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Processo nº 377/93
2ª secção
Relator: Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório:
1. T..., SA, requereu, no Supremo Tribunal
Administrativo, a suspensão de eficácia do acto do SECRETÁRIO DE ESTADO DO
TESOURO (contido na Portaria nº 218-A/92, publicada no suplemento do Diário da
República, II série, nº 157, de 9 de Julho de 1992), que revogou a autorização,
que lhe havia sido concedida para exercer qualquer actividade de intermediação
em valores mobiliários, e nomeou o presidente da comissão liquidatária.
Ao requerer o decretamento de uma tal providência,
suscitou a requerente a inconstitucionalidade material do artigo 627º, nº 4, do
Código do Mercado de Valores Mobiliários, por ofensa do direito de acesso aos
tribunais para defesa dos próprios direitos e interesses legalmente protegidos
(consagrado no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República) e da garantia do
recurso contencioso (consagrada no artigo 268º, nº 4, da mesma Constituição) -
disposições constitucionais estas integradas pelo artigo 8º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem.
O Supremo Tribunal Administrativo (1ª Secção), por
acórdão de 12 de Janeiro de 1993, julgando improcedente a questão de
inconstitucionalidade suscitada pela requerente, rejeitou o pedido de suspensão
de eficácia, uma vez que, face ao disposto no referido artigo 627º, nº 4, do
Código do Mercado de Valores Mobiliários (aprovado pelo Decreto-Lei nº 142-A/91,
de 10 de Abril), é tal suspensão de eficácia legalmente inadmissível.
É deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (de
12 de Janeiro de 1993) que vem o presente recurso, interposto pela mesma T...,
ao abrigo do que preceitua a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, para apreciação da questão de constitucionalidade, tendo por
objecto a norma que se contém no referido artigo 627º, nº 4, do Código do
Mercado de Valores Mobiliários.
Neste Tribunal, alegou a recorrente T..., que formulou
as seguintes conclusões:
a). A norma constante do nº 4 do artigo 627º do Código de Mercado de Valores
Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei nº 142-A/91, de 10 de Abril, é
materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20º, nº 1,
e 268º, nº 4, da Constituição da República, integrados pelo artigo 8º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem;
b). É também materialmente inconstitucional por infringir o princípio da
igualdade consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental.
Termos em que [...] deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o
acórdão recorrido [...].
De sua parte , o SECRETÁRIO DE ESTADO DO TESOURO - que
também alegou - formulou as conclusões que seguem:
a) A norma do nº 4 do artigo 627º do C.M.V.M. não é materialmente
inconstitucional, não violando, nem os artigos 20º, nº 1, da C.R.P. e 268º, nº 4
(Direito da Tutela Jurisdicional), nem o artigo 13º (princípio da igualdade);
b) Antes pelo contrário a sua 'ratio legis' plasma‑se, é derivação da 'ratio
legis' de cada um dos princípios e da RATIO JURIS dos princípios constitucionais
resultantes, entre outros, dos princípios do meio menos lesivo (artigo 18º, nº
2, da C.R.P.), da proporcionalidade (artigo 266º, nº 2), da prossecução do
interesse público (artigo 266º, nº 1) e da intervenção do Estado/Polícia
Económica (artigo 8º, alínea e) contra (sic) todas as 'práticas lesivas do
interesse geral' da 'comunidade económica' dos agentes que activa ou
passivamente participam ou realizam o mercado mobiliário/financeiro e cuja
segurança e confiança se integra respectivamente, quer no princípio da
intervenção, quer no próprio princípio da igualdade e da justiça de que a boa fé
é uma derivação.
c) A mesma norma do nº 4 do citado artigo 627º, no confronto com o invocado
'efeito útil' e 'atempado do direito de acção' carece também por sequela das
'ratio legis' e 'ratio juris' constitucionais assinalados na conclusão b)
anterior, dum 'efeito útil' próprio específico das normas de Polícia económica
em conformidade com os princípios do 'meio menos lesivo' e da
'proporcionalidade' que não são violadores dos princípios da igualdade e da
justiça.
Nos termos e com os fundamentos expostos, deve ser negado provimento ao recurso,
porque infundada a pretensão de inconstitucionalidade do nº 4 do artigo 627º do
CMVM.
A COMISSÃO LIQUIDATÁRIA DA T... - que já havia sido
notificada para responder ao pedido de suspensão de eficácia apresentado perante
o Supremo Tribunal Administrativo - produziu igualmente alegações, nas quais
concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso, 'por irregularidade
insanável no mandato forense do recorrente da instância 'a quo''.
Esta conclusão (no sentido do não conhecimento do
recurso) fá-la a COMISSÃO LIQUIDATÁRIA decorrer das seguintes premissas:
1ª - Nos presentes autos, a 'T... S.A. EM LIQUIDAÇÃO' não é efectiva recorrente;
2ª - Verifica-se, com efeito, uma irregularidade na representação e no mandato
outorgado ao Advogado que na instância 'a quo' interpôs quer a petição inicial
de recurso contencioso quer o propriamente dito recurso ora em apreço neste
Tribunal.
3ª - Com efeito, os seus poderes de representação foram-lhe outorgados por J...,
na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da dita T...;
4ª - Porém, desde 10.7.92 este órgão social já estava dissolvido e
5ª - Não dispunha aquele de tais poderes e qualidades. Com efeito
6ª - A Portaria 218-A/92 (2ª Série D.R. nº 157 de 10.07), por força da al. a) nº
2 do artº 628º do Cód. Mercado de Valores Mobiliários determinou a dissolução e
entrada em liquidação imediatas da T... e,
7ª - A mesma Portaria nomeou, como órgão social liquidatário até à constituição
da Comissão Liquidatária, o Comissário do Governo João Luís Fernandes Figueira.
8ª - Por força do disposto nos nºs 1 e 3 do artº 21º, por analogia com a parte
final do artº 32º do D.L. 30.689 de 27.8.40 e, por força do nº 1 do artº 152º.
do Cod. Soc. Comerciais, bem ainda como também por força do disposto no nº 3 do
artº 1189º, 1190º e 1210º todos do CPC e, actualmente substituídos pelos artºs
134º, 141º e 143º do D.L. 123/92 de 23 de Abril aplicáveis por força dos artºs
12º e 65º do D.L. 30.689 de 27.8.40, é indubitável que, com a entrada em
dissolução e liquidação, a representação da sociedade T... ficou desde logo a
caber unicamente ao seu liquidatário, com óbvia exclusão de anteriores
representantes.
9ª - Assim, por força do nº1 do artigo 21º do CPC aplicável pelo artigo 1º da
LPTA é inequívoco não dispor o dito Ilustre advogado recorrente da instância 'a
quo' de quaisquer poderes legais de representação da T....
10ª. - Por isso, embora a instância 'a quo' não se tenha pronunciado sobre esta
questão que no entanto já lhe fora colocada, a irregularidade em causa é sempre
tanto sanável como objecto de apreciação. Ora,
11ª - A dita Portaria 218-A/92 consubstancia um acto administrativo revogatório
constitutivo que de 'per si' e sem necessidade de actos complementares ou de
execução, produziu a dissolução da T..., entrada em liquidação, e nomeação de um
liquidatário.
12ª - Tal liquidatário cessou funções, enquanto órgão singular em 19.1.93 pela
entrada em funções de um novo órgão social liquidatário, a Comissão
Liquidatária.
13ª - Não dispondo agora, como nunca dispôs nos autos, de poderes conferidos
pelos ditos liquidatários, o Ilustre Advogado que baseia o seu mandato em
procuração de órgão social dissolvido à data do início dos autos e deste
recurso, não pode representar a T....
14ª - Razões pelas quais, tem de declarar-se verificada questão prévia, a qual,
nos termos do nº 1 do artº. 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional obsta ao
conhecimento do recurso.
15ª - Aliás, no sentido de que em liquidação a sociedade cretícia é representada
conforme se dispõe no D.L. 30.689 de 27.8.40 já assim tem decidido esta
Instância Constitucional (Acórdãos 453/93, 450/93 e 449/93 da 1ª Secção do T.C.
de 15/07).
Pronunciando-se sobre a questão prévia do não
conhecimento do recurso (suscitada pela COMISSÃO LIQUIDATÁRIA DA T...), a
recorrente T..., S.A veio sustentar a regularidade da representação no
requerimento da suspensão de eficácia (e, assim, no recurso para este Tribunal
da decisão que a não decretou), mandatando, para o efeito, o advogado que a
representa.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Questão prévia do não conhecimento do recurso:
A T..., SA - que se constituira em 13 de Outubro de
1988 e fora autorizada a exercer a actividade de intermediação em valores
mobiliários - viu ser-lhe cassada a respectiva autorização, pela Portaria nº
218-A/92 (Diário da República, II série, nº 157, de 9 de Julho de 1992), que
reza assim:
Tendo sido comunicada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários no
exercício das funções que lhe estão legalmente cometidas, a prática de actos
pela referida sociedade corretora e a existência de situações subsumíveis nas
als. c), d), e) e f) do nº 1 do art. 626º do Código do Mercado de Valores
Mobiliários, aprovado pelo Dec.-Lei 142-A/91, de 10‑4;
Considerando que os supracitados actos e situações constituem, nos termos do
art. 626º do Código do Mercado de Valores Mobiliários e do art. 10º do Dec.‑Lei
23/86, de 18-2, aplicável às sociedades corretoras por força do Dec.-Lei
229-I/88, de 4-7, fundamento para ser revogada a autorização concedida à
mencionada T..., S.A., para operar como intermediário financeiro;
Considerando o disposto na al. a) do nº 2 do art. 628º do Código do Mercado de
Valores Mobiliários e no nº 5 do art. 10º do citado Dec.-Lei 23/86;
Manda o Governo pelo Secretário de Estado do Tesouro, ouvidos o Banco de
Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, nos termos do nº 1 do
art. 627º do Código do Mercado de Valores Mobiliários, e ao abrigo do Desp.
18/91-XII, de 6-12, do Ministro das Finanças, publicado no DR, 2ª, de 27-12, o
seguinte:
1º É revogada a autorização concedida à T..., S.A., para exercer toda e qualquer
actividade de intermediação em valores mobiliários.
2º Para os efeitos previstos no Dec.-Lei 30 689, de 27-8-40, é nomeado para
presidir à comissão liquidatária da referida Sociedade o licenciado João Luís
Fernandes Figueira.
3º A presente portaria entra imediatamente em vigor.
A Portaria acabada de transcrever foi editada, como dela
consta, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 627º do Código do Mercado de
Valores Mobiliários (aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 142-A/91, de 10
de Abril) - artigo 627º que dispõe sobre a 'competência e formalidades da
revogação' da autorização de que depende, nos termos do artigo 615º, nº 1, do
mesmo Código, 'o exercício das actividades de intermediação em valores
mobiliários mencionados no artigo 608º'.
O artigo 627º dispõe como segue:
Artigo 627º - Competência e formalidades da revogação
1 - A revogação será decidida pela entidade que, à data em que deva decretar-se,
seja competente, nos termos dos artigos 615º e 616º, para a concessão da
autorização em causa, e será precedida de parecer emitido, no âmbito das suas
atribuições, pelo Banco de Portugal e pela CMVM, quando a referida competência
pertencer ao Ministro das Finanças, ou apenas por uma dessa entidades, quando,
ao abrigo do artigo 616º, houver sido delegada na outra, e, em qualquer caso, de
parecer do respectivo governo regional, se o intermediário financeiro tiver a
sua sede numa região autónoma.
2 - Os pareceres a que se refere o número anterior devem ser emitidos no prazo
de 15 dias.
3 - A decisão de revogação será adequadamente fundamentada, e, quando for da
competência do Ministro das Finanças, revestirá a forma de portaria.
4 - No recurso contencioso das decisões referidas no presente artigo não é
admitida a suspensão de eficácia do acto.
Sustenta, em síntese, a COMISSÃO LIQUIDATÁRIA DA T...
que, tendo a referida T..., SA, entrado em liquidação, a respectiva
representação passou 'a caber unicamente ao seu liquidatário, com óbvia exclusão
de anteriores representantes', por isso que, como a procuração ao advogado, que
subscreve as peças do recurso, foi passada pelo ex-presidente do conselho de
administração da T... (J...), existe 'uma irregularidade na representação e no
mandato ao advogado', que há-de conduzir ao não conhecimento do recurso.
A T..., SA (aqui recorrente) - depois de sublinhar que
'os poderes de representação em juízo dos representantes da empresa em
liquidação' 'dizem respeito à massa do estabelecimento', não podendo 'interferir
com o poder que aos anteriores administradores assiste de designarem mandatário
forense para o exercício, pela empresa destinatária do acto administrativo
contido na Portaria nº 218-A/92, do direito de recurso consagrado na
Constituição e na lei' - acrescenta:
- Com efeito, uma coisa são as relações jurídicas da T..., S.A., em liquidação,
com terceiros - maxime, os seus credores -, e outra, bem distinta, é a relação
jurídico-administrativa Estado – T..., S.A., emergente do acto de revogação da
autorização para o exercício da sua actividade.
- E se, no plano das primeiras relações - de índole privatística -, bem se
compreende que os antigos administradores tenham de ser preteridos em favor da
comissão liquidatária da massa do estabelecimento, já no âmbito das relações
jurídico-públicas referidas em segundo lugar tudo se há-de passar, para efeitos
de recurso, nos termos que existiam à data da prática do acto administrativo
lesivo dos interesses da empresa.
- A não ser assim, chegar-se-ia ao intolerável absurdo de negar à sociedade
lesada o direito de recurso contencioso, com cujo exercício os interesses a
defender pela individualidade designada para presidir à sua comissão
liquidatária - primeiro - e por esta comissão - depois - abertamente conflituam.
A razão está, obviamente, do lado da aqui recorrente.
A decisão de revogação da autorização - que tem que ser
'adequadamente fundamentada' (cf. o nº 3 do artigo 627º, atrás transcrito) e só
pode ter por fundamentos (para além dos 'admitidos na lei geral') os factos
enunciados nas várias alíneas do nº 1 do artigo 626º - é, sem margem para
dúvidas, contenciosamente impugnável.
Ora, sendo à T..., SA, constituída em 13 de Outubro de
1988, que a Portaria nº 218-A/92 retira a autorização do exercício das
actividades de intermediação em valores mobiliários - e não à T..., que entrou
em liquidação em consequência dessa revogação da autorização -, óbvio é que é
aquela (e não esta) a titular do interesse directo, pessoal, e legítimo na
anulação do acto administrativo em que se consubstancia tal decisão de
revogação.
Por isso, pode ela recorrer contenciosamente desse acto.
E, pela mesma razão, pretendendo ela obter a suspensão de eficácia daquele acto
e existindo, como existe, uma disposição legal que lho proíbe, mas que ela tem
por inconstitucional (e que, como tal, arguiu, sem êxito, perante o Supremo
Tribunal Administrativo), tem ela (representada pelos respectivos
administradores, que não pela comissão liquidatária) legitimidade para recorrer
para o Tribunal Constitucional, pois que, quanto a tal questão de
constitucionalidade, é, como se viu, parte vencida.
A ser de outro modo, sentindo-se, embora, lesada pela
revogação de autorização que antes lhe fora concedida, a sociedade não poderia
defender (ao menos, com eficácia) os seus interesses em juízo, impugnando
contenciosamente a decisão de revogação.
5. Objecto do recurso:
5.1. Como decorre do que já se disse, não é legalmente
admissível a suspensão de eficácia da decisão que revogue a autorização do
exercício da actividade de intermediação de valores mobiliários, que se queira
impugnar (ou tenha já) impugnado contenciosamente.
A norma que tal estabelece (a saber: o nº 4 do artigo
627º do Código do Mercado de Valores Mobiliários, atrás transcrito) será
inconstitucional, como pretende a recorrente?
A esta questão deu o acórdão recorrido resposta
negativa, uma vez que - concluiu - a norma em causa não viola o direito de
acesso aos tribunais, nem a garantia de recurso contencioso, nem tão-pouco o
princípio da igualdade.
5.2. Também aqui se conclui pela não
inconstitucionalidade da norma em análise.
5.2.1. Desde logo, ela não viola o direito ao recurso
contencioso, que o artigo 268º, nº 4, da Constituição da República consagra,
assim possibilitando aos interessados que, 'com fundamento em ilegalidade',
impugnem em juízo 'quaisquer actos administrativos, independentemente da sua
forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos'.
De facto, suposta a recorribilidade do acto e a
legitimidade dos recorrentes, o que a norma em causa tão-só preceitua é que os
actos administrativos nela visados, mesmo que impugnados contenciosamente,
continuarão a poder ser executados, uma vez que a eficácia do acto não pode ser
judicialmente suspensa.
5.2.2. O direito de 'acesso [...] aos tribunais para
defesa dos seus direitos e interesses legítimos', que o artigo 20º, nº 1, da
Constituição garante a todos, também não é violado pela norma em causa
A um outro propósito - a propósito, justamente, do
artigo 50º da Lei nº 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária)
- este Tribunal já teve ocasião de chamar a atenção para que nenhum preceito
constitucional impõe ao legislador que consagre o instituto da suspensão de
eficácia dos actos administrativos (cf. os acórdãos nºs 187/88 e 80/91,
publicados no Diário da República, II série, de 5 de Setembro de 1989 e 29 de
Agosto de 1991, respectivamente).
A suspensão de eficácia dos actos administrativos de que
se tenha interposto (ou venha a interpor) recurso contencioso com vista a obter
a sua anulação é, por ora, uma garantia que apenas tem assento legal
(justamente, na Lei de Processo dos Tribunais Administrativos - Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Junho, artigos 76º e 81º), 'uma garantia que, por isso mesmo, o
legislador pode, sem inconstitucionalidade, retirar pura e simplesmente, ou
modelar diferentemente' (cf. os citados acórdãos nºs 187/88 e 80/91).
Nesses acórdãos nºs 187/88 e 80/91, acrescentou-se
ainda:
Para que tal garantia venha a obter consagração constitucional, necessária será
uma evolução semelhante à que ocorreu, após a revisão constitucional de 1971,
com a própria garantia de recurso contencioso (cf. os artigos 8º, nº 21, da
Constituição de 1933 e 268º, nº 3, da Constituição actual) e, depois da revisão
constitucional de 1982, com a garantia da fundamentação dos actos
administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos
cidadãos (cf. o artigo 268º, nº 2). Também estas garantias começaram por ser
aspirações dos administrados, tendo passado, em dado momento, a ter força de lei
e, só por último, indo ao texto da lei fundamental.
Por ora, porém - repete-se -, a garantia da suspensão judicial da eficácia do
acto administrativo é uma garantia sem assento constitucional, uma garantia
apenas concedida pela lei.
É certo que a suspensão de eficácia do acto
administrativo judicialmente impugnado - como se assinalou naqueles arestos -
'torna, decerto, mais consistente o direito de acesso aos tribunais' (recte, o
direito ao recurso contencioso). Simplesmente, 'mesmo sem esse plus de garantia
que se acrescenta à própria garantia do recurso contencioso', o direito ao
recurso (a garantia de 'acesso aos tribunais para defesa dos seus direitoe e
interesses') 'continua a ser assegurado, embora, naturalmente a eficácia do
resultado do recurso à justiça possa, em certos casos, ser mais problemática'.
Vale a pena, a este propósito, transcrever um passo do
acórdão recorrido. Diz-se aí:
Em suma, o instituto da suspensão de eficácia não é uma providência destinada
directamente a permitir a reintegração patrimonial do administrado, eventual
credor, face à Administração, mas um instrumento processual orientado a impedir
as consequências gravosas do uso imoderado e desnecessário do poder
administrativo em contrapolo com a urgência da realização do interesse público
prosseguido.
Nesta óptica, a suspensão de eficácia dos actos administrativos pouco ou nada
tem a ver com o princípio constitucional da justiça efectiva. Mas, ainda que o
tenha, pelas características que vão referidas, não pode deixar de caber ao
poder legislativo, a que a Administração se encontra absolutamente submetida, a
faculdade de conformar as situações em que o privilégio de execução prévia pode
ou não ser paralisado pela intervenção do juiz administrativo.
Também no acórdão nº 173/91 (Diário da República, II
série, de 6 de Setembro de 1991) se escreveu a este propósito:
É correcto, por isso, concluir que, ao menos em geral, a suspensão jurisdicional
da eficácia dos actos administrativos não se configura como uma faculdade
co‑natural à garantia constitucional do recurso contencioso, nem se apresenta
como um pressuposto necessário desta. Esta conclusão não excluirá, todavia, que,
em situações decerto excepcionalíssimas, a possibilidade de obtenção da
suspensão judicial da eficácia do acto esteja indissoluvelmente ligada à
garantia do recurso contencioso, em termos de este se tornar absoluta e
irremediavelmente inútil se aquela for eliminada ou gravemente dificultada pelo
legislador. Numa situação destas - cuja identificação não se compadece com
formulações genéricas, antes pressupõe uma punctualização tópica e típica - e em
que a faculdade de obtenção de suspensão jurisdicional da eficácia dos actos
administrativos se confunde com o direito ao recurso contencioso, não deverá a
lei impedir a suspensão jurisdicional da eficácia do acto impugnado.
Mas este não é, de modo algum, o caso do artigo 50º da Lei nº 109/88.
Insiste-se, pois: a Constituição não impõe ao legislador
- ainda que tão-só de forma implícita, como decorrência do artigo 20º, nº 1 - a
obrigação de prever a possibilidade de fazer suspender a eficácia dos actos
administrativos que sejam objecto de impugnação contenciosa.
Passa-se aqui algo de semelhante ao que este Tribunal
teve ocasião de assinalar quanto à fundamentação dos actos administrativos, numa
altura em que estava em vigor a versão originária do artigo 269º da
Constituição. Disse ele, então:
A fundamentação dos actos administrativos não constitui pressuposto
juridicamente necessário, ou condição insuprível, do exercício do direito ao
recurso contencioso, mas unicamente condição ou factor de uma sua maior
viabilidade prática (cf. acórdão nº 150/85, publicado no Diário da República,
II série, de 19 de Fevereiro de 1985).
5.2.3.A norma aqui sub iudicio também não viola o
princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
O princípio da igualdade exige que se tratem de modo
igual as situações essencialmente iguais e reclama se tratem diferentemente as
situações que forem distintas.
Por isso, um tratamento diferenciado só importará
violação do princípio da igualdade, quando para ele não houver fundamento
material, ou seja, quando o mesmo for irrazoável ou arbitrário.
Este Tribunal já julgou inconstitucional, por violação
do princípio da igualdade, uma norma - a do artigo 50º, nº 1, da Lei nº 109/88,
de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária) - que, justamente, fixa um
regime especial para a suspensão de eficácia de actos administrativos (cf.,
entre outros, os acórdãos nºs 43/92 e 366/92, publicados no Diário da República,
II série, de 23 de Fevereiro de 1993).
Simplesmente - como se pôs em destaque no acórdão
recorrido - em casos como aqueles a que a norma sub iudicio se aplica, 'estão em
jogo 'interesses públicos' conjunturalmente carecidos de protecção mais
acentuada e vigorosa, materialmente justificativos da diferenciação legislativa
no que toca ao regime de suspensão da eficácia dos actos que os envolvam'.
A solução consagrada na norma sub iudicio não é, assim,
arbitrária, pois a proibição de suspensão de eficácia da classe de actos
administrativos abrangidas por ela, embora seja uma disciplina que contrasta com
a que a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos consagra para a
generalidade dos actos administrativos, tem a justificá-la razões que não
concorrem, em geral, quanto a esses outros actos. Razões que, de resto, são
particularmente ponderosas, pois que se trata de, em cumprimento de uma
incumbência constitucional [cf. artigo 81º, alínea e)], 'reprimir os abusos do
poder económico' e 'práticas lesivas do interesse geral', de forma eficaz e
pronta - o que é essencial para que o mercado possa funcionar de acordo com
regras claras e para que a economia seja posta ao serviço do bem comum.
6. Concluindo: a norma do nº 4 do artigo 627º do Código
do Mercado de Valores Mobiliários (Decreto-Lei nº 142‑A/91, de 10 de Abril) - ao
proibir o decretamento judicial da suspensão de eficácia dos actos revogatórios
das autorizações para o exercício de actividades de intermediação de valores
mobiliários - não é, assim, inconstitucional.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o
acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa, 22 de Fevereiro 1995
Messias Bento
Bravo Serra
Luis Nunes de Almeida (vencido por entender que a norma em apreço viola o artigo
20º, nº 1, da C.R.P., pelas razões constantes da declaração de voto junta ao
Acórdão nº 173/91)
Guilherme da Fonseca (vencido, nos termos da declaração de voto do Ex.mº Consº
Luis Nunes de Almeida)
José Manuel Cardoso da Costa
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