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Processo n.º 794/11
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
2. O objeto do recurso - que incide sobre o acórdão proferido, em 16 de junho de 2011, pelo Tribunal Central Administrativo Sul - é delimitado, nos seguintes termos:
“ (…) a interpretação do disposto no art. 120º, nº 1, al. b) do CPTA, segundo a qual se verifica uma “situação de facto consumado” com a publicação de um direito de resposta, por determinação expressa da entidade reguladora, acarreta a denegação desse mesmo direito, sendo inconstitucional por violação do artigo 37º, nº 4 da CRP que consagra o direito de resposta como direito fundamental integrante da própria liberdade de informação
(…) A mesma interpretação é igualmente inconstitucional por pôr em causa as atribuições da entidade reguladora que está incumbida pelo legislador constitucional de assegurar nos meios de comunicação social o direito à informação, conforme dispõe o art.39º, nº 1, al. a) da CRP”
“ (…) Na ponderação dos interesses em causa a que se refere o nº 2 do art. 120º CPTA, o entendimento de que deve prevalecer o interesse particular do requerente da suspensão sobre o interesse particular do respondente e o interesse público, prosseguido pela entidade reguladora, traduz-se na denegação do próprio direito de resposta que, por ser de natureza efémera, tem de ser reconhecido e exercido em tempo útil e, consequentemente, põe em causa esse direito fundamental consagrado no art. 37º, nº 4 da CRP e viola esta disposição da lei fundamental”
Acrescenta a recorrente, relativamente às duas questões colocadas, que “ao ser denegado o exercício do direito de resposta, é ainda posto em causa o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva consagrado no art. 20º, nº 5 da CRP.”
3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Vejamos se tais pressupostos de admissibilidade do recurso se encontram preenchidos in casu.
(…) Comecemos por analisar a natureza do objeto do recurso.
O controlo de constitucionalidade cometido a este Tribunal apenas pode incidir sobre normas, critérios ou interpretações normativas, enquanto regras abstratamente enunciadas e vocacionadas para uma aplicação genérica.
De facto, por não compreender o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, encontram-se subtraídas à sindicância do Tribunal Constitucional as operações subsuntivas realizadas pelo julgador; o puro ato de julgamento, na dimensão de ponderação casuística das circunstâncias características do caso concreto.
Aplicando tais considerações à situação em apreciação, teremos de concluir que as duas questões colocadas pela recorrente não contêm uma verdadeira dimensão normativa, sendo manifesto que, sob a capa de uma formulação aparentemente genérica e abstrata, encerram a pretensão de sindicância da decisão jurisdicional, na sua vertente de ponderação da concreta matéria de facto considerada provada e subsequente conclusão pela sua suficiência para preencher os pressupostos de decretamento da providência, previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e concomitante não preenchimento da previsão normativa do n.º 2 do mesmo preceito.
Para uma melhor explicitação da conclusão supra, analisemos os excertos da decisão recorrida, que demonstram o raciocínio seguido, quanto à primeira questão colocada:
“(…)
O “periculum in mora”, que constitui a origem da existência da tutela cautelar, traduz-se “no fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis”
(…)
Assim, na vertente do “facto consumado”, o “periculum in mora” significa que se a providência cautelar for recusada se tornará impossível a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade.
No caso em apreço, os factos provados permitem concluir pela verificação de uma situação de impossibilidade de restauração natural da situação conforme à legalidade em caso de procedência da ação principal se a suspensão de eficácia não for concedida.
Efetivamente, o indeferimento da suspensão, com a consequente execução da deliberação do Conselho Regulador da E.R.C., originaria a publicação do texto de resposta, tornando inútil o processo principal que, ainda que viesse a ser julgado procedente, nunca permitiria a restauração natural da esfera jurídica da requerente.
E, para retirar esta conclusão, a matéria fáctica que foi dada como provada é perfeitamente suficiente, uma vez que basta o conhecimento do teor da deliberação suspendenda para se saber quais os efeitos que ela produzirá se a sua execução não for suspensa.”
Da mera leitura do excerto transcrito resulta que a decisão recorrida, começando por analisar o conceito de periculum in mora, “na vertente do facto consumado”, conclui que “no caso em apreço, os factos provados permitem concluir” pela verificação de tal requisito, sendo que “(…) para retirar esta conclusão, a matéria fáctica que foi dada como provada é perfeitamente suficiente”.
Enquadrando-se a argumentação da decisão recorrida – na parte problematizada pela recorrente – no domínio das operações subsuntivas necessárias à apreciação do caso concreto, é forçoso concluir que tal matéria se mostra subtraída à apreciação do Tribunal Constitucional.
Na verdade, a formulação da primeira questão do objeto de recurso não corresponde à autonomização de um qualquer critério normativo utilizado na decisão recorrida, não logrando dissimular a circunstância de a pretensão de sindicância incidir sobre a concreta operação subsuntiva, que, em resultado da análise das especificidades casuísticas vertidas na matéria de facto provada, conclui em sentido desfavorável à recorrente.
Relativamente à segunda questão, igualmente é manifesta a inidoneidade do respetivo objeto, por não conter uma dimensão normativa.
De facto, a recorrente não autonomiza um verdadeiro critério normativo da decisão recorrida, sendo indisfarçável que pretende colocar em causa o juízo subsuntivo que conduziu a solução desfavorável à sua pretensão.
Novamente, a formulação do objeto de recurso surge como uma tentativa de forjar uma norma sindicável pelo Tribunal Constitucional, para, sob essa aparência normativa, velar a pretensão de recriar uma última oportunidade de sindicar a decisão das instâncias.
Saliente-se que essa formulação, porém, mesmo isoladamente considerada, não logra ocultar a verdadeira natureza não normativa da questão colocada, por não ter qualquer correspondência a qualquer dos sentidos possíveis compreendidos na dimensão literal do n.º 2 do artigo 120.º do CPTA.
Aliás, tal formulação não corresponde sequer ao raciocínio seguido na decisão recorrida, que se transcreve, no excerto relevante:
“Perante estas situações em que o Tribunal não dispõe de quaisquer outros elementos para efetuar a ponderação de interesses, cremos que não se pode considerar provado o facto impeditivo que, nos termos do art. 120.º, n.º 2, do CPTA, constituía motivo e recusa da concessão da providência cautelar e cujo ónus incumbia aos requeridos. É que, atento o notório princípio de favorecimento da decretação da tutela cautelar – enquanto reação à não consagração do efeito suspensivo automático da instauração da ação principal - e a natureza negativa e excecional do critério da ponderação de interesses, só a prova de factos que evidenciem a prevalência do interesse público permite recusar a providência cautelar.”
Nestes termos, dependendo a admissibilidade do recurso de constitucionalidade da natureza normativa do respetivo objeto - requisito não preenchido no presente caso - teremos de concluir pela inadmissibilidade do presente recurso.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
4. A reclamante refere, quanto à primeira questão de constitucionalidade que suscita, que a situação tratada no acórdão recorrido, abstraindo dos concretos textos e dos concretos intervenientes, se repete num número infindável de casos, tendo em comum a circunstância de uma notícia ou artigo, divulgado pela comunicação social, suscitar a reação do visado, que exerce o direito de resposta, recorrendo à entidade reguladora, perante a recusa de divulgação da resposta.
Assim, o entendimento de que a divulgação da resposta, por imposição da entidade reguladora, consubstancia uma situação de facto consumado, para efeitos do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), não depende da apreciação da matéria fáctica da situação concreta. Nestes termos, ao contrário do que refere a decisão sumária reclamada, induzida por excertos retirados do acórdão recorrido, a questão colocada pela reclamante detém uma verdadeira natureza normativa.
Relativamente à segunda questão, atinente à ponderação dos interesses em jogo, refere a reclamante que o interesse público não carece de prova, por resultar inequivocamente da Lei Fundamental, que integra o direito de resposta no direito de expressão e de informação em geral.
Assim, a dimensão normativa que se pretende ver apreciada prende-se com o entendimento de que, na ponderação dos interesses referida no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA, deve prevalecer o interesse particular da suspensão sobre o interesse público prosseguido pela entidade reguladora, prevalência que se traduz na denegação do direito de resposta que, por ser de natureza efémera, tem de ser reconhecido em tempo útil.
Pelo exposto, sendo idóneo o objeto do recurso, conclui a reclamante que deve a presente reclamação ser atendida, admitindo-se o recurso interposto.
5. A reclamada, em resposta, manifesta a sua concordância com a decisão sumária proferida.
Alega que a reclamante não logrou demonstrar a dimensão normativa do objeto do seu recurso, acrescentando que, relativamente à segunda questão colocada, a reclamante pretende, não apenas obter a sindicância da concreta decisão judicial recorrida, mas igualmente ver consagrada uma posição jurisprudencial que tornaria as decisões da recorrente intocáveis, no que concerne à tutela cautelar.
Conclui, acentuando que, embora a decisão sumária reclamada apenas tenha incidido sobre o requisito da natureza normativa do objeto do recurso – o que fez face à natureza cumulativa dos requisitos de admissibilidade do mesmo – tal não significa que se tenham por preenchidos os demais requisitos, como pretende a reclamante, mas apenas que a respetiva apreciação ficou prejudicada face ao sentido da decisão.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
6. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pela reclamante não infirmam a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida, consubstanciando-se sobretudo numa manifestação de discordância face ao sentido de tal decisão.
Como se explicita na decisão sumária reclamada, o acórdão recorrido baseia a solução do caso, sujeito à sua apreciação, na análise concreta dos factos provados, nomeadamente no teor da concreta deliberação suspendenda, sendo manifesto, a partir da análise da enunciação da primeira questão que constitui objeto do recurso, que a formulação desta questão, como também se salienta na decisão reclamada, “não corresponde à autonomização de um qualquer critério normativo utilizado na decisão recorrida”. De facto, como ali se salientou, da leitura da decisão recorrida resulta que “começando por analisar o conceito de periculum in mora, «na vertente do facto consumado», conclui que «no caso em apreço, os factos provados permitem concluir» pela verificação de tal requisito, sendo que «(…) para retirar esta conclusão, a matéria fáctica que foi dada como provada é perfeitamente suficiente»”.
Relativamente à segunda questão, igualmente se encontra fundamentada a decisão sumária reclamada, quando, também nesta parte, evidencia a inidoneidade do objeto do recurso. Como aí se sustenta relativamente à segunda questão que se pretende ver apreciada, “tal formulação não corresponde sequer ao raciocínio seguido na decisão recorrida”, não tendo a recorrente logrado autonomizar e enunciar um verdadeiro critério normativo utilizado como fundamento decisório.
Nestes termos, mostra-se definitivamente comprometida a admissibilidade do recurso, devendo concluir-se pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III - Decisão
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 16 de novembro de 2011, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de janeiro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.