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Processo n.º 692/11
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, A., S.A., veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e f), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
2. A recorrente enunciou o objeto do recurso, nos termos seguintes:
“ (…) a inconstitucionalidade do nº 4 do art. 45 da LGT, na redação introduzida pela Lei 32-B/2002, quando aplicada no sentido de abranger factos tributários ocorridos antes da sua” entrada em vigor.”
3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Nos termos do artigo 75.º-A da LTC, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve indicar a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto.
Em cumprimento de tal requisito, a recorrente menciona as alíneas b) e f).
Ora, relativamente a esta última alínea, não se vislumbra que a respetiva previsão normativa tenha qualquer relação com a concreta situação dos autos. Na verdade, é manifesto que o presente recurso não se baseia em qualquer aplicação de norma constante de ato legislativo, relativamente à qual haja sido suscitada a ilegalidade, com fundamento em violação de lei com valor reforçado, nem na aplicação de norma constante de diploma regional, relativamente à qual haja sido suscitada a ilegalidade, por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República, nem mesmo se baseia na aplicação de norma emanada de órgão de soberania, alegadamente violadora do estatuto de uma região autónoma.
Resta-nos, pois, a apreciação do presente recurso, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo - norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da Republica Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Vejamos se tais pressupostos de admissibilidade do recurso se encontram preenchidos in casu.
(…) Comecemos por analisar a natureza do objeto do recurso.
O controlo de constitucionalidade cometido a este Tribunal, no nosso ordenamento jurídico, apenas pode incidir sobre normas, critérios ou interpretações normativas, enquanto regras abstratamente enunciadas e vocacionadas para uma aplicação genérica.
A concreta norma ou critério normativo, cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver sindicada, deve, por isso, ser clara e concretamente especificada, no requerimento de interposição de recurso, conforme resulta do n.º 1 do artigo 75.º-A, in fine, da LTC.
No caso concreto, não obstante a recorrente indicar uma disposição legal, como suporte da pretensa interpretação normativa enunciada, é notório que a questão colocada não contém uma verdadeira dimensão normativa recondutível ao teor literal do preceito.
Ora, para que uma determinada norma ou interpretação normativa seja sindicada, quanto à constitucionalidade, é imperioso que o recorrente selecione certeiramente a disposição legal em que a mesma assenta, de modo a que o critério normativo, que constitui objeto do recurso, seja reconhecível como um dos sentidos possíveis compreendidos na dimensão literal do preceito selecionado (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 367/94, 106/99 e 410/06, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ).
A este propósito, escreveu-se, no referido acórdão n.º 367/94, o seguinte:
“Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão só uma interpretação que do mesmo se faça.
Como toda a interpretação tem que ter 'na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso' (cf. artigo 9º, nº 2 do Código Civil), ao questionar-se a compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a Constituição, há de indicar-se um sentido que seja possível referir ao teor verbal do texto do preceito em causa.”
Não existindo uma conexão mínima entre a enunciação da questão de constitucionalidade e a disposição legal que lhe serve de pretenso suporte, resulta manifesto que o que a recorrente pretende é, não a apreciação de um critério normativo, mas a sindicância do juízo subsuntivo, que determinou a aplicação, no caso concreto, do disposto no n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, na redação introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro.
Não tendo a recorrente logrado autonomizar e enunciar um verdadeiro critério normativo utilizado como fundamento decisório e recondutível a um sentido suscetível de ser abarcado pela literalidade do preceito, mas, ao contrário, quedando-se por pretender a sindicância da “aplicação” do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, mostra-se definitivamente comprometida a admissibilidade do recurso.
Nestes termos, sendo certo que este Tribunal apenas pode sindicar a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, concluindo-se pela inexistência de suscitação de uma verdadeira questão normativa, no presente caso, encontra-se prejudicada a admissibilidade do recurso.
Face à inidoneidade do objeto do recurso, fica prejudicada - por inútil - a possibilidade de a requerente suprir a omissão de identificação, inequívoca, da decisão recorrida, bem como da norma ou princípio constitucional que reputa violado, mediante o convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da LTC. É que, independentemente de tais omissões - supríveis - é desde já claro que o recurso é inadmissível, por falha - insuprível - dum pressuposto de admissibilidade.
Pelo exposto, decide-se não conhecer do recurso.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
4. A reclamante, manifestando a sua concordância com a afirmação da decisão sumária reclamada, quanto à restrição da admissibilidade do recurso de constitucionalidade a normas, interpretações ou critérios normativos, limita-se a reiterar que “a aplicação do nº 4 do art. 45 da LGT, na redação introduzida pela Lei 32-B/2002, é inconstitucional quando aplicada a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, por implicar aplicação retroativa constitucionalmente proibida nos termos do art. 103, nº 3 da CRP”, inferindo-se que pretende reafirmar a natureza normativa do objeto do recurso que interpôs.
Conclui pedindo o deferimento da reclamação.
A reclamada Fazenda Pública veio responder, pugnando pela manutenção do conteúdo da decisão sumária reclamada, no sentido da não admissão do recurso, por inidoneidade do respetivo objeto.
II – Fundamentos
5. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que a reclamante não aduziu qualquer argumento que infirme a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida.
Na verdade, como se refere na decisão reclamada, “para que uma determinada norma ou interpretação normativa seja sindicada, quanto à constitucionalidade, é imperioso que o recorrente selecione certeiramente a disposição legal em que a mesma assenta, de modo a que o critério normativo, que constitui objeto do recurso, seja reconhecível como um dos sentidos possíveis compreendidos na dimensão literal do preceito selecionado (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 367/94, 106/99 e 410/06, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ).
(…)
Não existindo uma conexão mínima entre a enunciação da questão de constitucionalidade e a disposição legal que lhe serve de pretenso suporte, resulta manifesto que o que a recorrente pretende é, não a apreciação de um critério normativo, mas a sindicância do juízo subsuntivo, que determinou a aplicação, no caso concreto, do disposto no n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, na redação introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro.
Não tendo a recorrente logrado autonomizar e enunciar um verdadeiro critério normativo utilizado como fundamento decisório e recondutível a um sentido suscetível de ser abarcado pela literalidade do preceito, mas, ao contrário, quedando-se por pretender a sindicância da “aplicação” do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, mostra-se definitivamente comprometida a admissibilidade do recurso”
Nestes termos, não tendo a recorrente manifestamente razão, quando pretende convencer da natureza normativa do objeto do recurso interposto, apenas resta reafirmar toda a fundamentação constante da decisão reclamada e, em consequência, concluir pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação apresentada e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada proferida no dia 19 de outubro de 2011.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de janeiro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.