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Processo n.º 83-B/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de traslado foi, por despacho de fls. 55, ordenada a notificação da requerente A., para se pronunciar sobre a eventual existência de má fé na sua conduta processual, nos seguintes termos:
«(…) Pelo requerimento de fls. 41 e s., vem a requerente, mais uma vez, dirigir um requerimento ao processo n.º 83/08 que, como bem sabe, há muito foi remetido ao tribunal recorrido, na sequência do trânsito em julgado da decisão deste Tribunal Constitucional.
Verifica-se, ainda que o citado requerimento de fls. 41 se mostra inadmissível no âmbito do presente traslado (processo n.º 83-B/08), emitido para efeitos de reclamação de conta, como já se verificara com um anterior requerimento da requerente, que foi desentranhado em cumprimento do despacho de fls. 38, devidamente notificado à requerente.
Atento o exposto, e considerando a persistência da requerente em juntar aos autos requerimentos cuja inadmissibilidade nesta fase processual não deverá ignorar, determina-se:
a) O desentranhamento e devolução à requerente do requerimento de fls. 41, ficando cópia nos autos para efeitos do a seguir determinado;
b) A notificação da requerente, na pessoa do seu mandatário, ao abrigo do disposto nos artigos 456.º e 459.º do CPP, para se pronunciar sobre a eventual existência de má-fé na conduta processual acima descrita. (…)».
2. A requerente apresentou resposta com o seguinte teor:
«A., agente da PSP, arguida nos autos em epígrafe, em que são igualmente arguidas B. e C., vem arguir a inexistência jurídica do despacho deste Tribunal de 13 de julho de 2011, o que faz, nos termos e com os fundamentos seguintes:
A título subsidiário
1.º
Prévia e subsidiariamente, cumpre dizer: a acusação e o procedimento por litigância de má-fé estão incluídas na classe «de quaisquer processos sancionatórios» referida no artigo 32.°, n.° 10 da Constituição e neles são assegurados todos os «direitos de audiência e de defesa».
2.°
Acresce que os presentes autos são autos de processo crime a que se aplicam subsidiariamente as regras do processo penal.
3.º
Assim, mesmo que nenhuma das afirmações produzidas pela Recorrente cuja condenação como litigante de má-fé se requer fosse verdadeira — porém, todas o são — mesmo assim nunca poderá ter lugar a condenação, porque em tais processos o visado não tem o dever de dizer a verdade, sendo à tutela deste valor que o instituto acionado se reporta.
4.º
Não vamos desenvolver a temática — que, aliás, tem o maior interesse objetivo. Cabe apenas informar esse Alto Tribunal que, chamado a estudar e a decidir questões do género, o Supremo Tribunal de Justiça, por unanimidade, firmou a seguinte jurisprudência:
1. A especificidade do processo penal impede a condenação, como litigante de má fé, dum arguido que apresenta sucessivos requerimentos com o fim de entorpecer a ação da justiça protelando, sem fundamento, o trânsito em julgado de decisão que o vise.
2. Tal tipo de comportamentos põe em causa a essência do Estado de direito, demandando uma reação que a própria condenação como litigante de má fé não asseguraria. (Ac. SJ20060214003613, de 14-02-2006).
Não tem cabimento, pois, nesta sede, a condenação da recorrente como litigante de má-fé.
A título principal
5.º
O despacho em causa decidiu conferir inexistência jurídica a este processo criminal, insistindo em que a arguida deve sofrer mais condenações. Este despacho é inexistente.
6.°
Na verdade, decidir como decidiu o despacho em causa é o mesmo que ter decidido a questão da inexistência jurídica já anteriormente invocada e ainda pendente em recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Guimarães e ainda a questão da inexistência dirigida ao Tribunal da Comarca de Braga, constante do requerimento que antecede, a propósito da qual o despacho em causa, como o anterior, tinha decidido que o Tribunal Constitucional não é o competente para conhecer a mesma.
7.º
A verdade, é que nenhuma decisão judicial inexistente transita em julgado. E não há decisões contra a arguida juridicamente existentes.
8.°
A decisão em causa — no seguimento de uma queixa apresentada por três indivíduos, que faltaram à verdade, de nome D., E. e F., «todos casados, com vida familiar estável, e homens de sólida condição socioeconómica» (facto. 9 da matéria provada em julgamento), «tendo [...] aceitado] encontros “amorosos”» (facto 9 da matéria provada em julgamento)», desde o «início» quiseram ter e tiveram «namoro» (facto 18 da matéria provada em julgamento) e «relacionamento sexual», em «muitos encontros ocorridos» (facto 13 da matéria provada em julgamento) — tem como pressupostos a existência de uma outra que, tendo embora julgado SEM FUNDAMENTO a acusação contra a arguida e as outras arguidas, por pretensa prática de, «em coautoria, um crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223°, n.° 1 e 3 al. a), por referência ao art. 204 n.° 2 al. a) do C. Penal» e «em autoria e concurso real de infrações, ainda outro crime de extorsão, p. e p. pelo art.° 223.° n.° 1 e 3 al. a) do CP (caso do ofendido G.)», mesmo assim sentenciou criminalmente a arguida nas penas parcelares de 3 (três) anos de prisão e de 4 (quatro) anos de prisão, invocando, por duas vezes, o tipo legal crime de burla previsto e punido pelo artigo 218.°, n.° 2, alínea a), do Código Penal.
9.º
A decisão em causa é inexistente por força do princípio jurídico processual conhecido como «o fruto da árvore envenenada».
1— Quanto ao primeiro pretenso crime de burla
A — Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado
10.º
Os presentes autos resultaram de uma queixa apresentada por três indivíduos, de nome D., E. e F., os quais «tendo [...] aceitado] encontros “amorosos”» (facto 9 da matéria provada em julgamento)», desde o «início» quiseram ter e tiveram «namoro» (facto 18 da matéria provada em julgamento) e «relacionamento sexual», em «muitos encontros ocorridos» com as arguidas (facto 13 da matéria provada em julgamento).
11.°
Esses indivíduos instigaram mesmo à prática do crime de aborto, então previsto e punido pela lei portuguesa (facto 20 da matéria provada em julgamento).
12.°
O certo é que, ao cabo de cerca de um mês, o namoro e «relacionamento sexual», em «muitos encontros ocorridos» (facto 13 da matéria provada em julgamento) entre a C. e o queixoso D. teve problemas e a ora requerente foi solicitada a servir de «mediadora do conflito» entre esse par de namorados (queixa apresentada pelo D. e pelo E. em 12 de agosto de 1999) e, honrando o compromisso que assumiu, a arguida ora requerente «sempre se comportou como líder» (facto 24 da matéria provada em julgamento) na solução desse conflito e teve, aliás que insistir para que o contrato que veio a ser celebrado fosse cumprido (facto 29 da matéria provada em julgamento).
13.º
O queixoso D., dos «todos casados, com vida familiar estável, e homens de sólida condição sócio-económica» (facto 9 da matéria provada em julgamento), quis «sossegar a C. e evitar que revelasse o relacionamento sexual» que ele mantinha com essa namorada, também arguida.
14.°
Depois de passar por «muitas peripécias» (facto 25 da matéria provada em julgamento), mas a contento de todos, designadamente do queixoso D. e da C., a requerente, «guarda A., na qualidade de mediadora do conflito, acordou com os três indivíduos que o E. depositaria a quantia de 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos) na conta da mesma» (queixa apresentada e assinada pelo D. e pelo E., em 12 de agosto de 1999).
15.º
Assim, houve um «acordo feito» (facto 34 da matéria provada em julgamento), celebrado no dia 2 de agosto de 1999 (facto 22 da matéria provada em julgamento). Sublinhe-se «ACORDO feito».
16.°
Este «acordo feito» é um Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, que é um contrato de Direito Civil, permitido pelo artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 219.° do mesmo diploma, celebrado entre a arguida C. e o queixoso D., com a mediação da ora requerente.
17.º
Provadas na audiência de julgamento, as principais cláusulas desse Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, de 2 de agosto de 1999, celebrado ao abrigo do Direito Civil, são: Cláusula 1.ª — A C. compromete-se a não revelar «o relacionamento sexual mantido com o D.», com quem manteve um «namoro», prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do D. ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto (facto 25 da matéria provada em julgamento); Cláusula 2.ª — Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a C., o D. compromete-se a pagar à C., imediatamente e de uma só vez, a quantia de 30.000.000$00 (factos 25 e 26 da matéria provada em julgamento); Cláusula 3.ª O pagamento é feito mediante depósito na conta da «guarda A., na qualidade de mediadora do conflito» (queixa apresentada e assinada pelo D. e pelo E., em 12 de agosto de 1999, e facto 29 da matéria provada em julgamento).
B Contrato de Mútuo
18.°
O queixoso D. não tinha o dinheiro necessário para fazer o pagamento imediato a que se comprometera pelo Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado e, por isso, pediu o dinheiro emprestado ao outro queixoso, o E. (facto 27 da matéria provada em julgamento).
19.º
A este pedido de empréstimo feito pelo queixoso D. o queixoso E. disse «que sim», tendo passado a existir entre ambos o contrato de mútuo (facto 27 da matéria de facto provada em julgamento).
20.°
Por isso, em 3 de agosto de 1999, no âmbito das relações de contrato de mútuo entre os dois e sem a presença da requerente, o queixoso D. e o queixoso E. deslocaram-se à agência central da Caixa Geral de Depósitos, sita na Avenida Central, na cidade de Braga, e depositaram na conta da «guarda A., na qualidade de mediadora do conflito», a importância de 30.000.000$00, assim dando o D. cumprimento à Cláusula 3.ª do Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, de 2 de agosto de 1999, celebrado entre ele, D., e a C. (facto 30 da matéria provada em julgamento).
C—A má-fé
21.°
Os queixosos D. e E. são «gente de dinheiro, pois eram eles que pagavam sempre as contas de bons restaurantes que frequentavam, hotéis e tudo o mais, sem nunca regatearem despesas, passeando-se em bons automóveis e nunca lhes faltando dinheiro na carteira» (facto 17 da matéria provada em julgamento).
22.°
Apesar disso, estavam de má-fé nas suas relações com a C., que não é gente de dinheiro, e queriam que a ora requerente também agisse como «mediadora do conflito» de má-fé, enganando a C., enquanto parte do Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, de 2 de agosto de 1999.
23.°
Mais em concreto, pretendiam que o pagamento devido à C., por força da Cláusula 3.ª do dito Contrato, fosse um pagamento a fingir e queriam que a mediadora devolvesse o dinheiro ao E. que este emprestou ao seu amigo D., querendo que o dinheiro fosse apenas «para ser exibido à arguida C.» e não querendo que o mesmo lhe fosse entregue a título do cumprimento do referido Contrato (facto 30 da matéria provada em julgamento).
24.°
Bem sabiam eles que a arguida ora requerente nada tem a ver com as relações entre os dois, D.e E., nem com o empréstimo de 30.000.000$00 que o E. fez ao D. e não sabe nem tem a obrigação de saber se o D. já saldou o empréstimo que o E. lhe fez, em 3 de agosto de 1999.
25.°
Os arguidos só se queixaram, não por que fossem enganados, mas porque não conseguiram que a ora requerente colaborasse com eles no engano que pretendiam fazer à C., namorada do D. (facto 35 da matéria provada em julgamento).
26.°
Estas pessoas «de dinheiro», não apenas se queixaram infundadamente como, faltando à verdade, conseguiram que o Ministério Público deduzisse acusação pela prática de «em coautoria, um crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223°, n.° 1 e 3 al. a), por referência ao art. 204 n.° 2 al. a) do C. Penal».
27.°
Em julgamento, ficou provado que não existiu qualquer extorsão. Mesmo assim, essa «gente de dinheiro» sempre querendo reaver os 30.000.000$00 de quem nada lhes deve, conseguiu, de modo incompreensível, obter o acórdão em epígrafe do Tribunal da Comarca de Braga, que sentencia criminalmente a arguida em 4 (quatro) anos de prisão, acórdão que muito convém aos queixosos para justificar a sua conduta irregular junto das famílias, do meio social e da banca, pois, além de «gente de dinheiro», são «todos casados, com vida familiar estável, e homens de sólida condição sócio-económica» (facto 9 da matéria provada em julgamento).
28.°
Como era necessário obter uma fundamentação para a aplicação dessa pena e não podendo ser a pena de extorsão, o Tribunal percorreu o Código Penal e escolheu a pena correspondente ao «crime de burla, previsto e punível pelo artigo 21.° n.° 2 alínea a) do Código Penal».
29.°
No entanto, há manifesto lapso, porque o crime de burla, definido na lei portuguesa (artigo 217.º, n.° 1, do Código Penal) consiste na conduta em que um indivíduo «com a intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determin[a] outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial».
30.°
Ora, não existe enriquecimento ilegítimo de ninguém, a arguida não «provocou factos» sobre nada, não provou astuciosamente coisa nenhuma, e antes impediu que uma das parte fosse enganada pela «gente de dinheiro» que são os queixosos D. e E., sendo ainda certo que a arguida ora requerente nada determinou, limitando-se a cumprir o seu solicitado papel de «mediadora do conflito» entre a C. e o D..
31.°
Na verdade, muito singelamente, os factos são os seguintes: a arguida foi solicitada a servir de «mediadora do conflito» entre namorados, o queixoso D. e a arguida C., donde resultou, a 2 de agosto de 1999, um «acordo feito» entre ambos, que é um Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, regido pelo Direito Civil, permitido pelo artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 219.° do mesmo diploma, com as seguintes cláusulas: Cláusula 1.ª — A C. compromete-se a não revelar «o relacionamento sexual mantido com o D.», com quem manteve um «namoro», prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do queixoso ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto (facto 25 da matéria provada em julgamento); Cláusula 2.ª —Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a C., o D. compromete-se a pagar à C., imediatamente e de uma só vez, a quantia de 30.000.000$00 (factos 25 e 26 das matéria provada em julgamento); Cláusula 3.ª — O pagamento é feito mediante depósito na conta da «guarda A., na qualidade de mediadora do conflito» (queixa apresentada e assinada pelo D. e pelo E., em 12 de agosto de 1999, e facto 29 da matéria provada em julgamento). O D. não tinha logo o dinheiro para cumprir o contrato e pediu 30.000.000$00 emprestados ao E. que lhos emprestou.
II— Quanto ao segundo pretenso crime de burla
32.°
O Estado Português, através da Polícia, do Ministério Público e dos juízes, resolveu investigar a moral sexual da arguida e a intimidade da sua vida privada, interessando-se por saber onde, quando, como e com quem ela tem relações sexuais.
33.º
Assim, o Estado Português, através da Polícia, do Ministério Público e dos juízes, quis saber e soube que, no final de 1999, a arguida tinha um novo namorado, casado, de nome G., dono de uma fábrica de mármores, e logo o Estado pôs em campo os polícias, os magistrados do Ministério Público e os juízes, para investigar esse namoro.
34.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes quis saber se o namoro da arguida com o G. envolvia sexo e apurou que realmente existia «envolvimento sexual entre ambos» (factos 39 da matéria provada em julgamento).
35.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber onde a arguida e o namorado tinham tido relações sexuais e apurou que foi num «apartamento» (facto 40 da matéria provada em julgamento).
27.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se a arguida tinha e o namorado tinham tido relações sexuais longe ou perto do cemitério e apurou que foi «junto ao cemitério» (facto 40 da matéria provada em julgamento).
36.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber quantos atos sexuais tinham existido entre a arguida e o namorado G., e apurou que os houve «pelo menos duas vezes» (facto 40 da matéria provada em julgamento).
37.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber quais as datas em que a arguida tinha tido relações sexuais com o seu namorado G., e apurou que as teve «em datas que não foi possível determinar» (facto 40 da matéria provada em julgamento).
38.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se a arguida telefonava ao namorado, e apurou que «telefonou» (facto 41 da matéria provada em julgamento).
39.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se a arguida e o namorado falavam sobre gravidez ao telefone, e apurou que, por telefone, uma vez, no ano de 1999, ela disse ao namorado que «estava grávida» (facto 41 da matéria provada em julgamento).
40.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se a arguida estava mesmo grávida do namorado G. e apurou «que só alegadamente se encontrava grávida» (facto 42 da matéria provada em julgamento).
41.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se a arguida e o namorado conversavam sobre aborto, e apurou que o namorado da arguida, o G., lhe sugeriu «que interrompesse voluntariamente a gravidez» (facto 41 da matéria provada em julgamento).
42.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber qual era a razão pela qual o namorado da arguida sugeriu a esta que fizesse um aborto, e apurou que essa razão era que «ele tinha família estável e não pretendia assumir a paternidade» (facto 41 da matéria provada em julgamento).
43.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber qual a resposta da arguida à proposta de fazer um aborto que o namorado lhe fazia, e apurou que, em 1999, ela respondeu que «não podia abortar pois tinha sido operada a um cancro de pele e o médico disse-lhe ser um grande risco» (facto 42 da matéria provada em julgamento).
44.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se o namoro da arguida com o namorado G. continuava, tendo apurado que, afinal, ele lhe marcou um encontro para terminar esse namoro (facto 43 da matéria provada em julgamento).
45.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se o namorado da arguida lhe oferecia alguma coisa pela cessação do namoro, tendo apurado que ele «começou por oferecer 1.000 contos, acabando por aceitar dar àquela 10.000 contos» (facto 44 da matéria provada em julgamento).
46.°
Assim, ficou o Estado Português a saber que a arguida celebrou com o namorado G. um Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, que é um contrato de Direito Civil, permitido pelo artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 219.° do mesmo diploma.
47.º
Mais ficou o Estado Português a saber que as principais cláusulas desse Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, celebrado em 18 de janeiro de 2000, ao abrigo do Direito Civil, são: Cláusula 1.ª — A A. (ora arguida requerente) compromete-se a, relativamente ao namorado G., «se calar» e «não lhe dar cabo da vida familiar», prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do G. ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto (facto 40 da matéria provada em julgamento); Cláusula 2.ª — Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a A., o G. compromete-se a pagar à A., imediatamente e de uma só vez, a quantia 10.000.000$00 (facto 44 das matéria provada em julgamento); Cláusula 3.ª — O pagamento é feito em dinheiro e entregue à A. (facto 45 da matéria provada em julgamento).
48.°
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber se o namorado da arguida cumpriu a sua cláusula do contrato cessação de namoro, e apurou que sim (facto 45 da matéria provada em julgamento), indicando os autos que a arguida também tem cumprido a sua parte.
49.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, quis saber em que data o namorado da arguida cumpriu a sua parte do contrato, e apurou que esse cumprimento ocorreu em 18 de janeiro de 2000 (facto 45 da matéria provada em julgamento).
50.°
Nunca o namorado da arguida, G., apresentou qualquer queixa ou moveu processo judicial contra a arguida.
51.º
Na verdade, o próprio Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, apurou na ata da audiência do julgamento e a páginas 26 da sentença de 31 de outubro de 2003, que o namorado da arguida, G., «nunca se sentiu coagido ou ameaçado tudo tendo sido uma negociação entre ele e a A. com esses objetivo» de «ela se calar» e não lhe dar «cabo da vida familiar».
52.°
Vale a pena sublinhar «tudo ... negociação».
53.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, entende que, em 1999, a arguida não deveria ter dito ao namorado a frase «estou grávida», porque ele, Estado Português, tem o controlo das conversas entre namorados e só permite que uma namorada que tenha sexo com o namorado diga a este que está grávida, se ela estiver mesmo grávida.
54.º
O Estado Português, através da Polícia, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes, não gosta que as pessoas, especialmente as mulheres, sejam livres e celebrem contratos onerosos.
55.º
Assim, o Estado Português, através do Ministério Público, considerando que o G., namorado da arguida, era ofendido pela conduta da arguida, deduziu contra ela acusação pelo «crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223°, n.° 1 e 3 al. a)».
56.°
Em julgamento, ficou provado que não existiu qualquer extorsão de 10.000MO$00 ao G., tanto mais que, repete-se, ficou provado e registado em ata de julgamento que o G. «nunca se sentiu coagido ou ameaçado tudo tendo sido uma negociação entre ele e a A.», ora arguida requerente.
57.º
Mesmo assim, de modo incompreensível, o Estado Português, no acórdão em epígrafe do Tribunal de Braga, conseguiu que a arguida fosse sentenciada criminalmente a 3 (três) anos de prisão, o que muito convém ao Estado, para exibir alguns bodes expiatórios do sistema de justiça.
58.º
Como era necessário obter uma fundamentação para a aplicação dessa pena e não podendo ser a pena de extorsão, o Tribunal percorreu o Código Penal e escolheu a pena correspondente ao «crime de burla, previsto e punível pelo artigo 218.º n.° 2 alínea a) do Código Penal».
59.º
No entanto há manifesto lapso porque, uma vez mais, o crime de burla, definido na lei portuguesa (artigo 217.°, n.° 1, do Código Penal) consiste na conduta em que um indivíduo «com a intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determin[a] outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial».
60.°
Ora, não existe enriquecimento ilegítimo de ninguém, a arguida não «provocou factos» sobre nada, não enganou ninguém, não provou astuciosamente coisa nenhuma e nada determinou, limitando-se a aceitar uma proposta contratual que livremente lhe foi feita.
61.º
Na verdade, muito singelamente, os factos são os seguintes: em 1999, em conversa telefónica entre os dois, a arguida disse ao namorado G. «estou grávida»; e, em 2000, a arguida celebrou com o G. um Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, regido pelo Direito Civil, permitido pelo artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 219.º do mesmo diploma, com as seguintes cláusulas: Cláusula 1.ª — A A. (ora arguida requerente) compromete-se a, relativamente ao namorado G., «se calar» e «não lhe dar cabo da vida familiar», prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do G. ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto (facto 40 da matéria provada em julgamento); Cláusula 2.ª — Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a A., o G. compromete-se a pagar à A., imediatamente e de uma só vez, a quantia 10.000.000$00 (factos 44 das matéria provada em julgamento); Cláusula 3.ª — O pagamento é feito em dinheiro e entregue à A. (facto 45 da matéria provada em julgamento).
62.°
A condenação da arguida pelo crime que tem como alegado ofendido o namorado G. é particularmente chocante, pois a ação da namorada dizer ao namorado «estou grávida», mesmo quando se venha a verificar «que só alegadamente se encontrava grávida» (facto 42 da matéria provada em julgamento), não é ação que faça parte de um qualquer tipo legal de crime, nem pode ser parte de facto criminoso, porque esse género de conversa pertence à reserva privada da pessoa e o Estado está proibido, por leis que protegem os direitos humanos fundamentais, de se intrometer nessa esfera, havendo, no caso, clara violação do artigo 12.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do artigo 8.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Artigo 26.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa. O Estado Português, através da Polícia, dos Magistrados do Ministério Público e dos juízes, não tem o direito de controlar as conversas entre namorados, averiguando se estas conversas são verdadeiras ou falsas, nomeadamente conversas sobre gravidez e aborto.
III— Conclusão
63.°
Por lapso, devendo tê-la absolvido, o Tribunal da Comarca de Braga sentenciou a ora arguida requerente na pena de 4 anos de prisão pela seguinte ação, que, por comodidade, podemos designar por «ação A», a saber: servir como «mediadora do conflito» entre namorados, resultando um «acordo feito» entre ambos, realizado em 2 de agosto de 1999, que consiste num Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, contrato de Direito Civil, celebrado ao abrigo do artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 219.º do mesmo diploma, mediante as partes acordam o seguinte: Cláusula 1.ª — A namorada compromete-se a não revelar «o relacionamento sexual mantido com o» namorado caso, prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do namorado ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto; Cláusula 2.ª — Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a namorada, o namorado compromete-se a pagar à namorada, imediatamente e de uma só vez, a quantia de 30.000.000$00; Cláusula 3.ª — pagamento é feito mediante depósito na conta da «mediadora do conflito».
64.°
Por lapso, devendo tê-la absolvido, o Tribunal da Comarca de Braga sentenciou a ora arguida requerente na pena de 3 anos de prisão pela seguinte ação, que, por comodidade, podemos designar por «ação B», a saber: dizer ao namorado, em 1999, em conversa telefónica entre os dois: «estou grávida»; e, em 2000, celebrar com o namorado um Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, regido pelo Direito Civil, permitido pelo artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 219.° do mesmo diploma, com as seguintes cláusulas: Cláusula 1.ª — A namorada, compromete-se a, relativamente ao namorado, «se calar» e «não lhe dar cabo da vida familiar», prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do - namorado ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto; Cláusula 2.ª— Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a namorada, o namorado compromete-se a pagar à namorada, imediatamente e de uma só vez, a quantia 10.000.000$00; Cláusula 3.ª — O pagamento é feito em dinheiro e entregue em mão própria à namorada.
65.°
Nenhuma destas ações, A ou B, se encontra declarada punível por lei:
66.°
De acordo com o artigo 29.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, «Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação».
67.°
O acórdão em causa, na medida em que, visivelmente por lapso, «sentencia criminalmente» a arguida por ações A e B que a lei não declara puníveis, constitui um caso típico do vício da inexistência jurídica.
68.°
A aplicação do artigo 218.° n.° 2 alínea a) do Código Penal às referidas ações A e B viola o mencionado artigo 29.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que requer se declare a inexistência jurídica do despacho em causa, como deve ser declarada inexistente a decisão que condenou a arguida em custas, tudo por força do princípio do fruto da árvore envenenada, uma vez que o acórdão pressuposto também deve considerar-se não escrito, enquanto «sentencia criminalmente» a arguida por factos que não constituem crime, tendo já sido arguida a respetiva inexistência — cuja decisão está pendente — assim como foi arguida a inexistência jurídica «da decisão proferida por este Tribunal Constitucional», que não gera nenhum caso julgado, por estar abrangida pelo dito «princípio da árvore envenenada.»
3. Simultaneamente, a requerente deduziu incidente de suspeição contra o relator, que foi indeferido por Acórdão n.º 526/2011, transitado em julgado (cfr. fls. 14 do Apenso n.º 83-C/08).
Cumpre, assim, decidir o suscitado incidente de litigância de má fé.
4. Na extensa resposta, que acima se transcreve, a requerente veio, por um lado, responder à suscitação da litigância de má fé (artigos 1.º a 4.º da resposta); por outro, suscitar a “inexistência jurídica” do referido despacho de fls. 55 (artigos 5.º a 9.º da resposta); e, por último, discutir questões atinentes à sua condenação no processo-crime de onde emergiu o recurso de constitucionalidade que deu origem ao presente traslado (artigos 10.º a 68.º da resposta).
É manifesto que estas últimas questões – referentes à sua condenação no processo-crime – não se incluem na competência do Tribunal Constitucional em sede de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, nem podem ser apreciadas no âmbito do presente traslado (emitido para efeitos de reclamação da conta de custas) e em sede de decisão sobre o suscitado incidente de litigância de má fé.
Assim, cumpre apenas decidir a alegada “inexistência jurídica do despacho” e o incidente de litigância de má fé.
5. Embora em termos confusos, a requerente alega que o despacho de fls. 55 seria “inexistente” por força de um pretenso princípio jurídico-processual conhecido como o “fruto da árvore envenenada”, parecendo querer significar que o referido despacho estaria “contaminado” por uma pretensa “inexistência” de decisões anteriores proferidas pelas instâncias no âmbito do processo de onde emerge o recurso de constitucionalidade que deu origem ao presente traslado.
É manifesta a falta de cabimento de uma tal argumentação, que não pode lograr outra resposta se não a da total ausência de qualquer sustentáculo fáctico e jurídico.
Na verdade, trata-se da invocação de um desvalor jurídico não previsto na lei de processo (cfr. artigos 193.º e s. do CPC) e que, além do mais, não se sustenta num qualquer vício do despacho em causa (eventualmente gerador da respetiva nulidade), mas numa pretensa invalidade transversal do processo – nomeadamente, na parte tramitada e decidida em instâncias distintas deste Tribunal Constitucional – e com base num pretenso princípio jurídico que, ainda que se admitisse integrar o regime jurídico das invalidades processuais, nunca poderia operar nos termos invocados.
Pelo que, sem necessidade de outros considerandos, se concluiu pela não verificação da alegada “inexistência jurídica” do despacho de fls. 55.
6. Para a decisão do incidente de litigância de má fé são relevantes os seguintes factos:
a) Nos autos de recurso de constitucionalidade n.º 83/08, nos quais é recorrente A., foi proferida a Decisão Sumária n.º 178/2009 que, em virtude das vicissitudes a seguir enunciadas, não foi inicialmente notificada ao mandatário da recorrente, entretanto substabelecido.
b) As vicissitudes em torno da notificação da Decisão Sumária têm o seguinte encadeamento:
«(…) foi proferida decisão sumária, que foi notificada aos intervenientes processuais introduzidos na aplicação informática à data da autuação do processo (12 de fevereiro de 2008); como depois se veio a verificar, naquela data havia uma discrepância entre o processo físico (que tinha vários volumes) e o processo virtual que não foi descortinada; findo o prazo legal de reclamação da decisão e não havendo nenhuma carta devolvida, foi certificado o trânsito em julgado da decisão; contado o processo, foi extraído traslado da conta de custas, para efeitos de aviso para pagamento e/ou reclamação da conta e remetido o processo ao Tribunal recorrido. Notificada a conta, foi pedido o diferimento do pagamento das prestações pela interessada, o que lhe foi concedido e, depois de vários requerimentos e notificações, onde constava que o mandatário da interessada era o Dr. H., sem nunca ser objeto de contestação pela interessada, foram as prestações liquidadas na sua totalidade. (…)» (cfr. Informação de 25.03.2011, cuja cópia consta do Apenso n.º 83-A/08):
c) Detetado o erro na notificação, o Processo 83/08, regressou ao Tribunal Constitucional e o erro na notificação foi retificado em cumprimento do despacho de 23.02.2011 (cfr. cópia de fls. 1980 do Proc. 83/08, junta ao traslado 83-A/08).
d) Na sequência, a recorrente apresentou reclamação contra a citada Decisão Sumária, que foi indeferida pelo Acórdão n.º 179/2011, de 12.04.2011, complementado pelo Acórdão n.º 208/2011, em 26.04.2011, que se limitou a suprir a omissão da data verificada naquele primeiro acórdão.
e) Em 12.05.2011, a requerente apresentou, neste Tribunal Constitucional, requerimento dirigido ao tribunal recorrido, invocando além do mais, a inexistência jurídica da «decisão do TC de 12 de abril de 2011» (fls. 3 e s. do Traslado n.º 83-B/08).
f) Por despacho de 17.05.2011 foi determinado que, após trânsito, os autos fossem remetidos ao tribunal recorrido, salientando-se que o requerimento supra não era dirigido ao Tribunal Constitucional nem tinha a virtualidade de interromper o decurso do prazo para o trânsito em julgado da decisão proferida por este Tribunal, ou seja, do Acórdão n.º 179/2011, que indeferiu a reclamação da requerente contra o despacho de 23.02.2011, que retificara o erro, entretanto verificado, na notificação do mandatário da requerente (cfr. despacho, datado de 17.05,2011, constante a fls. 17 do Traslado n.º 83-B/08).
g) Os autos foram remetidos ao tribunal recorrido em 20.05.2011.
h) A requerente apresentou novo requerimento, cujo desentranhamento dos autos foi determinado por despacho de 06.06.2011, por, mais uma vez, se destinar à apreciação de questões que não eram processualmente admissíveis no âmbito do presente traslado, atento o seu objeto estrito e limitado (cfr. fls. 38 do Traslado n.º 83-B/08).
i) Em 20.06.2011, a requerente tornou a apresentar um requerimento arguindo, além do mais, a “inexistência jurídica” do despacho anterior (cfr. fls. 41 e s. do Traslado n.º 83-B/08).
j) Na sequência deste último requerimento, foi proferido o despacho de fls. 55, ordenando o desentranhamento daquele último requerimento e notificando a requerente para se pronunciar sobre a eventual existência de má fé na sua conduta processual.
l) A requerente deduziu incidente de suspeição contra o relator, que foi indeferido por Acórdão n.º 526/2011, transitado em julgado (cfr. fls. 14 do Apenso n.º 83-C/08).
7. Em primeiro lugar, impõe-se apreciar a questão suscitada pela requerente, segundo a qual não é admissível suscitar a litigância de má fé do arguido no âmbito do processo penal.
É sabido que, apesar de inexistir norma expressa nesse sentido, há uma tendência jurisprudencial no sentido de que não é de admitir a condenação por litigância de má fé em processo penal, nomeadamente, porque o arguido tem um estatuto próprio, não se lhe podendo aplicar qualquer sanção caso se venha a demonstrar que sobre os factos que lhe são imputados não disse a verdade (cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 09.03.2005, P. 4401/03 e de 14.02.2007, P. 361/06).
Independentemente de se aderir, ou não, a este entendimento jurisprudencial (subscrito também por alguma doutrina), a verdade é que no presente caso não estamos no âmbito de um processo penal.
Na verdade, os presentes autos correspondem ao traslado – que foi extraído para efeitos de reclamação da conta de custas – do recurso de constitucionalidade interposto pela requerente neste Tribunal Constitucional. O objeto deste traslado não tem a ver com questões decididas em processo-crime em que a recorrente foi condenada. Nos presentes autos, os poderes de cognição deste Tribunal limitam-se à decisão das questões referentes à conta de custas e neles a requerente não tem o estatuto de arguida. O que significa que, quer formalmente, quer materialmente, não se verificam aqui – nem era possível que se verificassem – as razões que fundamentam a jurisprudência acima citada.
Contrariamente ao que consta do ponto 3.º da resposta, não estão aqui em causa, como factos consubstanciadores de uma eventual litigância de má fé, afirmações produzidas pela requerente em fases processuais anteriores à abertura deste processo de traslado, não podendo, portanto, ser pertinentemente arguido, que em processos penais “o visado não tem o dever de dizer a verdade, sendo à tutela desse valor que o instituto acionado se reporta”. Como a requerente bem sabe, pois tal consta expressamente do despacho a fls. 55 dos autos, foi a “persistência da requerente em juntar aos autos requerimentos cuja inadmissibilidade nesta fase processual não deverá ignorar” que motivou a suscitação do incidente.
Cumpre, assim, decidir o incidente de litigância de má fé.
8. Dispõe o artigo 456.º do CPC que, tendo litigado de má fé, «a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir», considerando-se que litiga de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver «deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar» ou tiver «feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça» (n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d) daquele artigo).
Da sequência processual acima descrita, resulta que o recurso de constitucionalidade n.º 83/08 regressou a este Tribunal Constitucional por ter ocorrido um erro na notificação da decisão sumária ao mandatário da recorrente.
Na verdade, a Decisão Sumária n.º 178/2009 foi notificada ao mandatário inicial da requerente (cujo nome constava do sistema informático) e não ao mandatário entretanto substabelecido (cujo substabelecimento tinha sido junto ao processo físico, mas não foi inserido no sistema informático). Após aquela primeira notificação da citada Decisão Sumária, e na ausência de reclamação da recorrente, foi elaborada conta de custas que, notificada à recorrente, foi parcialmente liquidada.
Não obstante tudo indiciar que a notificação da Decisão Sumária ao primitivo mandatário da recorrente não terá impedido o efetivo conhecimento da mesma por parte da recorrente (que aparentemente se tinha conformado com a decisão, tendo inclusivamente pago parte das custas respetivas), impunha-se cumprir integralmente os trâmites legais, pelo que, regressado o processo a este Tribunal Constitucional, foi de imediato proferido despacho no sentido da retificação do erro.
Novamente notificada a Decisão Sumária, desta feita ao mandatário entretanto substabelecido, a recorrente veio apresentar reclamação, que foi decidida pelo referido Acórdão n.º 179/2011, de 12.04.2011 (cuja omissão de data foi suprida pelo Acórdão n.º 208/2011, em 26.04.2011).
Este Acórdão n.º 179/2011 indeferiu a reclamação da recorrente contra a Decisão Sumária n.º 178/2009 e, portanto, confirmou a decisão de não conhecimento do objeto do recurso, constituindo, assim, a decisão final do recurso de constitucionalidade interposto pela recorrente.
É, precisamente, a partir da notificação deste Acórdão que a recorrente passou a adotar um comportamento processual manifestamente reprovável, visando entorpecer a ação da justiça, ou seja, protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, assim evitando que o processo baixasse ao tribunal recorrido para cumprimento da decisão.
Na verdade, após a notificação do Acórdão, a recorrente veio apresentar, neste Tribunal, um requerimento, dirigido ao tribunal recorrido, no qual invocava, além do mais a “inexistência” do referido Acórdão.
Por despacho de 17.05.2011 foi determinado que, após trânsito, os autos fossem remetidos ao tribunal recorrido, salientando-se que o requerimento supra não era dirigido ao Tribunal Constitucional nem tinha a virtualidade de interromper o decurso do prazo para o trânsito em julgado da decisão proferida por este Tribunal, ou seja, do Acórdão n.º 179/2011.
Na sequência deste despacho foram os autos remetidos ao tribunal recorrido, extraindo-se o presente traslado para efeitos de reclamação da conta de custas.
Não obstante o recurso se encontrar decidido e o processo ter baixado ao tribunal recorrido, encontrando-se apenas pendente neste Tribunal o presente traslado, a requerente persistiu no envio de requerimentos a este Tribunal Constitucional, cuja falta de fundamento e até admissibilidade processual bem sabia inexistir, obrigando à prolação de despachos no sentido do respetivo desentranhamento, e agindo em manifesta manipulação das regras processuais.
Assim sendo, impõe-se condenar a requerente em multa, nos termos previstos no artigo 456.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e d), do CPC, 84.º, n.ºs 5 e 6, da LTC, artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, e artigo 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.
9. Pelo exposto decide-se condenar a requerente como litigante de má fé na multa processual de 5 UCs.
Lisboa, 8 de fevereiro de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.