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Proc. nº 255/94
2ª Secção
Relator: Cons. Luú Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I -
RELATÓRIO
1.
J... foi pronunciado em processo de querela no Tribunal de Cúculo Judicial de
Beja, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punú“el pelos
artigos 313º e 314º, alú‹ea c), do Código Penal. Tendo faltado a várias
audiências de julgamento, foi, a requerimento do Ministério Público, julgado
como se estivesse presente, nos termos do disposto no artigo 566º do Código de
Processo Penal de 1929. Face Eprova produzida, o tribunal considerou
improcedente a acusação, e assim, por acórdão de 25 de Fevereiro de 1994 o
arguido foi absolvido.
Recorreu então o Ministério Público para o Tribu-nal Constitucional, porquanto
o artigo 566º do Código de Processo Penal jEanteriormente havia sido julgado
inconstitucional, pelo Acórdão nº 212/93 (publicado no Diário da República, II
Série, de 1 de Junho de 1993).
Distribuúo o processo, o relator proferiu despacho liminar no sentido de que a
questão a examinar Esimples, devendo seguir-se a tramitação do artigo 78º-A da
L.T.C. e dar-se provimento ao recurso.
Cumpre decidir, com dispensa de vistos.
II
- FUNDAMENTOS
2.
O recurso Einterposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alú‹ea g), da L.T.C.,
segundo o qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões judiciais
«que apliquem norma jEanteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo
próprio Tribunal Constitucional».
E
efectivamente o citado Acórdão nº 212/93 apreciou a constitucionalidade do
artigo 566º do Código de Processo Penal de 1929. SEque apenas em parte, pois
decidiu
julgar inconstitucional, por violação das garantias de defesa, do contraditório
e da imediação da prova - esta constante no princúio do Estado de direito
democrático - , ú‹sitas nos artigos 32º, n.ºs 1 e 5, e 2º, da Lei Fundamental, a
norma do corpo do artigo 566º do Código de Processo Penal de 1929, na parte em
que permite que o arguido seja dispensado de comparecer em audiência de
discussão de julgamento e que esta se realize como se ele estivesse presente,
apesar de haver jus-tificação para não comparecer e de ele não ter manifestado
conveniência pessoal na sua não comparência» [sublinhado aqui].
Aquele acórdão examinava um caso em que o arguido, por residir no estrangeiro,
podia faltar justificadamente ao julgamento, mas não havia manifestado
conveniência pessoal em ser julgado na sua ausência, e em que o juiz recorrido
decidira que não podia julgElo como se estivesse presente, por ser
inconstitucional o artigo 655º do C.P.P. de 1929. E, sobre isto, o Tribunal
Constitucional observou o seguinte:
HaverE pois, que concluir que a dispensa da presença do réu na audiência, ao
menos em casos como o ora em apreciação - ou seja, naqueles casos em que haja
motivos que justifiquem que o arguido não possa comparecer a julgamento no dia
designado para a sua realização e em que tão-pouco foi tida em consi-deração a
eventual vontade de que fosse possuúo quanto Equestão da sua comparência -,
fere os respectivos direitos de defesa e, logo, as garantias que sobre ele estão
consagradas constitucionalmente.
Portanto, foi apenas no segmento que permitia, independentemente da vontade do
arguido, a dispensa de comparência ao julgamento, ainda que esta fosse
justificada, - e sEneste segmento - que a norma foi julgada inconstitucional:
isto E enquanto permitia julgar como se estivesse presente o arguido que, tendo
faltado justificadamente, não havia manifestado conveniência pessoal em ser
julgado nessas condições.
3.
Mas, no caso dos presentes autos, a situação Ediversa: o arguido faltou
injustificadamente Eaudiência de julgamento (embora tivesse havido anteriores
adiamentos em que as faltas foram justificadas por doença). Assim, ao proceder
ao julgamento nos termos do artigo 566º do Código de Processo Penal de 1929, o
tribunal recorrido não aplicou esta norma na dimensão em que ela permite
dispensar a comparência de quem, tendo faltado justificadamente, não haja
manifestado conveniência em não comparecer.
Ou
seja, a parte da norma que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional
naquele Acórdão nº 212/93 não Ea mesma que o tribunal recorrido aqui aplicou.
Mas, sendo assim, falta neste caso o pressuposto do artigo 70º, nº 1, alú‹ea g),
da L.T.C., alú‹ea ao abrigo da qual foi interposto o presente recurso.
Na
verdade, como vimos, aquela alú‹ea sEpermite recorrer de decisões judiciais
«que apliquem norma jEanteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo
próprio Tribunal Constitucional». Ora, o Acórdão nº 212/93 (nem, aliás qualquer
outro) não julgou inconstitucional a norma em causa, na parte em que o tribunal
a quo a aplicou.
Não
se verifica, pois, aqui o requisito de recorribilidade do citado artigo 70º, nº
1, alú‹ea g), da L.T.C. E sEeste foi invocado.
Sendo assim, não pode conhecer-se do recurso.
III
- DECISÃO
4.
Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 1995
Luis Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Messias Bento
JosE Manuel Cardoso da Costa