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Processo: n.º 125/94.
Recorrente: A.
Relator: Conselheiro Vítor Nunes de Almeida.
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I —
1 — A. veio reclamar para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do
despacho do senhor juiz da 1.ª Vara Criminal de Lisboa que não admitiu o recurso
interposto do acórdão do tribunal colectivo para aquele tribunal superior.
O recurso não fora recebido por se ter entendido que fora interposto fora de
prazo e o reclamante defendendo que o prazo do recurso, no caso dos autos,
apenas começou a correr em 22 de Dezembro de 1993 e que o dia 24 de Dezembro não
deve contar para o prazo e ainda e essencialmente que «a regra que os prazos
correm em férias para os arguidos presos não pode aplicar-se já porque se
traduziria numa violação do princípio constitucional da igualdade, levando a uma
intolerável penalização do arguido preso face ao arguido não preso», pretendia
que se determinasse a subida do recurso.
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) veio a indeferir a reclamação
apresentada, confirmando a decisão reclamada, por entender que o recurso fora
interposto no dia seguinte ao termo do respectivo prazo.
2 — É desta decisão que o arguido veio interpor o presente recurso para o
Tribunal Constitucional, pretendendo que se aprecie a conformidade
constitucional da norma resultante do n.º 2 do artigo 104.º conjugado com a
alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal, na interpretação
que lhe foi dada pelo Presidente do STJ, no sentido de que correm sempre em
férias, mesmo contra a defesa, os prazos relativos a processos em que devam
praticar-se actos relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à
garantia da liberdade das pessoas.
3 — Produzidas as respectivas alegações, o recorrente formulou as seguintes
conclusões:
1 — A interpretação correcta do n.º 2 do artigo 104.º, conjugado com a alínea a)
do n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal, é no sentido de que correm
em férias os prazos relativos a processos nos quais devem praticar-se actos
processuais relativos a arguidos presos desde que tal não prejudique o exercício
do direito de defesa por parte deles.
2 — A assim não se entender, a norma segundo a qual o prazo corre em férias
mesmo que daí resulte prejuízo em relação ao exercício do direito de defesa do
arguido preso contida naquela disposição é inconstitucional por violar o
princípio da igualdade de tratamento, o princípio da garantia de defesa, e o
princípio da compatibilização da celeridade com esta garantia, todos conjugados
(artigos 13.º, 32.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2, da Constituição).
3 — A norma aplicada pelo Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça, no sentido referido na segunda conclusão, é inconstitucional pelas
razões aí apontadas.
4 — Deve portanto entender-se que não corre em férias o prazo para o arguido
preso interpor recurso da sentença condenatória, tal como não corre para o
arguido não preso.
5 — O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça pelo arguido é assim
tempestivo e deve ser recebido.
Termos em que se solicita a Vossas Excelências:
— que declarem a inconstitucionalidade da norma aplicada pelo Venerando
Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que resultaria do n.º 2 do
artigo 104.º conjugado com a alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º do Código de
Processo Penal;
— que determinem que a decisão de não admitir o recurso interposto pelo arguido
seja modificada em conformidade.
Pelo seu lado, o Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal concluiu
as alegações apresentadas pela forma seguinte:
Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
1.º A regra de que correm em férias todos os prazos relativos a processos com
arguidos presos, resultante dos artigos 103.º, n.º 2, e 104.º, n.º 2, do Código
de Processo Penal, é mero corolário da natureza urgente de tais causas,
justificando-se inteiramente pela tutela de valores constitucionalmente
relevantes, desde logo, o direito do próprio arguido a ser definitivamente
julgado no mais curto espaço de tempo possível.
2.º Tal interesse do arguido deve prevalecer inteiramente sobre o direito ao
gozo de férias judiciais por parte dos operadores judiciários, designadamente do
seu defensor.
3.º Tal regra é perfeitamente compatível com o princípio constitucional da
igualdade e, bem assim, com o integral respeito pelas garantias de defesa do
arguido.
Termos em que deverá improceder o presente recurso, confirmando-se inteiramente
a decisão recorrida.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II — Fundamentos
4 — A questão que vem suscitada nos presentes autos foi já apreciada e decidida
pelo Tribunal quanto ao princípio da igualdade através dos Acórdãos n.os 213/93
e 384/93 (publicados, respectivamente, in Diário da República, II Série, de 1 de
Junho de 1993 e de 2 de Outubro de 1993).
Esta questão pode ser assim equacionada: a norma resultante da conjugação do
artigo 103.º, n.os 1 e 2, alínea a), e do n.º 2 do artigo 104.º do Código de
Processo Penal (CPP), interpretada no sentido de que correm em férias todos os
prazos relativos a processos com arguidos presos, viola o princípio da igualdade
constante do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)?
Os acórdãos acima referidos — em particular, o n.º 213/93 — resolveram a questão
acima equacionada no sentido da não inconstitucionalidade da norma em causa.
Nenhumas razões vêm aduzidas nos autos que fundamentem uma diferente tomada de
posição. Assim, passa-se a transcrever o referido acórdão, considerando que a
doutrina ali expendida se aplica, sem alterações, ao caso dos autos.
Escreveu-se no Acórdão n.º 213/93 o seguinte:
7 — As normas cuja inconstitucionalidade vem questionada dispõem como segue:
Artigo 103.º
(Quando se praticam os actos)
1 — Os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos
serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.
2 — Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou
presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas;
b)
3 —
...................................................................................
Artigo 104.º
(Contagem dos prazos de actos processuais)
1 —
...................................................................................
2 — Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se
os actos referidos no n.º 2 do artigo anterior.
8 — Nos termos do acórdão recorrido, as normas acabadas de transcrever não podem
ser entendidas como referindo-se a arguidos presos, tendo, por isso, uma
aplicação restrita aos actos do tribunal ou da secretaria que contemplem
exclusivamente o arguido preso e visem garantir a sua liberdade individual,
antes devem ser interpretadas como respeitando a processos com arguidos presos,
abrangendo, consequentemente, não apenas os actos do tribunal e da secretaria,
mas também os actos dos arguidos (presos ou não presos), do Ministério Público e
do assistente.
Ao sufragar uma tal interpretação, o aresto sob recurso seguiu a orientação
traçada em jurisprudência uniforme e constante do Supremo Tribunal de Justiça,
desde a entrada em vigor do actual Código de Processo Penal. Essa orientação
vai no sentido de que correm em férias os prazos dos processos em que haja
arguidos presos, nos termos do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, alínea a), e
104.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, abrangendo estes preceitos não apenas
os actos dos arguidos presos, mas, de igual modo, os actos de todos os
intervenientes nesses processos (co-arguidos não presos, Ministério Público e
assistente), incluindo os actos do tribunal e da secretaria, pois a expressão
«actos processuais» todos abarca [cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de
Justiça de 14 de Dezembro de 1988, 13 de Janeiro de 1989, 9 de Fevereiro de 1989
e 19 de Abril de 1989, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 382
(1989), pp. 450 e segs., n.º 383 (1989), pp. 476 e segs., n.º 394 (1989), pp.
544 e segs., e na Colectânea de Jurisprudência, ano xiv (1989), tomo ii, pp. 12
e segs., respectivamente. Cfr., ainda, José Gonçalves da Costa, «Recursos», in
Jornadas de Direito Processual Penal. O Novo Código de Processo Penal, Coimbra,
Almedina, 1988, p. 430].
9 — Na óptica do recorrente, as normas dos artigos 103.º, n.º 2, alínea a), e
104.º, n.º 2, do Código de Processo Penal afrontam o princípio constitucional da
igualdade. Ainda segundo a sua maneira de ver, esse afrontamento subsistirá
mesmo que se entenda que, no mesmo processo, os prazos são iguais para todos os
intervenientes, uma vez que então o arguido não preso disporia de prazo mais
curto para recorrer que outro na mesma situação, num outro processo em que não
haja arguidos presos.
Não tem, porém, razão o recorrente, como breviter, se verá de seguida.
9.1 — É sabido que o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da
discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções.
Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções
discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas,
sem qualquer fundamento razoável (vernunftiger Grund) ou sem qualquer
justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da
igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de
proibição do arbítrio (Willkurverbot), (cfr., por todos, os Acórdãos do Tribunal
Constitucional n.os 186/90, 187/90 e 188/90, publicados no Diário da República,
II Série, n.º 211, de 12 de Setembro de 1990).
9.2 — O legislador, ao consagrar nas normas dos artigos 103.º, n.º 2, alínea a),
e 104.º, n.º 2, do Código Penal de 1987 a regra de que «correm em férias os
prazos relativos a processos com arguidos detidos ou presos», estabeleceu, de
facto, uma disciplina jurídica diferente da que existe nos processos em que não
há arguidos naquelas situações quanto à contagem dos prazos — disciplina essa
que, como decidiu o acórdão recorrido, se aplica não apenas aos actos a praticar
pelo arguido preso mas também aos actos dos restantes intervenientes
processuais, designadamente dos co-arguidos não presos, do Ministério Público e
dos assistentes.
A diferenciação operada pelo legislador, a qual se traduz num regime de
desfavor, no que respeita aos prazos para a prática de actos processuais, dos
arguidos em processos em que algum ou todos estejam detidos ou presos, em
comparação com os arguidos em processos em que não haja nenhuma daquelas
situações, poderia, prima facie, afigurar-se como materialmente infundada.
Mas, numa análise mais aprofundada das coisas, facilmente se chega à conclusão
de que tal não sucede.
Na verdade, o legislador, ao adoptar um regime distinto para os actos
processuais relativos a arguidos detidos ou presos, moveu-se, fundamentalmente,
pela defesa de valores constitucionalmente relevantes, tais como os da
celeridade e eficiência da justiça criminal, da liberdade do arguido e da
eficácia do sistema penal.
Uma vez que todos os intervenientes processuais, sempre que haja arguidos
detidos ou presos, estão sujeitos à mesma regra de celeridade, não ocorre
qualquer afronta à regra da igualdade constitucionalmente consagrada.
Nem se argumente, ex adverso, que, no que respeita aos recursos, o curso do
prazo em férias só se justifica nas situações em que o recurso abranja arguido
preso e que, quanto a este, se houver já decisão transitada, a regra segundo a
qual correm em férias os prazos relativos a processos nos quais haja arguidos
detidos ou presos perde o seu fundamento ou a sua razão de ser.
É que, como se salientou no já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
19 de Abril de 1989, do n.º 1 do artigo 402.º do Código de Processo Penal
resulta que, «em regra, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a
decisão. Pode haver limitação do objecto do recurso nos termos do artigo 403.º,
mas é operação a realizar pelo Tribunal ad quem. No momento da apreciação da
motivação do recurso essa limitação não era possível».
A diferenciação de regimes acima apontada não se baseia, assim, em motivos
subjectivos ou arbitrários, nem é materialmente infundada. Ela não infringe,
por isso, o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da Constituição.
5 — Uma vez apurado que a norma em questão não padece de vício por violação do
princípio de igualdade, também as considerações a esse propósito formuladas
haverão de ser tidas em conta quanto ao argumento de que, conjugadamente com
este, igualmente os princípios da garantia de defesa e da compatibilização da
celeridade com esta garantia estariam a ser violados.
Não se infirmando a tese de que o recurso da decisão condenatória funciona como
garantia de defesa do arguido, o certo é que, como tal, essa garantia é
concedida a todos os sujeitos passivos do procedimento criminal, e na mesma
medida e extensão, quer estejam quer não estejam privados de liberdade. Nesse
sentido, o conteúdo material da garantia não sofre diminuição que se possa
considerar tão gravosa que, por ela, um mero ónus se converta em restrição
efectiva ao direito, como se a situação originária fosse a de inexistência do
direito até serem removidos os obstáculos à sua aquisição pelo interessado na
respectiva aquisição.
A duração do prazo legalmente imposto, não é, no caso, de forma alguma, e
atendendo à relativa simplicidade do acto de interposição do recurso,
intoleravelmente curta (10 dias, segundo o artigo 411.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal).
Acresce que a interposição de dias de férias é um elemento aleatório que nada
muda quanto à essência do prazo, que é o mero decurso do tempo, vista do lado do
recorrente. As férias judiciais não encurtam nem alargam prazos, são
irrelevantes quando há arguidos presos no processo, e essa circunstância só
significa que, nesse contexto, os serviços de administração da justiça serão
mais solicitados. A situação objectiva do arguido — e é essa que conta porque é
em atenção a ela que se aplica o regime questionado que se supõe dever ser
conhecido pelo respectivo mandatário judicial — é a mesma, em férias judiciais
ou fora delas.
Deste ponto de vista, e atendendo ao caso concreto, não colhe contrapor o
princípio da celeridade do processo com o princípio das garantias de defesa,
mencionadas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
A celeridade do processo é com certeza um valor objectivo do ordenamento, mas,
para além disso, no contexto da presente questão de constitucionalidade mais
claramente porventura do que em outros contextos, a celeridade tem por
referencial o radical subjectivo que determina a maior valia da liberdade das
pessoas em face da privação dela, enquanto a última palavra da justiça não tiver
sido proferida.
Pelas razões acima transcritas, perfeitamente transferíveis para o caso sub
judicio, e pelas agora expendidas quanto ao princípio das garantias de defesa,
tem de concluir-se que se não verifica a violação deste nem do princípio da
igualdade ou sequer da conjugação de ambos os referidos princípios, pelo que se
entende que o recurso não deve merecer provimento.
III — Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência,
confirmar a decisão recorrida.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 1995. — Vítor Nunes de Almeida — Antero Alves Monteiro
Diniz — Maria da Assunção Esteves — Alberto Tavares da Costa — Armindo
Ribeiro Mendes (vencido nos termos da declaração de voto junta) — Maria Fernanda
Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) — Luís Nunes de Almeida.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não obstante ter já votado uma decisão do Tribunal Constitucional que, na sua
fundamentação e de forma lateral, considerou não serem inconstitucionais as
normas dos artigos 103.º, n.º 2, alínea a), e 104.º, n.º 2, do Código de
Processo Penal vigente (cfr. Acórdão n.º 611/94, in Diário da República, II
Série, n.º 4, de 5 de Janeiro de 1995) — caso em que o recorrente era ofendido
num processo em que havia réus presos, estando em causa apenas a dedução do
pedido de indemnização cível e pondo-se um problema de igualdade entre as partes
processuais — entendo que, no caso concreto, a interpretação adoptada pelo
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no despacho recorrido, conduz a um
resultado inaceitável, sendo as normas nessa leitura inconstitucionais.
De facto, no caso presente não foi admitido um recurso de uma sentença
condenatória em pena de prisão longa, porque o requerimento de interposição e a
motivação foram entregues em tribunal um dia depois do termo do prazo, em pleno
termo das férias judiciais do Natal.
Não se admitindo a aplicação no âmbito do processo penal dos n.os 5 e 6 do
artigo 145.º do Código de Processo Civil, não obstante a remissão do artigo 4.º
do Código de Processo Penal — como é jurisprudência constante do Supremo
Tribunal de Justiça — e considerando-se que o prazo para interposição do recurso
por parte do arguido detido ou preso corre mesmo durante o período de férias
judiciais — como também decorre de jurisprudência constante desse Supremo
Tribunal — daí resulta que existe uma sobrevalorização absoluta do princípio da
celeridade processual (n.º 2 do artigo 32.º da Constituição), olvidando-se o
princípio basilar de que «o processo criminal assegurará todas as garantias de
defesa».
Ora, não se negando que a celeridade do processo seja «um valor objectivo do
ordenamento», como se diz no acórdão, sempre se há-de considerar que a entrega
do requerimento de interposição do recurso e da motivação no dia subsequente ao
último dia do prazo, não põe em causa o valor dessa celeridade, admitindo que
esta última «tem por referencial o radical subjectivo que determina a maior
valia da liberdade das pessoas em face da privação dela, enquanto a última
palavra da justiça não tiver sido proferida».
De facto, implicando a rejeição do recurso por extemporaneidade o trânsito em
julgado da sentença condenatória numa longa pena de prisão, sempre há-de
resultar incompreensível que sejam eliminadas no caso sub judicio as garantias
de defesa que, todas elas, são garantidas constitucionalmente pelo processo
penal (artigo 32.º, n.º 1)!
Daí a minha conclusão de que a interpretação acolhida no despacho recorrido — e
que a maioria do Tribunal teve por conforme à Constituição — viola o disposto no
n.º 1 do artigo 32.º da Lei Fundamental. — Armindo Ribeiro Mendes.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida a decisão constante do presente acórdão por entender que o
princípio da celeridade processual nunca pode prejudicar as garantias de defesa.
Ao prever «o julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de
defesa», o n.º 2 do artigo 32.º da Constituição proíbe a restrição destas
garantias em nome daquele princípio e revela até que a celeridade processual
constitui, no essencial, uma garantia de defesa (cfr. Figueiredo Dias, A Revisão
Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, 1981, pp. 83 e 84).
Este sentido do princípio decorre da própria associação à presunção de inocência
do arguido, no âmbito do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição. No entanto, o
entendimento de que o interesse objectivo numa decisão rápida — que porá fim à
condição desvantajosa de arguido — pode determinar o encurtamento de prazos
judiciais não justifica a não interrupção, durante as férias judiciais, do prazo
concedido ao arguido preso para interpor recurso de sentença condenatória.
Ao determinarem que correm em férias os prazos para a prática de actos
processuais relativos a arguidos detidos ou presos, as disposições conjugadas
dos artigos 103.º, n.º 2, alínea a), e 104.º, n.º 2, do Código de Processo Penal
visam obter uma rápida definição da situação do arguido, tendo em vista a sua
eventual libertação. Ora, este desígnio nunca servirá para explicar que se
comprima o direito de recurso ao próprio arguido preso, que se encontra até numa
situação de maior dependência (do seu defensor) e menor possibilidade de
controlo do prazo.
Em nome do interesse objectivo no esclarecimento da situação jurídica do arguido
detido ou preso não se poderá, deste modo, legitimar, indirectamente, uma
diminuição das garantias de defesa. Uma tal perspectiva constitui manifestação
do fenómeno, já assinalado noutros contextos, da perversão funcional dos
princípios jurídicos: destinados a tutelar direitos fundamentais, eles acabarão
por ser subvertidos, adquirindo uma lógica autónoma exactamente contrária àquele
fim.
Por conseguinte, considero incompatível com o disposto no artigo 32.º, n.os 1 e
2, da Constituição, a interpretação das normas constantes dos artigos 103.º, n.º
2, alínea a), 104.º, n.º 2, e 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, segundo
a qual o prazo para a interposição de recurso de sentença condenatória por
arguido preso corre durante as férias judiciais. Na verdade, tal interpretação
viola as garantias de defesa numa situação em que se não afigura necessário
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
(artigo 18.º, n.º 2, da Constituição) e ignora a articulação, consagrada
constitucionalmente, entre aquelas garantias e a celeridade processual. — Maria
Fernanda Palma.