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Processo: n.º 51/95.
Recorrente: A..
Relator: Conselheiro Luís Nunes de Almeida.
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público,
pelo essencial das razões da exposição preliminar do relator, que mereceu a
concordância do recorrido e a que o recorrente não respondeu, decide-se não
tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s.
Lisboa, 15 de Março de 1995. — Luís Nunes de Almeida — Guilherme da Fonseca —
Bravo Serra — José Manuel Cardoso da Costa.
Exposição (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)
1 — A., cidadão brasileiro, recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão
de 11 de Novembro de 1994 do Supremo Tribunal de Justiça que lhe indeferiu uma
providência de habeas corpus, por a ter julgado manifestamente infundada.
Pretende que se aprecie a constitucionalidade da interpretação perfilhada
naquele acórdão quanto ao disposto no artigo 54.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º
43/91, de 22 de Janeiro, pois considera que tal interpretação, com a consequente
manutenção da detenção provisória do requerente, viola os artigos 27.º, 29.º e
31.º da Constituição.
2 — Afigura-se-me que não pode conhecer-se do presente recurso.
Na verdade, para além de o recorrente não identificar convenientemente a norma a
apreciar, a verdade é que a questão de inconstitucionalidade de tal norma não
pode considerar-se suscitada durante o processo, pois só o foi depois de
proferida a decisão do tribunal a quo, quando poderia tê-lo sido antes.
3 — Poder-se-ia, desde logo, entender que o recorrente não indica
convenientemente a norma a examinar.
Com efeito, diz que recorre por ser inconstitucional a norma do artigo 54.º, n.º
3, do Decreto-Lei n.º 43/91, na «interpretação perfilhada no acórdão» recorrido,
mas não refere qual a interpretação inconstitucional que, a seu ver, aquele
acórdão perfilhou, limitando-se a dizer que tal interpretação, com a consequente
manutenção da detenção provisória do requerente viola os artigos 27.º, 29.º e
31.º da Constituição.
Ora, o Tribunal Constitucional vem considerando admissível que, com base no
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, se peça a apreciação da
inconstitucionalidade de determinada norma segundo a interpretação com que o
tribunal a quo a tiver aplicado, desde que o recorrente tenha suscitado
tempestivamente essa questão de inconstitucionalidade. Mas, em tal caso, o
recorrente terá de esclarecer qual a interpretação a que se refere, pois só
desta maneira poderá o Tribunal apurar se efectivamente a inconstitucionalidade
da norma assim entendida foi suscitada no processo e se o tribunal recorrido a
aplicou com o sentido apontado.
Ora, tal não aconteceu no caso dos autos, uma vez que o recorrente não referiu
qual a interpretação que, a seu ver, o Supremo Tribunal de Justiça terá seguido.
4 — De qualquer modo, e seja qual for a interpretação a que o recorrente se
refere, a verdade é que não suscitou tempestivamente tal questão de
inconstitucionalidade.
Na verdade, apenas suscitou a questão de inconstitucionalidade do artigo 54.º,
n.º 3, do Decreto-Lei n.º 43/91 depois de proferida a decisão recorrida, e
apenas no próprio requerimento de interposição do recurso.
É certo que, no requerimento da providência de habeas corpus, já havia citado
aquela norma (por lapso, em vez de «n.º 3», escreveu «n.º 4»). Mas sempre sem
invocar a sua eventual inconstitucionalidade: referindo, embora, aí que a
«manutenção do requerente em situação de prisão preventiva ofende imperativos
constitucionais», sendo «inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, 28.º e
31.º, todos da Constituição da República Portuguesa», antes entende que tal
«manutenção» é igualmente violadora da citada disposição legal, que considera,
assim, inteiramente conforme com a Constituição.
Isto é, inicialmente, o recorrente não considerou inconstitucional aquela norma,
mas sim, e quando muito, considerou inconstitucional a decisão judicial que o
mantivesse na situação de detenção preventiva.
Mas, sabendo perfeitamente que a norma agora em causa deveria ser aplicada ao
caso, como o demonstra no requerimento da providência, já aí devia então, ter
colocado a questão da sua inconstitucionalidade, na interpretação ou dimensão
por si repudiada.
Quando pediu a sua imediata libertação com base na norma deste artigo 54.º, n.º
3, o recorrente devia ter ido mais além: devia ter considerado também a hipótese
plausível de o Supremo Tribunal de Justiça lhe recusar essa libertação, com
base numa interpretação (a seu ver) inconstitucional daquela norma. Ao menos,
devia ter indicado qual a interpretação da norma que reputava constitucional,
invocando ao mesmo tempo a inconstitucionalidade de outra interpretação ao
abrigo da qual a providência de habeas corpus pudesse ser recusada.
Como apenas invocou a inconstitucionalidade da norma depois de proferida a
decisão, tendo deixado passar a oportunidade de o fazer antes, a questão não
pode ter-se por suscitada durante o processo conforme se exige no artigo 70.º,
n.º 1, alínea b), da LTC. É que, como se viu, durante o processo, isto é, a
tempo de o tribunal a quo se pronunciar sobre a questão, não suscitou a
inconstitucionalidade de qualquer norma, mas tão-só a inconstitucionalidade de
uma situação ou, quando muito, de uma decisão judicial, sendo certo que este
Tribunal só pode conhecer de inconstitucionalidades normativas.
5 — Nestes termos, entendo que não poderá conhecer-se do recurso, por falta de
requisitos essenciais.
Notifique as partes, nos termos do disposto no artigo 78.º-A da LTC.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 1995. — Luís Nunes de Almeida.