Imprimir acórdão
Proc.Nº 347/93
PLENÁRIO
Rel. Cons.
Vítor Nunes de
Almeida
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - Vinte e oito Deputados à Assembleia da República,
devidamente identificados, vieram, nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo
281º da Constituição e dos artigos 62º e seguintes da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração da
inconstitucionalidade com força obrigatória geral de todas as normas constantes
do Decreto Legislativo Regional nº 15/92/A, de 31 de Julho.
Apresentam os Deputados subscritores dois fundamentos
para o pedido que formulam.
Em síntese, são eles, em primeiro lugar, o facto de que
o Decreto Legislativo em questão, porque cria uma remuneração complementar para
os funcionários e agentes em efectividade de funções na administração pública
regional e local, institui uma discriminação 'não só relativamente aos demais
trabalhadores das empresas privadas ou semi-públicas mas, outrossim, dentro da
própria administração pública regional e local' visto que não abrange os
aposentados. Consubstanciar-se-ia, desta forma, uma 'clara violação do artigo
13º da Constituição'.
Por outro lado, e é este o segundo fundamento, o
mencionado diploma constitui legislação do trabalho em cuja elaboração deveria
ter sido facultada a participação de todas, conforme sublinham, as associações
representativas dos trabalhadores interessados, o que não se verificou. Tal
circunstância determinaria a inconstitucionalidade formal de todas as normas do
diploma, por violação do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 56º da
Constituição da República Portuguesa.
2.- Na resposta que ofereceu, o Presidente da Assembleia
Legislativa Regional dos Açores não divergiu das considerações e fundamentos
apresentados pelos Deputados subscritores.
II - FUNDAMENTOS:
3.- Caberia agora passar a apreciar e decidir o pedido
formulado, não fora dever suscitar-se previamente a questão da subsistência de
um interesse jurídico relevante no conhecimento do pedido.
Na verdade, o Decreto Legislativo Regional nº 15/92/A,
de 31 de Julho, que começou a produzir efeitos a partir de 1 de Agosto de 1992,
foi revogado pelo artigo 1º do Decreto Legislativo Regional nº 13/93/A, de 6 de
Agosto. Mas, nos termos do artigo 3º deste último Decreto Legislativo, os
efeitos produzidos pelo primeiro foram ressalvados até à publicação do referido
Decreto Legislativo nº 13/93/A, que ocorreu precisamente em 6 de Agosto de 1993.
Por sua vez, interessa ter em conta que o Tribunal
Constitucional foi chamado a pronunciar-se, em sede de fiscalização preventiva
da constitucionalidade, sobre a conformidade à Lei Fundamental do decreto da
Assembleia Legislativa Regional dos Açores nº 26/92, precisamente e apenas na
parte em que este se propunha revogar o Decreto Legislativo Regional nº
15/92/A, ora sub judicio. Foi então tirado o Acórdão nº 124/93, de 19 de Janeiro
de 1993, publicado no Diário da República, I Série-A, de 3 de Março de 1993, no
qual o Tribunal decidiu pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma
constante do artigo 1º daquele decreto da Assembleia Legislativa, 'na parte em
que revoga o Decreto Legislativo Regional nº 15/92/A, de 31 de Julho, por
violação do artigo 56º, nº 2, alínea a), da Constituição'.
A leitura do preâmbulo do Decreto Legislativo
Regional nº 13/93/A, citado, leva à conclusão inequívoca de que o seu conteúdo,
pelo menos na parte relevante, corresponde ao do decreto da Assembleia
Legislativa Regional que foi objecto do referido Acórdão, sendo certo que,
entretanto, e de acordo com o que consta do respectivo preâmbulo, 'na fase de
reapreciação do presente diploma, foi sanado o vício de procedimento invocado
pelo Acórdâo nº 124/93, do Tribunal Constitucional'.
4. - Resulta de quanto acabou de se expor que vem pedida
a declaração de inconstitucionalidade de normas já revogadas.
Ora sobre a fiscalização da constitucionalidade de
direito revogado é já abundante a jurisprudência deste Tribunal no sentido de
que, em determinados casos não será de conhecer do pedido formulado. Trata-se
daquelas situações em que é visível a priori, com base num juízo de prognose,
que a declaração de inconstitucionalidade, caso viesse a ser proferida, deveria
ter os seus efeitos fixados, em aplicação e nos termos do nº 4 do artigo 282º da
Constituição, de modo a ressalvar, designadamente, em nome da segurança
jurídica, os efeitos entretanto produzidos pelas normas declaradas
inconstitucionais (cfr. os acórdãos nºs 186/94, 804/93, 587/93, 397/93, 308/93,
175/93 e 214/92, entre outros, publicados nos D. R., II Série, de 14/5/94,
31/3/94, 24/12/93, 14/9/93, 22/7/93, 29/4/93 e 18/9/92, respectivamente).
Se é certo que, em tese geral, a revogação de uma norma
não obsta, só por si, à sua eventual declaração de inconstitucionalidade, que
terá então por finalidade a eliminação dos efeitos do normativo questionado
durante o tempo em que vigorou, conforme se referiu no acórdão nº 186/94,
citado, a verdade é que não subsistirá um interesse jurídico relevante nessa
declaração quando, por via da restrição de efeitos dessa inconstitucionalidade
com vista a deixar incólumes os efeitos produzidos medio tempore, a declaração
acabará, fatalmente, por ficar desprovida de sentido útil.
O facto de que a limitação de efeitos, prevista no nº 4
do artigo 282º da Constituição, pressupõe uma aparente apreciação do «fundo» do
pedido, não deve ser impeditivo desta prática corrente na jurisprudência do
Tribunal. Conforme se referiu no acórdão nº 308/93, citado, a ponderação do
interesse processual implica sempre a antecipação do juízo de mérito, mas apenas
com o propósito de ficcionar o sentido da decisão e de avaliar o seu alcance
para verificar a existência de um pressuposto do processo, que é o interesse
jurídico no conhecimento do pedido. E neste particular não se encontram razões
para excluir dos processos de fiscalização abstracta sucessiva a exigência da
verificação desse mesmo pressuposto (ibidem).
No caso presente, não se deve perder de vista que a
eventual não ressalva dos efeitos produzidos implicaria a necessidade de
reposição, por parte dos respectivos beneficiários, de abonos que sem dúvida
foram recebidos continuadamente e de boa fé, em situação em princípio merecedora
de tutela da confiança por eles depositada na regularidade do processamento
dessas quantias.
Este circunstancialismo poderia ser bastante para que,
na sequência de uma eventual declaração de inconstitucionalidade, o Tribunal
viesse a optar pela ressalva dos efeitos produzidos pelas normas questionadas. E
consequentemente a declaração de inconstitucionalidade, quanto à sua projecção
no ordenamento objectivo, teria efeitos semelhantes aos da revogação operada
pelo legislador: com efeito, a ressalva não iria, certamente, além da data da
efectiva vigência do diploma de 1993, pelo que as normas deixariam de produzir
quaisquer efeitos a partir do momento da entrada em vigor do Decreto Legislativo
Regional nº 13/93/A, de 6 de Agosto.
Este diploma, como se referiu, não se limitou a revogar,
com efeito para o futuro, as normas sindicadas. Ele próprio, no seu artigo 3º,
ressalvou os efeitos produzidos pelo direito revogado até à publicação do
direito posterior.
A referência a uma ressalva de efeitos determinada não
pelo Tribunal mas estabelecida directamente pelo legislador em acto legislativo
autónomo - que não pode ser aqui sindicado -, tem apenas a finalidade de
reforçar o entendimento do Tribunal, no sentido de que, caso viesse a decidir-se
pela inconstitucionalidade das normas em causa, sempre haveria de restringir os
efeitos dessa inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do
nº 4 do artigo 282º da Constituição, por razões de equidade e de segurança
jurídica, em atenção á confiança depositada pelos beneficiários na regularidade
do recebimento das quantias processadas ao abrigo do diploma questionado.
Assim, reitera‑se aqui a jurisprudência do Tribunal no
sentido de que, estando as normas a apreciar já revogadas e ocorrendo uma
situação em que é a priori manifesto, com base num juízo de prognose, que o
Tribunal iria ele próprio esvaziar de sentido útil a declaração de
inconstitucionalidade que viesse eventualmente a proferir, bem se justifica que
se conclua, desde logo, pela falta de interesse jurídico relevante no
conhecimento do pedido.
III - DECISÃO:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se
não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade com
força obrigatória geral das normas constantes do Decreto Legislativo Regional nº
15/92/A, de 31 de Julho.
Lisboa,1995.03.08
Vítor Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa