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Proc. nº 682/92
1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A.., com sede na Rua --------------, nº --------,
----º, em ---------------, apresentou em 23 de Junho de 1988 à Polícia Judiciária queixa contra B., residente na Avenida ---------------------, nº
-----, -----, na ----------------, pela prática de vários crimes de emissão de cheques sem provisão. Invocou que o participado adquirira diferentes mercadorias em estabelecimentos da empresa em -------, ---------- e ---------, tendo pago as mesmas com os referidos cheques por ele sacados sobre o banco C..
Em 31 de Março de 1991, o Ministério Público requereu o julgamento do participado pela prática de três desses crimes de emissão de cheques sem provisão (a fls. 27 a 29), tendo a acusação sido recebida por despacho do Sr. Juiz do 4º Juízo Correccional de Lisboa, proferido em 18 de Março de 1992 (a fls. 36 dos autos).
Por despacho de 10 de Abril de 1992, a fls. 43 dos autos, veio a ser dada sem efeito a audiência de julgamento marcada, invocando-se a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro e o disposto no art. 2º, nº 2, do Código Penal como fundamento do despacho de arquivamento dos autos. Pode ler-se nesse despacho:
'No caso do crime de emissão de cheque sem provisão o legislador ao aditar um elemento ao tipo de crime vem descriminalizar, isto é vem eliminar do número das infracções a configuração legal anterior.
[...] Ora, a acusação deduzida nos autos omite qualquer referência a prejuízo patrimonial ou a factos necessariamente a este conducentes (bastaria, por exemplo, ter-se alegado que o ofendido se encontra desembolsado do montante aposto no cheque).
[...] Em suma: entendo que os factos deduzidos na acusação não são, actualmente, conducentes a qualquer tipo de crime, nomeadamente o de emissão de cheque sem provisão p.p. art. 11º, nº 1, al. a) do DL nº 454/91, de 28/12 que veio revogar o crime p.p. arts. 23º e 24º do Dec. nº 13004, de 12/10/27, na redacção do DL nº 400/92, de 28/09, pelo que determino o arquivamento dos autos por desqualificação da conduta descrita na acusação como crime, isto é, por inexistência de infracção criminal nos presentes autos'.
Deste despacho interpôs recurso o Ministério Público, invocando imposição hierárquica e motivando o mesmo nos termos da circular nº
4/92 da Procuradoria-Geral da República.
A decisão foi sustentada pelo juiz de primeira instância, tendo os autos subido ao Tribunal da Relação de Lisboa.
No visto do Ministério Público na 2ª instância (a fls. 59 a 71 dos autos) foi suscitada a questão da inconstitucionalidade das als. a) e b) do nº 1 do art. 11º do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, aceitando-se as razões constantes do voto de vencido do Conselheiro Mário de Brito aposto ao acórdão nº 371/91 do Tribunal Constitucional, aresto que apreciou a constitucionalidade do novo decreto-lei sobre o regime jurídico dos cheques sem provisão, em fiscalização preventiva de constitucionalidade.
Por acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 20 de Outubro de 1992, foi confirmado integralmente o despacho recorrido. Nesse acórdão, considerou-se que a norma alegadamente inconstitucional não sofria de tal vício, remetendo-se para a fundamentação constante do Acórdão nº 371/91 (a fls. 73 a 75 dos autos).
Inconformado com essa decisão, dela veio interpor recurso o Procurador da República, nos termos do art. 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Este recurso foi admitido por despacho de fls.
79.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional, nele tendo apresentado alegações apenas a entidade recorrente . Nessa peça formularam-se as seguintes conclusões:
'1º - A reserva de competência legislativa da Assembleia da República relativa à «definição de crimes» (artigo 168º, nº 1, alínea c), da Constituição) abrange quer a definição de novos tipos de crimes, quer a modificação, desgraduação ou eliminação de tipos existentes;
2º No nº 1 do artigo 3º da Lei nº 30/91, de 20 de Julho, a Assembleia da República define como sentido da autorização legislativa concedida ao Governo para definir as condutas integradoras do crime de emissão de cheque sem provisão uma diferenciação consistente em exigir a verificação do requisito da produção do prejuízo patrimonial a outrem para a incriminação da conduta descrita na alínea c), e em não exigir a verificação desse requisito para a incriminação das condutas descritas nas alíneas a) e b);
3º Ao entender a exigência da verificação desses requisitos para a incriminação das condutas descritas nas correspondentes alíneas a) e b) do nº
1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro - e, assim, ao não criminalizar tais condutas nos casos em que não ocorra a produção de prejuízo patrimonial para o tomador do cheque ou para terceiro - o Governo desrespeitou o sentido da autorização legislativa que para o efeito lhe havia sido concedida;
4º - É, assim, inconstitucional (ou ilegal, consoante a qualificação que se prefira para o vício consistente em o decreto-lei autorizado, não extravasando o objecto da autorização legislativa, lhe desrespeitar o sentido) por violação do artigo 115º, nº 2, da Constituição, a norma constante do corpo e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº
454/91, na parte em que exige a verificação da produção de prejuízo patrimonial para outrem para a incriminação da conduta prevista nessa alínea' (fls. 121 a
123).
3. Foram corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar e conhecer
II
4. Constitui objecto do presente recurso a questão da invocada inconstitucionalidade da norma do art. 11º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, por invocada violação da norma habilitadora constante da lei de autorização legislativa (art. 3º, nº 1, da Lei nº 30/91, de 20 de Julho).
Dispõe a norma questionada:
'1. Será condenado nas penas previstas para o crime de burla, observando-se o regime geral de punição deste crime, quem, causando prejuízo patrimonial:
a) Emitir e entregar a outrem, cheque de valor superior ao indicado no artigo 8º que não for integralmente pago por falta de provisão, verificada nos termos e prazos da Lei Uniforme Relativa ao Cheque.'
5. A norma transcrita foi já objecto de apreciação por este Tribunal, em sessão plenária, por duas vezes. Uma primeira vez, em processo de fiscalização preventiva de constitucionalidade, no já citado Acórdão nº 371/91 (in Diário da República, II Série, nº 284, de 10 de Dezembro de 1991). e uma segunda vez, em hipótese afim à dos presentes autos, no Acórdão nº 349/93
(publicado no Diário da República, II Série, nº 180, de 3 de Agosto de 1993). Em ambas as ocasiões, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela não inconstitu-cionalidade da norma em causa.
Entende-se, por isso, dever-se reafirmar, no presente caso, a orientação assumida no citado Acórdão nº 349/93, dando-se como integralmente reproduzidos os fundamentos aí acolhidos.
III
6. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso de constitucionalidade, confirmando-se, assim, o acórdão recorrido.
Lisboa, 27 de Outubro de 1993
Armindo Ribeiro Mendes
Vítor Nunes de Almeida
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa