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Processo nº 700/93
1ª Secção
Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- No 4º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, 2ª
Secção, foi instaurada, em Dezembro de 1984, acção de processo sumário - que
recebeu o nº 80/84 - emergente de contrato individual de trabalho, sendo autor
A., advogado em causa própria, e ré a B..
Pelo autor foi dado à acção o valor de 400.000$00,
valor fixado em 500.000$00 por despacho de 20 de Fevereiro de 1989, transitado
em julgado (certidão de fls. 125).
2.- Em 22 de Maio de 1990, o autor, invocando o
disposto no artigo 369º do Código de Processo Civil (CPC), deduziu incidente de
falsidade relativo à acta de audiência de julgamento de 6 de Abril desse ano
(fls. 17 e 18), na medida em se dão como presentes o autor e a representante da
ré e se diz que do teor da sentença, ditada para a acta, foram notificados todos
os presentes, os quais disseram ficar cientes.
Ao incidente atribuiu o requerente o valor de
5.001.000$00 (sic).
3.- Feita a respectiva instrução, o Senhor Juiz, por
sentença de 25 de Novembro de 1991 (fls. 25 a 30), julgou-o não procedente nem
provado e condenou o requerente como litigante de má fé, atribuindo à causa,
'para todos os efeitos legais', o valor de 500.000$00 (sic).
4.- Recorreu então, de agravo, o autor e requerente, em
12 de Dezembro seguinte (fls. 32), simultaneamente alegando, de acordo com o
artigo 76º, nº 2, do Código de Processo de Trabalho (CPT), aí dando o valor de
500.001$00 (fls. 33 a 48-v).
A ré e requerida, por sua vez, alegou em 14 de
Janeiro de 1992 (fls. 54 e 55) e o recurso foi admitido por despacho de 20 de
Fevereiro seguinte (fls. 59), a subir imediatamente, nos próprios autos (do
incidente), com efeito suspensivo.
5.- No Tribunal da Relação de Lisboa, após diligências
processuais com vista à determinação do valor do incidente, que provocaram um
acórdão, em conferência, aos 30 de Setembro de 1992 (fls. 71), requerido pelo
autor ao abrigo do artigo 700º, nº 3, do CPC, o acórdão de 13 de Janeiro de 1993
(fls. 86 a 90) negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida,
fixando o valor do incidente em 500.001$00.
6.- Em 28 de Janeiro de 1993, o autor e requerente
interpôs novo recurso de agravo - o 1º agravo a que faz referência e que
para o presente caso interessa - dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ)
- fls. 93 e segs..
Como, no entanto, não tivesse apresentado, segundo
informação da Secção, duplicado para entregar à parte contrária nem cópia para
arquivar do requerimento do recurso e das alegações - nºs. 2 e 5 do artigo
152º CPC - o Senhor Relator, por despacho de 3 de Fevereiro, ordenou a sua
notificação para o pagamento da cópia em falta (fls. 108).
Discordando sobre a medida, requereu o autor, ao
abrigo do citado artigo 700º, nº 3, do CPC, que recaísse acórdão (fls. 109) e,
na sequência, a Relação, por acórdão de 17 de Março seguinte (fls. 112),
indeferiu a reclamação apresentada e manteve o despacho de fls. 108.
7.- Notificado, em 31 de Março agravou novamente o
autor (fls. 114) - é o 2º agravo de que fala - recurso esse que foi
'julgado inadmissível' pelo Senhor Relator, por despacho de 21 de Abril (fls.
117), onde se diz:
'O incidente de falsidade dos autos foi deduzido em 22-5-90 (fls. 2)
e, por Acórdão proferido nesta Instância em 13‑1‑93, foi fixado àquele incidente
o valor de 500.001$00, o qual não foi impugnado e por isso, nessa parte,
transitou.
Ora, tendo em atenção o referido valor, e o disposto nos artigos
20º e 108º, nº 4, da Lei nº 38/87, de 23/12, verifica-se que do referido Acórdão
não pode ser interposto recurso para o STJ, uma vez que o valor da causa não
excede a alçada da Relação - 2.000.000$00'.
8.- Deste despacho reclamou o autor em 3 de Maio (fls.
122 e segs.) para o Senhor Conselheiro Presidente do STJ, despacho que, em
conferência, foi mantido pela Relação em acórdão de 12 de Maio (fls. 130).
9.- O Senhor Conselheiro Presidente do STJ, por
despacho de 4 de Junho, indeferiu a reclamação, em termos que se passam a
transcrever (fls. 135 e 136):
'O recorrente A. recorreu para este Supremo do Acórdão da Relação
que, em Conferência, manteve o despacho do Relator em que foi ordenada a sua (do
recorrente) notificação para juntar cópia da alegação que apresentou para
fundamentar o recurso interposto sobre o Acórdão que conheceu do objecto do
agravo.
Mas esse recurso não foi admitido por despacho do Relator, que a
Conferência confirmou na sequência da reclamação do recorrente.
E é essa reclamação que agora está em causa. Ou seja, o recurso
cuja admissibilidade aqui se discute não é o respeitante ao Acórdão que
conheceu do objecto do agravo, mas sim o referente ao que manteve o despacho
que ordenou uma diligência posterior.
O recurso foi rejeitado por ser considerado inadmissível, nos
termos do artº 678º, 1 do Código de Processo Civil, face ao valor fixado ao
incidente (de falsidade), que foi fixado em 500.001$00, por ser um escudo
superior à alçada da 1ª Instância (cfr. Acórdão fls. 86-v e 87).
Trata-se de incidente de falsidade deduzido por apenso (falsidade
de acto judicial - de uma acta), já depois de julgada a causa. Portanto, com
julgamento e processamento perfeitamente autónomos. E foi apresentado em
Setembro de 1990, data em que era já de 2.000.000$00 o valor da alçada das
Relações.
Defende o recorrente que o valor a ter em conta para este efeito é
o da causa principal, que sendo de 400.001$00 em 1984, quando a acção foi
proposta, era então superior à alçada das Relações e permitia o recurso até ao
Supremo. E isto por se tratar de incidente a que há-de atribuir-se valor igual
ao da causa principal e aplicar-se as mesmas razões que a esta quanto aos
recursos.
Posição diferente foi defendida no despacho reclamado, onde se
entende que o que conta é o valor que ao incidente foi atribuído, sem
impugnação.
Pensamos que correcta é a interpretação do despacho reclamado.
Não tendo sido impugnado o Acórdão na parte em que ao incidente se
fixa o referido valor de 500.001$00, por ser em um escudo superior à alçada da
1ª Instância, ele transitou nessa parte e está formado caso julgado formal, que
tem de ser respeitado dentro do processo.
E tanto basta para que o recurso seja rejeitado nos termos do
referido artº 678º -1 do C.P.C..
Mas acresce que a argumentação do recorrente em sentido contrário
sempre improcederia, e improcede, por o incidente, processado por apenso e não
nos autos principais, com julgamento autónomo (como teve) formar ou constituir
uma instância e causa independente e autónoma, designadamente quanto às regras
dos recursos. Por isso, a data da sua proposição e o seu valor próprio é que
contam para efeitos da determinação do valor da alçada atendível.
Aliás, nenhuma disposição legal, mesmo entre as apontadas pelo
recorrente, permite a solução contrária, nem sequer a inculca.
Vai, pois, indeferida a reclamação, com custas pelo recorrente.'
10.- Aos 22 de Junho, o autor e requerente interpôs
recurso para o Tribunal Constitucional do despacho reproduzido, acrescentando
terem sido violados os artigos 2º (princípio do Estado de direito), 8º, nº 2,
18º, 20º, 205º e 209º da Constituição da República (CR) - fls. 138.
Convidado pelo Senhor Desembargador Relator para,
no prazo de 5 dias, 'cumprir o disposto na 1ª parte, nº 1, do artigo 75º-A' da
Lei nº 28/82, veio dizer, em 5 de Julho (fls. 140):
'O recurso para o Venerando Tribunal Constitucional é interposto da
decisão definitiva de não admissão do segundo agravo instaurado na Relação em
31.3.93, a fls. 114, - o primeiro, de 28.1.93, ainda não foi objecto de qualquer
despacho - é-o ao abrigo do artº 70º nº 1, al. b) da Lei nº 28/82.
As normas implicitamente aplicadas cuja interpretação se tem por
contrária à Constituição são, em conjugação: as dos preceitos dos art. 1º da
Lei nº 49/88, 47º/3 do Código de Processo do Trabalho, 305º/1 e 2 e 313º/1 e
679º/1 e 2 do Código de Processo do Trabalho; as dos artº 74º/1 do Código de
Processo do Trabalho e 305º/1 e 2 e 313º/1 do Código de Processo Civil; as dos
artº 1º da Lei nº 49/88 e 678º/3 do Código de Processo Civil.
As normas e princípios constitucionais que aquelas interpretações
ofendem são as dos artº 18º e 20º e o princípio do Estado de direito.
O recurso é necessariamente restrito à matéria pertinente à
rejeição do recurso interposto para o Venerando Supremo em 31 de Março de 1993,
pelo que a peça processual em que foi suscitada a questão de
inconstitucionalidade é a reclamação de 3 de Maio de 1993.'
11.- Já neste Tribunal, admitido o recurso, só alegou o autor, ora
recorrente, e fê-lo em termos circunscritos à questão do regime de subida deste
próprio recurso, ao que a parte contrária, notificada, também não respondeu.
Sublinha o interessado estar em causa o recurso da
decisão que não admitiu o segundo dos agravos apresentados na Relação -
requerimento de fls. 114 - do decidido pelo acórdão de 12 de Maio de 1993 e
sufragado pelo Senhor Conselheiro Presidente do STJ, o que, a seu ver, significa
que o assim decidido não pôs termo ao processo mas apenas a esse agravo, que,
assim, deveria prosseguir diferidamente, sob pena de tornar o primeiro agravo -
do acórdão de 13 de Janeiro de 1993 - absolutamente inútil.
E conclui, em síntese:
'1º- O recurso de inconstitucionalidade segue o regime de
subida do segundo agravo, o qual é de subida diferida - artº 78º da Lei 28/82.
2º- Só este regime é compaginável com a administração da
justiça em prazo razoável ínsito no artº 20º da Constituição e com as
obrigações internacionais do Estado Português do mesmo teor, nomeadamente a do
artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
3º- Princípio e obrigações já muito derrogados, visto que o
incidente a que se reporta o recurso é de Maio de 1990 - com impacto
extremamente negativo na acção principal, esta de 1984 - e a natureza e
convergência dos dois agravos é inequívoca. A isto acresce o teor do despacho
de 4.6.93, a fls. 135, que deixa antever dualidade de critérios na apreciação
da mesma questão fundamental, com o consequente perigo de contradição de
julgados.
4º- Quanto ao efeito: em virtude de não ser caso de subida
imediata nos próprios autos, não pode ser fixado o efeito.
O recurso não tem efeito por si; este é marcado pelo
agravo principal, a fixar oportunamente.
Termos em que deve ser ordenada a devolução dos autos ao
Tribunal da Relação de Lisboa, afim de aí prosseguirem os seus regulares
termos.'
12.- Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Desde logo, de uma questão que leva a não conhecer
do recurso - pese embora este ter sido liminarmente admitido - e que prejudica
o conhecimento quanto aos efeitos a atribuir ao recurso.
Com efeito, de outro modo poderia proporcionar-se
uma situação claramente inadmissível: na eventualidade de o Tribunal
Constitucional conhecer do recurso e o julgar procedente, determinar-se-ia ao
Senhor Desembargador Relator que recebesse o recurso de um despacho do Senhor
Conselheiro Presidente do STJ...
Na verdade, no concreto caso, a decisão de que se
pretende recorrer para o Tribunal Constitucional foi proferida por este último
magistrado e o respectivo requerimento de interposição de recurso foi
apresentado no Tribunal da Relação e sujeito à apreciação do respectivo relator,
que veio a admitir o recurso.
Ora, nos termos do nº 1 do artigo 76º da Lei nº
28/82, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a
admissão do respectivo recurso. O que deverá articular-se com o disposto no
artigo 687º, nº 1, do Código de Processo Civil - aplicável por força do artigo
69º daquele diploma - nos termos do qual os recursos interpõem-se por meio de
requerimento, entregue na secretaria do tribunal que proferiu a decisão
recorrida.
Assim sendo, mesmo aceitando a apresentação do
requerimento da Relação, até porque o processo logo aí baixou e só então foi o
interessado notificado, o certo é que esse requerimento devia ter sido
endereçado ao autor do despacho objecto do recurso, para ele se pronunciar, não
sendo legalmente possível que uma eventual procedência do recurso produzisse
efeitos vinculativos quanto ao autor do despacho recorrido - bem como quanto
ao autor do despacho que admitiu o recurso.
De resto, a jurisprudência deste Tribunal tem
seguido orientação conforme ao entendimento agora expresso: cfr., entre outros
os acórdãos nºs. 363/89, 268/94 e 31/95 - este último ainda inédito, os dois
primeiros publicados no Diário da República, II Série, de 23 de Agosto de 1989
e de 7 de Junho de 1994, respectivamente.
Deste modo, e como se observou noutro acórdão deste
Tribunal - nº 378/94, inédito - dirigido o requerimento ao Desembargador
Relator do processo, não é possível a apreciação da sua admissibilidade por essa
entidade, materialmente incompetente, atento o citado artigo 76º, nº 1, da Lei
nº 28/82 - vício que obsta ao conhecimento do objecto do recurso.
Efectivamente - e como então se ponderou - da
incompetência material decorre o indeferimento e não a remessa à entidade que
seria materialmente competente [cfr. Código de Processo Civil, artigos 474º, nº
1, alínea b) e 101º].
II
Em face do exposto, tornando-se inútil entrar na
apreciação de outros fundamentos eventualmente susceptíveis de conduzir ao mesmo
resultado, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condenar a recorrente
nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Março de 1995
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa