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Procº nº 828/93.
2ª Secção.
Relator:- Consº BRAVO SERRA.
I
1. J... foi, no Tribunal de comarca de Mangualde,
submetido a julgamento em processo sumário em virtude de se indiciar que, pelas
17 horas e 20 minutos do dia 15 de Outubro de 1993, conduzia numa via pública um
automóvel ligeiro de passageiros, apresentando uma taxa de alcoolémia no
montante de um grama e sessenta centigramas de alcoól por litro.
Por sentença do dia seguinte, o Juiz daquele Tribunal de
comarca, por um lado, condenou o arguido, por infracção ao disposto no nº 1 do
artº 2º do Decreto‑Lei nº 124/90, de 14 de Abril, na pena de noventa dias de
multa à taxa diária de Esc. 400$00 ‑ a que corresponderam 60 dias de prisão
alternativa ‑ e, por outro, não o condenou 'na sanção acessória da inibição da
faculdade de conduzir' prevista na alínea a) do nº 2 do artº 4º do mesmo
diploma, 'por [o] julgar inconstitucional' visto que, em seu entender, esta
última norma violava os princípios 'da culpa' e da 'proporcionalidade das
sanções criminais' consignados nos artigos 1º, 13º, nº 1, 25º, nº 1, 18º, nº 2 e
88º, nº 1, todos da Constituição.
2. Dessa sentença, relativamente à desaplicação
normativa, recorreu para este Tribunal o Ministério Público, tendo o seu
Representante aqui em funções apresentado alegação na qual concluiu dever ser
provido o presente recurso, assim se determinando a reforma da impugnada
decisão, por isso que, não podendo 'considerar-se como efeito automático da
condenação por certo tipo legal de crime a imposição de uma sanção acessória,
mediante decisão do juiz, que se encontra habilitado a graduar a medida daquela,
em função da ponderação das circunstâncias do caso', o 'regime estatuído no
artigo 4º nºs 1 e 2, alínea a), não ofende o disposto no artigo 30º, nº 4, da
Constituição, nem envolve qualquer infracção aos princípios constitucionais da
culpa e da proporcionalidade das sanções criminais'.
Por seu turno, o recorrido limitou-se a oferecer o
merecimento dos autos.
II
1. A norma cuja recusa de aplicação, fundada num juízo
de inconstitucionalidade efectuado pelo Juiz a quo, teve lugar na decisão sob
censura, insere-se no D.L. nº 124/90, diploma que, precedido da autorização
legislativa concedida pela Lei nº 31/89, de 21 de Agosto, criou um novo tipo de
ilícito penal, justamente o correspondente ao da efectivação da condução de
veículos, com ou sem motor, apresentando o condutor uma taxa igual ou superior
a um grama e vinte centigramas de alcoól por litro no seu sangue, além de criar,
igualmente, ilícitos de natureza contravencional nos casos em que aquele taxa,
sendo inferior à acima referida, seja, porém, igual ou superior a cinquenta
centigramas e inferior a oitenta centigramas de alcoól, ou superior a esta
última, mas inferior a cento e vinte centigramas.
Relativamente ao ilícito de natureza criminal, a sanção
para ele cominada, em caso de dolo, foi estabelecida como sendo a pena de prisão
até um ano ou multa até 200 dias dias (se pena mais grave não for aplicável) -
cfr. artº 2º, nº 1 - ou, em caso de negligência, pena de prisão até seis meses
ou multa até 100 dias - cfr. artº 2º, nº 2 - .
A estas penas, e como estabeleceu o artº 4º
(precisamente o preceito no qual se insere a norma objecto de apreciação no
presente recurso), entendeu o legislador dever acrescer uma outra, acessória, de
inibição da faculdade de conduzir.
E foi assim que se comandou nos números 1 e 2 daquele
artº 4º:-
Artigo 4º.
Inibição da faculdade de conduzir
1 - Às penas previstas nos artigos 2.º e 3.º acresce a sanção acessória de
inibição da faculdade de condu zir.
2 - A inibição terá a seguinte dura ção:
a) Seis meses a cinco anos nos casos previstos no artigo 2.º;
b) Três meses a dois anos nos casos previstos no n.º 2 do artigo 3.º;
c) Um a seis meses nos casos previstos no nº. 3 do artigo 3.º
2. Segundo a decisão em recurso, das estatuições ínsitas
nos transcritos preceitos resultaria que a pena acessória de inibição da
faculdade de conduzir - pena essa limitativa do exercício de um direito civil -
seria uma pena de aplicação automática na sequência da condenação (no caso que
ora releva) pelo ilícito criminal estabelecido no artº 2º do D.L. nº 124/90, o
que contrariaria o que se consigna no nº 4 do artigo 30º da Constituição.
E, por outro lado, segundo a mesma decisão (se bem se
entende o que ali se discreteou), a pena acessória em causa ofenderia os
princípios da culpa e da proporcionalidade das sanções criminais, já que era
prevista a mesma moldura de inibição quer para os ilícitos penais cometidos sob
a forma dolosa, quer para os cometidos sob a forma negligente.
Impõe-se, desta arte, apreciar uma tal corte de
fundamentação.
3. Torna-se desde logo seguro que, contrariamente ao
referido na sentença sub iudicio, a pena de inibição da faculdade de conduzir
não é algo de funcionamento automático em consequência da condenação em pena
privativa da liberdade ou em pena de multa pelo ilícito penal de exercício da
condução de veículos sob a influência de alcoól.
Efectivamente, trata-se, a par destas últimas penas, da
imposição de uma outra pena - acessória, pois (cfr. a própria designação
empregue no exórdio do D.L. nº 124/90) - aplicável em situações subsumíveis
àquelas cuja fattispecie constitui um ilícito de natureza penal (só este, in
casu, nos interessa tratar agora), e cuja aplicação é unicamente relegada para o
juiz que, atento o circunstancionalismo rodeador da infracção, a vai, em
concreto, dosear de entre um amplo espectro temporal previsto abstractamente na
norma previsora.
Por isso, e como bem realça o Ex.mo Procurador-Geral
Adjunto na alegação apresentada, nenhuma identidade existe entre a previsão ora
em apreço e aqueloutra constante do nº 2 do artº 46º do Código da Estrada que
levou à prolação do Acórdão nº 224/90 deste Tribunal.
Não há, na norma sub specie, qualquer automatismo de
aplicação em consequência da imposição de uma condenação por um certo crime ou
em certa pena, o que vale por dizer, enfim, que a decretanda inibição da
faculdade de conduzir não é um efeito necessário da condenação por uma outra
pena ou por um determinado crime (cfr., sobre a questão da produção ope legis
dos efeitos das penas, Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, «Parte
Geral» II - Penas e Medidas de Segurança, 1989, título II, capítulos I e II, e
Figueiredo Dias no artigo intitulado «Os novos rumos da política criminal e o
direito penal português do futuro», in R.O.A., 1983, 5 e segs.).
Sendo assim, logo por aqui se verifica que é de afastar
a pretensa enfermidade constitucional de que padeceria a norma da alíne a) do nº
2 do artº 4º do D.L. nº 124/90.
3.1. De outra banda, também não convencem os argumentos
carreados na sentença em crise e segundo os quais a norma sob sindicância
afronta os princípios da culpa e da proporcionalidade das sanções ciminais.
De facto, a circunstância de a medida abstracta da pena
acessória de inibição da faculdade de conduzir ser a mesma, quer para os
ilícitos de condução sob a influência do alcoól cometidos sob a forma dolosa,
quer sob a forma negligente, não acarreta aquela afronta. É que, atento o acima
referido amplo espectro temporal da falada medida - 6 meses a 5 anos -
obviamente que ao juiz é conferida uma larga margem de discricionaridade para,
em concreto, fixar tal pena acessória segundo as circunstâncias concretas do
caso submetido à sua apreciação, entre estas, inequivocamente, se contando as
conexionadas com o grau de culpa do agente. E daí, logo em primeira linha, a
possibilidade de adequar a medida concreta consoante esteja em causa um grau de
culpa menos acentuado, como é o caso da negligência, ou um grau de culpa de
maior gravidade, como se passará com os casos de dolo.
A isto cabe aditar que, mesmo confrontando a medida
abstracta da pena principal - prisão de 30 dias a um ano ou multa de 10 a 200
dias (cfr. os mínimos fixados para a prisão e multa, respectivamente nos artigos
40º, nº 1, e 46º, nº 1, do Código Penal) - com aqueloutra fixada para a pena
acessória de que ora se cura, ainda assim não se antevê que os mencionados
princípios se mostrem violados.
Na realidade, para além das considerações já formuladas
no tocante à ampla margem de graduação da pena de inibição, não se pode olvidar
que, ainda que se tenha em mente só o seu limite máximo, é seguro, por um lado,
que na Lei Fundamental inexiste qualquer normativo que aponte ou imponha que as
penas acessórias tenham de ter correspondência com as penas principais e, por
outro, que, tendo em conta os perigos que, notoriamente, advêm da condução sob a
influência do alcoól, é perfeitamente ajustada uma sanção como aquela de que nos
ocupamos, que apresenta um limite mínimo temporal de seis meses e um máximo de 5
anos o que, há-de convir-se, se posta como algo adequado à perigosidade
demonstrada por um agente que se coloque na previsão do ilícito em apreço.
III
Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao
recurso e, em consequência, determinar a reforma da sentença recorrida na parte
impugnada, a fim de a mesma ser reformada de harmonia com o presente juízo sobre
a questão de constitucionali- dade.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 1995
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Guilherme da Fonseca
Messias Bento
Luis Nunes de Almeida