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Proc. nº 513/94
1ª Secção
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No Tribunal Judicial de Faro, o Agente do
Ministério Público instaurou execução por custas contra A., por apenso a um
processo de querela, pretendendo a cobrança da quantia de 26.000$00 em dívida ao
Estado. A execução foi instaurada em Dezembro de 1993 e, como o executado reside
em Lisboa, foi enviada carta precatória para penhora de bens deste último no
local da residência.
Entretanto, acabou por ser decretada a penhora
sobre um sexto da pensão que o executado recebe do Centro Nacional de Pensões.
Notificado do despacho a ordenar descontos, veio este organismo suscitar a
questão da impenhorabilidade absoluta das pensões pagas por ele, nos termos do
art. 45º, nº 1, da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto. Informou ainda que a pensão
mensal paga ao executado atingia o valor de 172.430$00. Perante ste ofício, o
Agente do Ministério Público requereu que se mantivesse a penhora, alegando que
a norma invocada pelo Centro Nacional de Pensões era parcialmente
inconstitucional, nos termos do julgamento constante do acórdão nº 411/93 do
Tribunal Constitucional.
Sobre este requerimento, foi proferido despacho a
manter a penhora, acolhendo-se o juízo de inconstitucionalidade. Pode ler-se
neste despacho:
'Preceitua o art. 45 da Lei 28/84, de 14/8, que as prestações devidas pelas
instituições de segurança social são impenhoráveis, excepto em processos de
execução especial por alimentos, relativamente a prestações substitutivas de
rendimento e até 1/3 do seu montante.
Quanto às prestações pagas por outras entidades a título de
aposentação, reforma, doença e invalidez são penhoráveis até 1/3 - art. 823, nº
1, f) do C.P. Civil.
Ora, conforme decidiu o T.C. nos Acs. 349/91 e 411/9[3] (vide
D.R. II Série de 2-12-91 e de 19-1-94), a diferença de regimes entre as pensões
devidas pela Segurança Social e as devidas por outras entidades cria uma
situação de favor ou privilégio injustificado para os beneficiários das
prestações de segurança social, tendo a lei (art. 45 nº 1 da Lei 28/84) criando
uma diferenciação infundada, com ofensa dos arts. 13, nº 1 e 62, nº 1 da C. Rep.
Portuguesa (esta última disposição tutela o direito do credor à satisfação do
seu crédito).
Assim, o art. 45, nº 1, da Lei 28/84, na medida em que isenta de
penhora as prestações devidas pelas instituições de segurança social, na parte
(e só nesta) que excede o mínimo adequado e necessário a uma sobrevivência
condigna do pensionista, é inconstitucional, por violação das citadas normas da
Constituição.
Ora, o executado/pensionista aufere a quantia mensal de
172.430$00.
Assim, a penhora de 1/6 desse montante ordenada nos autos não
colide com o mínimo adequado e necessário à sua sobrevivência, pois que sempre
lhe restará uma quantia equivalente a três salários mínimos nacionais.'
Deste despacho interpôs em tempo recurso de
constitucionaldade o Agente do Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do nº
1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, indicando que deveria subir
após ter sido efectuada a penhora, em separado e com efeito devolutivo.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 3 do
respectivo apenso.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Apenas alegou a entidade recorrente, concluindo essa
peça do seguinte modo:
'1º - É inconstitucional a norma constante do artigo 45º, nº 1, da Lei nº 28/84,
de 14 de Agosto, na medida em que isenta de penhora a parte das prestações
devidas pelas instituições de segurança social que excede o mínimo adequado e
necessário a uma sobrevivência condigna.
2º - A pensão de reforma de 172.430$00, percebida pelo executado, atendendo às
circunstâncias concretas do caso, não é, na sua totalidade, essencial à garantia
do mínimo de sobrevivência condigna, sendo, como tal, susceptível de penhora
parcial.' (a fls. 19 dos autos)
3. Foram dispensados os vistos, dada a
simplicidade da causa. Por não haver motivo que a tal obste, passa a conhecer-se
do objecto do recurso.
II
4. Constitui objecto do presente recurso de
constitucionalidade o segmento da norma do art. 45º, nº 1, da Lei nº 28/84, de
14 de Agosto (Lei da Segurança Social), que foi desaplicado, com fundamento em
inconstitucionalidade, pelo despacho recorrido.
Dispõe esse art. 45º:
'1 - As prestações devidas pelas instituições de segurança social são
impenhoráveis e intransmissíveis.
2 - A impenhorabilidade das prestações não se aplica em processo de execução
especial por alimentos, relativamente a prestações substitutivas de rendimento e
até um terço do seu montante.
O segmento da norma do nº 1 do artigo 45º da Lei
nº 28/84 julgado inconstitucional foi o que estende a impenhorabilidade absoluta
à parte da pensão que excede o mínimo adequado e necessário a uma sobrevivência
condigna do pensionista.
5. Não merece censura este juízo de
inconstitucionalidade, feito com base na fundamentação constante dos acórdãos
nºs 349/91 e 441/93, ambos da 2ª Secção do Tribunal Constitucional (publicados
no Diário da República, II Série, nºs 277, de 2 de Dezembro de 1991, e nº 15, de
19 de Janeiro de 1994, respectivamente). No primeiro destes acórdãos, fez-se
referência à doutrina do Acórdão nº 479 da Comissão Constitucional (publicado no
Boletim do Ministério da Justiça, nº 327, pág. 415, ou no Apêndice ao Diário da
República, de 23 de Agosto de 1983) - que se pronunciara pela não -
inconstitucionalidade da norma análoga constante de legislação anterior - e
considerou-se que tal doutrina se mantinha 'válida na sua ideia essencial para a
norma do nº 1 do artigo 45º da Lei nº 28/84, desde que a pensão auferida pelo
beneficiário da segurança social, tendo em conta o seu montante, reportado a um
determinado momento histórico, cumpra efectivamente a função inilidível de
garantia de uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista. Ora, é esse
insofismavelmente o caso dos autos, já que o quantitativo da pensão social
percebida pelo executado não era susceptível de ser comprimido, por efeitos da
sua penhora parcial, sob pena de ser posta em causa a subsistência do
executado'. Em contrapartida, existia 'um segmento ou dimensão daquela norma que
é claramente inconstitucional por violação do princípio da igualdade do artigo
13º da Constituição: a norma será certamente inconstitucional naquela parte em
que estende a aplicação do princípio da impenhorabilidade total às prestações
devidas pelas instituições de segurança social, cujo montante ultrapasse
manifestamente aquele mínimo entendido como necessário para garantia de uma
sobrevivência digna do pensionista'. No outro segmento ideal, a norma não estava
afectada por inconstitucionalidade.
No acórdão nº 411/93, numa situação de
desaplicação da parte da norma idêntica ao caso sub judicio, afirmou-se que o
juiz recorrido havia feito uma ponderação dos elementos de facto (nomeadamente
do valor da pensão mensal) e havia concluído 'que a norma em causa, quando
aplicada na concreta situação em apreço, violava o princípio constitucional de
igualdade'. E, depois, entendeu-se que a decisão recorrida respeitava o critério
de constitucionalidade adoptado pelo Tribunal Constitucional, não sendo, por
isso, 'passível de qualquer juízo de censura por parte do Tribunal
Constitucional - ao qual falece a competência para apreciar os elementos de
facto que a 1ª instância teve em conta - ou, sequer, para apreciar a suficiência
ou insuficiência de tais elementos nos autos' (uma aplicação desta doutrina, foi
feita implicitamente pelo acórdão nº 94/95, da 1ª Secção do Tribunal
Constitucional, ainda inédito, em que estava em causa uma questão de natureza
processual respeitante a um recurso interposto pelo Ministério Público ao abrigo
da alínea g) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional).
Ora, face a esta orientação jurisprudencial
firme, não merece censura o julgamento de inconstitucionalidade feito no
despacho recorrido, não tendo o Tribunal Constitucional que sindicar o juízo
feito pelo Senhor Juiz a quo sobre o montante da pensão percebida, em termos de
permitir a penhora de um sexto dessa pensão.
III
6. Nestes termos e pelos fundamentos expostos,
decide o Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso.
Lisboa,14 de Março de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa