Imprimir acórdão
Processo nº 301/93
2ª Secção
Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. M... com os sinais identificadores dos autos, veio
interpor recurso para este Tribunal Constitucional do despacho do Mmº Juiz do 7º
Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, de 3 de Março de 1993,
que, decidindo uma reclamação por ela apresentada da conta elaborada nos autos
de embargos de terceiro, ordenou 'a reforma das contas tendo-se em atenção o
valor de 8 000 000$00, liquidando-se a taxa de justiça a cada um dos embargantes
na proporção de metade a cada um'.
2. No requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, diz a recorrente que 'vem nos termos do artº 70º/1, b)
desta Lei (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) interpôr recurso para o Tribunal
Constitucional desse despacho de fls. 61 - na parte em que não ordenou a
desaplicação das regras constantes do Dec.-Lei nº 199/90, de 19 de Junho -, por
ofensa aos princípios constitucionais da segurança, confiança e boa-fé que
integram o princípio mais geral do Estado de Direito, consagrado no artº 2º da
Lei Fundamental, conforme suscitado no requerimento de fls. 58'.
E, nas suas alegações, veio sustentar que é
'inconstitucional a norma do artº 9º do Dec.-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, ao
abranger os processos pendentes à data da entrada em vigor do diploma', por
violação dos 'princípios constitucionais da segurança, confiança e boa-fé que
integram o princípio mais geral do Estado de direito, consagrado no artº 2º da
Lei Fundamental', sendo que o 'carácter gravoso da alteração introduzida foi
ilustrado, julga-se que de maneira flagrante, pela seguinte comparação,
efectuada então face ao valor no momento atribuído ao processo (de 8 000
000$00): a) A tabela de 1990 aponta para uma taxa de justiça de 556 845$00 que,
reduzida a 3/5, nos termos da actual redacção do artº 12º/2 conduz aos
calculados 334 107$00; b) A tabela anteriormente em vigor, introduzida pelo
Dec.-Lei nº 160/84, de 18 de Maio, determinaria uma 'taxa de justiça' (imposto
de justiça + imposto de selo) de 363 0003$00, conduzindo no presente caso, com a
redacção [quer dizer-se: redução] a metade prevista na redacção então em vigor
do artº 12/1, a um valor de 181 501$50'.
3. Também apresentou alegações a recorrida Fazenda
Pública, concluindo que:
' a) O Regulamento de custas do processo tributário tem natureza processual e
por isso é aplicável a todos os actos praticados na sua vigência;
b) A elaboração da conta de custas é um acto processual;
c) A actualização introduzida pelo Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, ficou
aquém dos valores de correcção monetária relativamente à tabela do Decreto-Lei
nº 240/90, de 4 de Abril;
d) A actualização introduzida pelo Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, não
ofendeu as expectativas dos cidadãos quanto a actualização dos valores da tabela
de custas;
e) O artigo 9º do Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, não enferma de
inconstitucionalidade'.
4. Vistos os autos, incluindo o visto do Ministério
Público, cumpre decidir.
Do processo alcança-se com interesse que:
4.1. A recorrente veio, 'de harmonia com o disposto nos
artºs 186 do Cód. Proc. das Cont. e Impostos e 1037 e 1039 de C.P.C. deduzir
embargos de terceiro' à execução movida pela Caixa Geral de Depósitos contra
M... e J....
4.2. Por sentença do Mmº Juiz do Tribunal a quo, de 10 de
Novembro de 1992, foram julgados improcedentes os embargos de terceiro e
condenada a embargante, ora recorrente, nas custas processuais.
4.3. Tal decisão transitou em julgado e seguiu-se a
liquidação das custas, feita pela Secretaria, com o valor da execução de 8 000
000$00 e as custas calculadas em 335 701$00.
4.4. Notificada a recorrente para o pagamento dessas
custas, e já depois de remetida a certidão de relaxe, por falta de pagamento, ao
Chefe da Repartição de Finanças do 16º Bairro Fiscal de Lisboa, veio ela
apresentar 'reclamação', peticionando 'a reforma da conta reclamada', na base de
que, e no essencial e aqui releva, 'julga-se efectivamente inconstitucional a
regra do referido artº 9º do Dec.-Lei nº 199/90, ao determinar a aplicabilidade
dos novos valores da Tabela I do Regulamento aos processos pendentes na data da
sua entrada em vigor.
4.5. Prestada a Informação pela Secretaria, de harmonia
'com o disposto no artigo 139º do Código das Custas Judiciais', foi proferido o
despacho ora recorrido do seguinte teor integral:
'Dado o erro verificado, e porque houve prejuízo considerável para os
embargantes nos termos do disposto no artº 138º, nº 4, do C.C.J., ordeno a
reforma das contas tendo-se em atenção o valor de 8 000 000$00, liquidando-se a
taxa de justiça a cada um dos embargantes na proporção de metade a cada um.
E porque a petição de fls. 58/60 deu entrada fora do prazo condena-se o
reclamante nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo.
Notifique'.
4.6. Seguiu-se uma nova liquidação das custas, em
cumprimento daquele despacho, com o mesmo valor de 8 000 000$00, mas agora com
as custas calculadas em 173 648$00.
5. O âmbito do presente recurso está delimitado unicamente
à norma do artº 9º do Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, que dispõe:
'O presente diploma (o Decreto-Lei nº 199/90) entra em vigor no dia 1 de Agosto
de 1990, aplicando-se também aos casos pendentes'.
E tal Decreto-Lei veio, no que aqui importa, alterar as
tabelas das custas dos processos dos tribunais tributários, substituindo as
tabelas de custas aprovadas pelo Decreto--Lei nº 160/84, de 18 de Maio, e
aplicando-se as novas tabelas aos processos pendentes, por força do disposto no
questionado artº 9º ('As tabelas das custas dos tribunais tributários e dos
emolumentos dos serviços das contribuições e impostos foram revistas em 1984,
encontrando-se actualmente profundamente desajustadas' - lê-se no preâmbulo do
diploma).
Só que, preliminarmente, há que saber se se verificam os
pressupostos de admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade,
sabido que, talqualmente vem invocado pela recorrente, ele é suportado pela
alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
reproduzindo a alínea b), do nº 1, do artigo 280º da Constituição (aplicação de
norma, in casu, a do citado artigo 9º do Decreto-Lei 199/90, 'cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo').
Mister, é, pois, que se revele uma decisão jurisdicional
que tenha feito uma aplicação de norma jurídica arguida atempadamente de
inconstitucionalidade e nessa aplicação se tenha fundado o julgado, sendo que a
jurisprudência unânime deste Tribunal Constitucional vai no sentido de que 'à
expressão 'durante o processo' utilizada nas já citadas disposições constantes
da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Lei Fundamental e na alínea b) do nº 1 do
artº 70º da Lei nº 28/82, há-de ser conferido um sentido, não meramente formal,
de sorte a significar a suscitação da questão de inconstitucionalidade enquanto
os autos se encontrarem pendentes, mas sim um sentido funcional de modo a querer
dizer que essa questão há que ser colocada antes de esgotado o poder
jurisdicional do tribunal recorrido, a fim de este a poder decidir e de,
tocantemente à sua decisão, poder ser ela ser reapreciada (pois de um recurso se
trata) perante o órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade'
(palavras do recente acórdão nº 3/95, remetendo para a exposição do relator).
Ora, é essa revelação que aqui se não alcança.
Desde logo porque a suscitação da inconstitucionalidade
que a recorrente usou na 'reclamação' apontada, (ponto 4.4.), não cabe no quadro
de uma suscitação atempada, feita 'durante o processo', pois, nos respectivos
autos de embargos de terceiro, em que ela foi condenada em custas processuais,
já se havia procedido à liquidação das custas, já tinha decorrido o prazo de
pagamento dessas custas e até havia sido remetida a certidão de relaxe, por
falta de pagamento, ao Chefe de Repartição de Finanças do 16º Bairro Fiscal de
Lisboa (pontos 4.2., 4.3. e 4.4.). O que significa que a recorrente deixou
passar a fase oportuna da reclamação dos interessados prevista nos termos
conjugados dos nºs 1, 2, 3, a) e 5 do artigo 138º do Código de Custas Judiciais,
na qual poderia servir-se de qualquer questão de inconstitucionalidade, sendo
certo que tal reclamação só pode ser apresentada, 'dentro do prazo de pagamento
voluntário, mas nunca depois de pagas as custas' (citada alínea a)). Daí mesmo
que o despacho ora recorrido, na parte final, considere a iniciativa processual
da recorrente intempestiva e contenha uma condenação 'nas custas do incidente'
('E porque a petição de fls. 58/60 deu entrada fora do prazo condena-se o
reclamante nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo' - é
o teor dessa parte).
Portanto, tem de concluir-se que não foi atempadamente
suscitada a questão de inconstitucionalidade posta pela recorrente na tal
'reclamação', o que vale dizer que não foi suscitada 'durante o processo', no
sentido funcional referenciado.
Mas há mais.
Não se vê mesmo que se tenha feito aplicação, no despacho
recorrido, ao menos implicitamente, da questionada norma do artigo 9º do
Decreto-Lei nº 199/90, pois aí apenas se considerou, ao abrigo dos poderes
oficiosos conferidos ao juiz pelo nº 1 do citado artigo 38º, ter havido erro, na
sequência da Informação prestada pela Secretaria, ordenando-se 'a reforma das
custas tendo em atenção o valor de 8 000 000$00, liquidando-se a taxa de justiça
a cada um dos embargantes na proporção de metade a cada um', mas sem ser
convocado para tal decisão o dito artigo 9º (ele, sim, reportando-se a tabelas
das custas dos processos dos tribunais tributários, considerado pelo funcionário
contador no acto de aplicação da decisão jurisdicional).
Tanto basta para concluir que não estão presentes os
pressupostos de admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade, o
que determina que dele não se possa tomar conhecimento.
6. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do
recurso, condenando-se a recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em
cinco unidades de conta.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 1995
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Messias Bento
Luís Nunes de Almeida