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Procº nº 800/93.
2ª Secção.
Relator:- Consº BRAVO SERRA.
I
1. Em 19 de Março de 1993 foi levantado por um guarda da
Divisão de Trânsito de Lisboa da Polícia de Segurança Pública um auto de
transgressão por intermédio do qual se imputava a M...o cometimento de uma
infracção ao disposto no nº 7 do artº 14º do Código da Estrada.
Como a transgressora não tivesse pago voluntariamente a
multa correspondente àquela infracção, foi tal auto remetido ao Tribunal de
Polícia de Lisboa e aí, porque não foi possível efectuar a notificação da mesma,
o respectivo Juiz, por despacho de 2 de Dezembro de 1992, designou dia para a
realização da audiência, sem intervenção da M..., nomeando-lhe, desde logo, um
defensor oficioso, o que fez invocando o artº 11º, nº 2, do Decreto-Lei nº
17/91, de 10 de Janeiro.
2. Na citada audiência, a representante do Ministério
Público, invocando o 'disposto no art. 120º, nº 3, al. d) do C.P.P.', arguiu a
nulidade do despacho que designou dia para julgamento, uma vez que houve,
'posteriormente ao recebimento do auto de notícia, omissão de diligências
essenciais para a localização e subsequente notificação do arguido'.
Essa arguição foi indeferida, tendo sido lavrada
sentença condenatória da transgressora .
3. Dessa peça processual recorreu para o Tribunal da
Relação a aludida representante que, na respectiva motivação, continuou a
defender que, no caso, foi cometida a nulidade constante do artº 120º, nº 2,
alínea d), do Código de Processo Penal, já que se omitiram diligências com vista
a apurar do paradeiro da transgressora e, em consequência, a obter a sua
notificação para comparacer em julgamento.
4. A Relação de Lisboa, por acórdão de 7 de Julho de
1993, concedeu provimento ao recurso.
Para alcançar uma tal decisão, foi expendido em tal
aresto:-
'........................................
No caso 'sub judice' o M.mo Juiz 'a quo' marcou julgamento nos termos
do art. 11º nº 2 do D.L. 17/91 citado, não tendo havido diligências profícuas
para a localização e subsequente notificação do arguido.
..............................................
Sem embargo de, no caso 'sub judice', efectivamente se ter omitido
diligências essenciais para a localização e notificação do arguido e
consequentemente para a descoberta da verdade, a verdade é que o art. 11º nº 2
do C.P.P [querer-se-ia dizer, certamente, do D.L. nº 17/91] colide frontalmente
com o art. 32º da Constituição da República Portuguesa e art. 61º nº 1 a) do
C.P.P.
..............................................
Ora no caso 'sub judice' o julgamento foi marcado nos termos do art.
11º nº 2, como se disse, não tendo sido assim respeitado as garantias de defesa
que o art. 32º nº 1 da Constituição e 61º nº 1 a) do CPP ao arguido conferem.
E isto porque, como também já se disse, o art. 11º nº 2 infringe
princípios constitucionais, além de princípios adjectivos penais.
O que acarreta a inconstitucionalidade do art. 11º nº 2 citado.
Conforme Acordão desta secção no P. nº 4829, : 'O legislador ao
consagrar a possibilidade do arguido ser julgado, sem ter sido notificado para o
respectivo julgamento, quando tal notificação não for possível, conduz-nos para
um campo de grande insegurança, com graves consequências daqui resultantes para
os cidadãos em geral. A primeira questão que nos é posta, consiste em saber
quando é que se poderá afirmar, sem grandes dúvidas, que não foi possível
notificar o arguido. Bastará uma simples dili- gência do Juiz, para que dela se
conclua que não é possível notificar o arguido, ou será necessário a realização
de meia dúzia delas?
Procurou-se a celeridade processual em prejuízo dos direitos dos
cidadãos de poderem defender-se perante os Tribunais, quer comparecendo
pessoalmente, quer escolhendo os seus defensores, violando-se, deste modo, o
consagrado na lei Fundamental, no seu art. 32º'.
Foi o que aconteceu, no caso ora em apreço, um arguido julgado e
condenado sem ter sido notificado para o julgamento, com a agravante de não ter
sido diligenciado proficientemente pela sua localização tendente à sua
notificação.
Assim para além da nulidade cometida do art. 120º nº 2 do CPP que
invalida o despacho que designa dia para julgamento e consequente- mente a
sentença, o que se declara, acordam ainda em julgar inconstitucional o nº 2 do
art. 11º do D.L. nº 17/91 de 10 de Janeiro....
.............................................'
5. A Procuradora da República junta da Relação de Lisboa
solicitou a aclaração do acórdão de que acima se encontra transcrita uma parte,
tendo, em 16 de Novembro de 1993, sido lavrado novo aresto com o seguinte teor:-
'Em esclarecimento, acordam, em virtude da declaração de
inconstitucionalidade do nº 2 do art. 11º do D.L. nº 17/91 de 10 de Janeiro,
constante do acordão de fls. 27, não aplicar a referida norma'.
6. Do acórdão prolatado em 7 de Julho de 1993,
esclarecido pelo proferido em 16 de Novembro do mesmo ano, recorreu para o
Tribunal Constitucional a mencionada Procuradora da República, tendo o Ex.mo
Procurador-Geral Adjunto aqui em funções apresentado alegação na qual concluiu,
de um lado, não ser 'inconstitucional, por violação das garantias de defesa,
consagradas no artigo 32º, nº 1 , da Constituição, a norma constante do nº 2 do
artigo 11º do Decreto-Lei nº 17/91, de 10 de Janeiro, interpretada como
possibilitando o julgamento do arguido (e o prosseguimento do processo até final
sem necessidade da sua intervenção) sem que o mesmo tenha sido notificado da
data do julgamento, quando se tiverem esgotado as possibilidades práticas de
localização da sua residência';
e, de outro, que, no caso, tendo 'o Tribunal da Relação
anulado o despacho que designou dia para julgamento, ao abrigo da norma
impugnada, nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d), do Código de Processo
Penal', passava 'a carecer de relevância a questão de inconstitucionalidade
normativa lateralmente dirimida', o que conduzia 'à inutilidade do presente
recurso de constitucionalidade'.
II
1. Passemos, em primeiro lugar, a analisar a questão
prévia suscitada pelo recorrente, ou seja, a questão de saber se a desaplicação
normativa operada pelo acórdão impugnado não teve, in casu, qualquer relevância
na decisão ali tomada, o que vale por dizer que essa desaplicação mais não
passaria do que um mero obiter dictum.
1.2. Não se nega que no acórdão prolatado na Relação de
Lisboa, como se viu, foi dito que o despacho proferido pelo Juiz do Tribunal de
Polícia de Lisboa, a designar dia para a realização da audiência de julgamento,
era nulo, visto que não foi proficientemente diligenciado no sentido da
localização do paradeiro da transgressora, tendo em conta a efectivação da
respectiva notificação.
Mas, de outra banda, facilmente se extrai do discurso
utilizado naquele aresto que, ainda que no presente caso fossem realizadas as
diligências consideráveis necessariamente adequadas à localização da
transgressora, se porventura essa localização não fosse possível, mesmo assim
não deveria ter sido designado dia para a realização da audiência de julgamento,
precisamente pela circunstância de a norma ínsita no nº 2 do artº 11º do D.L. nº
17//91, permissora dessa realização sem que o arguido disso tenha conhecimento,
ofender as garantias de defesa consagradas no nº 1 do artigo 32º da
Constituição.
Só assim, na verdade, é entendível o emprego, no acórdão
sob censura, das expressões 'Sem embargo de..., efectivamente se ter omitido
diligências essenciais para a localização e notificação do arguido', 'no caso
sub judice o julgamento foi marcado nos termos do art. 11º nº 2...não tendo sido
assim respeitado as garantias de defesa que o art. 32º nº 1 da Constituição',
'Foi o que aconteceu, no caso ora em apreço, um arguido julgado e condenado sem
ter sido notificado para o julgamento, com a agravante de não ter sido
diligenciado proficientemente pela sua localização tendente à sua notificação e
'Assim, para além da nulidade cometida do art. 120º nº 2 do CPP'; e isto para
além de, expressamente, na sequência de pedido de aclaração adrede formulado, a
Relação de Lisboa ter esclarecido que, no aclarando acórdão, recusou a aplicação
da norma sub specie constitucionis.
1.3. Significa isto, no fundo, que, mesmo entendendo que
um dos fundamentos do provimento do recurso interposto da decisão proferida na
1ª instância foi precisamente a consideração de ser nulo o despacho que designou
dia para a realização da audiência de julgamento, face à circunstância de se não
terem realizado todas as diligências que ao caso seriam cabidas com a finalidade
de obter a localização do paradeiro da transgressora e a subsequente obtenção da
sua notificação, o que não deixa de ser certo é que, igualmente, outro dos
fundamentos residiu, em verdade, na desaplicação da referida norma.
Ora, como este Tribunal já decidiu, entre outros, no seu
Acórdão nº 332/90 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 19 de Março
de 1991), há interesse jurídico relevante no conhecimento da questão de
constitucionalidade sempre que esta matéria constituir um dos fundamentos
determinantes da decisão em recurso, ainda que essa decisão fique inalterada
pela subsistência de outro ou outros fundamentos.
2. Assim sendo, e porque a recusa de aplicação normativa
levada a cabo no acórdão recorrido não pode ser perspectivada como um mero
obiter dictum, decide-se, neste particular, não dar atendimento à questão prévia
suscitada pelo recorrente, em consequência se passando ao conhecimento do
objecto do recurso.
III
1. O artigo em que se insere a norma em causa tem o
seguinte teor:-
Artigo 11.º
Designação da data do julgamento
1 - O arguido é notificado da data do julgamento com, pelo menos, 10
dias de antecedência e, conjuntamente, do objecto da acusação e de que deve
apresentar a sua defesa em audiência, podendo, ainda, em casos devidamente
justificados, requerer a comparência do participante, a qual é obrigatória.
2 - Se não for possível notificar o arguido nos termos do número
anterior, o juiz nomeia-lhe defensor, a quem é feita a notificação, prosseguindo
o processo até final sem necessidade de intervenção do arguido.
3 - Não é obrigatória a presença do arguido em julgamento, se a
infracção for punível unicamente com pena de multa, podendo fazer-se representar
por advogado e nomeando-lhe o juiz defensor caso o não tenha constituído.
4 - Nos casos em que é obrigatória a comparência do arguido em
julgamento, se este, notificado, faltar, é designada nova data, sendo, nesta,
caso falte de novo, representado por defensor oficioso e julgado como se
estivesse presente.
5 - A notificação para a audiência adiada é feita sob cominação de
que, em caso de não comparecimento, o arguido é representado por defensor e
julgado como se estivesse presente.
6 - Se o julgamento for adiado por falta do arguido, a
responsabilidade pelas custas é agravada.
2. De harmonia com a decisão sob recurso, a norma ora em
apreciação, ao permitir a realização do julgamento sem a presença do arguido,
viola as garantias de defesa consagradas no nº 1 do artigo 32º da Constituição.
Será efectivamente assim?
É o que se irá analisar.
3. No domínio do processo criminal aplicável ao
julgamento das transgressões (e bem assim nos processos sumários) e numa ocasião
em que o regiam os preceitos constantes do Decreto--Lei nº 35.007, de 13 de
Outubro de 1945 (cfr. seu artº 49º, terceiro trecho), teve este Tribunal, por
mais de uma vez, ocasião de se debruçar sobre a compatibilidade constitucional
da norma que permitia a efectivação do julgamento do arguido notificado
editalmente para esse acto e sem que ao mesmo fosse nomeado defensor oficioso, a
menos que ele o solicitasse ou houvesse lugar à aplicação de medidas de
segurança. Aquele debruçar culminou com a emissão do seu Acórdão nº 49/86
(publicado na 1ª Série do Diário da República de 1 de Abril de 1986), que veio a
declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da aludida
estatuição, no indicado segmento.
Claro que o que estava em causa, em primeira linha, na
norma então sujeita a apreciação, era a possibilidade de realização de
julgamento sem assistência de um defensor, direito que, no fundo, tal como foi
entendido, constituía uma 'dimensão formal do direito de defesa' garantido
constitucionalmente, ou 'um instrumento processual para garantir a substância de
um tal direito fundamental do arguido'.
3.1. Não se deixou, porém, nesse Acórdão e noutros que,
antecedentemente, foram prolatados (cfr., verbi gratia, Acórdãos números 148/85,
193/85, 196/85, 203/85, 308/85, 37/86, e 77/86, respectivamente em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 6º Volume, 331 a 338, Diário da República, 2ª Série, de
10 de Fevereiro de 1986, Acórdãos... e vol. citados, 505 a 510, idem, 541 a 545,
Acórdãos..., 7º Vol., 561 a 563 e idem, 681 a 686), de fazer uma excursão sobre
a necessidade de audição do arguido, o que implicava que ele estivesse presente
na audiência, necessidade essa que, verdadeiramente, consubstanciava a
oportunidade de se lhe conferir uma influenciação no processo e no respectivo
resultado, como concretização do 'dever jurídico geral do Estado de salvaguardar
a dignidade humana, na sua expressão concreta de dever assegurar a garantia de
ser ouvido, e na garantia de um processo 'leal', de acordo com o princípio da
'igualdade de armas'' (citação de Karl-Heinz Gössel, in Boletim da Faculdade de
Direito, vol. LIX, 242 e segs., «A posição do defensor no processo penal de um
Estado de direito», feita no mencionado Acórdão nº 49//86).
Igualmente nos Acórdãos números 394/89 e 212/93 (Diário
da República, 2ª Série, de 14 de Setembro de 1989 e de 1 de Junho de 1993) -
estribando-se na doutrina nacional (sobre o ponto confronte-se a ali citada) e
na jurisprudência anterior deste Tribunal e na já advinda da Comissão
Constitucional (cfr., v.g., Parecer nº 12/78 nos Pareceres da Comissão
Constitucional, 5º volume, 79 a 84, a propósito dos §§ 1º a 3º do artº 418º do
Código de Processo Penal de 1929), se vincou que a presença do arguido a
julgamento - ainda que houvesse justificado motivo para a sua não comparência -
implicava que o mesmo viria a não dispôr de 'oportunidade para, pessoalmente,
expor as razões, para exercer o seu direito a ser ouvido, para, enfim, se postar
numa realização de imediação perante o juiz, ao qual é exigido o conhecimento da
sua personalidade, conhecimento esse que, sem a sua presença, é muito
dificilmente atingível' (palavras do Acórdão nº 212/93), o que violava os
direitos de defesa e, logo, as garantias que sobre ele estão constitucionalmente
consagradas, como também os princípios do contraditório e da procura da verdade
material postulados pelo processo criminal num Estado de direito.
Mas, a par disso, não se deixou - no tocante à
necessidade de presença do arguido na audiência - de efectuar uma ressalva das
situações em que em causa estavam pequenas violações ou «bagatelas penais»
(puníveis somente com pena pecuniária ou medida de segurança não detentiva),
ressalva que, justamente, se entendeu ser de fazer perante a mui pouco acentuada
ressonância ético-criminal implicada nessas mesmas situações.
3.2. Todavia, há que realçar que, mesmo naquelas
situações, a legislação regente do processo haverá de impôr a realização das
diligências indispensáveis à obtenção da presença do arguido ou, mais
propriamente, das diligências de todo indispensáveis a que o arguido venha a ter
conhecimento que irá ter lugar a audiência, a fim de, se o desejar e nisso tiver
conveniência, poder a ela estar presente.
Só assim se alcançará, nesta «abertura de excepção» à
regra da presença do arguido em audiência (justificada precisamente pela
circunstância de nos postarmos perante situações em que, verdadeiramente, estão
em causa questões de escassa relevância penal), a observação da necessidade,
adequação e proporcionalidade da objectiva restrição do direito fundamental do
arguido a ser ouvido em julgamento (direito esse a que, obviamente, corresponde
o dever jurídico geral do Estado de direito no sentido de assegurar a audição,
como expressão daqueloutro dever de salvaguarda da dignidade humana, dever a
que, por outro lado, não é alheia a exigência de o direito de punir implicar
tanto o sancionamento do culpado como a absolvição do inocente).
4. Perante estes parâmetros, vejamos se a norma sub
iuditio os respeitará.
O preceito em análise permite a realização da audiência
de julgamento sem intervenção do arguido, caso não seja possível obter-se a sua
notificação. E, nesse caso, impõe-se ao juiz a nomeação de defensor oficioso, ao
qual serão feitas as notificações que ao arguido cumpriria fazer.
A notificação do arguido a cuja não obtenção se refere a
norma do nº 2 do artº 11º do D.L. nº 17/91, é aquela a que se reporta o seu nº
1, o qual não expressa a forma concreta como deverá ela ser levada a cabo.
Daí que, atento o que se consagra no artº 2º de tal
diploma, se haja de lançar mão daquilo que, a propósito de notificações, se
prescreve no diploma adjectivo penal comum aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87,
de 17 de Fevereiro, não olvidando que se trata, por um lado, de uma comunicação
ao arguido respeitante a uma acusação (ou algo equivalente, como a remessa do
auto de notícia a juízo) e, por outro, de «uma convocação para comparecimento a
determinado acto processual».
Ora, de harmonia com a regra íserta no artº 111º, nº 2,
do Código de Processo Penal, a comunicação dos actos processuais [sejam eles uma
ordem de comparência perante os serviços de justiça, uma convocação para
participar em diligência processual, ou a dação de conhecimento do conteúdo de
um acto ou de despacho proferido no processo - cfr. alíneas a), b) e c) do nº 1
daquele artº 111º] é feita pela secretaria 'e é executada pelo funcionário de
justiça que tiver o processo a seu cargo, ou por agente policial, administrativo
ou pertencente ao serviço postal que for designado para o efeito e se encontrar
devidamente credenciado'.
De outra banda, ex vi do artº 113º, nº 1, do aludido
corpo de leis, as notificações efectuam-se mediante contacto pessoal com o
notificando e no lugar em que este for encontrado, ou mediante via postal,
através de carta expedida com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado
(e que, refira-se em abono da verdade, até à data ainda o não foi), que só
poderá ser assinado pelo notificando, previamente identificado com anotação dos
elementos constantes do bilhete de identidada ou de outro documento oficial
permissor da identificação (não interessará agora a referência aos editais e
anúncios, porque não aplicáveis aos casos de convocação para participar em
audiência).
Se, utilizando-se a via postal, o destinatário não for
encontrado, haverá que diligenciar no sentido de se proceder a contacto pessoal
(cfr. nº 2 daquele artigo).
Significa isto que o C.P.P., no que tange à forma de
comunicação de determinados actos - maxime os respeitantes à convocação para se
estar presente à audiência ou à dação de conhecimento da acusação - , se rodeou
de cautelas com vista a obter, efectivamente, essa comunicação.
4.1. Sendo isto assim, então há-de convir-se, desde
logo, que a não possibilidade de notificação, a que se reporta a norma em
apreço, só se deparará após se ter utilizado todo um amplo esquema idóneo gizado
com o fim de a comunicação produzir os seus efeitos e que, não obstante, não
alcançou o desiderato para o qual foi consagrado, sendo que não ressalta que
seja intúito da referida norma que o julgamento sem a presença do arguido surja
como um sancionamento da sua colocação como 'revel'.
Em segunda linha, não se deve escamotear que essa norma
é regente para um processo que cura de questões de diminuta relevância
ético-penal e nas quais estão em causa sancionamentos de não acentuada gravidade
e que não contendem com a privação de liberdade, como é a vertente situação, em
que em questão está a imposição de uma sanção pecuniária não «convertível» em
prisão por recurso ao nº 3 do artº 46º do Código Penal.
Em terceira linha, cumpre sublinhar que, de todo o modo,
é patente a intenção da norma em obter um asseguramento da defesa do arguido não
notificado, impondo a nomeação de defensor.
Por último, não se deve perder de vista o facto de, como
acentua o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na alegação que produziu nestes autos,
a solução de, em casos como o presente, se não permitir o julgamento sem a
prévia notificação pessoal do réu, poder conduzir à extensão, a este tipo de
processos, do mecanismo da «contumácia» o que, perante a não grave relevância
penal da situação, se mostraria certamente desproporcionado, mormente tendo em
conta os efeitos desse mecanismo (cfr. nº 1 do artº 337º do Código de Processo
Penal).
4.2. A solução contida na norma em causa, ao estabelecer
uma excepção à regra da presença do arguido na audiência de julgamento - regra
essa imposta pelas próprias garantias de defesa e pelos princípios do
contraditório, que devem, constitucional- mente, iluminar o processo penal, a
par do próprio princípio de busca da verdade material - considerando o tipo de
situações para que foi dirigida e os cuidados de que se rodeia, apresenta-se
como adequada, necessária e proporcionada e não vai, de forma intolerável,
ofender aquelas garantias e princípios.
IV
Em face do exposto, decide este Tribunal conceder
provimento ao recurso e, em consequência, determinar a revogação do acórdão
impugnado, a fim de o mesmo ser reformado em consonância com o juízo aqui
deixado expresso sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 1995
Bravo Serra
Guilherme da Fonseca
Messias Bento
Luis Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Votei vencido, por entender que a norma em apreço viola o artigo
32º, nº 1, da Constituição, onde se preceitua que «o processo criminal
assegurará todas as garantias de defesa».
Com efeito, e como este Tribunal vem afirmando contínua e
uniformemente, aos cidadãos deve ser garantido um processo justo e equitativo,
sendo, a meu ver, totalmente incompatível com tal exigência a possibilidade
legal de um cidadão ser julgado e condenado, permanecendo sempre na mais
completa ignorância de contra ele correr termos um processo sancionatório.
Se é admissível pensar que, no caso das denominadas «bagatelas
penais», o julgamento se possa efectuar na ausência do arguido - até por sua
conveniência -, o que se afigura manifestamente aberrante é que esse julgamento
possa ter lugar sem que o acusado saiba, sequer, que contra ele pende um
processo de natureza penal ou, pelo menos, sem que lhe seja concedida a
faculdade de requerer novo julgamento, quando lhe seja dado conhecimento pessoal
da condenação (cfr., sobre a matéria, várias sentenças do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem, designadamente: a sentença de 12 de Fevereiro de 1985, Caso
Colozza vs. Itália, cit. in Vincent Berger, Jurisprudence de la Cour Européenne
des Droits de l'Homme, pág. 93; a sentença de 28 de Agosto de 1991, Caso F.C.B.
vs. Itália, R.U.D.H., 1991, pág. 496: e a sentença de 12 de Outubro de 1992,
Caso T. vs. Itália, polic.) .
José Manuel Cardoso da Costa