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Procº nº 303/94.
2ª Secção.
Relator:- Consº BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de
Justiça e em que figuram, como recorrente, A. e, como recorridos, o Estado
Português, B., C., D., E., F., G., H., I., J., L. e M., estes como
representantes habilitados de N., O. e P., dá o Tribunal a sua concordância, no
essencial, com a exposição prolatada pelo relator e ora de fls. 503 a 509, que
aqui se dá por integralmente reproduzida.
Por outro lado, as razões constantes de tal exposição
não se mostram abaladas por aqueloutras ínsitas na pronúncia que a recorrente
efectuou sobre a mesma exposição, e isso, desde logo, pela circunstância de,
colocando a impugnante perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão da
nulidade que seria resultante da falta de notificação, torna-se claro que aquele
Alto Tribunal, para dilucidar essa questão, teria, inter alia, de fazer apelo às
disposições constantes do artº 254º, nº 3, do Código de Processo Civil e do artº
1º do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro.
A sua aplicação por banda do Supremo Tribunal de Justiça
como suporte da decisão sobre a questão que lhe fora suscitada era, pois, algo
com que, razoavelmente, a recorrente poderia e deveria contar.
A isto acresce que o modo como aquelas normas foram
aplicadas na decisão lavrada no Supremo Tribunal de Justiça não constituiu, como
da leitura do aresto ali prolatado resulta, algo de insólito, já que, ao fim e
ao resto, traduz uma jurisprudência seguida pelos nossos tribunais superiores da
ordem judiciária comum.
Consequentemente, e perante um tal panorama, se à
recorrente se afigurassem dúvidas sobre uma qualquer incompatibilidade entre o
prescrito nas aludidas normas e a Constituição, incumbir-lhe-ia, se desejasse,
posteriormente, lançar mão do recurso estatuído na alínea b) do nº 1 do artº 70º
da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o ónus de suscitar a questão de
inconstitucionalidade referentemente às mencionadas disposições da lei
ordinária.
Neste contexto, decide o Tribunal não tomar conhecimento
do recurso, condenando-se a recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa
de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 15 de Março de 1995
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Guilherme da Fonseca
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
Procº nº 303/94
2ª Secção
1. Q. (que mais tarde se passou a denominar A.) e R.
fizeram instaurar em 27 de Abril de 1982, respectivamente no Tribunal de comarca
de Sintra e no Tribunal Cível da comarca de Lisboa, uma acção, seguindo a forma
de processo ordinário, contra o Estado Português, B., C., D., S. (contra este
réu, posteriormente, desistiram as autoras, em ambas as acções, do pedido), E.,
F., G., H., I., N. (falecido na pendência das acções e ora representado nos
autos por J., L. e M.), O. e P., solicitando a condenação do primeiro réu a
pagar-lhes uma indemnização a liquidar em execução de sentença e, quanto aos
restantes, a sua condenação solidária no pagamento a elas, autoras, da 'parte
dessa indemnização correspondente aos danos causados por' determinados factos
dolosos.
Vindo a ser determinada a apensação da acção pendente
pelo Tribunal Cível da comarca de Lisboa àqueloutra pendente pelo Tribunal de
comarca de Sintra, por despacho de 6 de Maio de 1991, proferido pelo Juiz deste
último órgão de administração de justiça, foi decidido, no tocante aos pedidos
deduzidos contra o primeiro réu, declarar o tribunal incompetente, em razão da
matéria, para desse pedido conhecer - razão pela qual foi o Estado Português
absolvido da instância - e, no que concerne ao pedido formulado quanto aos
demais réus, foram julgadas ineptas as petições, por falta de causa de pedir -
motivo por que foram estes réus, identicamente, absolvidos da instância.
Não se conformando com o assim decidido, agravaram as
autoras para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 10 de Dezembro
de 1992, negou provimento aos agravos.
Novamente inconformada, veio a autora A.., recorrer para
o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que, após ter sido admitido por despacho
de 14 de Janeiro de 1993 do Juiz Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, veio,
por despacho do mesmo Juiz, datado de 4 de Fevereiro de 1993, a ser considerado
deserto 'por falta de alegações'.
Dessa decisão veio a E.U.T. 'reclamar', dizendo, em
síntese, que não recebeu a carta registada, enviada por aquele tribunal de 2ª
instância, através da qual se pretendia que a ela fosse dado conhecimento do
despacho admissor do recurso de agravo do acórdão de 10 de Dezembro de 1992.
Após efectuadas determinadas diligências junto dos
C.T.T., a Relação de Lisboa, por acórdão de 1 de Julho de 1993, indeferiu a
reclamação, o que motivou que do assim decidido viesse a A. interpôr recurso de
agravo para o S.T.J.
Recebido o agravo, produziu a A.. a cabida alegação, na
qual, minimamente, não suscitou qualquer questão de desconformidade com a
Constituição, designadamente com referência a qualquer norma.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 22 de
Fevereiro de 1994, negou provimento ao agravo.
Notificada deste aresto, a E.U.T. fez juntar aos autos
requerimento por intermédio do qual argui de nulo o citado acórdão, visto que, a
seu ver, existiriam 'contradições entre os fundamentos e o teor da decisão'.
A dado passo, escreveu naquele requerimento a referida
autora, ora recorrente:
'.............................................
12. - Sucede, porém, que tanto a norma constante do nº 3 do art. 254º do CPC
como a interpretação dada ao art. 1º do DL 121/76 de 11/2 enfermam do vício de
inconstitucionalidade, por violação do já citado art. 2º de Lei Fundamental.
.............................................'
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 26 de Maio
de 1994, desatendeu a arguição, o que motivou que a E.U.T. viesse a interpôr
recurso para o Tribunal Constitucional 'ao abrigo do disposto na alínea b) do
art. 70º da' Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recurso que foi recebido por
despacho lavrado em 13 de Junho de 1994 pelo Juiz Relator daquele Supremo.
2. Não obstante tal despacho, e porque ele não vincula
este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da aludida Lei), entende-se que o recurso
não deveria ter sido admitido.
Na verdade, postamo-nos, indubitavelmente, perante um
recurso interposto ex vi da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, o
que, inter alia, inculca que quem queira lançar mão desta forma de impugnação de
decisões de outros tribunais tenha de cumprir um ónus, qual seja, justamente, o
de suscitar, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade de normas
que serviram de suporte à decisão jurisdicional pretendida censurar.
Ora, de harmonia com uma jurisprudência uniforme e
constante deste Tribunal, a locução «durante o processo», usada no citado
preceito da alínea b) do nº 1 do artº 70º, deve ser tomada, não num sentido
puramento formal segundo o qual a suscitação dessa questão possa ocorrer até à
extinção da instância, mas sim num sentido funcional de acordo com o qual a
invocação da referida questão haverá de ser feita em momento em que o tribunal a
quo ainda possa conhecer dela, o que vale por dizer que é de exigir que esse
tribunal ainda não tenha, quanto à matéria incidente sobre a dita questão de
inconstitucionalidade, esgotado o ser poder jurisdicional.
Daí que, como, em princípio, tal poder se esgota com o
proferimento da sentença, se tenha de alcançar a conclusão segundo a qual a
questão de inconstitucionalidade tem, em regra, que ser suscitada antes de tal
proferimento.
De outra banda, tendo em conta que a eventual aplicação
de uma norma inconstitucional não é causa de nulidade da decisão judicial, nem
torna esta obscura ou ambígua, há-de, ainda, convir--se que o requerimento que
contenha a arguição de nulidades ou o pedido de aclaração não é já, em
princípio, meio idóneo, adequado e atempado para a suscitação da questão de
inconstitucionalidade, referentemente à expressão «durante o processo» utilizada
na falada alínea b) do nº 1 do artº 70º (cfr., por todos, o Acórdão nº 318/90,
publicado na 2ª Série do Diário da República de 15 de Março de 1991).
2.1. Assente esta parametrização, o que nos trazem os
autos?
Como decorre da exposição fáctica acima efectuada, a
recorrente, após ser notificada do despacho prolatado pelo Juiz Relator da
Relação de Lisboa, reclamou do mesmo para a conferência, não questionando, nessa
reclamação, a conformidade com a Lei Fundamental de qualquer normativo constante
da legislação ordinária que, directa ou implicitamente, tivesse servido de
suporte normativo à decisão ínsita em tal despacho.
Igualmente, na alegação do agravo interposto do acórdão
tirado naquela Relação, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade
de normas que também tenham, directa ou implicitamente, servido de base
normativa quanto ao decidido em tal aresto, que veio a ser, na sua decisão e
fundamentos, confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
E esta seria, de harmonia com a jurisprudência, acima
sumulada, do Tribunal Constitucional, a ocasião em que sobre a recorrente
impenderia o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade dos
normativos que agora pretende ver sujeitos a apreciação pelo órgão ao qual
compete a fiscalização concentrada da compatibilidade de normas com o Diploma
Básico, caso desejasse que este Tribunal viesse proceder, nestes autos, a uma
tal apreciação, e isto pela razão segundo a qual no caso sub specie não se nos
depara uma daquelas situações anómalas e certamente de todo em todo excepcionais
nas quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para levantar a
mencionada questão, nomeadamente por ter sido surpreendido com uma interpretação
normativa insólita com a qual, razoavelmente, não poderia contar.
3. Em face do exposto, e por se entender que a
recorrente não suscitou durante o processo e em termos adequados e operativos, a
pretensa questão de inconstitucionalidade das normas aludidas no requerimento de
interposição do recurso, propõe-se que dele se não conheça.
Cumpra-se a parte final do artº 78-A da Lei nº 28/82.
Lisboa, 8 de Julho de 1994.
(Bravo Serra)