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Proc. nº 345/94
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - O Estado Italiano solicitou ao Estado Português a extradição do
cidadão de nacionalidade italiana A., actualmente na situação de prisão
preventiva em Portugal à ordem do tribunal judicial da comarca de ---------,
para efeitos de procedimento criminal ainda não extinto em processos pendentes
nos tribunais de Florença e Milão, e também com vista ao cumprimento, à ordem
da justiça italiana, da pena de 14 anos, 7 meses e 10 dias de prisão,
remanescente da pena de 27 anos, 3 meses e 10 dias de prisão em que foi
condenado pelo Tribunal de Juri d'Appelo de Milão, por decisão de 7 de Outubro
de 1986.
O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora promoveu,
por requerimento de 11 de Agosto de 1993, o cumprimento do pedido de extradição
que veio a ser concedido por acórdão de 11 de Janeiro de 1994, 'para efeitos de
cumprimento da pena que lhe foi aplicada, na parte a cumprir, pelo Tribunal de
Juri d'Apello de Milão e para efeitos de procedimento criminal pelos crimes que
lhe são imputados nos tribunais de Milão e de Florença, diferindo-se a entrega
para quando o processo em curso no tribunal da comarca de --------- ou o
cumprimento da pena que lhe foi imposta terminarem'.
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2 - Inconformado com esta decisão, o extraditando dela levou recurso
ao Supremo Tribunal de Justiça havendo nas respectivas alegações suscitado,
além do mais, a questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº
43/91, de 22 de Janeiro e da inconstitucionalidade material das normas dos
artigos 57º, nº 1 e 58º, nº 1, deste mesmo diploma, quando interpretadas no
sentido que lhes foi atribuído pela decisão recorrida.
Por acórdão de 23 de Maio de 1994, o Supremo Tribunal de Justiça não
concedeu atendimento às questões de inconstitucionalidade, confirmando a
extradição autorizada pela decisão recorrida.
Para tanto, e no que a tais questões respeita, no essencial,
desenvolveu a fundamentação seguinte:
'A primeira questão posta pela recorrente é a seguinte: - O Decreto-Lei nº
43/91 é organicamente inconstitucional, porquanto só foi publicado em 22 de
Janeiro de 1991, e a Lei nº 17/90 de 20/7/90, que concedeu ao Governo
autorização para legislar sobre a matéria fixou para o efeito, o prazo de 90
dias, que não foi respeitado, e assim tinha já caducado a autorização
legislativa quando tal publicação ocorreu.
Diz que foram violados os arts. 104º al. c) e 201º nº 1 al. b) com os efeitos
previstos no art. 277º todos da Constituição da República Portuguesa.
A questão não é nova e, como refere o recorrente, o Tribunal Constitucional
já teve oportunidade de se pronunciar sobre a matéria - Acórdão nº 150/92 - não
declarando inconstitucional o referido diploma.
Julgou-se neste acórdão que `para se considerar respeitado o prazo da
autorização legislativa, basta que ocorra dentro desse prazo a aprovação pelo
Conselho de Ministros do decreto-lei emitido no uso dessa autorização'.
E tal doutrina foi reiterada no acórdão do mesmo Tribunal nº 387/93 de 8-6-93
in D.R., II Série de 6-X-93.
Por outro lado no acórdão, também do Tribunal Constitucional nº 265/93 de 30
de Março proferido no processo nº 227/91 e publicado no D.R., II série, nº
186,em 10-8-93, abordando a mesma questão, escreveu-se: `com a actual redacção
do nº 2 do art. 122º da Constituição, segundo a qual a falta de publicidade
implica ineficácia jurídica e não inexistência, o Tribunal Constitucional tem
afirmado que a alteração levada a efeito (na primeira revisão constitucional)
teve, para além do mais,' o mérito de significar que a publicação é mero
elemento de integração de eficácia, e não elemento constitutivo do acto ou
diploma legislativo final, que, como declaração de vontade, fica completa e
perfeita no momento em que tal vontade é manifestada pelo órgão legislativo
competente - cf. os Acórdãos nºs 37/84, 59/84, 60/84 e 80/84 publicados no D.R.
2ª série de 6 de Julho, 14 e 15 de Novembro de 1984 e 29 de Janeiro de 1985,
respectivamente, numa orientação jurisprudencial ainda recentemente reafirmada,
como ilustram os acórdãos nºs 400/89 a 150/92, publicados naquele jornal
oficial 2ª série de 14 de Setembro de 1989 e 28 de Julho de 1992,
respectivamente, e nº 121/93 de 14 de Janeiro'.
A posição doutrinal conhecida, e referida nas apontadas decisões, vai no
mesmo sentido. Indicá-la aqui, por transcrição, mais não seria que ocioso
exercício de cópia. Basta que se citem Jorge Miranda em 'Funções, Órgãos e Actos
do Estado, Apontamentos de Lições, Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa 1986 pág. 281 nota 1 e 1990 p. 476 e 477 nota 4 e `Autorizações
Legislativas' in Rev. Dir. Público, ano 1, nº 2, Maio de 1986 pág. 18 nota 46);
António Vitorino in `As autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa'
pág. 257 e 259; e também Isaltino Morais, José Ferreira de Almeida e Ricardo
Pinto Leite em `Constituição da República Portuguesa Anotada e Comentada 1983
pág. 331.
O Dec-Lei nº 43/91 foi aprovado em Conselho de Ministros em 18 de Outubro de
1990 e consequentemente dentro do prazo de 90 dias indicado no artº 3º da Lei nº
17/90 de 20 de Julho.
Pelas razões pois apontadas na indicada doutrina e jurisprudência, que se
tem como inteiramente correctas, e não por qualquer cómodo seguidismo da
jurisprudência do Tribunal Constitucional, se não considera o indicado Dec-Lei
nº 43/91 ferido de inconstitucionalidade orgânica.
A segunda questão posta pelo recorrente é esta: - `O prazo de cinco dias para
visto no nº 1 do art. 57º do Dec-Lei nº 43/91 ofende ao mesmo tempo dois
princípios constitucionais: - as garantias asseguradas no nº 1 do art. 32 da
Constituição da República Portuguesa; e o valor supremo da igualdade das armas
do nº 2 do art. 13 do mesmo diploma legal.
O segmento, `ad terrorem' invocado pelo recorrente dizendo que `o processo
``sub judice'' é extraordinariamente volumoso, sendo humanamente impossível, no
prazo de cinco dias, deduzir uma defesa capaz' logo se esvazia se se considerar
que, nos termos do nº 3 do art. 57º do Dec-Lei nº 43/91 a oposição ao pedido de
extradição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em
não se verificarem os pressupostos da extradição.
Face a esta limitação, e não é ela que é posta em causa, mas somente o prazo
para a deduzir, apresenta-se o indicado prazo como perfeitamente razoável para o
efeito, tanto mais que se trata, no interesse do extraditando, de processo
urgente - art. 49 do apontado Dec-Lei.
Tal prazo, e o recorrente até nem indica qualquer outro que seja
abstractamente mais justo, é de resto um prazo regra do nosso sistema jurídico.
Pelo que respeita à `igualdade de armas' a comparação a fazer-se não é, como
pretende o recorrente, com o prazo de 20 dias referido no nº 2 do art. 50 que
respeita à fase administrativa, mas sim com o prazo de 48 horas do nº 2 do art.
52º que respeita esse sim à fase judicial.
E tal prazo, como bem sustenta o Ex.mo Senhor Procurador Geral Distrital de
Évora não é único de que dispõe o extraditando para se defender. É apenas um
primeiro momento, a que se segue outro, finda que seja a produção da prova -
art. 58º nº 2 do diploma em referência.
É certo que o extraditando viu indeferido o seu requerimento em que indicou
provas, exceptuando a prova documental oferecida com a contestação, tema a que
adiante nos dedicaremos, e viu também rejeitadas, por intempestivas as suas
alegações.
............................................................. .
Pelo que à rejeição da prova oferecida diz respeito, há que atentar que o nº
1 do art. 58 diz que `as diligências que tiverem sido requeridas e as que o juiz
relator entender necessárias ... devem ser efectivadas no prazo máximo de
quinze dias, com a presença do extraditando, do defensor ou advogado constituído
e do intérprete, se necessário, bem como do procurador-geral-adjunto.
Uma tal enunciação basta, em nosso critério, para forçosamente ter de
concluir-se que não são admitidas provas por deprecada, e muito menos por
rogatórias, pela sua impraticabilidade, no dito prazo
O uso dos meios expeditos, como a telecópia e o telefone, bastariam se a
produção da prova pudesse ocorrer sem a presença das mencionadas pessoas. E o
extraditando poderia ter querido indicar simultaneamente testemunhas de
Marrocos, dos Estados Unidos, de uma vila Transmontana e da Suiça! Como
procederá em tal caso?
Pelo que respeita ao exame médico na sua própria pessoa o extraditando afirma
sofrer de um aneurisma - tal diligência não se apresenta como útil ou necessária
relativamente à decisão a tomar quanto ao deferimento ou indeferimento da
extradição, mas tão somente, se ela for deferida, relativamente ao momento em
que deva ocorrer - art. 34 nº 3 do Dec-Lei nº 43/91 - como muito bem se disse
no despacho de fls. 648 e seg e é jurisprudência deste S.T.J.. Nulidade alguma
inquina consequentemente, nessa parte, a decisão recorrida, nem também se faz
uma interpretação restritiva da lei considerando que só são autorizadas
diligências instrutórias rápidas.
As diligências a levar a cabo são aquelas que tiverem sido requeridas, e as
que o juiz relator entender necessárias, mas que possam ser efectivadas nos
termos fixados no nº 1 do indicado art. 58º e visem, as requeridas pelo
extraditando, os fundamentos da oposição deduzida segundo as limitações do nº 2
do art. 57º, e que também já se fez alusão.'
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2 - O extraditando, não se conformando também com o assim decidido,
sob invocação do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15
de Novembro, trouxe os autos em recurso de constitucionalidade a este Tribunal.
E nas alegações entretanto oferecidas formulou as conclusões
seguintes:
'a) O Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, é organicamente
inconstitucional, porque o Governo, deixando passar o prazo de 90 dias previsto
no artº 3º da Lei nº 17/90, de 20 de Julho, fez uso de uma autorização
legislativa caduca;
b) a essa conclusão se chega pelo exame conjugado das datas da publicação de
cada um dos diplomas, ou, em alternativa, pela análise conjunta da data da
aprovação dos mesmos diplomas;
c) a apontada inconstitucionalidade assenta na violação do disposto na
alínea e) do artº 104º e alínea b) do nº 1 do artº 200º, com os efeitos
previstos no artº 277º, todos da C.R.P.;
d) o prazo de cinco dias previsto no nº 1 do artº 57º do supracitado Decreto-Lei
é materialmente inconstitucional, e a um duplo título - quer porque viola as
garantias de defesa (artº 32º nº 1 da C.R.P. e artº 61º -3-b) do C.E.D.H.), quer
porque viola o chamado princípio da `igualdade de armas' (que decorre do nº 2 do
artº 13º da C.R.P.);
e) os acórdãos recorridos, que mantiveram o despacho de fls. , que indeferiu as
diligências instrutórias requeridas pelo extraditando, desencadearam outra
inconstitucionalidade material (ainda por violação do disposto no nº 1 do artº
32º da C.R.P.), na interpretação e aplicação que fizeram dos artºs 57 e 58º nº 1
da Lei de Extradição, preceitos estes que assim violaram o artº 32º nº 1 da
C.R.P.;
f) deste modo, reconhecendo-se e declarando-se as inconstitucionalidades
que antecedem, deve revogar-se o acórdão recorrido, para o efeito de ser
reformado em conformidade (se só proceder a última das inconstitucionalidade
arguidas, e anulado todo o processado subsequente à contestação escrita, os
autos devem baixar à Relação, a fim de serem cumpridas as diligências
probatórias indevidamente recusadas).'
Por seu turno, o senhor Procurador-Geral Adjunto contralegando o
recurso, em quadro conclusivo final, pronunciou-se assim:
'1º - O Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, não é organicamente
inconstitucional, já que foi aprovado em Conselho de Ministros dentro do prazo
de 3 meses, constante da respectiva lei de autorização legislativa - a Lei nº
17/90, de 20 de Julho de 1990.
2º - No que toca à alegada inconstitucionalidade da norma constante do
artigo 57º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/91, na parte em que estabelece o prazo de
cinco dias para deduzir oposição ao pedido de extradição, o recurso é inútil,
não devendo dele tomar-se conhecimento, já que a sua procedência (que só por
absurdo se admite) apenas levaria a concluir que o arguido poderia ter
beneficiado de uma prorrogação do prazo legal para praticar no processo um acto
que, afinal, acabou por realizar atempadamente, de forma válida e eficaz.
3º - Não constitui qualquer violação do princípio da igualdade de armas a
circunstância de o citado Decreto-Lei nº 43/91 estabelecer prazos diferenciados
para a instrução pelo Ministério Público, na fase administrativa, do pedido de
extradição e para a dedução, já na fase judicial, de oposição pelo extraditando
ao pedido deduzido.
4º - Não constitui restrição, constitucionalmente ilegítima, ao princípio
das garantias de defesa do arguido, em processo de extradição, a interpretação
do estatuído nos artigos 57º, nº 1, e 58º, nº 1, do citado Decreto-Lei nº
43/91, como conferindo ao juiz, no exercício de um poder de direcção do
processo, o poder-dever de rejeitar as diligências instrutórias requeridas que,
em concreto, se configurem como manifestamente dilatórias, inúteis e totalmente
incompatíveis com a duração máxima do processo de extradição'.
Passados que foram os vistos de lei, cabe agora apreciar e decidir.
E decidir, concretamente, as questões de constitucionalidade suscitadas pelo
recorrente durante o processo:
a) O Decreto-Lei nº 43/91, por ter sido editado com base em autorização
legislativa utilizada para além do prazo da sua vigência é organicamente
inconstitucional;
b) A norma do artigo 57º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/91, na parte em que
estabelece um prazo de cinco dias para deduzir oposição ao pedido de
extradição, é inconstitucional por violação das garantias de defesa do processo
criminal e do princípio da igualdade das armas;
c) A norma contida nos artigos 57º, nº 1 e 58º, nº 1, do mesmo diploma, na
interpretação restritiva, da decisão sob recurso quanto à extensão dos meios de
prova a indicar pelo extraditando, é inconstitucional por violação das garantias
de defesa em processo criminal.
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II - A fundamentação
1 - Através do Decreto-Lei nº 43/91, o Governo legislou sobre
cooperação judiciária internacional em matéria penal, e designadamente sobre o
regime da extradição, matéria esta respeitante a direitos, liberdades e
garantias e sujeita, por isso, nos termos dos artigos 168º, nº 1, alínea b) e
201º, nº 1, alínea b) da Constituição, a autorização legislativa da Assembleia
da República.
E, com efeito, aquele diploma foi aprovado no uso da delegação
legislativa concedida pela Lei nº 17/90, de 20 de Julho, cujo artigo 3º fixava
um prazo de 90 dias para a sua utilização.
Ora, muito embora o Decreto-Lei nº 43/91, tenha sido aprovado em
Conselho de Ministros em 18 de Outubro de 1990, o certo é que só veio a ser
promulgado em 10 de Dezembro imediato, referendado em 16 do mesmo mês e
publicado no Diário da República, em 22 de Janeiro de 1991. E, por considerar
como relevantes para a contagem do prazo de duração da credencial parlamentar,
as datas da publicação da lei delegante e do decreto-lei delegado - 20 de Julho
de 1990 e 22 de Janeiro de 1991 - entre as quais mediou um lapso temporal
superior a 90 dias, o recorrente concluiu no sentido da inconstitucionalidade
daquele acto legislativo.
Mas não tem razão.
A questão que aqui se suscita, relativa à determinação de qual o
momento do processo legislativo que deve ter-se por relevante para o efeito de
aquilatar do cumprimento ou incumprimento do prazo de duração da autorização
legislativa - a aprovação em Conselho de Ministros, a promulgação pelo
Presidente da República, a referenda do Primeiro Ministro ou a publicação no
Jornal Oficial - foi já objecto de alargado tratamento por este Tribunal que, em
jurisprudência uniforme e reiterada, tem sustentado que o acto a ter em conta
para tal efeito é o da aprovação do diploma delegado em Conselho de Ministros
(cfr. por todos, os acórdãos nºs 150/92, 121/93 e 703/93, Diário da República,
II série, de, respectivamente, 28 de Julho de 1992, 8 de Abril de 1993 e 31 de
Março de 1994).
No primeiro destes arestos, depois de se fazer uma recensão das
posições doutrinais que sobre nós têm sido tomadas neste domínio, e de se
citar, em especial, o entendimento de António Vitorino, in 'As Autorizações
Legislativas na Constituição Portuguesa', dact. Lisboa, pp. 252 e ss., segundo
o qual a tese da aprovação em Conselho de Ministros é a mais aceitável, 'não só
pelo paralelo que se pode estabelecer com a aprovação parlamentar (a lei
considera-se definitivamente aprovada quando o Parlamento vota o seu texto final
em termos globais) mas também porque, sendo a autorização legislativa um
instituto que assenta no relacionamento directo e especialmente vinculante
entre o Parlamento e o Governo, um dado e concreto Governo, este sempre cumpre o
ónus que para ele decorre da lei de autorização com a aprovação do acto
delegado, desonerando-se assim da incumbência que se lhe encontrar cometida pela
lei de delegação, cessando aí nessa aprovação, a sua responsabilidade quanto à
efectiva utilização da autorização conferida' escreveu-se assim:
'É esta a tese que se perfilha. Por um lado, não constituindo a promulgação
um acto da competência do Governo, não é de exigir que ela ocorra dentro do
prazo concedido ao Governo para legislar em determinada matéria.
Por outro lado, e quanto à possibilidade de o Governo antedatar os diplomas,
sempre se poderia estabelecer a presunção de que a sua aprovação ocorreu na
data que deles consta (com admissão de prova em contrário).
Finalmente, deve entender-se que o decreto-lei aprovado dentro do prazo da
autorização legislativa `existe' para o efeito de se considerar respeitado esse
prazo, como `existe' qualquer decreto do Governo enviado ao Presidente da
República para promulgação e que este resolve enviar ao Tribunal Constitucional
para efeito de apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das
suas normas'.
Perfilha-se por inteiro a solução que assim vem sendo definida pela
jurisprudência do Tribunal Constitucional para a qual, sem necessidade de outros
desenvolvimentos, agora se remete.
Ora, na situação em apreço, à luz dos princípios expostos, aliás
também adoptados na decisão recorrida, há-de concluir-se que à data da aprovação
em Conselho de Ministros do Decreto-Lei nº 43/91 - 18 de Outubro de 1991 - ainda
não se havia esgotado o prazo de validade da autorização legislativa conferida
pela Lei nº 17/90, o qual se iniciara em 20 de Julho de 1991, data da entrada em
vigor do respectivo diploma.
E assim sendo, considerando-se irrelevante para este efeito, as
datas da promulgação, da referenda e da publicação do decreto-lei em causa, não
se tem o mesmo por organicamente inconstitucional.
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2 - Em conformidade com o disposto no artigo 57º, nº 1, do
Decreto-Lei nº 43/91, 'após a audiência do extraditando, o processo é facultado
ao seu defensor ou advogado constituído para, em cinco dias, deduzir por escrito
oposição fundamentada ao pedido de extradição e indicar meios de prova admitidos
pela lei portuguesa, sendo, porém, o número de testemunhas limitado a 10'.
Sustenta o recorrente que o prazo de cinco dias concedido por
aquela norma ao extraditando para deduzir por escrito a oposição ofende,
simultaneamente, as garantias de defesa e o princípio da igualdade de armas,
não dispondo por isso de legitimidade constitucional.
Na contralegação, assinalou o senhor Procurador-Geral Adjunto que o
extraditando, apesar de questionar a exiguidade do prazo para deduzir oposição,
acabou por exercer em tempo o respectivo direito, como o que, em seu
entendimento, não se deveria tomar conhecimento do recurso quanto à esta
específica questão já que a sua eventual procedência apenas 'levaria a concluir
que o arguido poderia ter beneficiado de uma prorrogação do prazo legal para
praticar no processo um acto que, afinal, acabou por realizar atempadamente, de
forma válida e eficaz'.
Na verdade, como tem sido acentuado pela jurisprudência deste
Tribunal (cfr. por todos os Acórdãos nºs 216/91 e 313/94, Diário da República,
II série, de 14 de Setembro de 1991 e 1 de Agosto de 1994) o recurso de
constitucionalidade, apresenta-se com uma função instrumental, só se
justificando quando a respectiva decisão possa ser relevante para a decisão da
questão de facto em que a decisão recorrida tenha sido proferida.
Ora, bem vistas as coisas, a procedência do recurso no que a esta
questão se refere apenas levaria a concluir que o recorrente poderia ter
beneficiado de um prazo superior ao fixado na lei - 5 dias - para o exercício de
um direito que afinal já havia praticado, sem que tal alargamento de prazo
pudesse conduzir à anulação ou à reforma do acto já exercido, e isto porque, o
direito de oposição à extradição foi validamente exercido dentro do quadro
legal pré-estabelecido. E a assim ser, o seu conhecimento revelar-se-ia de todo
inútil por insusceptível de influenciar a decisão da causa.
Mas, mesmo quando assim não se entendesse, sempre haveria de se
concluir que aquela norma não estaria afectada por qualquer dos vícios de
inconstitucionalidade que lhe são assacados pelo recorrente.
O estabelecimento de um prazo de 5 dias para o extraditando, já
após a sua audiência, deduzir a oposição à extradição - que há-de fundamentar-se
em não ser ele a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da
extradição - não pode ser constitucionalmente censurado por força da
contraposição com qualquer outra fase processual anterior na qual o Ministério
Público, disponha, porventura, de uma maior amplitude temporal para requerer ou
promover diligências integradas no regime geral daquele processo.
E não pode, por não ser possível estabelecer a propósito desta
matéria um qualquer paralelismo de 'situações similares ou afins' justificativa
de um tratamento igual gerado em razões materiais de base e origem idêntica.
O prazo de 5 dias para deduzir a oposição - igual aliás ao que o
Código de Processo Penal estabelece no artigo 287º, nº 1, para o arguido
requerer a instrução a contar da notificação da acusação - mostra-se
inteiramente adequado ao tipo de diligência em causa e à especial natureza do
processo em que esta se insere, processo que por definição deverá ser tramitado
com celeridade e urgência no próprio interesse do arguido.
Por outro lado, não se vê minimamente em que medida o princípio da
igualdade de armas entre o arguido e o Ministério Público seja afrontado por
aquele normativo.
Com efeito, este princípio que o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem faz derivar da noção mais lata de processo equitativo (fair trial, procès
equitable) extrai-se do princípio que assegura todas as garantias de defesa aos
arguidos, desde logo as garantias do contraditório. Contraditório, sem igualdade
de armas não assegura todas as garantias de defesa, como não assegura quando o
acusado não disponha de oportunidade de tempo e de circunstâncias necessárias à
preparação da defesa.
Todavia, na situação em apreço, o extraditando na audiência a que
se reporta o artigo 56º do Decreto-Lei nº 43/91, ao ser confrontado com o pedido
contra ele dirigido, dispõe da faculdade de, desde logo se pronunciar, podendo
após essa audiência, através de advogado ou defensor a quem o processo é
facultado, exercer o direito de oposição nos termos já referidos.
O pedido que assim venha a ser formulado será depois objecto de
desenvolvimento instrutório em termos de rigoroso controlo processual
assegurando-se em todas as suas fases um efectivo contraditório sempre sujeito à
garantia de um efectivo controlo jurisdicional.
Não poderá assim, neste quadro global de avaliação, concluir-se no
sentido da inconstitucionalidade do segmento da norma do artigo 57º, nº 1 do
Decreto-Lei nº 43/91, nos termos sustentados pelo recorrente.
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3 - Alega por fim o extraditando que a norma contida nos artigos
57º, nº 1 e 58º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/91, interpretada em termos
restritivos pela decisão recorrida no que toca à extensão dos meios de prova a
indicar pela defesa, é inconstitucional por violação das garantias de defesa em
processo criminal.
E a este propósito escreveu, nomeadamente, o seguinte:
'10 - A oposição ao pedido de extradição pode fundamentar-se em `meios de
prova admitidos pela Lei portuguesa (nº 1 do artº 57º da Lei de Extradição).
Ora, o recorrente requereu, oportunamente:
a) o seu exame médico-legal, o que está admitido na Lei portuguesa (artº
151º e segs. do C.P.Penal);
b) a inquirição de testemunhas por carta rogatória, o que está
também admitido na Lei portuguesa (parte final da alínea b) do nº 3 do artº 111º
do C.P.Penal).
Contudo, o Ex.mo Desembargador-Relator (na Relação) indeferiu tal
requerimento, com base em um argumento sem consistência.
11 - O argumento é este: a realização das diligências requeridas é
incompatível `com o prazo máximo de 15 dias' previsto no nº 1 do artº 58º da Lei
de Extradição.
A objecção é claramente improcedente.
Há hoje meios expeditos - e automáticos - de transmissão, como a
telecópia e o telefone (também admitidos na Lei: cfr. a alínea c) do nº 3 do
artº 111º do C.P.Penal).
Que impedia o Tribunal da Relação de Évora de requisitar as
diligências por `fax' e com a nota de `urgente' - para exemplificar?
Fixar-se o prazo de cumprimento de tais diligências, é uma coisa;
prescindir delas, pura e simplesmente, é uma enormidade.
Uma verdadeira aberração jurídica.
12 - Além disso, o Exmo. Desembargador-Relator fez uma interpretação
restritiva da Lei: em processo de extradição, só são de autorizar as diligências
instrutórias rápidas.
Mas essa interpretação dos `meios de prova' admitidos no nº 1 do
artº 57º e nº 1 do artº 58º da Lei de Extradição ofende também, materialmente, o
disposto no nº 1 do artº 32º da C.R.P..
E percebe-se porquê: que outros meios de prova podem ser oferecidos
por um cidadão italiano que é detido em Portugal, quando se encontrava em
veraneio?
A interpretação e a aplicação jurisdicional supra envolveu uma
claríssima inconstitucionalidade material do nº 1 do artº 57º e nº 1 do artº 58º
do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, por ofensa das garantias consagradas
no nº 1 do artº 32º da C.R.P..
13 - O despacho do Sr. Desembargador-Relator foi mantido por acórdão da
Relação.
O Supremo fez o mesmo.
Deliberou a Relação que `seria admissível o entendimento segundo o
qual o Juiz tem de ordenar todas as diligências que lhe são requeridas'.
Ora, em parte alguma se sufraga tal entendimento.
Simplesmente, o problema não é esse: o Exmo Sr.
Desembargador-Relator INDEFERIU TODAS AS DILIGÊNCIAS REQUERIDAS.
Nem uma satisfez.
É lamentável.
E nunca se viu.
14 - Repare-se: as diligências requeridas eram - e são - as únicas que estão
ao alcance do extraditando, ora recorrente.
Com o indeferimento da realização delas, O EXTRADITANDO FICOU SEM
QUALQUER PROVA RELEVANTE (exceptuando a prova documental oferecida com a
contestação, a qual serviu para se escrever, com escárnio, que `não se pode
dizer que não houve, em absoluto, instrução').
Os direitos mais sagrados da defesa foram feridos de morte.'
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
Dispondo sobre a produção da prova, a norma do artigo 58º, nº 1, do
Decreto-Lei nº 43/91, prescreve assim:
'As diligências que tiverem sido requeridas e as que o juiz relator entender
necessárias, designadamente para decidir sobre o destino das coisas apreendidas,
devem ser efectivadas no prazo máximo de 15 dias, com a presença do
extraditando, do defensor ou advogado constituído e do intérprete, se
necessário, bem como do procurador-geral adjunto'.
Esta norma, conjuntamente com o já transcrito preceito do artigo
57º, nº 1, do mesmo diploma, constitui, na parte que vem questionada, mero
afloramento do princípio geral que concede ao juiz a direcção do andamento da
causa em termos de se alcançar o objectivo que através dela se visa atingir com
a remoção de todos os obstáculos que se oponham ao seu regular desenvolvimento,
quer recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, quer ordenando o
que se mostre necessário ao seu seguimento, tudo em ordem à realização da
justiça.
Este poder de direcção do processo, como bem assinala o senhor
Procurador-Geral Adjunto, é, aliás, co-natural à própria natureza e exercício da
função jurisdicional constitucionalmente consagrada no artigo 205º, por se
afigurar de todo indispensável à administração da justiça e á efectiva
realização dos fins constantes daquele preceito constitucional.
E assim sendo, há-de dizer-se que a atribuição ao juiz da causa de
um poder de direcção do processo, que lhe permita indeferir diligências
inúteis, impertinentes ou dilatórias, aferidas estas em vista da realização dos
fins do respectivo processo, não representa violação das garantias de defesa do
arguido em processo criminal.
Ora, como resulta dos autos, a rejeição de algumas das diligências
probatórias requeridas pelo extraditando não assentou especificamente em
qualquer interpretação restritiva do bloco normativo questionado, mas, desde
logo, na consideração da inutilidade de tais diligências entendido que foi que,
mesmo na eventualidade de se virem a concretizar positivamente, não integrariam
um fundamento válido de oposição.
Com efeito, tendo em atenção a natureza dessas diligências de prova
e a materialidade a que respeitavam - exame médico-legal na pessoa do
extraditando e expedição de carta rogatória a Itália para inquirição de
testemunhas sobre os receios deste relativamente ao funcionamento da justiça
italiana e ao perigo de vida que para o mesmo representaria o regresso aquele
país - e independentemente da exigência que se contém no artigo 58º, nº 2,
quanto à presença do extraditando aquando da produção de prova, considerou-se
não disporem tais diligências de pertinência e utilidade no plano do
preenchimento dos pressupostos que a norma do artigo 57º, nº 2, do Decreto-Lei
nº 43/91, exige como fundamento de oposição.
E assim sendo, mais do que contestar uma qualquer interpretação
inconstitucional da lei, o que verdadeiramente resulta impugnado no presente
recurso, face ao quadro jurídico-material atrás assinalado, é a decisão
recorrida em si mesma, na sua estrutura decisória própria, a qual, como é
sabido, se situa fora do âmbito de cognição deste Tribunal, em cuja esfera de
apreciação apenas cabem as normas jurídicas e não já as decisões dos outros
tribunais enquanto tais, isto é, na sua específica dimensão de avaliação dos
factos e aplicação da lei.
Pelo exposto, também quanto a esta matéria se conclui no sentido da
improcedência das razões do extraditando.
III - A decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento do recurso e confirmar, na
parte impugnada, o acórdão recorrido.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 1995
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa