Imprimir acórdão
Processo n.º 705/11 (157 DPR)
Plenário
ATA
Ao primeiro dia do mês de fevereiro de dois mil e doze, achando-se presentes o Excelentíssimo Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmos. Conselheiros Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, João Eduardo Cura Mariano Esteves, Ana Maria Guerra Martins, Catarina Teresa Rola Sarmento e Castro, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, Vítor Manuel Gonçalves Gomes, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, Maria Lúcia Amaral, José da Cunha Barbosa, Maria João da Silva Baila Madeira Antunes e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, foram trazidos à conferência os presentes autos, para apreciação.
Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o seguinte:
I. Relatório.
1. Na qualidade de administradores da REN – Redes Energéticas Nacionais, SGPS, S.A. (doravante REN), A., B., C. e D. vieram solicitar ao Tribunal Constitucional o esclarecimento da dúvida concernente à respetiva sujeição ao regime jurídico do controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos instituído pela Lei n.º 4/83, de 02 de abril, na configuração resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro.
Fundamentaram tal dúvida nas circunstâncias seguintes:
a) Na assembleia-geral anual da REN, realizada no dia 15 de abril de 2011, foram eleitas para o respetivo conselho de administração, em substituição dos quatro administradores renunciantes e para o termo do período dos mandatos em curso, as sociedades seguintes: i) Logoplaste, Gestão e Consultadoria Financeira, S.A., cuja denominação social foi entretanto alterada para EGF, Gestão e Consultadoria Financeira, S.A, que detém ações representativas de 8,4% do capital social; ii) Red Elétrica Corporación, S.A., que detém ações representativas de 5,0% do capital social; iii) Gestimin, SGPS, S.A, que detém ações representativas de 5,55% do capital social; e iv) Oliren, SGPS, S.A., que detém ações representativas de 5,0% do capital social;
b) A referida eleição ocorreu por deliberação da assembleia-geral acima referida, tendo nesta participado acionistas representativos de 82,584% do respetivo capital da REN.
c) Tal deliberação foi aprovada por uma maioria de 98,582% dos votos emitidos, tendo-se verificado 172.041.303 votos a favor, 2.475.064 votos contra e 266.481.490 abstenções.
d) As abstenções incluíram os votos das sociedades de capitais exclusivamente públicos, designadamente a Capitalpor, Participações Portuguesas SGPS, titular de ações correspondentes a 46% do capital social da REN, a Parpública – Participações Públicas, SGPS, S.A, titular de ações correspondentes a 3,9% do capital social da REN, tendo a Caixa Geral de Depósitos, titular de ações correspondentes a 1,1% do capital social da REN, votado a favor da eleição da referida eleição.
e) Os referidos acionistas públicos são titulares das 272.340.000 ações da categoria B, as quais constituem, nos termos do art. 4.º, n.º 3, dos Estatutos da REN, as ações a reprivatizar que têm como único direito especial a não sujeição dos seus titulares à limitação de voto prevista no n.º 3 do art. 12º dos referidos Estatutos.
f) Os acionistas do capital privado são os titulares das 261.660.000 ações ordinárias, tendo votado favoravelmente a referida eleição.
g) Nessa medida, os votos dos acionistas de capitais exclusivamente públicos não intervieram decisivamente na formação da maioria deliberativa de 98,582% que determinou a eleição das mencionadas sociedades para membros do conselho de administração da REN, tendo para tal eleição sido apenas determinante o voto dos acionistas privados.
h) No cumprimento do disposto no art. 390.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais, as sociedades EGF, Gestão e Consultadoria Financeira, S.A, Red Elétrica Corporación, S.A., Gestimin, SGPS, S.A e Oliren, SGPS, S.A., procederam à nomeação dos requerentes A., B., C. e D., respetivamente, para exercerem o cargo de administradores da REN em nome próprio.
i) A REN é uma sociedade maioritariamente participada por sociedade de capitais exclusivamente públicos, devendo ser por isso considerada como uma empresa pública à luz do disposto no art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, na redação conferida pelo Decreto-lei n.º 300/2007, de 23 de agosto.
j) A eventual sujeição dos requerentes ao dever de entrega da declaração de rendimentos, património e cargos sociais, prevista na Lei n.º 4/83, de 02 de abril, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 38/83, de 25 de outubro, 25/95, de 18 de agosto, 19/2008, de 21 de abril, 30/2008, de 10 de julho e 38/2010, de 2 de setembro, carece de ser confrontada com o disposto no respetivo art. 4.º, n.º 3, alíneas a) e b), ao abrigo do qual são, designadamente, titulares de altos cargos públicos os gestores públicos e os titulares de órgãos de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados por este.
k) No que toca ao citado art. 4.º, n.º 3, al. a), é entendimento do Tribunal Constitucional, vertido nos respetivos Acórdãos n.º 279/2010 e 242/2011, que os membros do conselho de administração da REN são gestores públicos, nos termos previstos nos artigos 1.º e 13.º, nºs 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, e 15.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto, sendo essa sua qualidade que justifica, em geral, a vinculação dos membros do conselho de administração da REN ao regime jurídico do controlo público da riqueza em razão do cargo.
l) Com efeito, nos termos do art. 4.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão da Lei n.º38/2010, de 2 de setembro, são titulares de altos cargos públicos, e como tal sujeitos ao dever de entrega da declaração de rendimentos, património e cargos sociais, os gestores públicos.
m) Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2007, podia sustentar-se que os gestores públicos eram apenas os indivíduos nomeados pelo Governo para os órgãos de gestão das empresas públicas ou para os órgãos de gestão das empresas em que a lei ou os respetivos estatutos conferissem ao Estado essa faculdade, com expressa exclusão dos indivíduos designados por eleição para os órgãos de gestão das sociedades de capitais públicos ou participadas, pois tal era o regime decorrente do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 464/82, de 9 de dezembro, diploma que continha o estatuto do gestor público antes do referido Decreto Lei n.º 71/2007.
n) Já a partir de 2007, em especial após a alteração à Lei n.º 4/82 introduzida pela Lei n.º 38/2010, deve ser qualificado como gestor público quem houver sido designado, por nomeação ou eleição nos termos da lei comercial, para órgão de gestão ou de administração das sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto, ou do direito de designar ou destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização.
o) Por outro lado, quanto à alínea b) do referido art. 4.º, n.º 3, da Lei n.º 4/83, na versão resultante da Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, entendeu o Tribunal Constitucional, através do seu Acórdão n.º 242/2001, que a categoria das empresas participadas não tem aplicação possível ao caso da REN
p) Com efeito, a REN é uma empresa pública e não uma empresa participada, isto é, uma empresa em que o Estado ou qualquer outra entidade pública não tem uma posição de influência dominante, nos termos do art. 2º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 558/99.
q) Em tese, poder-se-ia concluir, à luz de uma parcela de argumentação expendida nos Acórdãos n.º 279/2010 e 242/2011 do Tribunal Constitucional, pela sujeição dos requerentes ao dever de apresentação da declaração de rendimentos, património e cargos sociais em virtude do disposto no art. 4.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 4/83.
r) Todavia, o Acórdão n.º 242/2011, não encerrou neste ponto a discussão, suscitando ainda a questão de saber se será “normativamente viável uma interpretação restritiva da al.a) do n.º3 do art.4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão aprovada pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, no sentido de excluir do respetivo âmbito as hipóteses, referidas nos Acórdãos n.º 1206/96 a propósito da delimitação do âmbito de aplicação da fattispecie correspondente à alínea b) do n.º3 do art.4.º da Lei n.º4/83, de 02 de abril, na versão conferida pela Lei n.º25/95, de 18 de agosto [“administradores designados por entidade pública (…) em sociedade de capitais públicos ou de economia mista'], em que os membros do órgão de gestão ou de administração de uma empresa pública, apesar de designados para o cargo por eleição da respetiva assembleia-geral, são “propostos” pela minoria do capital privado ou por esta eleitos, nos termos, respetivamente, dos n.ºs 1 e 6 do art. 392º do Código das Sociedades Comerciais, ou por ela escolhidos e “indicados” ao abrigo de um acordo parassocial”.
s) Atendendo ao que antecede, coloca-se em relação aos requerentes a questão de saber se não estaremos perante um daqueles casos em que se evidencia, por ter sido manifestada no plano orgânico e não no âmbito de um mero instrumento privado formalizado à margem dos mecanismos de expressão da vontade societária, a respetiva qualidade de representantes do capital privado.
t) Tal deve-se ao facto de, por um lado, os mesmos terem sido nomeados por acionistas privados minoritários para exercerem em nome próprio o cargo de administrador para que haviam sido eleitos esses mesmos acionistas e de, por outro lado, tais acionistas privados terem sido eleitos exclusivamente com os votos dos acionistas privados, não tendo intervindo os votos dos acionistas públicos na formação da maioria eletiva, em virtude da sua abstenção.
u) Nessa medida, deixa de justificar-se a sujeição dos requerentes ao dever de entrega da declaração de rendimentos, património e cargos sociais, previsto na Lei n.º 4/83, em virtude de uma interpretação restritiva do art. 4.º, n.º 3, al. a), do mesmo diploma, na versão introduzida pela Lei n.º 38/2010.
v) Na verdade, segundo o entendimento expresso no Acórdão n.º1206/96, tal interpretação restritiva teria sempre a seguinte justificação: «tratar-se-ia de restringir a aplicação do regime legal em causa às pessoas (administradores) relativamente às quais ele tem justificação. De facto, nas “sociedades de economia mista”, dada a composição do seu capital, haverá (ou poderá haver) administradores designados por “entidades privadas”, representantes da posição (e, naturalmente dos interesses) destas no órgão gestor das primeiras; ora, decerto já não se compreenderia (já não faria sentido) sujeitar estes outros administradores – que se movem na esfera do “privado” e não do “público” – a um regime de “transparência” patrimonial só admissível, no fundo, a essa segunda esfera de atuação».
Às circunstâncias referidas, aditou ainda o requerente B. – nomeado para o exercício do cargo de administrador da REN pela Red Elétrica Corporación, S.A., a qual, por seu turno, foi eleita membro daquele conselho de administração na sequência da renúncia ao cargo previamente apresentada pelo próprio requerente e em sua substituição – a alegação segundo a qual, perante as circunstâncias descritas, deverá entender-se que, apesar de o requerente haver sido já considerado sujeito ao dever declarativo previsto na Lei n.º 4/83 pelos Acórdãos n.º 279/2010 e 242/2010, o circunstancialismo que rodeou a sua mais recente eleição é substancialmente diverso daquele que foi então tido em conta na medida em que, ao contrário do anteriormente sucedido, tal eleição contou de forma significativa apenas com os votos dos acionistas privados e não (também) da intervenção decisiva do capital público. E que tal reponderação se justificará ainda pelo facto de, de acordo com decisão do Governo já tornada pública, se encontrar em perspetiva a reprivatização do capital da REN, o que, a concretizar-se, eliminará o fundamento jurídico da sujeição dos respetivos administradores ao dever de entrega da declaração de rendimentos, património e cargos sociais.
2. Tendo sido concedida vista ao Ministério Público, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que as dúvidas suscitadas deverão ser esclarecidas através da qualificação dos requerentes como “gestores públicos”, nos termos e para os efeitos da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na redação da Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, e, consequentemente, do reconhecimento da sua sujeição ao dever de apresentação da declaração de rendimentos, património e cargos sociais, previsto no n.º 1 desse diploma legal.
3. Afigurando-se pertinentes as dúvidas suscitadas, importa resolvê-las ao abrigo do disposto no art. 109º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
II. Fundamentação.4. A sequência de atos que determinou o acesso dos requerentes ao cargo de membros do conselho de administração da REN – Redes Energéticas Nacionais, SGPS, S.A. (doravante REN), tendo consistido na eleição, em assembleia-geral realizada no dia 15 de abril de 2011, das sociedades Logoplaste, Gestão e Consultadoria Financeira, S.A., Red Elétrica Corporación, S.A., Gestimin, SGPS, S.A, Oliren, SGPS, S.A., seguida da nomeação prevista no art. 390.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais, ocorreu no âmbito de vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, ao regime jurídico do controle público da riqueza dos titulares dos cargos políticos, aprovado pela Lei n.º 4/83, de 02 de abril.
Será, portanto, em torno da definição do âmbito subjetivo de aplicação de tal regime, na versão resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, que cumprirá esclarecer a dúvida que vem suscitada.
5. Tal dúvida – haverá que começar por notá-lo – não é inteiramente nova.
A questão consistente em saber se os membros do conselho de administração da REN – Redes Energéticas Nacionais, SGPS, S.A. se encontram vinculados ao dever de apresentação da declaração de património, rendimentos e cargos sociais em face das alterações ao regime jurídico do controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos introduzidas pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, em vigor desde 2 de novembro, foi já considerada por este Tribunal.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão n.º 242/2011 o seguinte:
«A Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, procedeu à reorganização do elenco dos sujeitos obrigados à apresentação da declaração de património, rendimentos e cargos sociais, suprimindo a subcategoria dos cargos que, no n.º 3 do art. 4.º daquele regime, a Lei n.º 25/95 equiparava aos cargos políticos para os referidos efeitos e passando a agrupar, no âmbito da instituída categoria dos “titulares de altos cargos públicos”, entre outros, os cargos seguintes:
a) Gestores públicos;
b) Titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados por este.
[…]
Quanto à previsão da alínea a), a densificação do conceito de gestor público só poderá ser efetuada em termos correspondentes àqueles que constam do Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março, por ser esta a normação vigente já no ordenamento jurídico aquando das alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro.
Segundo resulta do art. 1.º do Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março, é considerado gestor público, para os efeitos nele previstos, quem seja designado para órgão de gestão ou administração das empresas públicas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, podendo tal designação ocorrer por nomeação ou por eleição, esta nos termos da lei comercial (art. 13.º, n.ºs 1 e 4, do Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março).
No mesmo sentido dispõe o art. 15.º do Dec. Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, na redação introduzida pelo Dec. Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto, norma segundo a qual “os membros dos órgãos de administração das empresas públicas, independentemente da respetiva forma jurídica, ficam sujeitos ao estatuto do gestor público”.
De acordo com a caracterização constante do art. 1.º do Dec. Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, empresas públicas são hoje, quer as entidades públicas empresariais – que correspondem às antigas empresas públicas stricto senso (cfr. art. 3.º, n.º 2 e art. 23.º do referido diploma) –, quer “as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias: a) detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; b) direito de designar ou de destituir a maioria dos membros do conselho de administração e fiscalização”.
A par das empresas públicas, integram ainda o setor empresarial do Estado as empresas participadas, definindo-se estas, de acordo com a previsão do n.º 2 do art. 2.º, como “as organizações empresariais que tenham uma participação permanente do Estado ou de quaisquer outras entidades públicas, de caráter administrativo ou empresarial, por forma direta ou indireta, desde que o conjunto das participações públicas não origine nenhuma das situações que conduza a uma posição de influência dominante nos termos previstos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 3.º, caso em que passará a tratar-se de uma empresa pública.
Cruzando a nomenclatura seguida no âmbito do regime jurídico do setor empresarial do Estado, tal como este se encontra definido no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, com as alterações resultantes do Dec. Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto, e no Estatuto do gestor público, aprovado pelo Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março, com as categorias constantes do elenco dos “titulares de altos cargos públicos” introduzida no regime jurídico do controlo público da riqueza em razão do cargo pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, em substituição da subcategoria dos “equiparados a titulares de cargos políticos” que constava do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão aprovada pela Lei n.º 25/95, de 18 de agosto, verifica-se encontrarem-se presentemente obrigados à apresentação da declaração de património, rendimentos e cargos sociais: i) para além dos gestores das entidades públicas empresariais (arts. 3.º, n.º 2, e 15.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, este último na redação do Dec. Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto), quem seja designado por nomeação ou por eleição nos termos da lei comercial para órgão de gestão ou administração de sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros do conselho de administração e fiscalização” (art. 4.º, n.º 3, al. a) da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão aprovada pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, arts. 3.º, n.º 1, e 15.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, este último na redação conferida pelo Dec. Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto, e arts. 1.º e 13.º, ambos do Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março); ii) os titulares de órgão de gestão de organizações empresariais que tenham participação social permanente do Estado e outras entidades públicas estaduais, de caráter administrativo e empresarial – o que se presumirá sempre que tal participação for globalmente representativa de mais de 10 % do capital social da entidade participada (art. 2.º, n.º 3, do Dec. Lei n.º 558/99) – nas quais tal participação não origine, isoladamente ou no seu conjunto, a possibilidade do exercício, de forma direta ou indireta, de uma influência dominante do Estado na entidade participada, por não se verificar a seu favor, nem a maioria do capital ou dos direitos de voto, nem o direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização. Estes ficarão sujeitos ao regime jurídico do controlo público da riqueza em razão do cargo quando tiverem sido designados pelo Estado, o que, em caso de eleição, ocorrerá quando esta houver dependido de uma maioria “qualificada” para cuja formação se haja revelado necessário o capital estadual ou os votos correspondentes a ações “privilegiadas” detidas por entidades públicas nos termos da segunda parte do artigo 391.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, ou quando os administradores hajam sido “propostos” pela minoria do capital estadual ou por esta eleitos, nos termos, respetivamente, dos n.ºs 1 e 6 do art. 392.º do Código das Sociedades Comerciais, ou quando por ela “propostos”, “eleitos” ou “indicados” ao abrigo de um acordo parassocial (cfr. art. 4.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º 4/83, de 02 de abril, na versão aprovada pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, e art. 2.º, n.ºs 2 e 4, do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro).
A situação dos requerentes inscreve-se na primeira das referidas hipóteses – aquela que integra a previsão da al. a) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão resultante da Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro.
Conforme afirmado já no Acórdão n.º 279/2010, a REN é uma empresa pública nos termos e para os efeitos previstos no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro.
Considerada a respetiva estrutura acionista, a maioria do seu capital social é conjuntamente detida pelas sociedades de capitais exclusivamente públicos representadas pela Capitalpor – Participações Portuguesas, SGPS, S.A (46%), Parpública – Participações Públicas SGPS, S.A (3,9%) e Caixa Geral de Depósitos, S.A. (1,2%).
Atento o valor global da participação conjuntamente detida pela Capitalpor – Participações Portuguesas, SGPS, S.A, Parpública – Participações Públicas SGPS, S.A e Caixa Geral de Depósitos, S.A. (51,1%), a REN é juridicamente caracterizável como sociedade constituída nos termos da lei comercial, na qual entidades públicas estaduais empresariais podem exercer, conjuntamente, uma influência dominante em virtude da detenção da maioria do capital social (cfr. art. 1.º do Dec. Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro).
Por terem sido designados por eleição nos termos da lei comercial para órgão de gestão ou administração de uma empresa pública abrangida pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, os requerentes são considerados gestores públicos nos termos previstos nos arts. 1.º, e 13.º, n.ºs 1 e 4, do Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março, e art. 15.º do Dec. Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, na redação introduzida pelo Dec. Lei n.º 300/2007, sendo essa sua qualidade que, através da alínea a) da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão resultante da Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, fundamenta agora a respetiva vinculação ao regime jurídico do controlo público da riqueza em razão do cargo.
Ao invés do que vem sustentado, tal conclusão não é anulável pela circunstância de os requerentes haverem sido incluídos na lista única eleita em assembleia-geral por consideração à respetiva condição de representantes da minoria do capital privado.
O conceito de gestor público encontra-se, desde a entrada em vigor do Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março, normativamente indexado ao conceito de empresa pública tal como este se encontra definido no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, constituindo tal indexação um elemento que integrava já o ordenamento jurídico aquando das alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro.
Quer isto significar que, quando o legislador de 2010, ao rever o regime jurídico do controlo público da riqueza em razão do cargo, reafirmou a subordinação às obrigações que o integram da categoria dos gestores públicos, não pode deixar de o ter feito tendo em conta o bloco normativo integrado pelos arts. 1.º e 13.º, n.ºs 1 e 4, do Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março, e pelo art. 15.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, na redação conferida pelo Dec. Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto, bloco esse que, no plano da densificação daquele conceito, conduz a que deva ser qualificado como gestor público quem houver sido designado, por nomeação ou por eleição nos termos da lei comercial, para órgão de gestão ou de administração das sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto, ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros do conselho de administração e fiscalização.
Perante o conceito de gestor público acolhido pelo ordenamento jurídico em resultado da concatenação das disposições acabadas de referir, pode mesmo discutir-se se é normativamente viável uma interpretação restritiva da al. a) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão aprovada pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, no sentido de excluir do respetivo âmbito as hipóteses, referidas nos Acórdãos n.º 1206/96 a propósito da delimitação do âmbito de aplicação da fattispecie correspondente à alínea b) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 02 de abril, na versão conferida pela Lei n.º 25/95, de 18 de agosto [“administradores designados por entidade pública (…) em sociedade de capitais públicos ou de economia mista'], em que os membros do órgão de gestão ou de administração de uma empresa pública, apesar de designados para o cargo por eleição da respetiva assembleia-geral, são “propostos” pela minoria do capital privado ou por esta eleitos, nos termos, respetivamente, dos n.ºs 1 e 6 do art. 392.º do Código das Sociedades Comerciais, ou por ela escolhidos e “indicados” ao abrigo de um acordo parassocial.
Seja qual for o sentido em que tal dúvida deva ser resolvida, tratar-se-á sempre aqui de uma hipótese que, ao contrário do que sucede com a presente, comporta um fundamento normativo mobilizável para controverter a qualificação daqueles membros como gestores públicos nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1.º e 4.º, n.º 3, al. a) da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão resultante da Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, consistindo tal fundamento na concatenação do art. 15.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, na redação conferida pelo Dec. Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto, e arts. 1.º e 13.º, n.ºs 1 e 4, do Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março, com os mecanismos e institutos tipificados no Código das Sociedades que regulam e conferem normatividade às possibilidades de eleição de administradores por acionistas minoritários.
A hipótese em presença não é essa, todavia.
Ao contrário daquelas, a exclusão tida em vista, não podendo resultar sequer da problematização em torno da concatenação do referido bloco normativo com preceitos do Código das Sociedades Comerciais, não dispõe no texto da lei, amplamente entendida, de qualquer possibilidade de correspondência. Situa-se, pelo contrário, num plano puramente inorgânico no sentido em que apenas poderá suportar-se num acordo firmado à margem dos mecanismos formais que o ordenamento disponibiliza para fazer relevar juridicamente o respetivo resultado.
Tal exclusão é, por isso, logo à partida normativamente inviável».
6. Embora se não haja produzido qualquer alteração na composição do capital social da REN que devesse conduzir à sua requalificação jurídica, em particular à revisão do seu estatuto de empresa pública nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, entendem, todavia, os requerentes que o mecanismo pelo qual concretamente acederam ao cargo de administradores de que são atualmente titulares importa uma modificação do seu posicionamento perante o regime jurídico do controlo público da riqueza em razão do cargo, na versão resultante da revisão operada pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro.
Tal modificação impor-se-á, segundo os requerentes, por uma dupla ordem de razões: trata-se agora de um acesso, por um lado, diretamente resultante de nomeação efetuada por entidades privadas previamente eleitas para o conselho de administração da REN e, por outro, precedido de eleição realizada sem a intervenção decisiva dos votos dos acionistas de capitais exclusivamente públicos.
Conforme se verá, quer singularmente considerada, quer por efeito da sua verificação conjunta, qualquer uma das circunstâncias invocadas é inidónea para conduzir à exclusão da posição dos requerentes do âmbito do conceito de “gestor público” constante da al. a) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão aprovada pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro.
7. Disse-se já que, com a entrada em vigor do Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março, o conceito de gestor público passou a estar normativamente indexado ao conceito de empresa pública, este definido no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro.
Embora o Dec. Lei n.º 71/2007 haja sido parcialmente revisto através do art. 36.º da Lei n.º 68-A/2008, de 31 de dezembro, e mais recentemente, do Dec. Lei n.º 8/2012, de 18 de janeiro, trata-se, em ambos os casos, de alterações que em nada afetaram aquela indexação.
Assim, também para os efeitos previstos na al. a) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão resultante da Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, gestor público será todo aquele que houver sido designado, por nomeação ou por eleição nos termos da lei comercial, para órgão de gestão ou de administração das sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto, ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros do conselho de administração e fiscalização – cfr. arts. 1.º e 13.º, n.ºs 1 e 4, do Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março (tendo o n.º4 do art.13.º transitado sem alterações para o respetivo n.º6 na sequência da revisão operada Dec. Lei n.º8/2012, de 18 de janeiro) e art. 15.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, na redação conferida pelo Dec. Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto.
Tal fórmula, que atualmente define o âmbito subjetivo de aplicação do regime jurídico do controlo público da riqueza em razão do cargo a partir da alínea a) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, é, não só literal, como normativamente distinta daquela que, correspondendo então à previsão da al. b) do n.º 3 do art. 4 º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão resultante da Lei n.º 25/95, de 18 de agosto – “administrador designado por entidade pública em pessoa coletiva de direito público ou em sociedade de capitais públicos ou de economia mista” –, foi objeto da análise efetuada pelo Acórdão n.º 1206/96, invocado pelos requerentes.
8. No âmbito de vigência da categoria prevista como “administradores designados por entidade pública em sociedade de economia mista”, a exigência, expressamente colocada, de que se tratasse de “administrador designado por entidade pública” conduziu à fixação de um critério interpretativo segundo o qual deveriam ser como tal considerados os administradores cuja escolha houvesse sido realizada através de «”procedimento”[s] (…) em qualquer dos seus momentos reveladores de uma intervenção determinante de 'entidades públicas' nessa escolha».
Interrogando-se sobre o verdadeiro sentido e alcance da limitação aparentemente produzida pela exigência de uma “designação por entidade pública”, o Acórdão n.º 1206/96 concluiu no sentido de que a mesma conduzia a sujeitar ao âmbito de aplicação do regime do controlo público da riqueza em razão do cargo “os administradores das sociedades de economia mista (…) cuja escolha para o exercício de tais funções h[ouvesse] dependido e resultado, em definitivo, da intervenção e da decisão de uma ou mais entidades públicas”.
No que às “sociedades de economia mista com maioria do capital público” diz respeito, encontrar-se-iam, assim, subordinados ao dever de entrega da declaração de património, rendimentos e cargos sociais os «administradores (…) designados em eleição da respetiva assembleia-geral (…), salvo quando “propostos” pela minoria do capital privado ou por esta eleitos, nos termos, respetivamente, dos n.ºs 1 e 6 do art. 392º do Código das Sociedades Comerciais, ou quando por ela escolhidos e “indicados”, ao abrigo de um acordo parassocial».
De acordo com o critério seguido, as hipóteses ressalvadas explicar-se-iam pelo facto de a designação se haver produzido, de acordo com os mecanismos legais tipificados, sem a intervenção determinante de uma ou mais entidades públicas.
9. Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2010, de 02 de setembro, o universo dos sujeitos obrigados à apresentação da declaração de património, rendimentos e cargos sociais foi, conforme se sabe, reconfigurado.
No que para o presente caso concretamente releva, tal reconfiguração importou a eliminação da referência à figura do “administrador designado por entidade pública em pessoa coletiva de direito público ou em sociedade de capitais públicos ou de economia mista” – figura que, na versão resultante da Lei n.º 25/95, de 18 de agosto, a Lei n.º 4/83, de 2 de abril, incluía na subcategoria dos “equiparados a titulares de cargos políticos” para os efeitos previstos no referido diploma [cfr. art. 4.º, n.º 3, al. b)]. Tal referência foi substituída e concretizada pelo subgrupo constituído pelos “titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados por este”, “membros de órgãos executivos das empresas que integram o setor empresarial local” e “membros dos órgãos diretivos dos institutos públicos” – contemplados, respetivamente, nas alíneas b), c) e d) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão resultante da Lei n.º 38/2010, de 02 de setembro –, subgrupo esse inserido na mais ampla categoria constituída agora pelos “titulares de altos cargos públicos”.
Nesta instituída categoria passou a incluir-se a figura dos “gestores públicos” [cfr. al. a) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2010, de 02 de setembro].
10. Nem na versão que decorria da Lei n.º 25/95, de 18 de agosto, nem naquela que agora resulta da Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, a referência aos “gestores públicos”, constante da al. a) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, é acompanhada da exigência de que a respetiva designação seja efetuada por uma entidade pública.
Tal exigência, por outro lado, também não decorre do conceito de gestor público, tal como este se encontra definido nos arts. 1.º e 13.º, n.ºs 1 e 4, do Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de março, na versão anterior ao Dec. Lei n.º8/2012, de 18 de janeiro (com correspondência nos n.ºs 1º e 6º do art.13.º na versão deste resultante) e art. 15.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, na redação conferida pelo Dec. Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto.
Conforme resulta da al. b) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão aprovada pela Lei n.º 38/2010, de 02 de setembro, a exigência de que se trate de
titular designado pelo Estado aparece agora reservada às empresas participadas, ou seja, às “organizações empresariais que tenham uma participação permanente do Estado ou de quaisquer outras entidades públicas” nas quais o conjunto das participações públicas não origine qualquer uma das situações que conduz a uma posição de influência dominante nos termos previstos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, revisto pelo Dec. Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto (cfr. art. 2.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Neste contexto e no que se refere às sociedades de economia mista de capitais maioritariamente públicos – que são empresas públicas nos termos prescritos na al. b) do n.º 1 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, e cujos administradores são por isso gestores públicos –, poder-se-á, pois, questionar se, conforme referido no Acórdão n.º 242/2011, será “normativamente viável uma interpretação restritiva da al.a) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão aprovada pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, no sentido de excluir do respetivo âmbito as hipóteses, referidas no Acórdão n.º 1206/96 a propósito da delimitação do âmbito de aplicação da fattispecie correspondente à alínea b) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 02 de abril, na versão conferida pela Lei n.º 25/95, de 18 de agosto [“administradores designados por entidade pública (…) em sociedade de capitais públicos ou de economia mista'], em que os membros do órgão de gestão ou de administração de uma empresa pública, apesar de designados para o cargo por eleição da respetiva assembleia-geral, são “propostos” pela minoria do capital privado ou por esta eleitos, nos termos, respetivamente, dos n.ºs 1 e 6 do art. 392º do Código das Sociedades Comerciais, ou por ela escolhidos e “indicados” ao abrigo de um acordo parassocial».
Vejamos mais de perto.
11. Pelo menos para os efeitos previstos na Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão resultante da Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, não é seguro que a indexação normativa do conceito de gestor público ao de empresa pública e, em particular a consequente transmissão ao primeiro da amplitude fixada ao segundo, tenha na sua razão de ser apenas a ideia segundo a qual, numa empresa em que o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto, ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros do conselho de
administração e fiscalização, o ato pelo qual se estabelece o acesso ao cargo de administrador ou gestor da empresa não poderá, em regra, ocorrer em termos independentes ou autónomos do posicionamento daquelas.
Na medida em que “as finalidades subjacentes ao regime jurídico do controlo da riqueza pública em razão do cargo” se relacionam com o “acautelamento do risco de condicionamento da atividade exercida pelos titulares de cargos políticos” e equiparados, bem como de altos cargos públicos, “à satisfação de interesses privados, designadamente em beneficio patrimonial dos próprios”, parece que o resultado da aplicação do diploma que o define permanecerá “consentâneo com a racionalidade que lhe vem sendo reconhecida” sempre que a “posição concretamente ocupada pelo destinatário literal da obrigação ali imposta a este conferir (…) a possibilidade de sujeitar a prestação do órgão em que se insira à influência de interesses de outra ordem que não pública” (cfr. Acórdão n.º 242/2011).
Tal posição, tendo uma existência independente do mecanismo de acesso ao cargo que a confere, verificar-se-á também nos casos em que, não obstante a dimensão maioritária do capital público, a eleição nos termos da lei comercial vier a ocorrer em termos independentes e autónomos do posicionamento do Estado e demais entidades publicas, isolada ou conjuntamente considerados.
Nesta compreensão do regime jurídico do controlo público da riqueza em razão do cargo, a irrelevância do posicionamento do capital público no estabelecimento da relação de acesso ao cargo não constituirá fundamento suficiente para impor uma restrição do âmbito normativo do conceito de “gestor público” contemplado na al. a) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na versão aprovada pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, em particular através da convocação de uma exigência que o mesmo, nos seus próprios termos, não comporta.
12. O argumento segundo o qual a desoneração do dever de apresentação da declaração de património, rendimentos e cargos sociais sempre encontrará justificação no facto de se encontrar em perspetiva a reprivatização do capital da REN não será aqui considerado por não dispor de natureza jurídica.
III. Decisão
13. Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide que, enquanto membros do conselho de administração da REN – Redes Energéticas Nacionais, SGPS, S.A., os requerentes A., B., C. e D. se encontram abrangidos pelo disposto na alínea b) do n.º 3 do art. 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na redação conferida pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro, e, consequentemente, sujeitos ao dever de apresentação da declaração de rendimentos, património e cargos sociais, previsto no art. 1.º do referido diploma.
Consequentemente, determina-se que os requerentes que não entregaram neste Tribunal as declarações a cuja apresentação se encontram obrigados nos termos supra referidos sejam notificados para tal efeito, nos termos previstos no art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, revista pela Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro.- Gil Galvão – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – Vítor Gomes – Carlos Pamplona de Oliveira – Maria Lúcia Amaral – J. Cunha Barbosa – Maria João Antunes – Carlos Fernandes Cadilha – Rui Manuel Moura Ramos.