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Proc.Nº 341/94
Sec. 1ª
Rel. Cons.Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de recurso, em que é recorrente
companhia de seguros A. e recorrido o Ministério Público, pelos motivos
constantes da Exposição do Relator de fls. 94 a 100, que aqui se dá por
inteiramente reproduzida, a que a recorrente não respondeu e que obteve a
concordância do Ministério Público, decide-se não tomar conhecimento do recurso
interposto nos autos.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
4.UC´s.
Lisboa, 1995.01.31
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa
Proc. Nº 341/94
Sec. 1ª
Rel. Cons.Vítor Nunes de Almeida
Exposição Preliminar do Relator a que se refere
o Artº 78-A, da Lei do Tribunal Constitucional
1.- B., sinistrado em acidente de trabalho ocorrido no
dia 23 de Setembro de 1989, veio a receber da companhia de seguros responsável
companhia de seguros A., o valor de Escs. 293 153$00, correspondente ao capital
da remição da pensão anual e vitalícia de 18 256$00, que lhe fora fixada nos
autos.
Em 20 de Janeiro de 1993, com fundamento em que o
cálculo da remição da pensão tivera lugar com base na Portaria nº 760/85, de 4
de Outubro, cuja alínea b) do nº 3 fora, entretanto, declarada inconstitucional,
com força obrigatória geral, pelo Acórdão nº 61/91 deste Tribunal - que
igualmente declarou inconstitucional o artigo 65º do Decreto-Lei nº 360/71, de
21 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei nº 466/85, de 5 de Novembro -, veio o
pensionista requerer que se procedesse à rectificação do cálculo do capital da
remição.
Esta pretensão foi deferida por despacho de 2 de Junho
de 1993, do Senhor juiz do Tribunal do Trabalho de Coimbra, pelo qual e apesar
da oposição da seguradora, determinou o pagamento do acréscimo de Escs.: 140
097$00, com fundamento em que o caso julgado apenas cobria a autorização de
remição e a ordem dirigida à secretaria de proceder ao respectivo cálculo e não
já o modo de o fazer, ou seja, as regras a observar na sua efectivação. E como o
Tribunal Constitucional não fixou os efeitos da inconstitucionalidade com um
alcance mais restrito do que o previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 282º da
Constituição, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória
geral, das normas constantes da alínea b) do nº 3 da portaria nº 760/85, de 4
de Outubro, e do artigo 65º do Decreto-Lei nº 360/71, de 21 de Agosto, na
redacção do Decreto-Lei nº 466/85, de 5 de Novembro, implicou a repristinação da
Portaria nº 632/71, de 19 de Novembro.
2. - Deste despacho interpôs a seguradora recurso para o
Tribunal da Relação de Coimbra, discordando do entendimento ínsito no despacho
recorrido de que, nos autos, não existia decisão com trânsito em julgado,
considerando que os actos da secretaria se integram na decisão judicial de que
recorre, sendo a situação prevista no acórdão do Tribunal Constitucional, no
mínimo, equiparável a caso julgado e estes estão, em caso como o dos autos,
ressalvados pela lei constitucional, para além de que a obrigação decorrente do
processo de acidente de trabalho em causa se extinguiu com o pagamento, pedindo
a revogação do despacho recorrido.
A Relação, por acórdão de 17 de Fevereiro de 1994, negou
provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.
Do acórdão da Relação interpôs companhia de seguros A.
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ainda com fundamento na ofensa
de caso julgado (artigo 678º, nº 2 do Código de Processo Civil), renovando a sua
argumentação no sentido de que a obrigação decorrente do acidente de trabalho de
que foi vitima o sinistrado B. se extinguiu com o pagamento do capital da
remição, 'não podendo entender-se que a obrigação extinta se renova apenas
porque são outras as normas a serem aplicadas para a liquidação do montante
pecuniário', sendo certo que 'a decisão do Tribunal Constitucional expressamente
determina que a declaração de inconstitucionalidade não pode ter efeitos em
processos findos, aplicando-se apenas aos que ainda se encontrassem pendentes',
pedindo o provimento do recurso.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 15 de
Junho de 1994, negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão da Relação e,
em consequência, a decisão da primeira instância.
3. - Notificada deste acórdão veio a companhia de
seguros A. interpôr recurso para o Tribunal Constitucional 'nos termos e para os
efeitos do artigo 70º alínea a) da Lei 28/82', referindo que 'A decisão
proferida, recusa o reconhecimento do caso julgado e viola o disposto no Acórdão
do Tribunal Constitucional 61/91 e o artigo 282º, nº 2 da Constituição.'
Entende-se que não se pode conhecer do recurso assim
interposto, por falta dos respectivos pressupostos de admissibilidade.
4. - Efectivamente, este Tribunal apenas pode conhecer
dos recursos de decisões dos outros tribunais que recusem a aplicação de normas
jurídicas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que as apliquem não
obstante a sua inconstitucionalidade ter sido suscitada durante o processo pelo
recorrente.
Para além disso. também este Tribunal tem vindo
repetidamente a afirmar que o sistema português de fiscalização concreta de
constitucionalidade é um sistema de controlo normativo, já que só podem ser
objecto de recurso de constitucionalidade as normas jurídicas e não também as
decisões judiciais, consideradas em si mesmas (cf., por exemplo, os Acórdãos nºs
318/93 e 638/93, em casos similares a este, estando o primeiro publicado no
Diário da República, II série, de 2 de Outubro de 1993 e o segundo ainda
inédito).
Acresce ainda, no caso, que a decisão recorrida tal como
o despacho inicialmente proferido na primeira instância, não contêm nenhum juízo
novo de inconstitucionalidade sobre qualquer norma, que seria um pressuposto
necessário de recurso para este Tribunal.
Refira-se também que a questão que vem, de facto,
suscitada nos autos, da abrangência ou não pelo caso julgado da determinação do
montante do capital da remição de pensões por acidente de trabalho é uma matéria
que diz essencialmente respeito a uma temática relacionada com a interpretação
de normas do direito ordinário, in casu, da norma do artigo 151º, nº 1, do
Código de Processo do Trabalho, e na qual este Tribunal não deve interferir.
No citado Acórdão nº 61/91, o Tribunal Constitucional
decidiu 'declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma
constante da alínea b) do nº 3 da Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro, por
violação do princípio da precedência de lei - decorrente, designadamente, dos
nºs 6 e 7 do artigo 115º e do artigo 202º, alínea c), da Constituição - e também
por violação doa rtigo 201º, nº 1, alínea a)', não se tendo feito, na parte
dispositiva do acórdão qualquer restrição ou limitação de efeitos da
inconstitucionalidade então declarada.
Assim, a decisão inicialmente recorrida limitou-se a
retirar as consequências de tal declaração de inconstitucionalidade considerando
repristinada a Portaria nº 362/71, de acordo com o estabelecido no artigo 282º,
nº 1, da Constituição, na sua parte final, no entendimento de que não se tinha
formado, ainda, em tal matéria qualquer caso julgado, posição esta que veio a
ser confirmada pelos acórdãos quer da Relação quer do STJ, ora em recurso.
Pese embora a argumentação que no referido Acórdão nº
61/91 se explanou para justificar a desnecessidade de uma limitação dos efeitos
da inconstitucionalidade, o certo é que o Tribunal não restringiu tais efeitos.
Assim sendo, pretendendo a recorrente, com o presente
recurso de constitucionalidade, questionar uma decisão judicial em que não se
recusou a aplicação de qualquer norma jurídica com fundamento em
inconstitucionalidade, mas apenas decidiu que não considerava abrangida pela
força preclusiva do caso julgado a determinação do montante do capital de
remição de uma pensão por acidente de trabalho, pensão essa já remida, mas de
acordo com uma norma que veio a ser declarada inconstitucional, com força
obrigatória geral e sem restrições, é manifesto que o que a recorrente pretende
pôr em causa é tão somente o âmbito e o alcance do caso julgado no incidente de
remição de pensões.
Ora. como este Tribunal já decidiu nos Acórdãos nºs
318/93 e 638/93, já citados, tal questão relativa ao caso julgado é questão que
respeita directa e essencialmente à interpretação de normas de direito ordinário
e, por isso, escapa aos poderes de cognição deste Tribunal, com competência
específica em matérias de natureza jurídico-constitucional.
Não se verificando, assim, no caso dos autos, os
pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, propõe-se que
não se tome conhecimento do presente recurso.
5. - Ouçam-se as partes, por cinco dias, para responder,
querendo.
Lisboa,1994.09.28
Vítor Nunes de Almeida