Imprimir acórdão
Procº nº 246/94
Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. Por Acórdão de 14 de Abril de 1994, o Tribunal
Colectivo do Círculo Judicial de Portalegre condenou o arguido A ... pela
prática de vários crimes de furto, uns simples e outros qualificados, sendo-lhe
aplicada, em cúmulo jurídico, a pena unitária de dois anos e seis meses de
prisão.
Discordando da tese que fez vencimento naquele
aresto, o Mmº Juiz Presidente lavrou declaração de voto de vencido, recusando na
mesma aplicação da norma do artigo 372º, nº 2º, do Código de Processo Penal -
norma esta que proíbe a junção de declaração de voto nas sentenças proferidas
pelos tribunais colectivos -, por violação dos artigos 26º, nº 1, 41º, nº 1,
217º, nº 1, e 13º da Constituição.
2. Do referido acórdão interpôs o Ministério
Público recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº
1 e do nº 3 do artigo 280º da Constituição e artigos 70º, nº 1, alínea a), e
72º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro).
Tal recurso não foi, porém, admitido, por despacho
de 2 de Maio de 1994, do Mmº Juiz Presidente do Tribunal de Círculo de
Portalegre, com o fundamento de que a declaração de voto, ainda que invocando
expressamente a inconstitucionalidade da sua proibição, não consubstancia uma
decisão do tribunal, para efeitos de recurso de constitucionalidade.
3. Discordando do mencionado despacho, do mesmo
reclamou o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, nos termos do
artigo 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional.
Por despacho de 12 de Maio de 1994, o Mmº Juiz
Presidente do Tribunal de Círculo de Portalagre manteve o despacho reclamado.
4. O Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste
Tribunal, após referir que a questão discutida na presente reclamação é idêntica
à que esteve na base da prolação do Acórdão nº 464/94, no Processo nº 56/94 da
2ª Secção do Tribunal Constitucional, entendeu que a presente reclamação deve
improceder.
5. Corridos os vistos legais, cumpre, então,
apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
6. Tal como foi referido, a 2ª Seccão do Tribunal
Constitucional, no seu Acórdão nº 464/94 (publicado no Diário da República, II
Série, nº 270, de 22 de Novembro de 1994), analisou uma questão idêntica à que o
Tribunal agora tem entre mãos, tendo aí concluído que a declaração de voto do
juiz que não acompanhou a maioria não configura uma decisão de um tribunal e,
por isso, não cabe da mesma recurso para o Tribunal Constitucional.
No citado aresto, o Tribunal Constitucional
concordou com a exposição preliminar do Relator, a qual, a dado passou, referiu:
'... Muito embora uma declaração de voto de um juiz
faça parte integrante da decisão tomada em sede de tribunais funcionando
colegialmente, não é ela, seguramente, contributiva, ou para a formação da
maioria que vai expressar o conteúdo decisório, ou para a maioria na qual se
ancora a fundamentação que conduz à decisão.
Uma e outra (decisão e fundamentação) alcançam-se
com os votos do juiz não dissidente e são ambas que, afinal,
constituem, verdadeiramente, a decisão do tribunal, a qual, por isso, não é
baseada (antes pelo contrário) nas razões aduzidas por aquele juiz.
A declaração de voto do juiz que não acompanhou a
maioria não serviu, pois, para a formação da decisão, pois que, na realidade,
essa declaração representa, antes e tão-só, o ponto de vista do juiz emitente e
não a óptica do juízo decisório do tribunal ou a corte de razões que a ele
levou. Neste contexto, não pode tal declaração ser perspectivada como decisão de
um tribunal.
'... Sendo assim, e porque o recurso do tipo
daquele de que ora se cura tem, necessariamente, de ser interposto de uma
decisão judicial, ponderando que na decisão tomada pelo acórdão de 23 de
Novembro de 1993 não houve recusa de aplicação de qualquer normativo com
fundamento num juízo de desconformidade com o Diploma Básico, torna-se claro
inexistir, 'in casu', um dos respectivos pressupostos - justamente o da recusa
de aplicação de uma norma numa decisão de um tribunal.
Adite-se ainda às explanadas razões uma outra, qual
seja a de, tendo o recurso de constitucionalidade uma natureza instrumental, a
decisão eventualmente a tomar por este Tribunal quanto à questão de
inconstitucionalidade suscitada na declaração de voto do juiz vencido, e ainda
que concluísse pela existência de um tal vício na norma ínsita no nº 2 do artigo
372º do Código de Processo Penal vigente, não teria qualquer repercussão quanto
ao decidido no aresto prolatado pelo Tribunal de Círculo de Portalegre'.
E antes de concluir por não tomar conhecimento do
recurso, acentuou o mencionado Acórdão nº 464/94:
'A isto adita ainda que, sendo a junção de uma
declaração de voto na sentença proferida pelo tribunal colectivo um acto
proibido por lei (artigo 372º, nº 2, do Código de Processo Penal), na hipótese
de junção, seguramente se haverá de proporcionar aos interessados um meio de
reacção de molde a poder provocar, sobre ela, uma decisão daquele tribunal,
decisão essa que, após ser tomada, poderá ser impugnada pelos meios legais,
designadamente, se for caso disso, por intermédio de recurso visando a
fiscalização concreta da constitucionalidade normativa, e isso pela razão de que
este tipo de recurso unicamente tem por objecto as decisões de outros
tribunais'.
7. Os fundamentos transcritos do Acórdão nº 464/94
são totalmente transponíveis para o caso sub judicio. Há, assim, que concluir
pelo indeferimento da presente reclamação, dado que não se verificam, in casu,
os pressupostos do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 280º, nº 1,
alínea a), da Constituição e no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal
Constitucional.
III- Decisão.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se
indeferir a presente reclamação.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 1995
Fernando Alves Correia
Guilherme da Fonseca
Messias Bento
Bravo Serra
Luis Nunes de Almeida