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Processo nº 174/94
1ª Secção
Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1.- M... e T..., identificados nos autos, foram
condenados no 2º Juízo Criminal de Lisboa, por acórdão de 22 de Fevereiro de
1993, por co-autoria de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo
artigo 306º, nºs. 3, alínea a), e 5, com referência ao artigo 297º, nº 2,
alíneas d), g) e h), ambos do Código Penal, na pena de nove anos de prisão, cada
um deles, e por autoria simples de um crime de detenção e uso de arma proibida,
previsto e punido pelo artigo 260º do mesmo diploma, na pena de dois anos de
prisão, cada um deles.
Efectuado o cúmulo das penas parcelares aplicadas,
foi cada um dos arguidos condenado na pena unitária de dez anos de prisão.
Desde logo se perdoou a cada um deles um ano e seis
meses de prisão, atenta a data dos factos e o disposto no artigo 14º, nº 1,
alínea b), da lei nº 23/91, de 4 de Julho.
Recorreram da sentença o Ministério Público e os
dois arguidos.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 8
de Junho de 1993, negou provimento aos recursos, confirmando a decisão recorrida
salvo quanto à punição por autoria simples do crime de detenção e uso de arma
proibida - que entendeu cometido em co-autoria - e quanto ao enquadramento
do crime de roubo nas qualificativas das alíneas d) e g) do nº 2 do artigo 297º,
relativamente a estas absolvendo os arguidos.
Inconformados, recorreram estes para o Supremo
Tribunal de Justiça (STJ).
Por acórdão de 10 de Fevereiro de 1994, o STJ negou
provimento ao recurso e confirmou a decisão impugnada, tendo, posteriormente, em
observância ao disposto no artigo 8º, alínea d), da Lei nº 15/94, de 11 de Maio,
declarado perdoado, a cada um, um ano e seis meses de prisão.
Deste aresto recorreram, então, os arguidos para o
Tribunal Constitucional invocando, como fundamento, o da alínea i) do nº 1 do
artigo 70º da lei nº 28/82, de 15 de Novembro (redacção da Lei nº 85/89, de 7 de
Setembro), porquanto, no entender dos requerentes, 'o Acórdão recorrido fez um
entendimento do artigo 665º do Código de Processo Penal que traduz a sua
aplicação em sentido contrário ao anteriormente decidido pelo Tribunal
Constitucional no Acórdão nº 401/91'.
2.- Foi elaborada exposição nos termos do artigo 78º-A
da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso, com a qual manifesta concordância o Ministério Público, sendo certo que
os recorrentes se pronunciaram desfavoravelmente.
Correram-se os vistos legais.
3.- O recurso de constitucionalidade a que se refere o
artigo 70º, nº 1, alínea i), da Lei nº 28/82 - fundamento aditado pela Lei nº
85/89 - é relativo às decisões dos tribunais que 'recusem a aplicação de
norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma
convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente
decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional'.
Esta nova alínea, aditada em 1989, visou resolver a
divergência verificada na jurisprudência das duas secções deste Tribunal quanto
a saber se este era ou não competente para conhecer dos recursos de decisões em
que fora apreciado o vício de desconformidade entre uma norma de direito interno
e uma norma de direito internacional convencional (cfr., J.M. Cardoso da Costa,
A Jurisprudência Constitucional em Portugal, 2ª ed., Coimbra, 1992, págs. 26 e
27).
Limita-se, assim, a enunciar um específico
pressuposto que tem que ver com a competência do Tribunal para apreciar a
questão da contrariedade do acto legislativo com convenção internacional, nas
dimensões jurídico-constitucional e jurídico-internacional (cfr. acórdãos nºs.
162/93, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Abril de 1993 e
nºs. 249/93 e 366/93, inéditos, inter alia; cfr., igualmente, o artigo 71º, nº
2, da Lei nº 28/82).
Não é este o caso dos autos, como é óbvio, uma vez
que não está em causa qualquer confronto entre norma de direito interno e norma
de direito internacional convencional.
4.- Poderia, no entanto, entender-se ter havido lapso
dos recorrentes que pretenderiam invocar a alínea g) do citado nº 1 do artigo
70º (recurso de decisões judiciais que apliquem norma já anteriormente julgada
inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional).
Mesmo assim, e não obstante o decidido no acórdão
nº 401/91, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da
norma artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhe
foi dada pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934
(acórdão publicado no Diário da República, I Série-A, de 8 de Janeiro de 1992)
não seria de receber o recurso.
Com efeito, ao debruçar-se sobre o acórdão da
Relação, que confirmaria, o STJ teve presente aquela decisão do Tribunal
Constitucional que declarou inconstitucional a norma do artigo 665º, na
interpretação dada pelo assento, para logo ponderar que 'eliminada a restrição
do assento, permanece constitucionalmente válido o mesmo artigo 665º, pelo que
podia a Relação conhecer livremente da matéria de facto, baseando-se, para isso,
nos documentos, respostas aos quesitos e em quaisquer outros elementos
constantes dos autos'. E, acrescentou: 'Ora, a Relação - além de não
encontrar qualquer vício na matéria de facto que pudesse conduzir à anulação da
decisão do Colectivo - lançou mão dos poderes já mencionados, conferidos pelo
predito artigo 665º, e fixou a matéria de facto em termos que revelam
suficiência para a aplicação do direito e não perturbam a intervenção crítica
deste STJ, nomeadamente em ordem ao seu alargamento', intervenção julgada
desnecessária quanto à subsunção jurídico-penal da matéria de facto e
correspondentes sanções.
Ora, independentemente de qualquer juízo sobre a
conformidade constitucional desta interpretação - tenha-se presente, por
exemplo, o acórdão nº 190/94, de 23 de Fevereiro de 1994, tirado em plenário,
por maioria, inédito - o certo é que não foi com base na apontada norma do
Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhe foi dada pelo assento
do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934, que o Supremo decidiu,
assim não havendo inobservância do decidido pelo Tribunal Constitucional no seu
acórdão nº 401/91 e, consequentemente, também assim não se tendo por verificado
o pressuposto da alínea g) do nº 1 do citado artigo 70º. Aliás, não se invoca
contradição da decisão recorrida com anterior decisão deste Tribunal que tivesse
julgado inconstitucional a norma do citado artigo 665º, sem a sobreposição do
assento, nem também se identifica essa anterior decisão, como o exige o artigo
75º-A da Lei nº 28/82.
5.- Em face do exposto decide-se não tomar conhecimento
do recurso, condenando-se os recorrentes nas custas, com taxa de justiça que se
fixa em 3 (três) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 1995
Ass) Alberto Tavares da Costa
Vitor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Maria da Assunção Esteves
Antero Alves Monteiro Dinis (vencido,
nos termos da declaração de voto que junto)
Maria Fernanda Palma (vencida, nos
termos da declaração de voto anterior)
Luis Nunes de Almeida
Proc. nº 174/94
Cons. Monteiro Diniz
Declaração de voto
Votei no sentido do conhecimento do recurso com base nas razões
que a seguir, sumariamente se expõem.
Os arguidos T... e M..., por requerimento de 1 de Março de
1994, interpuseram recurso para este Tribunal 'com fundamento na alínea i) do
art. 70º da Lei 28/82, na redacção dada pela Lei 85/89, porquanto, no entender
dos recorrentes, o acórdão recorrido fez um entendimento do art. 665º do Código
de Processo Penal que traduz a sua aplicação em sentido contrário ao
anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 401/91'.
O acórdão a que a presente declaração se reporta, depois de
admitir a existência de lapso na indicação que naquele requerimento se fez da
alínea i) do artigo 70º da Lei nº 28/82, passou a considerar a eventualidade de
o real propósito dos requerentes se reportar à alínea g) do mesmo preceito,
segundo a qual, cabe recurso para o Tribunal Constitucional, das decisões 'que
apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio
Tribunal Constitucional'.
E concluiu em termos de não ter por verificado o pressuposto do
recurso de constitucionalidade exigido em tal normativo, pois que no acórdão
recorrido se considerou tão somente a norma do artigo 665º do Código de Processo
Penal de 1929, na sua individualidade originária e não já com a sobreposição
interpretativa do assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934,
inexistindo assim aplicação da norma declarada inconstitucional no acórdão nº
401/91, concretamente, o artigo 665º interpretado pelo assento.
Contrariamente a esta linha argumentativa, sustentei que,
apesar de o acórdão indicado no requerimento de interposição do recurso
comportar uma dimensão acrescida da norma do artigo 665º por força do assento
que a interpretava, o certo é que, para o específico efeito da admissibilidade
daquele recurso de constitucionalidade, nele se comportava já credencial
legitimadora bastante.
Com efeito, para além da lógica decorrência que do acórdão nº
401/91 se podia já extrair sobre a validade constitucional da norma do artigo
665º do Código de Processo Penal, quando autonomamente considerada, o certo é
que os acórdãos nºs 140/94, ainda inédito e 430/94, Diário da República, II
série, de 10 de Janeiro de 1995, vieram a julgar inconstitucional esta mesma
norma, despojada já da sobreposição do assento de 1934.
Deste modo e pese embora a tessitura algo formalística de que
se reveste a norma do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, aditada pela Lei nº 85/89,
de 7 de Setembro, entendi que a não referenciação pelos recorrentes de um
acórdão que especificamente tenha julgado inconstitucional apenas a norma do
artigo 665º, como foi o caso do acórdão nº 190/94 - então, como ainda hoje,
inédito - não invalidava a existência de uma realidade jurisprudencial
conflituante do conhecimento do Tribunal, sendo que a razão de ser do recurso a
que se reporta a alínea g) do citado artigo 70º tem por evidente propósito
acautelar e obviar a situações deste tipo.
E por tudo isto votei no sentido do conhecimento do objecto do
recurso.
As) Antero Alves Monteiro Dinis