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Processo nº 687/92
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A. intentou no tribunal judicial da comarca de Alcobaça, em 7 de Janeiro de 1983, acção ordinária contra B. e mulher, C., pedindo a condenação destes a restituírem-lhe a quantia de 1.265.000$00, acrescida de juros vencidos e vincendos, na sequência do prévio pedido de declaração de nulidade, por falta de forma, de mútuo daquela importância.
Julgada procedente a acção no saneador, em 27 de Novembro de 1984, a Relação de Coimbra anulou o processado, ordenando a citação do réu.
Após elaboração da especificação e questionário, expediu-se, em 6 de Janeiro de 1988, deprecada para inquirição de testemunha arrolada pelo réu, a qual viria a ser devolvida sem cumprimento, após dois adiamentos da diligência, por devolução dos avisos de notificação da testemunha e da não comparência desta.
A pedido da ré, em 6 de Abril desse ano foi remetida nova deprecada para a mesma comarca a fim de ser ouvida a mesma testemunha, sofrendo o destino da anterior, após outros dois adiamentos por idênticas razões, alegando a ré que a testemunha se ausentara de férias e se encontrava doente, insistindo na sua inquirição.
Em 7 de Julho de 1988, e de novo a pedido da ré, nova carta precatória foi enviada à comarca em referência para o assinalado objectivo.
Considerando estar-se perante uma situação de impasse, o autor, em 6 de Janeiro de 1989, requereu marcação de dia para julgamento, sendo, para o efeito, designado o dia 1 de Março seguinte, ao abrigo do disposto nos artigos 183º, in fine, e 647º, nº 1, do Código de Processo Civil
- despacho de 13 de Janeiro.
2.- Dele reagiu a ré, em 3 de Fevereiro, recurso não recebido por decisão do dia 8 do mesmo mês, por se entender irrecorrível, como despacho de mero expediente.
Reclamou a ré para o Presidente da Relação que, em
7 de Abril de 1989, viria a desatender a reclamação e a 27 desse mês a indeferir subsequente pedido de aclaração.
A 8 de Maio viria a ré a recorrer desta atitude para o Tribunal Constitucional, recurso não admitido por decisão do dia imediato.
3.- Entretanto, o julgamento que tinha sido marcado para o dia 1 de Março fora já adiado para o dia 10 de Maio e, em 13 de Março, foi finalmente devolvida a carta precatória enviada a 7 de Julho do ano anterior, igualmente por cumprir, após cinco adiamentos em que sempre os avisos de notificação foram devolvidos e a ré insistia pela marcação de novas datas.
Face a essa devolução, a ré requereu nova deprecada para inquirição da mesma testemunha (requerimento de 31 de Março).
Em 5 de Abril, o autor, tomando conhecimento que as cartas de notificação dos réus para o julgamento de 10 de Maio tinham sido devolvidas, requereu que fossem novamente remetidas, agora para os estabelecimentos oficiais em que exerciam funções.
Por despacho de 10 de Abril, o juiz deferiu este
último requerimento e indeferiu o do dia 31 de Março, da ré, que já anteriormente fora desatendido, não existindo factos novos que apontassem para alteração de critério.
Deste despacho recorreu a ré para a Relação de Coimbra, em 28 de Abril, considerando-o não só ilegal como inconstitucional, por violar o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e o direito de acesso aos tribunais, consignados, respectivamente, nos artigos 13º e 20º da Constituição da República (CR).
E, na mesma data, recorreu também do despacho, na medida em que deferia o requerimento do autos.
O juiz, em 2 de Maio, considerou que o seu despacho de 10 de Abril era de mero expediente e, como tal, insusceptível de recurso, o que levou a ré, em 15 de Maio, a requerer a sua aclaração, por o considerar obscuro e ambíguo.
Interessa transcrever o que, a este respeito, alegou a ré:
'a) O dito despacho (a esclarecer) é de facto obscuro e ambíguo, porquanto a Ré interpôs dois recursos de agravo, separados e autónomos, a saber; um a fls... sobre o indeferimento do requerimento de fls.
338 apresentado pela Ré e o outro sobre o deferimento [do requerimento] de fls.
339, apresentado pelo Autor, vendo-se, assim, que, a fls. 343, houve, na verdade, dois despachos distintos, recaindo cada qual em requerimentos com objecto próprio e diverso;
b) Ora, vê-se dos termos do despacho que não admitiu 'o recurso interposto' que o Dr. Juiz teve a intenção de se referir no aludido despacho apenas à não admissão de um dos recursos interpostos, afigurando-se que está admitido um deles (conforme fotocópia - documento do referido despacho, que se junta);
c) Assim, fica-se sem saber se, de facto, é o recurso de agravo do despacho de indeferimento do requerimento de fls. 338 que não está admitido (ou se é do deferimento do requerimento de fls. 339, para o qual também se pede, à parte, que seja esclarecido).
d) Por conseguinte, é manifesto que o despacho que não admitiu o recurso é obscuro e ambíguo;
e) Por outro lado, o dito despacho a aclarar não se refere
às violações do disposto nos artigos 13º e 20º da Constituição que consignam, respectivamente, a igualdade dos cidadãos perante a lei e o direito de acesso aos tribunais, pelo que o despacho cujo esclarecimento se pede acaba também, nesse aspecto, por ser obscuro e ambíguo, uma vez que nada diz quanto à violação daqueles princípios fundamentais consagrados na Constituição.
f) Deste modo, vê-se que se o Tribunal considera que o despacho de que se agravou por indeferir o requerimento de fls. 338, com base no disposto no artigo 183º, in fine (ou depois de ter findado o prazo do seu cumprimento) do Código de Processo Civil, então esta norma é inconstitucional por impedir a aplicação dos princípios consignados nos artigos 13º e 20º da Constituição, ou se o Tribunal entende que o despacho que indeferiu o dito requerimento de fls. 338 se apoiou no disposto no artigo 679º, nº 1, do Código de Processo Civil, então, é esta norma que é inconstitucional face ao disposto nos mesmos artigos da Constituição;
Pelo que, assim, se suscita, mais uma vez, a inconstitucionalidade das normas (artigo 183º, in fine, e 679º, nº 1, do Código de Processo Civil), pois que se considerou de mero expediente o despacho de que se agravou;
g) Deste modo, requer-se que o Tribunal esclareça o despacho que não admitiu o recurso interposto e que se pronuncie quanto à inconstitucionalidade dos artigos citados (artigos 183º, in fine, e 679º, nº 1, do Código de Processo Civil), para eventual recurso para o Tribunal Constitucional.
h) Do que esclarecendo o Dr. Juiz proferirá um novo despacho, mais adequado.'
4.- Detectam-se, assim - e para já - dois momentos de arguição de inconstitucionalidade.
O primeiro, consubstanciado no recurso para a Relação de 28 de Abril de 1989 em que se suscita a inconstitucionalidade do decidido por alegada violação dos artigos 13º e 20º da CR.
O segundo, suscitado no requerimento de 15 de Maio, por suposta inconstitucionalidade das normas dos artigos 183º, in fine, e 679º, nº 1, do CPC.
5.- Designado o dia 10 de Maio como nova data para início do julgamento, na véspera - dia 9 - a ré requereu a suspensão da instância até decisão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional do despacho do Presidente da Relação, o que nesse mesmo dia 9 foi indeferido e comunicado ao seu mandatário por via telegráfica.
A 16 de Maio viria a ré arguir a nulidade da sua notificação por telegrama do despacho que lhe desatendeu o pedido de suspensão da instância.
6.- Realizado o julgamento em 10 de Maio, a 17 desse mês veio a ré arguir a nulidade da falta de notificação de uma sua testemunha para a audiência (D.).
Em 19 de Maio, novo despacho do juiz:
- indefere a arguição de nulidade (16 de Maio) da notificação por telegrama da decisão que indeferira o pedido de suspensão da instância;
- indefere, a arguição de nulidade (17 de Maio) por falta de notificação de testemunha D..
Logo veio a ré, em 1 de Junho:
- pedir a aclaração do despacho que indeferira a arguição de nulidade da notificação por via telegráfica, no qual se escreveu que 'a lei fala em deve, mas não impõe a obrigação de enviar cópia ou fotocópia ali referida, bem como os fundamentos da decisão', o que, segundo a requerente e ré, não corresponde ao sentido que deve ser atribuído ao artigo
259º do CPC, sendo que, a vigorar essa afirmação do despacho, tal norma tem de ser tida por inconstitucional;
- arguir a nulidade, por omissão de pronúncia sobre o pedido de aclaração de 15 de Maio relativo ao despacho do dia
2 desse mês que não admitira os agravos interpostos dos despachos de 10 de Abril.
7.- Do exposto colhe-se ter a ré suscitado nova questão de inconstitucionalidade, desta vez reportada à norma do artigo 259º do CPC.
E voltou a fazê-lo, em 6 de Junho e relativamente à norma do artigo 679º, nº 1, do CPC, quando agravou do despacho que lhe indeferiu a arguição de nulidade de não notificação da testemunha D. por si oferecida - despacho de 17 de Maio - com base em pretensa violação dos artigos 13º e 20º da CR.
8.- Em 14 de Julho de 1989, o juiz:
- manteve o seu despacho de 19 de Maio, que indeferiu a arguição de nulidade da notificação por telegrama, assim desatendendo o pedido de aclaração suscitado em 1 de Junho;
- indeferiu o pedido de aclaração do despacho de 2 de Maio, formulado a 15 desse mês;
- recebeu o recurso interposto em 6 de Junho (agravo para a Relação);
- suspendeu a instância por 60 dias, por causa da recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
9.- Em 27 de Setembro, a ré recorreu do despacho de 14 de Julho e em 15 de Dezembro proferiu-se sentença condenando os réus que, em 15 de Janeiro de 1990, pediram a sua aclaração, o que foi desatendido por despacho de 5 de Fevereiro seguinte.
A 15 desse mês a ré arguiu a nulidade da elaboração antecipada da sentença por não ter sido decidido o recurso para o Tribunal Constitucional e interpôs recurso da mesma.
A arguição de nulidade foi objecto de indeferimento em 8 de Março de 1990, do qual a ré interpôs novo recurso, em 26 desse mês.
10.- As alegações apresentadas pela ré, em 10 de Dezembro de 1990, abrangem:
- o recurso de agravo, interposto em 28 de Abril de 1989, do despacho de 10 de Abril desse ano, que deferiu o requerimento do autor no sentido de se deprecar a notificação dos réus nos estabelecimentos oficiais onde prestam funções;
- o recurso de agravo, interposto em 6 de Junho de 1989, do despacho de 19 de Maio que lhe indeferiu a arguição de nulidade de não notificação da testemunha D.;
- o recurso de agravo, interposto em 27 de Setembro de 1989, do despacho de 14 de Julho que, segundo a ré, teria feito aplicação do disposto no artigo 665º do CPC, por entender que os réus estavam a fazer um uso anormal do processo, servindo-se dele para dilatar no tempo a decisão final;
- o recurso de agravo, interposto em 26 de Março de 1990, do despacho de 8 desse mês e ano, que lhe indeferiu o requerimento em que pedia que não fosse proferida sentença enquanto não fosse decidido pelo Tribunal Constitucional o recurso por si interposto, susceptível de interferir na decisão final;
- o recurso de apelação, interposto em 15 de Fevereiro de 1990, da sentença de 15 de Dezembro de 1989.
11.- Observa o Senhor Procurador-Geral Ajunto neste Tribunal (fls. 87 dos autos): '[N]essas alegações não suscita a recorrente, ex novo, nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a recordar a já aludida suscitação da questão de inconstitucionalidade das normas constantes da parte final do artigo 183º e do nº 1 do artigo 679º do Código de Processo Civil' (cfr. fls. 21-v. e 22 dos autos).
II
1.- O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 14 de Maio de 1991, decidiu:
- abster-se de conhecer do primeiro agravo;
- julgar procedente o segundo agravo, anulando todo o processado a partir da audiência de julgamento, inclusive;
- julgar improcedente o terceiro agravo;
- não conhecer do quarto agravo e da apelação, que se tornaram inúteis.
Recorreu, de agravo, a ré, para o Supremo Tribunal de Justiça, na parte em que o acórdão recorrido se absteve de conhecer do primeiro agravo e em que julgou improcedente o terceiro.
2.- Por acórdão de 30 de Janeiro de 1992, o STJ negou provimento ao recurso, em termos que se passam a transcrever parcialmente (fls.
68 e segs.):
'Conforme resulta da alegação da agravante está apenas em causa a parte do acórdão recorrido que se absteve de conhecer do agravo interposto a fls. 347 do despacho de fls. 343e que negou provimento ao agravo interposto do despacho de fls. 540, a fls. 542.
Vejamos, portanto.
O despacho de fls. 343 conheceu dos requerimentos de fls. 338 - no qual a ré e ora agravante requeria a expedição de nova carta precatória para a comarca de Vila Franca de Xira a fim de ser inquirida a testemunha E. - e de fls. 339 - no qual o autor requeria que os réus fossem notificados para estarem presentes na audiência de julgamento designada para o dia 10 de Maio (de 1989), pelas 14,30 horas, por meio de cartas registadas a remeter para os respectivos locais de trabalho, uma vez que haviam sido devolvidas, sem cumprimento, as cartas que haviam sido remetidas para a residência que constava da petição inicial - indeferindo o primeiro e deferindo o segundo.
Em requerimentos separados, a fls. 346 e 347, respectivamente, a ré agravou daquele despacho.
A fls. 348, porém, o Senhor Juiz do processo, considerando que o despacho de fls. 343, na sua globalidade, isto é, enquanto se pronunciava sobre os requerimentos de fls. 338 e 339, era de mero expediente, decidiu no sentido de não admitir 'o recurso'.
Por entender que o dito despacho de fls. 348 não era suficientemente claro, na medida em que se referia apenas a 'recurso', no singular, e não a 'recursos', já que haviam sido interpostos dois agravos, veio a ré, a fls. 358, pedir os necessários esclarecimentos, os quais só a fls. 540 foram prestados no sentido de que tal despacho era ...'de uma clareza transparente, nada mais havendo a esclarecer'.
A situação é, pois, esta: o despacho de fls. 348, apreciando o despacho de fls. 343 - que indeferiu o requerimento de fls. 338 e deferiu o de fls. 339 - considera-se, na sua globalidade, como de mero expediente, não admitindo 'o recurso'.
Significará isso que só foi recusado um recurso, deixando de haver pronúncia sobre o outro?
Entendemos que não, pela razão simples de que ao considerar-se todo o despacho de fls. 343 como de mero expediente isso implicava necessariamente que o mesmo não era susceptível de recurso relativamente às duas decisões que ele comportava.
Ora, sendo assim, a recorrente só poderia reagir contra o decidido através da reclamação a que se refere o artigo 688º do Código de Processo Civil.
Não o tendo feito, como no acórdão recorrido se acentua, é óbvio que não há nenhum recurso do despacho de fls. 343 de que cumpra conhecer.
Mas sempre se dirá que a posição assumida pela agravante é extremamente curiosa e anómala - pretende que se conheça do recurso interposto a fls. 347 do despacho de fls. 343, mas não formula quaisquer conclusões que sintetizem as razões da sua discordância do que nesse despacho se decidiu, ou seja, que demonstrem que nesse despacho se deferiu erradamente o que o autor havia requerido a fls. 339.
Analisando as conclusões que a mesma formulou, quer na Relação, quer neste Supremo Tribunal, o que se verifica é que ele, afinal, o que pretende
é que se altere ou esclareça o despacho de fls. 348 - o que não admitiu o recurso por o despacho recorrido ser de mero expediente -, esquecendo-se de atacar o de fls. 343, que é aquele de que se havia recorrido...
Do exposto resulta, pois, que o acórdão recorrido não podia decidir de forma diversa da que decidiu.
Por último, a agravante reage no presente recurso contra a parte do acórdão recorrido que negou provimento ao agravo interposto do despacho de fls.
540.
Mas, como claramente resulta da respectiva alegação, o objecto do recurso restringe-se exclusivamente à parte do despacho recorrido que teria feito aplicação do disposto no artigo 665º do Código de Processo Civil.
A recorrente, porém, não tem razão pelo motivo elementar de que aquele despacho não contém qualquer decisão autónoma que se baseia naquele artigo.
Vejamos.
Dispõe o artigo 665º do Código de Processo Civil: 'Quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um acto simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao objectivo anormal prosseguido pelas partes'.
Quando surge uma situação dessas, que deve fazer o juiz?
No entender de MANUEL ANDRADE - Noções Elementares de Processo Civil, pág. 114 - a solução será o juiz abster-se de proferir decisão sobre o mérito.
Por seu lado, o Prof. ALBERTO DOS REIS - Código de Processo Civil Anotado, volume V, pág. 103 - opinava no sentido de que 'a decisão que obstará ao triunfo da manobra será a que anula o processo, porque se o juiz julga improcedente a acção fará o jogo fraudulento das partes'.
Ora, embora o despacho recorrido abra com a afirmação de que o comportamento processual dos réus era de molde a levar à conclusão de que os mesmos se estavam a servir do processo para dilatar no tempo a decisão final, situação a que se impunha pôr cobro, nos termos do artigo 665º do Código de Processo Civil, a verdade é que logo a seguir não faz mais do que tomar posição sobre as questões em aberto, decidindo-as, sem tomar qualquer posição do tipo daquelas que o mencionado artigo permitia.
Antes de mais estava em causa um pedido de esclarecimento do despacho de fls. 450, pedido que foi pura e simplesmente indeferido por se entender que nada havia a esclarecer.
E, depois, estava em causa o pedido de esclarecimento do despacho de fls. 348 - o que não admitiu os recursos requeridos a fls. 346 e 347 -, pretensão que foi indeferida, como já atrás ficou referido.
Ora foi na sequência do indeferimento dessas pretensões que os réus foram condenados em custas, como não podia deixar de ser, nos termos gerais, sendo absolutamente irrealista pretender que tal condenação tenha algo que ver com o artigo 665º do Código de Processo Civil.
O que significa, portanto, que o agravo de tal despacho nunca poderia proceder.'
3.- Face ao decidido pelo STJ, a ré requereu o esclarecimento de supostas 'obscuridades ou ambiguidades' daquele aresto, o que originou novo acórdão, de 21 de Maio de 1992, confirmando inteiramente a decisão recorrida e, assim, desatendendo o requerido.
Reagiu a ré, interpondo recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com o fundamento da decisão recorrida - e caberá perguntar sobre qual dos acórdãos do Supremo recorreu, o que não está explícito
- ter aplicado os artigos 183º e 679º do CPC, cuja inconstitucionalidade suscitara, por violação dos artigos 13º e 20º da CR.
O requerimento de interposição de recurso foi indeferido pelo Conselheiro Relator, por despacho de 25 de Junho de 1992, e mantido pelo acórdão de 24 de Setembro de 1992.
É pertinente transcrever a fundamentação aduzida pelo relator e posteriormente confirmada:
'O que estava em causa no recurso decidido neste Tribunal era apenas o sentido do despacho de não admissão de um recurso, ou melhor, da não admissão de recurso contra o despacho de fls. 343 de que a Ré havia interposto dois recursos. Era saber se, tendo sido recusado um recurso, deixou de haver pronúncia sobre o outro.
Decidiu-se que não deixou de haver tal pronúncia, que não foi admitido ou foi rejeitado qualquer recurso contra tal despacho, pelo que a recorrente só podia atacar tal despacho por reclamação - artigo 688º do Código de Processo Civil -, pelo que, não o tendo feito, não havia recurso do despacho de fls. 343 a conhecer.
Também, quanto ao acórdão que negou provimento ao agravo de fls.
540, verificou-se que o despacho agravado não contém decisão autónoma que se baseie no artigo 665º do Código de Processo Civil, recusou-se que a condenação em custas pelo indeferimento do pedido de esclarecimento tivesse logo a ver com tal artigo e concluiu-se que o agravo não podia proceder.
O agravante pretende que os artigos 183º e 679º do Código de Processo Civil ou a interpretação que sofreram são inconstitucionais e pretende recorrer para o Tribunal Constitucional.
Mas pensa-se dever indeferir-se tal pretensão por ser manifestamente infundada, nos termos da parte final do artigo 76º da Lei nº
28/82.
Basta ler o relatório do acórdão da Relação e cotejá-lo com o processo e com o decidido na parte transitada do acórdão da Relação para se conclui que à agravante foram dadas no processo ou ainda tem todas as garantias asseguradas aos pleiteantes de que ela fez uso e abuso e lhe foi garantido quer o direito à informação e à protecção jurídica quer o acesso aos tribunais. Não se vê mesmo onde possam ter sido postos em causa os comandos dos artigos 13º e
20º da Constituição, designadamente no acórdão deste Tribunal, a não ser como mais um expediente de demora, campo em que a imaginação da agravante não tem limites.
Assim, indefiro o requerimento de interposição do recurso de fls.
647.'
III
1.- A presente reclamação resulta, assim, do não recebimento, pelo Supremo, do recurso para este Tribunal Constitucional.
Pressupostos específicos de admissibilidade do recurso previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 20/82 são, por um lado, a suscitação pela recorrente 'durante o processo' da questão (ou questões) de inconstitucionalidade de norma (ou normas) e, por outro lado, que a decisão recorrida haja efectivamente aplicado tais normas.
Suscitou a ora reclamante, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 183º, 259º e
679º, nº 1, do CPC - ou das interpretações delas feitas pelas instâncias.
Cumpre averiguar se a decisão recorrida - o acórdão do STJ de 30 de Janeiro de 1992, segundo se crê - objecto da reclamação desatendida por acórdão de 24 de Setembro seguinte aplicou as referenciadas normas, ou algumas delas.
A este respeito, observa o Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, que não.
A não aplicação é, no seu ponto de vista, manifesta no tocante ao artigo 183º, que respeita à realização do julgamento, após o termo do prazo de cumprimento da carta precatória, ao artigo 259º, sobre os requisitos da notificação, bem como ao artigo 679º, nº 1, que declara irrecorríveis os despachos de mero expediente.
E acrescenta:
'O acórdão recorrido, na sua primeira parte, fez aplicação do artigo 688º do Código de Processo Civil para afirmar que dos despachos que não admitam recursos cabe reclamação para o presidente do tribunal ad quem, e não recurso para este tribunal, como a ré erradamente fez, pelo que desse recurso não se podia conhecer; e, na sua segunda parte, demonstrou que no despacho de fls. 540, apesar da alusão inicialmente feita ao artigo 665º do Código de Processo Civil, não se chegou a fazer efectiva aplicação deste preceito, contra o que sustentava a recorrente.
Não tendo a decisão recorrida feito aplicação de nenhuma das normas cuja inconstitucionalidade fora suscitada pela ora reclamante durante o processo, o recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, era, desde logo, inadmissível, pelo que nem sequer há que apreciar se o mesmo, a ser admissível, seria de rotular de manifestamente infundado.
Termos em que deve ser indeferida a presente reclamação.'
2.- Concorda-se, inteiramente, com esta posição, nomeadamente pelas razões explícitas na transcrita passagem, que, assim, e sem necessidade de maiores considerandos se adoptam, para justificar a presente decisão de indeferimento da reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 8 (oito) unidades de conta.
Lisboa, 27 de Outubro de 1993
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
António Vitorino
José Manuel Cardoso da Costa