Imprimir acórdão
Processo n.º 700/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A., foi proferida decisão sumária, em que se decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 370.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a elaboração do relatório social nele previsto é válido para efeitos da determinação e espécie da medida da pena independentemente do desfasamento temporal entre a data da sua elaboração e a data da realização do julgamento e consequente sentença, com os seguintes fundamentos:
4. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, entende-se proferir decisão sumária por a questão a decidir ser manifestamente infundada.
Entende o recorrente que a interpretação dada pela decisão recorrida ao artigo 370.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, no sentido de que a elaboração do relatório social nele previsto é válido para efeitos da determinação e espécie da medida da pena independentemente do desfasamento temporal entre a data da sua elaboração e a data da realização do julgamento e consequente sentença seria inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.os 1 e 2 da Constituição.
Não tem razão o recorrente.
A norma em causa não limita, seja de que forma for, a possibilidade de o arguido exercer plenamente as ações ou atividades com vista a assegurar a sua efetiva defesa, inexistindo qualquer violação do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição. Tanto assim é que, no caso dos autos, o arguido fez pleno uso das garantias de defesa que lhe assistem, tendo interposto recurso da decisão condenatória e também o presente recurso de constitucionalidade.
Inexiste igualmente qualquer violação do disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, pois não se vislumbra sequer como é que a norma sub judicio, consistente em permitir que, para efeitos da determinação e espécie da medida da pena, o tribunal releve relatório social independentemente do desfasamento temporal entre a data da sua elaboração e a data da realização do julgamento e consequente sentença, possa colidir com o princípio da presunção de inocência do arguido nesse preceito consagrado.
Pelo que é manifestamente infundada a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente.
2. Notificado dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), com os seguintes fundamentos:
Consideração prévia:
Temos consciência jurídica de que o recurso, por enquanto e infelizmente, não é um recurso de amparo que serve para colmatar os erros judiciários e decisões injustas.
Também temos consciência que estatisticamente só 1% das reclamações obtêm provimento, mas isso não invalida que precisamente por existir esse 1% nos permite ter a esperança de fazermos parte dessa estatística minoritária, sem prejuízo de que se, por ventura estivermos do lado da maioria, também não vem nenhum mal ao mundo… só mesmo ao jovem recorrente, que até já esteve preso antecipadamente 1 dia, por um manifesto lapso igual, ao de 1 conhecido politico, mas que não teve direito a inquérito?!... Posto isto,
Refere a douta decisão sumária após convite ao aperfeiçoamento, que a norma em causa não colide com as garantias de defesa previstas no artigo 32º nº 1 da CRP, tanto mais que da decisão condenatória interpôs recurso.
É verdade.
Mas também é verdade que infelizmente a composição do tribunal de recurso da 2ª vez não era a mesma que da 1ª vez, que determinou a repetição do julgamento, para a elaboração do Relatório Social com vista a aplicar o Regime especial para Jovens Delinquentes e deste modo «a suspensão da execução da pena de prisão se a pena unitária que for estabelecida não for superior a três anos».
O certo é que a pena de prisão não foi superior a três anos, mas contrariamente ao ordenado foi, digo, continuou a ser de prisão efetiva 2 anos depois, daquele douto acórdão proferido em 2009 e 8 anos depois da prática dos factos, utilizando um relatório social que data de junho de 2007, não tendo o arguido antecedentes criminais!!!!
Ora a condenação do recorrido teve por base uma interpretação do artigo 370º nº 1 do CPP, segundo o qual (face aos factos), o mesmo pode-se socorrer dele independentemente do dito «desfasamento temporal entre a data da sua elaboração (5 de julho de 2007), a repetição do julgamento ocorrido em 17-11-2009 e o acórdão proferido em 02-12-2009.
Relembre-se que o coarguido que não recorreu – a reboque do recurso do ora recorrente – no 2º julgamento – porque não existia relatório social – foi junto o mesmo atualizado, que implicou a suspensão da sua pena que outrora era também como a do recorrente efetiva na sua execução ?!!!
Indignação!... claro que sim Venerandos Conselheiros… e muita.
E daqui o pomo de discórdia com a mui douta decisão sumária.
É certo que também não abunda muita sapiência ao mandatário do recorrente… mas também não se pode exigir mais, quando se trabalha de forma filantrópica e em prol da Justiça a que todos os homens ricos e pobres tem direito, aliás, pelo menos, consabidamente em teoria – nesta área como noutras - constitucionalmente garantido.
Daí talvez o signatário não tenha compreendido o alcance na sua totalidade do convite ao aperfeiçoamento.
Em todo o caso Venerandos Conselheiros o principio Constitucional que entendemos violado com a dita interpretação constante dos factos e nas conclusões do recurso interposto, e que não é posto em causa, que foi suscitado de forma processualmente correta, tem a ver com a parte final do artigo 32º nº 2 da CRP e não com a 1ª parte do mesmo preceito constitucional.
Aliás, toda a sua argumentação ao longo da motivação e conclusões do seu recurso se prendia e se prende, com o facto de o recorrente não ter sido julgado «no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», talqualmente o foi o seu coarguido que por isso viu alterada a sua pena de prisão suspensa na sua execução, na medida em que o relatório social foi junto poucos dias antes do «julgamento».
E esta era a questão que se queria ver conhecida por este tribunal e não foi.
Se a norma prevista no artigo 370º nº 1 do CPP pode ser interpretada e aplicada, como inequivocamente o foi, no sentido de ser compatível com as garantias de defesa o uso em julgamento, «para efeitos da determinação e espécie da medida da pena» de um relatório social que dista mais de 2 anos antes?!...
Salvo o devido respeito que aliás., diga-se que é muito, seguramente por manifesto lapso e por falta da dita sapiência do signatário em expressar, quiçá, de forma mais inequívoca o seu inconformismo com a dita interpretação e aplicação inconstitucional, a douta decisão sumária relevou tal aplicação somente na primeira parte do citado preceito, quando na verdade, tal implicação tem mais a ver com a parte in fine do mesmo.
Venerandos Conselheiros,
Atente-se na conclusão XII do recurso de interposição para o TRL, onde expressamente se coloca a questão de forma clara para que o tribunal de recurso a conheça.
Aliás, toda a argumentação do recurso do recorrente vai no sentido (reafirma-se a desigualdade gritante entre a decisão que existiu com o coarguido, cujo relatório entre a data da sua elaboração e a data da decisão não foi superior, salvo erro a um mês), de que o tribunal não se podia socorrer para a determinação da espécie e medida da sua pena de um relatório completamente desfasado no tempo, porquanto tal valoração não era, nem continua a ser compatível com as suas garantias de defesa de celeridade processual, a que o arguido é completamente alheio.
E relembra-se que não se tratou de um «novo» julgamento, mas tão só a reabertura para a aplicação da espécie e medida da pena, e eventual suspensão da mesma e nada mais.
3. Notificado da reclamação, o Exmo. Representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional veio pugnar pelo seu deferimento, argumentando, basicamente, que, não tendo a Decisão Sumária reclamada apreciado a “dimensão normativa” decorrente do disposto na parte final do nº 2 do artigo 32.º da Constituição, ao reclamante assistiria alguma razão.
Importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Através da decisão sumária ora reclamada, o Tribunal não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 370.º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a elaboração do relatório social nele previsto é válido para efeitos de determinação e espécie da medida da pena independentemente do desfasamento temporal entre a data da sua elaboração e a data da realização do julgamento e consequente sentença.
A decisão foi proferida ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: LTC) que confere o relator o poder de julgar questões de constitucionalidade que, colocadas embora em recurso para o Tribunal, se mostrem manifestamente infundadas. A decisão reclamada é, portanto, uma decisão que julga do fundo da questão (proferindo para ela um juízo de não acolhimento da questão de constitucionalidade), e não uma decisão de não conhecimento do objeto do recurso, como, por vezes, parece crer o reclamante.
5. Sustenta basicamente este último que a Decisão Sumária de que agora reclama não abordou a questão que, embora imperfeitamente expressa, se havia efetivamente colocado no recurso interposto para o Tribunal. Seria ela, no seu entender, atinente não ao nº 1 e nº 2 do artigo 32.º da CRP – na parte em que consagram as garantias de defesa do arguido em processo penal e o princípio da presunção de inocência – mas à parte final do nº 2 do artigo 32.º – na parte em que consagra o direito do arguido a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
Resumindo-se, no essencial, a este argumento a razão pela qual se reclama da Decisão Sumária, sempre haverá quanto a ele que recordar a diferença que, nos recursos de constitucionalidade, separa o objeto do juízo do parâmetro de julgamento.
Os recursos para o Tribunal Constitucional incidem sobre normas de direito infraconstitucional que, tendo sido aplicadas ou desaplicadas pela decisão recorrida, são tidas (pelos recorrentes, ou pelo juiz da causa principal) como inconstitucionais, quer na formulação literal dos preceitos em que tais normas se contêm, quer na concreta “dimensão interpretativa” que lhes terá sido dada pelo tribunal a quo. No caso, constituiu objeto do recurso a norma constante do nº 1 do artigo 370.º do Código de Processo Penal numa certa “dimensão interpretativa”: entendida no sentido segundo o qual a elaboração do relatório social aí previsto é válido para efeitos de determinação e espécie da medida da pena independentemente do desfasamento temporal entre a data da sua elaboração e a data da realização do julgamento e consequente sentença.
Diverso do objeto do recurso é o parâmetro de julgamento, consistente na norma ou princípio constitucional que se considera ter sido violado. Nos recursos que, como o presente, são interpostos de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha sido arguida durante o processo, manda a LTC que se indique, no respetivo requerimento de interposição, o parâmetro de julgamento (artigo 75.º-A, nº 2). Contudo, tal não pode fazer esquecer que, não estando o Tribunal vinculado a julgar com fundamento na violação das normas ou princípios que foram invocados no requerimento de interposição do recurso (artigo 79.º-C da LTC), o que delimita previamente a questão a decidir é apenas o direito infraconstitucional, tal como foi identificado no referido requerimento. Só a propósito deste último é que se pode falar, assim, de “dimensão normativa”, ou de objeto de julgamento.
6. Com já se disse, o reclamante apresenta a sua reclamação sustentando-a, fundamentalmente, no argumento seguinte: pretendia-se, com o requerimento do recurso de constitucionalidade, que a norma sub judicio fosse vista, não apenas à luz do n.º1 e do n.º2, primeira parte, do artigo 32.º da CRP, mas ainda tendo em conta a parte final deste preceito constitucional – ou seja, tendo em conta o direito do arguido a ser julgado no mais curto espaço de tempo compatível com as suas garantias de defesa.
Não se vê, porém, como é que a colocação do problema à luz deste outro parâmetro constitucional poderia modificar o teor do julgamento que já foi feito.
Tal como se afirma na Decisão Sumária reclamada, o n.º1 do artigo 370.º do CPP prevê, literalmente, meios, que coloca à disposição do juiz, para impedir que sejam tidos em linha de conta relatórios sociais desatualizados. Assim sendo, não se alcança como é que poderia ser tido como inconstitucional, à luz do direito do arguido a ser julgado no mais curto espaço de tempo (compatível com as garantias de defesa) a dimensão interpretativa da referida norma de processo penal, quando entendida no sentido de que a elaboração do relatório social nela previsto é válida, par efeitos de determinação e espécie da medida da pena, independentemente do desfasamento temporal entre a data da sua elaboração e a data da realização do julgamento e consequente sentença.
Como o reconhece, logo no início da sua reclamação, o reclamante, no sistema português de controlo de constitucionalidade o juízo efetuado pelo Tribunal incide sobre normas e só sobre normas. Entre nós, o recurso de constitucionalidade não pode incidir sobre decisões judiciais (à semelhança do que sucede nos ordenamentos que admitem “recursos de amparo”).
Assim sendo, e quanto à norma em juízo no caso concreto, não há razões para alterar o juízo proferido pela Decisão Sumária reclamada.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixadas em 20 unidades de conta da taxa de justiça.
Lisboa, 8 de fevereiro de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.