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Processo n.º 118/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Pretendendo recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido na Relação de Évora em 27 de junho de 2011, A. apresentou no processo o seguinte requerimento:
A., arguida no processo em epígrafe referenciado, porque não se conforma com o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 27/06/2011, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional (processo de fiscalização concreta da constitucionalidade e legalidade) ao abrigo do artigo 70º n.º 1 al. b) da LTC, cuja inconstitucionalidade foi suscitada quer nos requerimentos apresentados junto do tribunal “a quo”, quer nas alegações de recurso para o STJ, quer na reclamação da não admissão do mesmo recurso.
O recurso, é delimitado às questões de inconstitucionalidade suscitadas. A recorrente tem legitimidade, art.º 72º n. 1 al. b) e n.º 2; tempestivo (art. 75º n.º 1); com efeito suspensivo e sobe nos próprios autos (art. 78º n.º 3) todos da LTC.
O Desembargador Relator convidou a requerente, nos termos do n.º 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC, atual versão da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro), a completar este requerimento incluindo as menções em falta. Todavia, a recorrente nada fez, razão pela qual foi proferido novo despacho do seguinte teor:
Recurso para o Tribunal Constitucional de fls. 585-586 – Convidada a recorrente, nos termos do n.º 5 do artigo 75.º-A da Lei nº 28/82, de 15/11, a dar cumprimento ao disposto no n.º 2 do mesmo preceito, a mesma nada disse em prazo.
Assim e nos termos dos artigos 75º-A, n.º 7 e 76º, n.º 2 da Lei n.º 28/82, rejeito o recurso interposto.[...]
É contra este despacho que reclama A., dizendo:
A., advogada e arguida melhor identificada nos autos em epígrafe, vem reclamar do Despacho que não admite o recurso, a fls 608, interposto a sindicar o Acórdão da Relação de Évora, e dele não se conforma por o mesmo ser lesivo dos seus interesses.
Foi o recurso rejeitado, pelo facto de a recorrente não ter dado cumprimento ao n.º 2 do art.º 75.º da LTC.
Acontece que a recorrente, quer no requerimento de interposição de recurso, quer nas motivações identifica a decisão que visa sindicar, referindo expressamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora sobre tal decisão.
Havia a questão sido suscitada nos autos, e veio a mesma a ser indeferida em todas as instâncias.
Razão pela qual apresentou o atinente recurso junto do Tribunal Constitucional.
Por outro lado a recorrente refere, nas motivações de recurso para ao Tribunal Constitucional, qual a interpretação da norma que pretende ver apreciada, bem como os preceitos Constitucionais que se encontram violados.
Nesta esteira e apesar do não cumprimento do n.º 2 do art.º 75º da LTC, constata-se que já constavam dos autos e das motivações de recurso todos os elementos, tendentes à cabal identificação da questão que se pretendia ver apreciada.
Resta saber se pela questão formal da recorrente não ter respondido ao convite formal, se será o mesmo suficiente para não ver sufragado o recurso.
Na nossa modesta opinião afigura-se que tal é manifestamente excessivo, desde logo porque os autos não revestem complexidade relevante, descortinando-se tão somente que a recorrente no seu requerimento de recurso, faz alusão às alegações de recurso para o STJ.
Na realidade tal alusão deve-se a mero lapso material.
Desde logo porque o Supremo Tribunal de Justiça nunca foi chamado, nos presentes autos, nem tão pouco resulta dos escritos constantes dos autos tal desiderato.
Ora, sendo este um mero lapso material, estava na alçada do Tribunal reparar o mesmo, uma vez a questão suscitada teve uma cronologia consentânea com a tramitação processual, e sendo a mesma verificável por si só.
Pelo, que independentemente do convite formulado a questão deveria ser dirimida pelo Tribunal “a quo”.
A não ser assim, está a arguida amputada do direito ao recurso, constitucionalmente consagrado.
Pelo que deverá ser considerada inconstitucional a interpretação conferida ao art.º 75.º n.º 2 e 5 da LTC, quando colhe os fundamentos, de que a recorrente ao não responder ao convite de aperfeiçoamento, apesar de no referido recurso, fazer menção à questão que pretende ver apreciada, e sendo que a alusão ao STJ, deveria ser considerado lapso material, perfeitamente ao alcance dos poderes de cognição do Tribunal de Recurso, podendo o mesmo oficiosamente repará-lo, por violação do art. 32 n. º1 da CRP.
Pelo exposto, requer-se a admissão da presente reclamação, devendo ser considerada nulo o despacho que rejeita o recurso, devendo ser o mesmo revogado e substituído por decisão que admita o mesmo mantendo-se o requerido quanto aos efeitos a atribuir ao recurso.
Foi ouvido o representante do Ministério Público neste Tribunal.
Dispensados os vistos, o processo vem à Conferência para decisão.
2. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, que constituem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como é o presente –, a existência dum objeto normativo, o esgotamento dos recursos ordinários, a suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, e a aplicação da norma, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida.
É também entendimento pacífico que do requerimento de interposição devem constar todos os elementos que permitem ao tribunal que profere a decisão recorrida verificar a ocorrência dos requisitos do recurso, identificar o seu objeto, e delimitar o âmbito da pretensão. Em suma, o requerimento deverá conter, e com total suficiência, as menções que obrigatoriamente habilitam o tribunal a decidir pelo prosseguimento do recurso. O artigo 75º-A da LTC prevê, no seu n.º 5, o seguinte:
5. Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias.
É razoável admitir que, através da disciplina legal contida no referido artigo 75º-A da LTC, o legislador quis deixar totalmente claro que os 'elementos' que devem constar do requerimento de interposição do recurso são indispensáveis para efeito de se poder apurar se se verificam os requisitos do recurso, que não poderá prosseguir sem tais indicações; simultaneamente, o legislador criou um mecanismo processual 'de garantia reforçada', para permitir a qualquer interessado minimamente diligente o acesso ao Tribunal mediante um sistema de convite dirigido ao recorrente para reformular adequadamente a sua pretensão.
Com efeito, como acontece em qualquer tribunal, é ao juiz que compete dirigir a instância, determinando a realização dos atos necessários ao andamento regular do processo; às partes cabe prestar, de acordo com o princípio da cooperação, os esclarecimentos necessários ao prosseguimento da instância, sendo inaceitável pretender retirar ao tribunal os poderes funcionais destinados à aquisição dos elementos essenciais ao exercício da sua tarefa jurisdicional. Nesta linha, prevê-se no n.º 7 do aludido preceito, que 'se o requerente não responder ao convite efetuado pelo relator no Tribunal Constitucional, o recurso é logo julgado deserto'; na verdade, esta cominação de natureza extintiva para o caso de a parte se recusar a fornecer os elementos indispensáveis ao prosseguimento da instância recursiva, e revelar, pelo seu silêncio, total desinteresse pela lide, está em perfeita sintonia com o sistema. Convém ter presente, com efeito, que a cominação assenta nesta dupla omissão da parte, que não só não contesta o juízo do tribunal quanto à existência da falta, mas que também não presta ao tribunal o esclarecimento necessário para o prosseguimento da lide.
Ora, contrariamente ao que sustenta a reclamante, não é possível descortinar nestas regras qualquer desconsideração constitucionalmente reprovável dos direitos processuais dos recorrentes quanto ao acesso ao Tribunal. Na verdade, não é excessiva a previsão da aludida cominação, e seria até problemático encontrar uma solução prática que a substituísse sem sobrecarregar injustificadamente os tribunais com tarefas que cabem, pela lógica das coisas, no acervo de obrigações de quem demanda o Tribunal. É, por isso, totalmente irrazoável a acusação de inconstitucionalidade imputada ao artigo 75.º n.º 2 e n.º 5 da LTC, por violação do artigo 32º n.º 1 da Constituição.
Tendo apurado que o requerimento de interposição do recurso apresentado não incluía as menções impostas pelos n.ºs 1 e 2 do citado artigo 75º-A da LTC, o Relator convidou a recorrente a aperfeiçoar o requerimento; nada tendo sido respondido, não admitiu o recurso nos termos do n.º 2 do artigo 76º da LTC.
Nada há que censurar a esta decisão.
Haverá finalmente que ter em atenção, para além do que ficou dito, que a peça que a reclamante apresentou, na Relação, como 'motivação' do recurso de inconstitucionalidade, foi junta aos autos intempestivamente, pois as alegações do recurso devem ser apresentadas no próprio Tribunal Constitucional, uma vez admitido – artigo 79º da LTC. Por esta razão, é de afastar o argumento de que os elementos em falta poderiam ser obtidos através da consulta dessa peça processual que, de resto, nem deveria estar nos autos.
É, assim de concluir pela improcedência da reclamação.
3. O Tribunal decide, em suma, indeferir a reclamação, mantendo o despacho que, na Relação de Évora, não admitiu o recurso. Custas pela reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 6 de março de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.