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Proc. nº 372/92
1ª Secção Rel. Cons. R. Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., casada, residente na Rua
----------------------------, nº -------------, em -----------, veio requerer em
29 de Abril de 1992 ao Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra que fosse judicialmente intimado o Presidente da Comissão Instaladora da Administração Regional da Saúde de ---------- a mandar passar certidão das actas das reuniões do júri de selecção do concurso interno geral de ingresso para estágio probatório com vista ao preenchimento de uma vaga de técnico de 2ª classe do quadro de pessoal daquela Administração Regional, por ser opositora a tal concurso e lhe ter sido oportunamente indeferida pela entidade requerida a passagem de tal certidão, com fundamento no disposto no nº 4 do art. 9º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro. Sustentou no seu requerimento que a invocada norma seria ilegal por violar as normas especiais contidas no art. 82º da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos e inconstitucional por violar o disposto nos artigos 266º e 268º da Constituição, nomeadamente o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.
Na sua resposta, o requerido sustentou que o direito
à informação constitucionalmente garantido não pode ter uma amplitude tal 'que colida com o direito à reserva da intimidade privada, também ele garantido com a mesma força constitucional e legal' (a fls. 16). O curriculum vitae de outro concorrente, solicitado pelo requerente, seria suporte de dados pessoais não públicos, pelo que deveria ser indeferido o requerimento.
O Magistrado do Ministério Público sustentou que a norma invocada pelo requerido era materialmente inconstitucional, pelo que deveria o Tribunal recusar a sua aplicação.
Por despacho de fls. 22 a 27, proferido em 4 de Junho de 1992, veio a ser deferido o pedido formulado pelo requerente. Pode ler-se nesse despacho:
'Consequentemente, não existe fundamentação material bastante para a compressão produzida pelo art. 9º/3 e 4 do DL 498/88 no direito dos interessados a conhecerem as decisões definitivas tomadas sobre os processos em que sejam directamente interessados (art. 268º/1 CR 89) e, por essa via, no direito constitucional ao recurso contencioso (art. 268º/4CR 89). Relativamente ao objectivo visado (:protecção da privacidade dos demais concorrentes), o legislador tornou uma medida restritiva de intensidade desnecessária, sacrificando desproporcionadamente aqueles outros direitos também constitucionalmente tutelados como direitos análogos a direitos fundamentais. Para prevenir a lesão da intimidade da vida privada dos concorrentes bastaria a proibição do uso das actas e seus elementos ancilares e dos dados curriculares para qualquer outro fim que não fosse a instrução de meios administrativos ou contenciosos.
Assim, tem o tribunal que recusar aplicação aos nºs 3 e 4 do art.
9º do DL nº 498/88 na parte em que deles resulta que cada candidato ao concurso não pode ter acesso total e integral às actas das reuniões do júri do concurso, seus elementos auxiliares e dados curriculares dos demais candidatos.'
2. Notificado deste despacho, veio o Magistrado do Ministério Público interpor recurso obrigatório do mesmo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do art. 70º da lei deste último. O recurso foi admitido por despacho de fls. 30.
3. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Nesta instância, apenas apresentou alegações o Representante do Ministério Público, aí formulando as seguintes conclusões:
' 1º - Devem ser julgadas inconstitucionais as normas constantes dos nºs 3 e 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, na medida em que restringem o direito de acesso dos candidatos ao concurso de provimento à parte das actas em que são definidos os critérios de apreciação aplicáveis a todos os candidatos e àquele em que são directamente apreciados, por ofensa da garantia constitucional do direito à informação - artigos 18º e 268º, nº 1, da Constituição.
2º - E, assim, deve confirmar-se a decisão recorrida, na parte impugnada'. (a fls. 44)
4. Foram corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
II
5. O objecto do recurso respeita à questão da constitucionalidade das normas dos nºs 3 e 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº
498/88, de 30 de Dezembro.
Este diploma veio estabelecer novo regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para a Administração Pública e institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos.
A Secção I do Capítulo IV deste diploma regula a constituição, composição, funcionamento e competência do júri do concurso:
'1. O júri só pode funcionar quando estiverem presentes todos os seus membros, devendo as respectivas deliberações ser tomadas por maioria.
2. Das reuniões do júri serão lavradas actas contendo os fundamentos das decisões tomadas.
3. As actas são confidenciais, devendo ser presentes, em caso de recurso, à entidade que sobre ele tenha de decidir.
4. Os interessados terão acesso, em caso de recurso, à parte das actas em que se definam os factores e critérios de apreciação aplicáveis a todos os candidatos e, bem assim, àquela em que são directamente apreciadas.
5. As certidões das actas deverão ser passadas no prazo de dois dias contado da data de entrada do requerimento.
6. O júri será secretariado por um vogal por ele escolhido ou por funcionário a designar para o efeito.'
6. No despacho recorrido, recusou-se aplicação às normas dos nºs 3 e 4 do referido art. 9º, 'na parte em que deles resulta que cada candidato ao concurso não pode ter acesso total e integral às actas das reuniões do júri do concurso, seus elementos auxiliares e dados curriculares dos demais candidatos'.
Nas alegações da entidade recorrente, afirma-se estarem em causa 'as normas dos nºs 3 e 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, apenas na medida em que restringem o direito de acesso dos concorrentes a determinada parte das actas do júri do concurso' (a fls. 41).
A partir do Acórdão nº 156/92, da 1ª Secção do Tribunal Constitucional (in Diário da República, II Série, nº 202, de 2 de Setembro de 1992), formou-se uma jurisprudência constante e unânime no sentido de que o nº 4 do referido art. 9º é materialmente inconstitucional, por violação do nº 1 do art 268º da Constituição, em conjugação com o nº 2 do mesmo preceito, na medida em que restringe indiscriminadamente o acesso dos interessados às actas das reuniões do júri de concurso, sem que preveja a existência excepcional de causa legítimas de exclusão desse acesso, restringindo-o apenas aos elementos aí tipificados.
No Acórdão nº 209/92 (in Diário da República, II Série, nº 211, de 12 de Setembro de 1992), a 2ª Secção do Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais 'as normas dos nºs 3 e 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, na medida em que restringem aos interessados, em caso de recurso, o acesso «à parte das actas em que se definam os factores e critérios de apreciação aplicáveis a todos os candidatos e, bem assim, àquela em que são directamente apreciados».
Entretanto, veio a ser declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, apenas do nº 4 do art. 4º do Decreto-Lei nº 498/88, através do Acórdão nº 394/93, (publicado no Diário da República, I Série, nº 229, de 29 de Setembro de 1993) pelos fundamentos dos Acórdãos nºs 156/92, 176/92, 17792 e 178/92.
Relativamente ao nº 4 daquele art. 9º nada mais resta ao Tribunal Constitucional do que aplicar aquela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos seus precisos termos.
E idêntico juízo de inconstitucionalidade, com os mesmos fundamentos, se pode estender ao segmento ideal do nº 3 do mesmo artigo que estabelece a confidencialidade das actas, de tal forma que não possam ser revelados para além do excepcionado no nº 4 desse artigo 9º do Decreto-Lei nº
498/88, se se sustentar a autonomia desse segmento face ao referido nº 4.
7. Nestes termos e com os fundamentos expostos, fazendo aplicação ao caso concreto da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral respeitante ao nº 4 do art. 9º do Decreto-Lei nº 498/88 constante do referido Acórdão nº 394/93, publicado no Diário da República, I Série, nº 229, de 29 de Setembro de 1993, e julgando também inconstitucional o nº 3 do art. 9º do mesmo diploma, decide o Tribunal Constitucional julgar improcedente o recurso, confirmando em consequência o despacho recorrido.
Lisboa, 27 de Outubro de 1993
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa