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Proc. nº 50/94
1ª Secção
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucioanl:
I
1. Em processo de acidente de trabalho, instaurado
por morte de A ..., veio a ser celebrado acordo entre a viúva do sinistrado,
M...por si e como legal representante do filho menor do casal, e o representante
da COMPANHIA DE SEGUROS B..., em conciliação realizada pelo Agente do Ministério
Público junto do Tribunal de Trabalho da Covilhã. Nos termos do respectivo auto
de conciliação (a fls. 24 a 25 vº dos autos), entre outras estipulações, a
seguradora obrigou-se a pagar à viúva do sinistrado 'a pensão anual e unitária
[...] de 257.568$00, acrescida da prestação suplementar de 21.464$00 até aos 62
anos, e a partir daquela idade a pensão [...], correspondente a 40% da
retribuição base', bem como ao filho do sinistrado a pensão anual de 171.712$00,
acrescida de uma prestação suplementar de 14.309$00, até este perfazer 18 ou 22
e 25 anos, consoante o nível de escolaridade atingido.
Este acordo, porém, não veio a ser homologado pelo
Senhor Juiz daquele Tribunal de Trabalho, por o mesmo entender que ocorriam
vícios de inconstitucionalidade normativa. Pode ler-se na sua decisão proferida
em 22 de Novembro de 1993:
'Como se vê do auto que antecede a conciliação a que as partes chegaram está
estruturada nas alterações introduzidas à Base XIX da Lei nº 2127 pela Lei nº
22/92 de 14 de Agosto. De facto, a beneficiária - viúva reclama direitos, que a
seguradora aceita, por referência à idade de reforma por velhice (que é de 62
anos para as mulheres e de 65 para os homens - art. 88º do Dec. nº 45.266 de
23/9/63, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Reg. nº 25/77 de 4 de Maio) e o
beneficiário-filho reclama direitos, que a seguradora também aceita, por
referência ao que actualmente dispõe a Base XIX, nº 1, al. c), da referida Lei.
Entendemos, porém, que a Lei nº 22/92 de 14/8 não pode ser
aplicada por estar viciada de inconstitucionalidade.
De facto, os arts. 54º, nº 5, al. d), e 56º, nº 2, al. a) da
Const. da Rep. Portuguesa, impõem ao legislador que ouça os organismos
representativos dos trabalhadores quando esteja em curso um processo de
elaboração de legislação do trabalho [...].
Temos, pois, que a Lei nº 22/92 de 14/8 por estatuir em matéria de
acidentes de trabalho tem de considerar-se legislação do trabalho e, sendo
assim, na sua elaboração era constitucionalmente exigível a participação dos
organismos representativos dos trabalhadores em face do que resulta do art. 54º,
nº 5, al. d), e 56º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa. Porém, a Lei
nº 22/92 não faz qualquer referência a uma eventual participação daqueles
organismos na respectiva elaboração, donde presumir-se que tal participação não
ocorreu e logo que as normas daquele diploma se encontram feridas de
inconstitucionalidade por violação das disposições atrás referidas da Const. da
Rep. Port..
E cremos que a nova redacção dada pela Lei nº 22/92 à Base XIX, nº
1, al. a) da Lei nº 2127 porque permite um tratamento diversificado dos cônjuges
das vítimas mortais de acidente de trabalho conforme sejam do sexo masculino ou
feminino e simplesmente por referência à idade (isto é, enquanto a cônjuge viúva
adquire o direito à pensão correspondente a 40% da retribuição da vítima a
partir dos 62 anos de idade, o cônjuge viúvo apenas adquire o direito a tal
pensão a partir dos 65 anos de idade) também viola o princípio de igualdade
consignado no nº 2 do art. 13º da Cons. da Rep. Portuguesa.' (a fls. 25 vº a 26
vº dos autos)
Notificado desta decisão, dela interpôs o Agente do
Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea
a) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Este recurso foi
admitido por despacho de fls. 29.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Apenas alegou o Exmo. Representante do Ministério
Público, tendo formulado as seguintes conclusões:
'1º - Tendo sido cumprido pela Assembleia da República o dever de consulta
constitucional, as alíneas a) e c) do nº 1 da Base XIX, da Lei nº 2127, de 3 de
Agosto, não sofrem de inconstitucionalidade formal, por vício de procedimento
legislativo.
2º - A proibição da discriminação em razão do sexo determinada no nº 2 do artigo
13º da Constituição não significa que não possa haver desigualdade de tratamento
entre o homem e a mulher, sendo admissível e, até, necessário estatuir normas
que atendam às peculiaridades do sexo.
3º - Assim, a alínea a) do nº 1 da Base XIX da Lei nº 2127, de 3
de Agosto de 1965, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 22/92, de 14 de
Agosto, estabelecendo para o cônjuge 30% da remuneração base da vítima até
perfazer a idade de reforma por velhice, que é, nos termos do artigo 88º do
Decreto nº 45266, de 23 de Setembro de 1963, na redacção que lhe foi dada pelo
Decreto Regulamentar nº 25/77, de 4 de Maio, de 62 anos para a mulher e de 65
anos para o homem, o que, embora desfavorecendo este último, é justificável
pelas naturais diferenças entre ambos, não viola o princípio constante do artigo
13º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
4º - Deve, em consequência, conceder-se provimento ao recurso, determinando-se a
reforma da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de não
inconstitucionalidade'. (a fls. 41-42 dos autos)
3. Foram corridos os vistos legais.
Por não haver motivo a que tal obste, cumpre conhecer
do objecto do recurso.
II
4. Começar-se-á por delimitar o objecto do recurso.
A decisão recorrida desaplicou de forma clara o
disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 da Base XIX da Lei nº 2127, de 3 de Agosto
de 1965, na redacção introduzida pela Lei nº 22/92, de 14 de Agosto:
É o seguinte o teor dessas normas:
'1. Se do acidente de trabalho ou da doença profissional resultar a morte, os
familiares da vítima receberão as seguintes pensões anuais:
a) Cônjuge - 30% da remuneração base da vítima até perfazer a idade de
reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física ou
mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
b) [...]
c) Filhos, incluindo os nascituros, até perfazerem 18 ou
22 e 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou
curso equiparado ou o ensino superior, e os afectados de doença física ou mental
que os incapacite para o trabalho - 20% da retribuição base da vítima se for
apenas um, 40% se forem dois, 50% se forem três ou mais, recebendo o dobro
destes montantes, até ao limite de 80% da retribuição da vítima, se forem órfãos
de pai e de mãe:
d) [...]'
Relativamente a ambas as alíneas desaplicadas existe
um fundamento comum dos respectivos juízos de inconstitucionalidade. Segundo a
decisão recorrida, as regulamentações em causa devem qualificar-se como
legislação do trabalho, nos termos e para os efeitos das normas constitucionais
que impõem ao legislador o dever de audição das organizações dos trabalhadores
(atendendo à data em que foi editada a Lei nº 22/92, as normas dos arts. 54º, nº
5, al. d), e 56º, nº 2, al. a) da Constituição). Ora, segundo o despacho
recorrido, como nada se refere no texto de Lei nº 22/92, deve presumir-se que
não houve tal audição, pelo que existe uma inconstitucionalidade de natureza
formal ou procedimental.
Já quanto à redacção vigente da alínea a) do nº 1 da
Base XIX referida, a decisão recorrida entendeu que havia um vício de
inconstitucionalidade material específico, por violação do princípio
constitucional da igualdade (art. 13º, nº 2, da Constituição).
Impõe-se, por isso, começar por analisar o invocado
vício de ordem formal ou procedimental, que afectará por igual as duas normas
desaplicadas.
5. Facilmente se entende que, independentemente da
qualificação das normas em causa como legislação do trabalho, importa começar
por averiguar se, não obstante a ausência de qualquer referência à audição das
organizações de trabalhadores no preâmbulo da lei, tal audição se realizou ou
não.
Trata-se, pois, de uma questão de facto que importa
apurar preliminarmente, já que a presunção de não-audição invocada na decisão
sub judicio não é seguramente uma presunção juris et de jure, que não possa
admitir prova em contrário.
Ora, como põe em destaque a entidade recorrente nas
suas alegações, tal audição ocorreu no caso concreto. Examinado o iter
procedimental da proposta do Governo apresentada à Assembleia da República e que
veio a converter-se na Lei nº 22/92, através da consulta do jornal oficial deste
órgão parlamentar, verifica-se que foram cumpridos os dispositivos
constitucionais acima identificados e o disposto na Lei nº 16/79, de 26 de Maio.
Na proposta de Lei nº 7/VI (publicada no Diário da
Assembleia da República, II Série-A, nº 10, de 8 de Janeiro de 1992), o Governo
afirmou na respectiva motivação que se visava, no que tocava à Base XIX da Lei
nº 2127, proceder às alterações tornadas necessárias pela declaração, com força
obrigatória geral, da inconstitucionalidade da alínea b) do nº 1 dessa Base
(declaração com força obrigatória geral constante do acórdão nº 191/88 do
Tribunal Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12º, págs.
239 e seguintes).
No parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais
Direitos, Liberdades e Garantias, refere-se que, 'nos termos e para os efeitos
dos artigos 54º, nº 5, alínea d), e 56º, nº 2, alínea a), da Constituição da
República Portuguesa, do artigo 143º do Regimento da Assembleia da República e
dos artigos 3º a 6º da Lei nº 16/79, de 26 de Maio, procedeu-se à discussão
pública do diploma e, findo o prazo, não foi recebida qualquer sugestão ou
parecer' (in Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 31, de 8 de Abril
de 1992). E, com base na regularidade procedimental verificada por essa comissão
parlamentar, concluiu-se que a mesma proposta preenchia os requisitos
regimentais e constitucionais para ser apreciada em plenário. A idêntica
conclusão se chegou no parecer da Comissão de Trabalho, Segurança Social e
Família, publicado no mesmo número, série e data do Diário da Assembleia da
República.
Assim sendo, tem de ter-se por verificado o
cumprimento do dever de consulta às organizações representativas dos
trabalhadores, razão por que não ocorre a apontada inconstitucionalidade formal
ou procedimental. Dos trabalhos preparatórios decorre a ilisão da presunção
juris tantum invocada na decisão recorrida.
6. Importa agora abordar a questão de
inconstitucionalidade respeitante à alegada violação do nº 2 do art. 13º da
Constituição pela alínea a) do nº 1 da Base XIX da Lei nº 2127, na redacção
introduzida pela Lei nº 22/92.
No entender da decisão recorrida, a circunstância de o
legislador ter fixado como marco temporal para se proceder ao aumento da
percentagem de cálculo da pensão a auferir pelo cônjuge do sinistrado que vier a
falecer em virtude de acidente de trabalho ou de doença profissional - excluído,
claro, o caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a capacidade
de trabalho do cônjuge - a idade de reforma por velhice implica uma
discriminação em desfavor do cônjuge marido, visto que a idade de reforma por
velhice é de 62 anos para as mulheres e 65 anos para os homens (art. 88º do
Regulamento Geral das Caixas Sindicais de Previdência, aprovado pelo Decreto nº
45.266, de 23 de Setembro de 1963 na redacção do art. 1º do Decreto Regulamentar
nº 26/77, de 4 de Maio).
7. Importa reconhecer que, por força da remissão que
se faz nesta alínea desaplicada na decisão recorrida, os momentos de mudança de
percentagem utilizada para cálculo das pensões dos cônjuges maridos e dos
cônjuges mulheres é diferente: altura em que perfazem 65 anos os primeiros;
altura em que perfazem 62 anos os segundos.
Anteriormente, na primitiva redacção da alínea b) do
nº 1 da Base XIX desta Lei nº 2127, que veio a ser declarada inconstitucional,
com força obrigatória geral, pelo acórdão nº 191/88 do Tribunal Constitucional,
o marco temporal de 65 anos era invariável para homens e mulheres: simplesmente,
a viúva tinha direito a uma pensão de 30% da retribuição base da vítima, até
perfazer 65 anos, passando a ter direito a uma pensão de 40% a partir dessa
idade ou no caso de doença física ou mental nas condições referidas; o viúvo,
pelo contrário, só tinha direito a pensão, e sempre de percentagem de 30%, a
partir dos 65 anos de idade, ou em caso de doença física ou mental nos termos
referidos, e desde que se mantivesse no estado de viuvez.
A nova redacção equipara ambos os cônjuges quanto ao
regime de atribuição de pensão. A discriminação em desfavor do cônjuge marido
decorre apenas da remissão para a legislação que estabelece uma diferença da
idade de reforma por velhice, em função do sexo da pessoa em causa.
Acontece, porém, que tal diferença está em vias de
dasaparecer, na medida em que o Decreto-Lei nº 329/93, de 25 de Setembro, veio
estabelecer idêntica idade de reforma por velhice para homens e mulheres,
fixando-a precisamente nos 65 anos de idade (art. 22º deste diploma). No
respectivo preâmbulo, considera-se uma significativa modificação a 'medida de
uniformização da idade de pensão de velhice aos 65 anos, tendo em vista o
estabelecimento, neste domínio, da igualdade de tratamento entre homens e
mulheres' (nº 4), Simplesmente, nas disposições transitórias do decreto-lei
surge um artigo em que se estabelece uma forma gradual de atingir a igualização
da idade para acesso à pensão de velhice a beneficiários de ambos os sexos: em
1994, a idade de reforma é fixada em 62 anos e 6 meses, 'acrescentando-se
posteriormente, por cada ano civil, o período de 6 meses, à idade fixada para o
ano anterior' (nº 2 do art. 103º de Decreto-Lei nº 329/93).
Embora na data em que foi proferido o despacho
recorrido ainda não tivesse entrado em vigor o disposto no art. 106º do
Decreto-Lei nº 329/93, crê-se que a modificação da Base XIX da Lei nº 2127 já
tinha em vista a solução de igualização das idades de reforma de homens e
mulheres, medida anteriormente anunciada no âmbito do desenvolvimento da nova
lei sobre Segurança Social (Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, invocada no preâmbulo
do Decreto-Lei nº 329/93).
8. Sobre questão de inconstitucionalidade análoga -
apreciada em recurso interposto de decisão do outro tribunal de trabalho - teve
ocasião a 1ª Secção do Tribunal Constitucional, no seu acórdão nºº 609/94, ainda
inédito, de não julgar inconstitucional a alínea d) do nº 1 conjugada com o nº 2
da Base XIX da mesma Lei. Transcrevem-se desse acórdão os passos mais
relevantes, sendo certo que a distinção que aí se punha quanto aos ascendentes
pai e mãe tem idêntica tradução no que toca aos cônjuges, visto estar em causa
uma desigualdade de tratamento perfeitamente idêntica, em função da idade de
reforma por velhice:
'Não basta, porém, afirmar a violação do princípio da igualdade só porque a
singela confrontação literal do texto revela diversidade de regime jurídico
consoante o sexo dos destinatários da norma.
O princípio da igualdade está, com efeito, suficientemente
sedimentado para que não seja legítimo ao intérprete surpreender-lhe afronta só
porque duas situações aparentemente semelhantes não merecem o mesmo tratamento
jurídico. É, na verdade, possível uma diferenciação com base no sexo, se
justificável em motivações objectivas e razoáveis, assentes na natureza das
coisas, como se exprimiu o acórdão nº 456 da Comissão Constitucional (in -
Apêndice ao Diário da República, de 23 de Agosto de 1983, págs. 115 e segs.).
3.2.- Em si, a norma da Base XIX é anódina, no tocante ao
equacionado problema da observância do princípio da igualdade.
Já não o é, porém, na medida em que pressupõe disposição
regulamentar que fixe a idade de reforma por velhice, o que, à data da decisão,
era feito pelo artigo 88º do citado Regulamento, com ela conjugado, nessa medida
o juiz o aplicando implicitamente.
Hoje, de resto, o novo regime nesta matéria, aprovado pelo
Decreto-Lei nº 329/93, de 25 de Setembro, substitui a legislação anterior,
designadamente as secções V e VI do Decreto nº 45 266, onde o artigo 88º se
insere [cfr. o artigo 107º, alínea a), do novo diploma] [...].
Ao estabelecer novo regime de protecção na velhice e na
insegurança para os beneficiários do regime geral da segurança social, o
Decreto-Lei nº 329/93, por sua vez, invocou, nomeadamente, as 'profundas
mudanças que nos aspectos sociais, demográficos e económicos se têm feito sentir
nos últimos anos' e as 'múltiplas e pesadas interdependências com os sistemas de
segurança social' (do preâmbulo) para, assim, uniformizar aos 65 anos a idade do
acesso à pensão de velhice, 'tendo em vista o estabelecimento, neste domínio, da
igualdade de tratamento entre homens e mulheres', para o efeito fixando um
período de seis anos para a introdução gradual da medida, através do aumento
anual de seis meses no limite da idade da reforma (cfr. os artigos 22º e 103º)
No entanto, cumpre ponderar, este novo diploma não altera o
objecto do recurso que continua a ser o da desaplicação, por alegada violação do
princípio da igualdade, do complexo normativo constituído pela Base XIX - nº
1, alínea d), e nº 2 - da Lei nº 2127, na redacção da Lei nº 22/92, e pelo
artigo 88º do regulamento, na redacção do artigo 1º do Decreto Regulamentar nº
25/77, de 4 de Maio.
Crê-se, salvo o devido respeito, que a interpretação
do Senhor Juiz actua não só redutoramente no tocante ao princípio da igualdade
como lhe concede efeitos perversos.
Na verdade, o problema da igualdade - na vertente
que nos interessa - não é tanto o da simetria mas consiste, essencialmente, em
contrariar o desfavor social, económico, político, sexual em que as mulheres se
encontram por contraposição aos homens, para seguir Teresa Beleza (cfr.,
'Teoria Feminista do Direito: uma nova disciplina, uma nova literatura, uma
nova forma de pensar' in - Direito e Sociedade, nº 5, Dezembro de 1989).
A esta luz, a congregação de certos factores é susceptível de
justificar positivamente a diferença detectada. É o caso, por exemplo, do peso
das 'tarefas domésticas' da mulher, parcela acrescida e não remunerada do seu
trabalho, a que Maria Leonor Beleza se refere no trabalho 'O Estatuto das
Mulheres na Constituição' (in - Estudos sobre a Constituição, 1º vol., Lisboa,
1977, págs. 63 e segs.) e se recorta como realidade no presente contexto
cultural, social e económico português.
Sem prejuízo do oportunamente ponderado naquele acórdão nº 191/88
e da tendencial igualização «do homem e da mulher em confronto com o mercado de
trabalho», no sindicado complexo normativo o descrito peso das tarefas
domésticas justifica a diferença, constitui motivação objectiva e razoável a que
o acórdão nº 456 da Comissão Constitucional se arrimava, não obstante a
igualação a estabelecer gradualmente em seis anos, postulada pelo legislador de
1993 e pese embora a motivação por si invocada em que destaca a situação
demográfica do País, caracterizada pelo acentuado envelhecimento da população e
pela maior esperança de vida das mulheres, bem como a frequente existência de
carreiras mais certas em relação às mulheres, o que aconselha - é ele que nos
diz - no próprio interesse destas o alargamento etário.
Mais ainda, a interpretação normativa professada - na medida da
estrita competência censória deste Tribunal - contraria a 'natureza das
coisas' susceptibilizando efeitos desautorizantes da igualdade que se pretende
acautelar: ao recusar à suposta beneficiária o direito a receber a pensão
acordada com a seguradora com o argumento de que se fosse homem - se fosse o
pai e não a mãe da vítima - ainda não tinha alcançado o patamar etário
legalmente exigido para a titularidade do direito à pensão, o intérprete está a
gerar efeitos perversos em nome da igualdade, não reconhecendo um direito a quem
é dele presuntivo titular para não discriminar relativamente a quem dele ainda
não é titular.
Tese que se afasta: a diferença de tratamento é racionalmente
justificada, adequada e objectiva, nessa medida não repelindo ao princípio da
igualdade, aberto que deve ser à penetração da realidade social no plano da
normatividade'.
9. Não há, assim, no presente caso violação do
princípio constitucional da igualdade.
III
10. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o
Tribunal Constitucional conceder provimento ao recurso, determinando-se a
reforma da decisão recorrida em conformidade com o julgamento em matéria de
constitucionalidade.
Lisboa,23 de Fevereiro de 1995
Ass) Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa