8ª [7ª, por existir lapso na numeração] - Ficam, porém, injustamente
discriminados e impedidos de recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça para
reapreciação das suas causas os arrendatários que pagam rendas baixas ou médias,
e que constituem, porventura, a maioria e que são, além disso, os de menor
capacidade económica.
9ª [8ª]. Aquele normativo é, assim, claramente discriminatório, designadamente
em função de capacidade económica e financeira dos interessados.
10ª [9ª]. O direito à habitação e a protecção dos arrendatários consubstanciam
interesses imateriais nos termos referidos no artº. 312º do Cód. Proc. Civil,
pelo que as causas em que está em apreciação a subsistência do contrato de
arrendamento devem sempre admitir recurso para o Supremo Tribunal.
11ª [10ª] O despacho que não admitiu o recurso de revista, ao aplicar o disposto
no artº. 678º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, violou os arts. 13º e 20º da
Constituição e o princípio constitucional de não discriminação.
12ª [11ª]. Assim, verificada a alegada inconstitucionalidade do art. 57º, nº 1,
por omissão, do Dec- Lei nº 321-B/90, na parte assinalada, e da aplicação do
art. 678º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, impõe-se a revogação da decisão que não
admitiu o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça e,
consequentemente, que se profira decisão a ordenar a admissão do recurso de
revista oportunamente interposto pela recorrente.' (A fls. 207-208 dos autos)
3. Foram corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. No requerimento de fls. 146 a 148 - através do
qual pretendeu interpor recurso de revista - a recorrente enunciou como questão
de inconstitucionalidade por si suscitada a da existência de normas 'que
pretendem obstar (...) [a]o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nas
acções de despejo quando nest[a]s esteja em causa a resolução do contrato de
arrendamento'. E, no mesmo requerimento, identificou como normas
inconstitucionais as do nº 1 do art. 57º do Regime do Arrendamento Urbano,
aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, e o nº 1 do art. 678º do Código de
Processo Civil. As mesmas normas são indicadas como sofrendo de
inconstitucionalidade no requerimento de fls. 195, através do qual foi
interposto o presente recurso de constitucionalidade.
É, assim, indubitável que a recorrente imputou a
questão de inconstitucionalidade (por acção) a estas duas normas de direito
ordinário, como, aliás, reafirmou nas suas alegações (a fls. 204 vº, por
exemplo). É manifesto que não está em causa a questão de constitucionalidade do
art. 307º, nº 1, do Código de Processo Civil (norma que determina o valor
processual a atribuir às acções de despejo), questão que não foi suscitada em
nenhum momento pela recorrente, durante o processo.
Nas mesmas alegações, a recorrente sustenta que,
'por omissão, é inconstitucional o nº 1 do art. 57º do Dec. Lei nº 321-B/90 [em
rigor, a recorrente impugna o art. 57º do Regime do Arrendamento Urbano,
aprovado por este decreto-lei], ao presumir como critério estabelecido para o
acesso ao Supremo Tribunal de Justiça o critério do valor das acções, e sendo
este dependente do valor das respectivas rendas' (a fls. 207).
Ora, não é possível no recurso de
constitucionalidade, isto é, no domínio da fiscalização concreta de
constitucionalidade, apreciar questões de eventual inconstitucionalidade por
omissão (cfr. art. 283º da Constituição).
Assim sendo, não entra no objecto do presente
recurso a questão de inconstitucionalidade do art. 57º, nº 1, do Código de
Processo Civil, visto que esta norma se limita a estabelecer que a acção de
despejo admite sempre recurso para a Relação, independentemente do valor da
causa. De facto, nem esta norma foi aplicada pela decisão recorrida, nem a
recorrente impugna a sua constitucionalidade (salvo na eventual omissão de aí
se prever a admissão em todos os casos do recurso até ao Supremo Tribunal de
Justiça, mas tal questão de inconstitucionalidade por omissão não pode ser
apreciada neste processo, como se disse).
Independentemente de alguma hesitação e
incorrecção das conclusões 11ª e 12ª [10º e 11ª], pode dizer-se que a
recorrente se limita a impugnar a constitucionalidade da norma do nº 1 do art.
678º do Código de Processo Civil, no segmento aplicável a recursos a interpor de
acórdãos dos tribunais das Relações, em acções de despejo.
Constitui, assim, objecto do presente recurso a
questão da inconstitucionalidade do art. 678º, nº 1, do Código de Processo
Civil, norma aplicada pela decisão recorrida na presente acção de despejo.
5. Na legislação de protecção dos inquilinos nos
arrendamentos urbanos têm surgido periodicamente normas excepcionais sobre a
admissibilidade dos recursos nas acções em que se ordenam despejos, a par de
normas a suspender despejos já decretados. Assim, por exemplo, o art. 5º do
Decreto nº 10.774, de 19 de Maio de 1925, estabeleceu que haveria sempre recurso
até ao Supremo Tribunal de Justiça da sentença que ordenasse o despejo, tendo a
apelação efeito suspensivo até à decisão definitiva, se o apelante prestasse
caução, por meio de depósito, hipoteca ou fiança. Apesar de se tratar de
disposição destinada a vigorar durante um período limitado de tempo, a
jurisprudência considerou que tal norma continuou a vigorar até 1948 (cfr.
Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado vol. V, Coimbra, 1952, pág.
244).
O Código de Processo Civil de 1939 submeteu o
processo de despejo às regras do processo sumário, mesmo em matéria de recursos
(arts. 982º e 472º). Com a Lei nº 2030, de 22 de Junho de 1948, estabeleceu-se
que haveria recurso de apelação até à Relação das decisões proferidas nas acções
de despejo ou em quaisquer outras em que se apreciasse a subsistência de
contratos de arrendamento (art. 80º). Esta apelação teria efeito suspensivo,
tratando-se de despejo de prédio urbanos de habitação (art. 982º, 2ª parte, do
Código de Processo Civil - veja-se Alberto dos Reis, Processos Especiais,
Coimbra, 1955, pág. 45).
A regra manteve-se no Código de Processo Civil de
1961. Neste diploma, o art. 980º estabeleceu que nas acções de despejo relativas
a arrendamentos para habitação ou para o exercício de comercio, indústria ou
profissão liberal, e em todas aquelas em que se aprecia a subsistência de
contratos de arrendamento sobre prédios da mesma natureza, seria sempre
admissível recurso para a Relação, fosse qual fosse o valor da causa.
Esta regra deixou de vigorar em 1990, sendo
substituída pelo art. 57º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano:
'A acção de despejo admite sempre recurso para a relação, independentemente do
valor da causa'.
Comentando este art. 57º da R.A.U., escrevem
Menezes Cordeiro e Castro Fraga:
'1. O presente preceito corresponde, com correcções formais, ao artigo 980º do
Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 47690, de 11 de
Março de 1967.
2. A ideia reside, basicamente, na protecção do arrendatário: a possibilidade de
recorrer sempre para a relação envolve um melhor estudo do processo e o efeito
suspensivo que lhe é associado faculta uma dilação na execução do despejo.
[...]'. (Novo Regime do Arrendamento Urbano Anotado, Coimbra, 1990, pág. 104)
Daqui resulta que está sempre garantido o duplo
grau de jurisdição nas acções de despejo. Trata-se, assim, de uma norma
excepcional, face ao disposto no art. 678º, nº 1, do Código de Processo Civil. A
interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, porém, está
inteiramente subordinada ao disposto no art. 678º, nº 1, do Código de Processo
Civil, norma cuja invocada inconstitucionalidade constitui objecto do presente
processo, como se viu.
6. A questão da invocada inconstitucionalidade
do art. 678º, nº 1, do Código de Processo Civil tem sido repetidamente
apreciada pelo Tribunal Constitucional. A sua jurisprudência tem julgado
uniformemente que essa norma não está afectada de inconstitucionalidade, por
violação dos arts. 13º, 20º, nº 1, ou 65º, nº 1, da Constituição.
Dispõe aquele artigo:
'Só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do
tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis
para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal; em
caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atender-se-á
somente ao valor da causa.'
7. No caso sub judicio, por se tratar de acção de
despejo, está assegurado - já se viu - na lei o duplo grau de jurisdição (art.
980º, nº 1, do Código de Processo Civil, disposição substituída pelo art. 57º,
nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano, a partir de 1990). Como o valor da
acção é, porém, inferior ao da alçada da Relação, não é admissível recurso do
acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, a disposição do nº 1 do art. 678º do Código
de Processo Civil - aplicada quanto à inadmissibilidade de um recurso de
revista - não ofende nenhuma das disposições invocadas pelo recorrente.
Como se escreveu no acórdão nº 359/86 deste
Tribunal, 'da circunstância de a Constituição dizer no artigo 212º, nº 1,
alínea b) [ da versão de 1982; corresponde, após a segunda revisão
constitucional, à alínea a) do nº 1 do actual art. 211º], que existem «tribunais
judiciais de 1ª instância, de 2ª instância e o Supremo Tribunal de Justiça», não
se pode, pois, concluir que esteja constitucionalmente garantido o triplo grau
de jurisdição, isto é, o direito de recurso, em qualquer caso, ao Supremo
Tribunal de Justiça '(in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8º vol., pág.
609). O que importa é que não exista nenhuma discriminação sem justificação
objectiva para vedar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
A jurisprudência deste Tribunal tem repetidamente
afirmado que a limitação do recurso por força da relação entre o valor da acção
(ou da sucumbência) e o valor das alçadas não ofende o art. 20º da Constituição:
nesse sentido, vejam-se os acórdãos nºs 163/90 e 210/92, publicados na Diário da
República, II Série, nºs 240, de 18 de Outubro de 1991, nº 211 de 12 de Setembro
de 1992, e os nºs 346/92 e 340/94, ainda inéditos (o primeiro destes acórdãos
acha-se igualmente publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 397, págs.
77 e segs.) A circunstância de se tratar de uma acção de despejo não afecta este
entendimento, pois já se viu que está assegurado o duplo grau de jurisdição
neste caso, não se vendo por que haveria de ter de estar assegurado um triplo
grau. Não se pode invocar o art. 65º, nº 1, da Constituição para sustentar que,
na acção de despejo, tem de haver um triplo grau de jurisdição (note-se que tal
solução já foi acatada pelo legislador em 1925, mas isso não significa que uma
solução dessas seja hoje uma imposição constitucional).
Apreciando esta jurisprudência, escreve Carlos
Lopes do Rego: 'temos como evidente que não pode pretender pôr-se seriamente em
causa a existência, no ordenamento processual, de limites objectivos à
admissibilidade do recurso, estabelecidos para as causas de menor relevância,
tendo em conta a natureza dos interesses nelas envolvidos ou a sua repercussão
económica para a parte vencida: é que tais limitações derivam, em última
análise, da própria «natureza das coisas», da necessidade imposta por razões de
serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar
os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões
proferidas pelos tribunais inferiores - sob pena de o número daqueles ter de ser
equivalente ao dos tribunais de 1ª instância e com a consequente dispersão das
tendências jurisprudenciais ...' (Acesso ao Direito e aos Tribunais, in Estudos
sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1993, pág. 83).
8. Improcede igualmente a afirmação da recorrente
de que da conjugação dos arts. 678º, nº 1, e 307º, nº 1, do Código de Processo
Civil resulta uma discriminação inconstitucional para os arrendatários com
rendas mais baixas, correspondendo estas, em regra, a arrendamentos celebrados
há muitos anos, em períodos em que estiveram congeladas as rendas locatícias, em
especial nas áreas de Lisboa e Porto.
O art. 307º, nº 1, do Código de Processo Civil
estabeleceu o critério para cálculo do valor processual das acções de despejo:
este é o valor 'da renda anual, acrescida das rendas em dívida e da indemnização
requerida'. Esta norma - cuja inconstitucionalidade não foi suscitada pela
recorrente - estabelece um critério objectivo de fixação dos valores das acções
de despejo. A circunstância de os arrendamentos antigos terem rendas mais baixas
do que os modernos, como regra, não implica que os inquilinos que pagam rendas
superiores sejam economicamente mais abastados do que os que beneficiaram de
longos períodos de congelamento. As distorções que, porventura, ocorram resultam
mais desses longos períodos de congelamento e das actualizações que têm sido
moderadamente introduzidas, a partir de 1986, do que propriamente da aplicação
daquela norma.
Não procede, pois, a afirmação da recorrente de
que o direito fundamental à habitação não está igualmente defendido 'quando uma
parte dos arrendatários não pode defender esse direito em todas as instâncias,
enquanto outros o podem, e estes só porque pagam mais renda, e, portanto, têm
também mais proventos ou maior poder económico' (a fls. 205 vº). A questão posta
abrange todos os processos em que se discutem direitos patrimoniais e decorre da
existência de um sistema de alçadas, cuja constitucionalidade é geralmente
aceite em ordenamentos jurídicos do tipo do nosso.
Podendo discutir-se, claro, a bondade do critério
seguido pelo legislador no art. 307º, nº 1, do Código de Processo Civil, as
críticas que ao mesmo se formulem não implicam necessariamente a sua
inconstitucionalidade. Não pode confundir-se o mau direito com o direito
inconstitucional.
III
9. Nestes termos e pelas razões expostas, decide
o Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa